I'll Be Waiting - ON
N/A: essa song é spin-off da minha short Sem Ana, blues. Mas não precisa ler a primeira parte para entender essa ;)
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A Subdivisão de Regulamentação de Ambientes Mágicos consistia em uma sala espaçosa no subsolo do Ministério da Magia. As paredes eram dominadas por grandes janelas de vidro, enfeitiçadas para reproduzir o exterior. Bom, não exatamente, já que uma chuva fria e um vento uivante sopravam do lado de fora e, naquelas janelas, havia um sol ameno se pondo no horizonte alaranjado. Algumas mesas de madeira escura espalhavam-se pela sala, com funcionários atarefados desaparecendo aos poucos por trás das pilhas de papel.
Ana Abbott adentrou o local, correu os olhos pelas mesas e se dirigiu para a única que estava desocupada. Um bruxo atarracado e careca rabiscava alguns papéis, apressadamente.
- Boa tarde. Vim assinar a legalização de funcionamento do meu estabelecimento.
- Trouxe os contratos mágicos? - ele questionou, sem se dar o trabalho de levantar a cabeça para mirá-la.
- Sim. Contrato de compra e venda, já está assinado...
- Com tinta ininterrupta?
- Sim.
- A senhora é a compradora ou vendedora?
- Compradora.
- Onde está o vendedor?
- Não pôde comparecer, mas...
- Não podemos finalizar a transação sem confirmação presencial.
- Na verdade, fui informada de que, com um contrato de cedência de sangue&ouro, seria possível dispensar o...
- O dia para trâmites de contratos de cedência é terça-feira.
- Eu estive aqui na terça, me disseram para retornar na quinta.
- Sinto muito, os trâmites para contratos de cedência são feitos na terça-feira, apenas.
- Olha só, sr. Jacobson, - Ana leu o nome na pequena placa de metal sobre a mesa e respirou fundo - essa já é a terceira vez que venho aqui. Os contratos estão assinados. A reabertura do meu bar é amanhã. O senhor não pode fazer nada por mim?
- Como eu disse, a presença de ambos os negociantes são necessárias no ato da passagem de posse.
- A não ser que um contrato de cedência com embasamento mágico poderoso seja utilizado. - Ana replicou, cerrando os dentes. Tinha se informado a respeito, tinha feito tudo corretamente. Há semanas estava enrolada com todos os preparativos de abertura e todos os trâmites legais. Tom, que estava lhe vendendo o bar, mudara-se para a Irlanda tão logo Ana depositara o dinheiro em suas mãos. Fazê-lo voltar seria demorado e estava fora de cogitação.
- Mas o dia de lidar com isso é...
- Terça-feira! - Ana se exaltou, o sangue começando a subir por seu pescoço - Eu já sei! Estou perguntando se você não pode escavar um pouco de boa vontade do fundo dessa sua alma e me encontrar outra solução.
- Não posso autorizar nada hoje. Está fora da minha alçada.
- Muito bem! - Ana se levantou da cadeira, seu mau humor chegando ao limite - Com quem eu tenho que transar pra conseguir fazer a inauguração do meu bar?
- Ana? - o nome foi murmurado em um tom surpreso. Abbott ergueu os olhos para a porta que se abrira, nos fundos da sala. A mulher parada de pé na soleira a encarava fixamente, provavelmente atraída por sua exaltação.
- Dafne.
Abbott estacou por alguns segundos. Fazia anos, muitos anos, desde que tivera aqueles olhos verdes fixos em si pela última vez. Na verdade, sequer se lembrava de qual teria sido a última vez. E lá estavam eles de novo, aqueles olhos verdes. E Ana experimentou uma sensação que lhe era quase desconhecida: a de ser pega desprevenida.
Imediatamente depois da guerra, Ana mudara-se para a França. Recuperara os estudos com um mentor particular, depois se dedicara a diversos cursos, de culinária francesa à administração. Aos poucos, deixara os horrores da guerra e os anos em Hogwarts se amortecerem bem no fundo de sua memória. E o tempo passara. Então, cinco meses antes, quando decidira voltar à Inglaterra, aquelas lembranças adormecidas começaram a se manifestar. Primeiro timidamente, com pequenos flashs. Depois com mais intensidade, povoando seus sonhos por noites e noites seguidas. Lembrava-se do medo, das mortes, de Hogwarts destruída. Mas lembrava-se também do sol refletindo no lago, das partidas de quadribol, das férias de natal na casa de seus avós. E lembrava-se, embora não soubesse bem o porquê, daqueles olhos verdes. Aquelas íris eram personagens frequentes de seus sonhos, de flashbacks, de todas as reviravoltas de suas memórias.
