II – Há Sempre Um Juramento
Seus olhos continuavam a estranhar a luz do dia. Dia? Não havia morrido? Sim, tinha caído, lembrou-se. Por que então não estava escuro? Estaria no céu? Procurou a presença de alguém vivo ou morto, de anjos ou demônios, porém estava sozinho. Num quarto.
Ao lado da cama, num criado mudo, um cântaro cheio de água límpida e fresca. Encheu o copo, mas não tomou da bebida, ficou estático olhando o líquido, não tinha sede, não mais, mas a lembrança, a agonia vivida, a sensação da boca queimando de sede o perturbavam depois de tanto tempo. Tempo? Quando tempo havia se passado, meu Deus? Procurou o relógio, porém este já não trabalhava, estava parado, marcava a hora da queda.
Queda, da qual saíra ileso, sem arranhões nem costelas quebradas. Sim, definitivamente estava no céu.
As nuvens não são feitas de algodão. Queria dizer isto a Ariana, sua irmã caçula, que insistia no contrário (quase como uma máxima ingênua e divertida). Contaria a sua mãe que não havia tom mais belo de azul do que aquele do Céu, e a Aberforth, diria que aquele pasto era o paraíso dos bodes. Dos bodes e dos homens!
Via um, enfim. Era velho e barbudo, na boca, um cachimbo pendia para cima e para baixo, como um pêndulo vertical. O velho o percebeu, sorriu-lhe, mostrando os dentes já amarelados e desgastados pela idade e pelo fumo.
- Olá – gritou o jovem, de longe, enquanto passava por entre duas fontes muito bem construídas.
Aproximaria mais do velho se não fosse impedido. Virou-se para olhar quem lhe tinha segurado o braço, surpreso, seus olhos encontraram os olhos profundos de uma mulher que, coroada de louros, era serena como a noite.
Estendeu a mão ao jovem, a mesma mão que o havia segurado anteriormente, e sem pensar, aceitou o toque, confiou nela, sim, confiou e confiava; mas deveria?
Fato é que, bastou aquele toque, aquele simplório toque para que seus olhos vissem outros arbustos, outras árvores, um outro céu banhado de outro sol. Seja lá onde havia acordado, já não estava lá. Então onde estava agora?
- Um outro lugar, um outro tempo – respondeu-lhe a mulher de repente.
Queria perguntar o significado daquelas palavras, mas as mesmas se extinguiram antes que atingissem suas cordas vocais. Exclamou, enfim, ao ouvir o cântico dos pássaros, que exibiam-se para o espetáculo da reprodução. Abriu os braços, fechou os olhos, girou e girou, respirou daquele ar, abriu os olhos, e avistou o sol perder-se no horizonte. Sempre ao seu lado a dama misteriosa, com semblante indecifrável.
- Veja – disse ela.
O jovem procurou o que supostamente deveria ver, mas o que haveria para ver, afinal? Nada, pelos menos, nada importante e... Espere, ouvia um som, um som distante. Deus alguns passos adiante e, finalmente, viu um rapaz, de costas, com arco pronto para o disparo. Avistou o alvo somente depois, quando a flecha assoviou no ar e calou-se na têmpora de um carneiro, derrubando de imediato.
- Nada mal, Acace. – falou aquela voz masculina e etérea, que nós desta história já ouvimos antes.
- Quem estás ai, e como sabes meu nome?
O rapaz procurava quem havia lhe falado, e alguns metros de distância, a mulher impediu que o garoto, ao seu lado, se escondesse, dizendo que não poderiam ser vistos nem por Acace nem por outrem. - Shhh! Escute! – disse a mulher ao garoto assustado.
- Anda, apareça! – falou Acace, com uma coragem que desconhecia ter.
- Estou bem aqui.
E no cume de uma árvore, lá estava o dono daquela voz suave, seu olhar era cheio mistério, seu rosto, a nobreza de uma tarde fria, e o nariz empinado, a arrogância materializada. De repente, a luz do sol jogou-se sobre os olhos de Acace, obrigando-o a fechar os olhos por alguns instantes, quando a luz já não incomodava percebeu que o estranho tinha desaparecido de sua vista.
- Onde estás tu?
- Bem aqui.
Acace assustou-se em ver que o homem estava ao seu lado, como ele conseguira tal proeza, quando nem fazia um minuto que estava no topo daquela árvore?
O outro jovem – Alvo, sim, este mesmo Alvo, o Dumbledore, aquele que você conhece muito bem - aprumou-se para ouvir a conversa alheia, também não acreditava no que havia visto, queria respostas, necessitava delas... No entanto, frustrou-se, pois, inexplicavelmente, o tempo acelerou como num filme. Acelerou... acelerou até que parou tão de repente quanto havia iniciado.
- Poderás vir, mas só...
- Só se o quê?
- Se prometeres que continuarás sendo o que és: puro e bom. Não, não prometa agora, entenda que teu juramento se estenderá até entre os seres inferiores, como aquele carneiro que abateste, por exemplo. Lá ninguém tolerará tais crimes.– disse sincero.
- E anjos podem ferir?
- De anjo a demônio, é fácil se encontrar.
Alvo sentiu sua mão sendo segurada, e novamente havia chegado noutro lugar, ou melhor, no lugar de partida, naquele lugar que havia despertado, não no quarto, mas naquele jardim, próximo das duas fontes (Hipocrene e Aganipe eram seus nomes), constatou que, o sol ainda brilhava.
- Sim, ainda há sol, e o tempo não passou. – falou a mulher.
Aquela conversa não durou quanto deveria na opinião do jovem Alvo, encerrou-se antes do sol lhe dizer adeus, de uma maneira estranha e intrigante para ele, quando deitou-se na cama dossel, lembrou-se da despedida, das palavras proferidas pela mulher, ela lhe disse: “Seja na vinda de lá ou na volta, há sempre um juramento.”
Agora restava-lhe saber onde lá seria.
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