-Corvo 1-
-Corvo-
A lua cheia chovia em meio ao breu de trevas. O vento sussurrava desesperado enquanto as árvores choravam farfalhantes. Hogsmead encontrava-se completamente só em seu leito, o qual naquele momento me aterrorizava. Fui andando subitamente acompanhado pela solidão, o medo se arrastando aos meus calcanhares.
Frio.
Sibilando-me ao ouvido, pesadas batidas de asas ouviam-se surdamente, e o chão sonoramente cantando num compasso ritmado ao pesar de meus passos, abafados pelo descalçar de meus pés, desertava-me do desejo de seguir aquela ave pavorosa que planava em meus pensamentos congelando minha percepção da realidade.
E foi num raio ofuscante que o céu cortou-se em dois, sorrindo malevolente com seus vastos lábios tremidos, borrados de um batom verde vivo, que desapareceram horrorosos e mortais.
Afogado naquele instante inacabável, contemplei a cena tremulando sobre meus pés enfraquecidos, obrigados a agüentar também o peso do medo que, antes se arrastava, agora apoiava-se possessivamente sobre meus ombros.
"Avada Kedavra" eu ouvia, apesar de estar um tanto quanto longe do local.
"Avada Kedavra" o céu dizia, mesmo depois de estar livre da maldição.
"Avada Kedavra, Avada Kedavra" ecoavam as palavras inexistentes.
Eu sabia que havia sido, Avada Kedavra.
O medo me enforcava, e o gosto amargo de sangue tomou-me o paladar. Tentei engolir, porém estava sufocado. Escorreu-me então ao queixo e cessou no meu peito na forma de calafrio.
Vermelho incolor, intocável. Queimava-me sua presença e ardia a pouca coragem que me restara.
Tentei correr, porém os braços que me mantinham o suor frio, paralizavam-me. A única opção que me restou foi recorrer à coragem, da qual eu já tinha me esquecido.
Ergui meu pé, sentido ainda o chão pisá-lo, e ao tentar voltar ao castelo meus passos seguiram uma outra direção. Pé ante pé, rumei hesitante à faísca que não mais dançava no ar.
Quanto mais eu me aproximava, mais eu parecia me afastar.
Não havia nada lá. Ninguém...
Estranhei o silêncio no início, mas logo notei que se havia alguém ali, que acabara de cometer um assassinato -maldição imperdoável - certamente agiria sigilosamente.
A calmaria tomou conta de minha atenção, porém assustei-me ao ouvir um grito estridente; um chamado de socorro subitamente abreviado.
Vi-me impossibilitado de desviar meus olhos, e minha respiração compassada acelerava o calafrio que me escorrera ao peito, infiltrando-se com espantosa rapidez em meu coração encharcado de pavor.
Aquela voz me era familiar, porém não a reconheci imediatamente.
Meus olhos continuavam petrificados, e quando me dei conta eles já estavam aproximando-se do campo à frente.
O medo ainda agarrado ao meu pescoço era arrastado, e eu, sentindo seus pés arderem com o atrito do asfalto, vigiava com atenção os arredores.
Parei abruptamente ao avistar um sobre-tudo negro retorcer-se em coreografia com o som ali presente; um sibilo duvidoso. Um espetáculo de balé revoltado, estrelado pela dançarina de vestes negras, acompanhada rigorosamente por uma melodia sedenta de sangue.
Sangue...
Esgueirando-me próximo a algumas árvores pude ver rastros tortuosos; vermelhos como os que me escorriam à boca, porém capazes de se ver; doídos como os que queriam rasgar-me por dentro; flamejantes.
Procurei incessantemente avistar a pessoa que anteriormente gritara.
Aquela voz... Eu conhecia aquela voz...
Uma incerteza agonizante invadiu-me de repente. Eu sabia de quem era aquela voz, apenas não me lembrava no momento.
"Ela já deve estar morta" -eu dizia em silêncio - “Sei que foi Avada Kedavra..."
Porém eu a vi. Tentava se levantar, no entanto profundos cortes a impediam. Era perceptível a dor que sentia, embora sua face permanecesse invisível; coberta por seus cabelos - nesse momento mais encarapinhados que nunca - tingidos de sangue.
"Ela escapou" -palavras martelavam-me - “A maldição não a atingiu..."
Um estrondo.
Demorei a assimilar os acontecimentos, pois somente o que vi foi uma intensa luz ofuscar-me a visão, e então, ela contorcer-se desfocada perante meus olhos irritadiços.
Contemplei-a paralisado, ouvindo seus pedidos de socorro cantarem dolorosamente, o que fazia a bailarina dançar com cada vez mais entusiasmo.
Minha coragem foi se devorando vorazmente, e o medo arrancando-me a carne fresca dos ossos, adormecendo-me os sentidos, matando-me mutilado.
Suas lágrimas cansadas de sofrer fugiam-lhe dos olhos, suicidando-se após correr até seu queixo, atirando-se num mar de sangue.
Sua voz, cada vez mais cansada e engasgada pela falta de ar, parecia não mais querer ajuda, e sim, deixar-se levar pelo fim que a salvaria daquele momento.
"Cruccio" - a palavra pesou-me torturante, porém seu eco foi abafado pelo sorriso grotesco que se escondia atrás da máscara que o comensal usava para encará-la.
"Cruccio" -ele voltava a dizer, sua varinha apontada maquiavelicamente para ela - "Você gosta disso? - Sua vóz ameaçadora - "Perguntei se gosta disso!"
O comensal parecia ter perdido a paciência, irritado pelo fato da garota torturada não responder. Como se ela conseguisse...
Porém chamou-me a atenção quando seu pé voou contra o corpo que agonizava ao chão, o qual foi atirado maquinalmente contra a parede.
-Covarde... -A palavra escapou-me dos lábios, a sensatez agarrada aos meus punhos, dos quais eu tinha a esperança de perder o controle.
Maldito...
Ele parou por um instante. Talvez tivesse me ouvido, no entanto pareceu ignorar a minha presença.
Levei minha mão às vestes quando o observei se aproximar novamente dela. Não encontrei minha varinha.
Descontrolei-me dando passos a frente, e petrificado pela visão horrenda que quase me enlouquecia, tornei-me um pasmo espectador aos olhos que, antes tão distantes, agora miravam aos meus, vivos e penetrantes; doídos e desesperados.
Seus lábios banhados por suas lágrimas fugitivas moveram-se minimamente, porém a palavra recoberta pela dor era-me óbvia.
Meu nome... Ela chamava meu nome...
Comovi-me pela vontade aparente que ela tinha de viver, e foi num instante involuntário que segui o movimento da varinha que mirava-a juntamente com as palavras congelantes:
-"Avada Kedav..."
Joguei-me impulsivamente entre ela e o raio verde, e tudo pareceu-me escurecer antes que eu pudesse ver o céu novamente sorrir pavoroso.
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Foi quando abri meus olhos gelados, antes de retornar à realidade, que seu nome pareceu-me necessário. Sentei-me não querendo confirmar o que vi, e num sussurro ofegante chamei-a, como se ela estivesse próxima o bastante para me ouvir:
-Hermione...
Disse alguma coisa, Draco? -Ouvi Crabbe me dizer.
-Te interessa? -Respondi zangado.
Olhei para um outro canto do quarto e vi Goyle.
-O que está olhando, Goyle? -Ameacei-o.
-N-nada não, n-nada mesmo. E-eu juro que...
Saí do quarto deixando-o falar com as paredes. Rumei sozinho ai salão principal àquela manhã.
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