- Posso te ajudar em alguma coisa? - Dafne perguntou, parecendo se recuperar da surpresa em tempo bastante hábil.
- Você trabalha aqui?
- Sou a chefe do setor.
- Ah. Eu estou tentando legalizar um contrato de compra e venda. O vendedor não pôde comparecer, mas estou com uma procuração de cedência. Só que, mesmo assim, parece que o senhor Jacobson aqui não pode me ajudar.
- Porque o dia de lidar com procurações de cedência é... - começou Jacobson.
- Terça-feira, eu já sei! - Ana revirou os olhos.
- Bom, vem aqui na minha sala. Vou ver se posso te ajudar em alguma coisa. - Dafne propôs, chamando Ana com um aceno de mão.
- Obrigada. - Abbott sussurrou, com um suspiro de alívio.
- Boris, você está liberado. Vai atrás da Milly, vai. - Dafne disse na direção do bruxo careca, antes de fechar a porta atrás de si - Não fique irritada, Jacobson não está num bom dia. A namorada terminou com ele.
- Não posso nem imaginar um motivo. - a loira ainda rosnou entredentes e Dafne riu. Fez um gesto para Ana se acomodar em uma cadeira e deu a volta na mesa para se sentar também.
- Eu não sabia que você tinha voltado à Londres. – comentou, esticando a mão para receber as pastas de Ana.
- Faz menos de um mês. – Abbott explicou, vendo Dafne folhear seus documentos com ar profissional – Passei os últimos anos na França.
- E agora você... é a nova dona do Caldeirão Furado! – constatou, ao passar os olhos pelo contrato de compra.
- Pois é.
- Uau. Eu tinha ouvido falar que Tom havia vendido o bar, mas não sabia detalhes.
- Minha intenção é fazer a reabertura amanhã à noite, mas toda essa burocracia está me deixando louca. – reclamou e a morena riu, erguendo os olhos para Ana por um momento.
- Parece que sua papelada está toda em ordem. Vou só conferir alguns detalhes e resolvemos tudo isso agora.
- Está falando sério?
- Estou falando sério. – Greengrass confirmou e Ana se recostou na cadeira, o alívio desanuviando sua expressão.
Então Dafne espalhou os contratos e procurações de Ana pela mesa de madeira escura, usando uma pena-oficial, com aquela tinta roxa do Ministério, para circular, cortar e assinar alguns dos documentos. Ana ficou seguindo aquelas mãos com os olhos, reparando no formato longo daquelas unhas pintadas caprichosamente de preto. Unhas longas. Dafne sempre tivera unhas longas.
Ana conseguiu constatar com uma nitidez surpreendente tudo em Dafne que não havia mudado. Os dedos pequenos, a boca em formato de coração, os cabelos castanhos caindo abaixo dos ombros. E também conseguia identificar o que havia mudado. Se, em Hogwarts, Dafne estava bem perto de alcançar 1,70m, agora com certeza já havia ultrapassado em bons centímetros essa marca. Seu corpo se alongara para abandonar as curvas promissoras de uma garota e adquirir as curvas certeiras de uma mulher. E seus olhos, aqueles olhos verdes que Ana só sabia definir como olhos nus, tinham aprendido a arte da sutileza.
- Pronto. – Dafne anunciou de súbito, fazendo Ana piscar.
- O que?
- Está pronto, tudo legalizado. – a morena explicou, devolvendo a pasta para Ana – Você está liberada para abrir o bar.
- Nem acredito! Obrigada, Dafne!
- Sem problemas. Desculpe qualquer transtorno. – Dafne disse, erguendo-se da cadeira quando Ana fez o mesmo. Acompanhou-a até a porta e lhe ofereceu um sorriso, um sorriso novo que Ana não reconheceu.
- Você salvou minha vida.
- Não exagere.
- Não é exagero. Seus drinques amanhã, na reabertura, são por conta da casa. – afirmou, acenando animadamente e girando nos pés antes que Dafne pudesse abrir a boca para contestar o convite implícito.
- Ana.
- Oi?
- Eu te amo.
- Não ama, não.
- É claro que amo.
- Não, você só quer me levar pra cama.
- Nós já estamos na cama. - Dafne disse, rolando nos lençóis para se virar de frente para Ana.
- Bom argumento. - a loira respondeu, apoiando a cabeça em uma das mãos e alinhando seu olhar ao de Dafne.
Estavam na cama. Cansadas e suadas depois da primeira transa. O melhor sexo que Ana já tivera na vida. Disparadamente. O corpo de Dafne era curvilíneo, flexível, e se entregava sem pudores. Ana gostava de tocá-la pedaço por pedaço e senti-la reagir. Nunca se decepcionava. Junto com a Dafne suave que sabia existir, descobrira a sonserina orgulhosa e incansável, que não admitia uma pausa para respirar antes que Ana estivesse mole, exausta e suspirando seu nome, completamente satisfeita.
E agora estava ali, nua, extasiada e... feliz. Com os olhos de Dafne devorando-a sem disfarces, repetindo o que sua boca acabara de dizer. Aquele "eu te amo" mais simples que um céu azul e tão cheio de possibilidades quanto.
- Você não precisa falar de volta. - Dafne sussurrou e Ana sorriu.
- Eu sei. Afinal, já te levei pra cama mesmo, não é? - brincou e gargalhou quando Dafne rolou para cima dela e calou-a com um beijo.
- Ana? Está me ouvindo? - Chad acenou a mão na sua frente e Ana piscou, despertando da lembrança.
- O que foi?
- Onde você estava, hem?
- Longe. - respondeu, balançando a cabeça - O que você quer?
- A garrafa de fada verde. Passa pra mim. - ele pediu e Ana alcançou a garrafa esverdeada atrás do balcão e entregou para Chad. Ele estava mesmo uma graça em seu uniforme de garçom. Tudo estava correndo absolutamente bem.
Estava orgulhosa do que havia feito com o Caldeirão Furado. Havia renovado aquela aparência decadente e se livrado das teias de aranha. Contudo, tinha mantido o ar discreto e casual, aconchegante e levemente obscuro, que tinham feito a fama do bar. Também tinha redecorado os quartos e investido na hospedaria, bem como no setor restaurante do negócio. Tinha dado trabalho, mas tudo estava sendo recompensado naquela primeira noite de casa lotada.
Ouviu o tilintar baixo de sinos, anunciando que a porta havia sido aberta. De trás do balcão, Ana esticou o pescoço para espiar quem chegara. No momento em que seus olhos pousaram nela, soube que a estivera esperando a noite inteira. Acompanhou Dafne com o olhar, vendo-a tentar seguir diretamente até o bar, embora tenha sido interrompida no caminho por um e outro conhecido. Ana esperou, com um pouco mais de impaciência do que gostaria de admitir, que a morena desenrolasse uma longa conversa com Pansy Parkinson, antes de retomar seu rumo de atravessar o Caldeirão Furado.
- Você veio. - disse, quando Dafne se aproximou do balcão.
- Drinques por conta da casa, como eu recusaria? - a morena replicou, acomodando-se em um dos bancos acolchoados que Ana dispusera ao longo do bar - O lugar está incrível, Ana. Parabéns.
- Obrigada, Daf. Você também... está incrível. - respondeu, sem pensar em medir as palavras. Os olhos da Dafne se inflamaram rapidamente e Ana sorriu. Era a reação que estava esperando. Aquele súbito flamejar de quando Dafne era surpreendida. Talvez ainda a conhecesse o bastante...
- Obrigada. Aquela garrafa azul ali não seria Canto da Sereia, seria?
- Dose dupla? - Ana ofereceu, pescando a garrafa e servindo Dafne habilmente.
- Pra começar. - ela respondeu, piscando. Pegou a taça que Ana lhe servira e pulou do banco onde estava, voltando-se para o centro do bar, onde sua irmã, Astoria, Pansy e Draco estavam sentados em uma mesa redonda.
Ana assistiu-a caminhar até eles e se sentar entre os amigos. Nenhuma olhadela por cima dos ombros, nenhuma jogada de cabelos. Mas aquilo não significava nenhum interesse, significava? Tinha dito a verdade. Dafne estava incrível. Um mulherão era um jeito fútil de descrevê-la. Mas era a única palavra que lhe ocorria. Aquela Greengrass crescera. E tinha agora uma segurança que atraía Ana tanto quanto todas aquelas memórias do passado.
Seus olhos voltaram-se para Dafne a cada oportunidade, nas horas seguintes. Não sabia se explicar e não estava interessada em explicações. Estava interessada nela. Isso bastava.
- Tenho direito a outra dose? - Greengrass questionou, apoiando-se mais uma vez no balcão, algum tempo depois. A taça em sua mão estava vazia.
- Você bebe devagar. - Ana acusou-a.
- A pressa é inimiga da perfeição. - Dafne replicou com um sorriso lento. Ana sorriu também, porque se lembrava de como Dafne costumava beber aos poucos, mas beber a noite inteira, e passar por cada estágio de sóbria à bêbada de um jeito inigualável. E nunca ficava de ressaca. Sorriu porque a cada palavra e a cada passo daquela mulher, sentia-se com dezesseis anos de novo.
Serviu-a outra dose.
- Gostei do seu pingente. - Ana disse, mirando o pequeno oito deitado, o símbolo do infinito, que caía dourado e simples pelo colo de Dafne. Ela tocou-o com a ponta dos dedos e balançou a cabeça.
- Eu também gosto.
- Infinito. - a loira murmurou, erguendo os olhos para os de Dafne novamente - É muito tempo.
- Quem falou de tempo? - ela questionou e Ana ergueu as mãos.
- Touché. - serviu outra dose, dessa vez para si mesma - Dez anos. É muito tempo? - perguntou, e os olhos de Dafne se estreitaram. Ela entreabriu a boca, mas não teve tempo para uma resposta.
- Aí está você. - a terceira voz infiltrou-se entre as duas e Ana piscou ao ver Padma Patil surgir ao lado de Dafne no bar e beijá-la rapidamente nos lábios.
- Você demorou. Achei que não vinha mais.
- Dormi demais, perdi a hora. Me desculpe. - Padma pediu, segurando a mão que Dafne colocara em seu rosto.
- Tudo bem, você estava cansada. - Dafne assentiu, inclinando o rosto para um novo beijo.
- Vocês ainda estão juntas. - Ana se pegou dizendo, embora fosse uma conclusão íntima.
- Ah... Padma, você lembra da Ana, certo? - Greengrass perguntou, voltando-se para a loira.
- Claro. O Caldeirão está ótimo, Abbott. Parabéns. E sim, nós ainda estamos juntas. - a indiana respondeu, o tom de voz afiado o bastante para cortar suas expectativas em pequenas tiras.
- Que bom... isso é... Nossa. Posso te servir alguma bebida?
- Não, obrigada. Tenho um plantão agora no St. Mungus. - Padma respondeu e virou-se para Dafne novamente - Só passei para te dar um beijo, amor.
- Que horas você chega?
- De manhã.
- Bom plantão. Se cuida, viu?
- Pode deixar. Tchau, Abbott. - Padma acenou brevemente.
- Até mais, Patil. - retribuiu ao aceno, seus olhos captando no último segundo o brilho dourado ao redor do pescoço de Padma. Um pequeno símbolo do infinito. Quem falou de tempo?
- Padma é medibruxa. Esses plantões estragam alguns finais de semana. - Dafne explicou, quando a morena deixou o bar.
- Imagino. Vocês... moram juntas?
- Já faz tempo. - Dafne assentiu, bebericando seu drinque - E você?
- O que?
- Ficou alguém te esperando na França?
- Não. - Ana balançou a cabeça - Ninguém me esperando na França, ninguém me esperando aqui.
- E você está esperando alguém? - Dafne questionou enquanto folheava um dos cardápios sobre o balcão, sem levantar os olhos para Ana.
- Talvez. - a loira respondeu, simplesmente - Quer pedir alguma coisa?
- Sim. Duas porções de javali ao molho de framboesa, por favor. - Dafne respondeu e Ana acenou com a varinha, fazendo uma pequena bola dourada flutuar na direção da cozinha.
- Quer que prepare uma mesa?
- Na verdade, quero para viagem. Vou até o St. Mungus. Às vezes Padma consegue uns 20 minutos para engolir alguma coisa comigo.
- Bom... por que você não me deixa arrumar uma mesa, nós duas podemos jantar com calma e depois você leva alguma coisa para Padma? - Ana ofereceu, esticando a mão sobre o balcão e tocando o braço de Dafne com a ponta dos dedos.
- Obrigada, mas acho que vou tentar a sorte. - a morena respondeu, aparando os embrulhos laminados que haviam flutuado da cozinha em sua direção - Vinte minutos é melhor do que minuto nenhum. - completou, enfiando a mão em um dos bolsos de sua veste e puxando alguns galeões.
- Ei, nada disso. Por conta da casa, lembra?
- Não se começa um negócio com essa política. Desse jeito, não se vai muito longe. - Dafne replicou, rindo e apoiando as moedas na mesa - Boa sorte com tudo, Ana.
- Obrigada. - murmurou e a morena sorriu simpaticamente, antes de pegar os embrulhos e rumar para fora do Caldeirão.
Ana ficou olhando-a sair. Vinte minutos é melhor do que minuto nenhum. Não conseguiu deixar de provar um gosto amargo na boca do estômago. Dafne e Padma estavam juntas há dez anos. Mas Ana deveria saber... Se havia alguém no mundo que preenchia todas as qualificações da palavra "comprometida", essa pessoa era Dafne Greengrass. Abbott suspirou, tentando reprimir a onda súbita daquele sentimento inquietante... O que era mesmo? Ah, sim. Saudade.
- Toc-toc. Muito trabalho aí? - Ana bateu na porta de madeira com os nós dos dedos e Dafne levantou a cabeça de alguns papéis para mirá-la, os olhos cheios de surpresa.
- Ah, oi Ana. Na verdade, estou adiantando serviço. É um verdadeiro milagre quando isso acontece. Hm... Tudo bem? Você precisa de alguma coisa?
- Não... não preciso de nada. Eu só... eu tive uma consultoria aqui no Ministério sobre conseguir um selo bruxo para o Caldeirão. E pensei se você não... Bom, se você não quer sair para almoçar. - Ana esclareceu, esquecendo-se convenientemente de mencionar que a consultoria fora horas antes, ainda na parte da manhã e que, desde então, estivera rodando pelo Ministério, tentando arrumar o momento e a desculpa perfeita para procurar Dafne.
- Ah... - a loira sentiu tanto quanto ouviu a hesitação na voz de Dafne. Captou o estranhamento em suas íris verdes. Pensou em dizer mais alguma coisa, uma pequena insistência, mas desistiu. Seria inconveniente. Por isso, apenas esperou, apoiada no batente da porta da sala de Dafne, como uma velha amiga fazendo um convite inocente. - Tudo bem. Estou mesmo com fome. - Greengrass respondeu, por fim, e Ana sorriu satisfeita.
Caminharam até um pequeno restaurante trouxa de comida japonesa, que ficava nas redondezas do Ministério. Era um lugar simples, onde se descalçavam antes de entrar e as mesas ficavam bem próximas ao chão. Sentaram-se sobre almofadas confortáveis e Ana fez alguns pedidos, uma vez que Dafne nunca experimentara nada daquilo.
- Você tem um talento nato. - Ana comentou ao ver Dafne se entender de imediato com os hashis.
- Se você diz. - Dafne riu, levando um sushi à boca.
- Digo. Mas você realmente sempre teve muito talento manual. - Abbott disse e Dafne tossiu um pouco, fazendo-a reprimir um riso.
- Comida japonesa... é mesmo muito bom.
- É, imaginei que você gostasse de comida oriental. - dessa vez foi Dafne quem não segurou a gargalhada e Ana ficou assistindo enquanto as bochechas dela adquiriam um tom vermelho-quente.
- E para quê você quer um selo mágico, afinal? - Greengrass fez uma última tentativa de mudar de assunto, quando o riso finalmente morreu.
- Bem, para que os trouxas não possam ver o...
- Eu sei para que serve um selo, Ana. Perguntei por que você quer usá-lo.
- Quero fazer shows no Caldeirão Furado, em algumas noites. Acho que será mais seguro e confortável se o lugar estiver selado para a presença de trouxas.
- Shows?
- Sim. O primeiro está agendado para esse final de semana.
- Quem?
- As Esquisitonas.
- Não! - Dafne arregalou os olhos - Elas não se apresentam mais!
- Se apresentam se o amigo do primo do meu pai pedir com jeitinho ao ex-agente delas.
- Você está brincando!
- Seu ingresso está reservado.
- Eu estarei lá.
- Eu sei. - Ana afirmou e Dafne lhe ofereceu um pequeno sorriso torto antes de encher a boca com um novo sushi.
- Aqui. – Ana gritou, estendendo uma garrafa de cerveja amanteigada para Dafne.
- Obrigada! – a morena respondeu, seus olhos grudados no palco que Ana montara nos fundos do Caldeirão, onde As Esquisitonas tocavam a introdução de uma nova música.
- Que pena que a Padma não pôde vir. – a loira murmurou, modulando sua voz para disfarçar o tom de sondagem.
- Está de plantão de novo. – Dafne deu de ombros e tomou um gole da garrafa – Mas ela não é muito fã da banda, de qualquer jeito.
- Entendi.
- Do the hippogriff, do the hippogriff! – Dafne começou a cantar, pulando animadamente com os outros fãs, quando a música entrou no refrão. Ana riu e se juntou a ela, gritando a música a plenos pulmões.
Conheciam todas as canções, é claro. Costumavam ser fanáticas pela banda, em Hogwarts, e sempre davam um jeito de comparecer a algum show durante as férias. Ana ergueu os olhos para a Dafne animada e espontânea que cantava as músicas, ao seu lado. Dançando cada coreografia idiota instruída pelos integrantes da banda. Seu cabelo se desalinhava em uma bagunça castanha e seus olhos brilhavam sob as luzes bruxuleantes. Por um momento, foi como se fossem duas adolescentes de novo. Como se nada tivesse mudado e Ana pudesse lhe segurar a mão, puxá-la para o banheiro e lhe dar uns amassos.
A impressão de que o tempo retrocedera foi tão forte que Abbott chegou a estender a mão na direção da de Dafne. E talvez as duas tivessem embarcado naquela fantasia retrógrada se a música agitada não tivesse terminado naquele exato momento e uma mais lenta começado. Aquela música lenta.
- Eu não estou entendendo. – Dafne murmurou, sua voz trêmula.
- Não é nada com você, de verdade. – Ana disse, chutando uma pedrinha do chão batido atrás do Três Vassouras. O som da música transbordava das paredes e abafava a conversa das duas.
- Ana... O que você quer dizer?
- Eu acho que... nós não estamos dando certo.
- Como assim?!
- Nós queremos coisas diferentes... – a loira murmurou, tentando olhar para qualquer canto, menos naqueles olhos nus de Dafne. Porque sabia o que veria neles. Sabia o que veria e não queria ver.
- Do que você está falando? Queremos coisas diferentes? Nós já passamos horas planejando nossas vidas juntas! Coisas diferentes?
- Eu sinto muito, Daf. – disse, segurando-se para não falar que era exatamente aquela a diferença no que queriam: uma vida juntas.
- Você não está falando sério. Eu fiz alguma coisa que te chateou, foi isso?
- Não! Já disse que não é nada com você.
- Mas é comigo que você está terminando!
- Eu só... não quero mais.
- Mas... Ana... – Abbott levantou os olhos e engoliu em seco ao ver aquelas íris verdes marejando até as lágrimas escorrerem pelo rosto pálido de Dafne.
- Nós ainda podemos ser amigas. Eu realmente gosto de você, Daf.
- Amigas? Eu não quero ser só sua amiga. Eu amo você! – Dafne gritou, fazendo Ana recuar um pequeno passo. E, para ajudar a compor o momento com um pouco de ironia, a música cessou por um segundo e então uma melodia suave começou a reverberar de dentro do Três Vassouras.
“And dance your final dance, this is your final chance to hold the one you love…”
- É a nossa música. – a morena sussurrou, avançando até Ana e tentando abraçá-la pela cintura. Ana se esquivou.
- Dafne, acabou...
- Mas está tocando a nossa música. – ela insistiu, como se isso, de alguma maneira, pudesse reverter a situação.
- Acabou. – Ana repetiu, baixinho, então deixou o local a passos rápidos, ouvindo a voz do vocalista d’As Esquisitonas esmorecer enquanto se afastava.
Ana soube que a mesma lembrança havia ocorrido a Dafne no momento em que seus olhos se encontraram.
- You know you've waited long enough. So, believe that magic works. – o vocalista estava cantando, no palco.
A garrafa de cerveja amanteigada escapou da mão da morena e se espatifou no chão. Quando Abbott fez menção de se aproximar, Dafne deu meia volta e se afastou apressadamente do palco. Ana a seguiu de perto, embora o local estivesse cheio e fosse difícil avançar. Viu Dafne parar por um momento perto do bar e respirar fundo, passando as mãos pelo cabelo. Antes que pudesse escapar de novo, Ana a alcançou e segurou-lhe o pulso com firmeza.
- Vem comigo.
- Ana, não... – a negação foi inútil, pois Ana a arrastou pelo salão do Caldeirão Furado e escadaria acima na direção da hospedaria.
O som da música morreu aos poucos até se transformar em um silêncio surdo quando chegaram às portas dos quartos.
- Desculpe, eu só fiquei um pouco tonta com tanta gente...
- Dafne, eu sinto muito. – a loira a interrompeu, sem enrolações, segurando-lhe as mãos entre as suas.
- Pelo que?
- Por ter sido tão idiota com você.
- Você não foi idiota. – Dafne riu baixo e balançou a cabeça – Já passou muito tempo, eu consegui entender tudo que não tinha entendido antes.
- Entendeu o que?
- Que as pessoas podem simplesmente mudar de idéia. E tudo bem.
- Você acha mesmo? – Abbott questionou, forçando um passo até encostar Dafne contra a parede do corredor.
- O que? – Dafne sussurrou, seus olhos verdes tornando-se cautelosos.
- Que tudo bem mudar de ideia? – completou, apoiando uma das mãos na parede, ao lado da cabeça de Dafne, e segurando-a pela cintura com a outra.
- Sim. – Dafne sussurrou, tão perto que Ana podia beber da sua respiração quente – Acontece com todo mundo. – completou, desprendendo-se em um instante da loira e rumando escadaria abaixo.
Ana sequer se moveu, nem tentou um passo para ir atrás dela. Ficou parada no corredor, escorando-se na parede para aceitar aos poucos o peso de suas conclusões. Por anos pensara em Dafne como uma garota mimada e imatura que não aceitava perder. Principalmente nos meses após o término. Mas aquela não era a verdade. Das duas, Ana era a imatura. Ela não estava preparada para as promessas estampadas nos olhos de Dafne. Ela fugira.
Dafne sofrera mais porque perdera mais. Perdera dezenas de planos e expectativas que Ana nunca tivera. Quem é que sabia lidar com isso? Quem, afinal, sabia perder? Ana tivera medo, medo de um futuro que agora era o passado que desejava ter tido. Tivera medo e por isso perdera Dafne. E agora – essa conclusão foi a primeira e a última, a única que realmente importava – a queria de volta.
Hold me closer one more time,
Say that you love me in your last goodbye.
Please forgive me for my sins.
Yes, I swam dirty waters,
But you pushed me in.
I've seen your face under every sky,
Over every border and on every line.
You know my heart more than I do,
We were the greatest, me and you.
But we had time against us,
And miles between us,
The heavens cried,
I know I left you speechless.
But now the sky has cleared and it's blue,
And I see my future in you.
Ana podia ter disfarçado, se policiado, ter deixado toda aquela história de lado. Podia, mas não pensou em fazê-lo nem por um segundo. Nos dias que se seguiram ao show d’As Esquisitonas, Dafne Greengrass dominou seus pensamentos mais do que nunca. Podia sentir a calidez de seu corpo, e reviver a sensação daqueles olhos verdes estreitos e desconfiados. Lembrava-se de como ela fugira de seus braços, correndo escada abaixo. Bom, como diria o filósofo francês, Jean-Jacques Rousseau: “As mulheres não foram feitas para a fuga. Quando correm é porque desejam ser perseguidas”. E, sendo esse o caso ou não, Ana tentaria a sorte.
Em consequência, sua semana havia sido cheia de idas ao Ministério, envio de guloseimas raras, cartas com trocadilhos ou informações inúteis e flerte descarado. Não podia dizer que Dafne lhe retribuía, ainda mais no que dizia respeito ao flerte descarado. Mas Ana sempre dava um jeito de surpreendê-la. E Dafne adorava surpresas.
A loira se apoiou no balcão do Caldeirão Furado, correndo os olhos pelo bar quase vazio àquela hora da tarde e voltando-os para o pequeno cartão em sua mão.
Obrigada.
Dafne Greengrass.
Essa resposta curta e seca era tudo que recebera por ter enviado uma cesta de varinhas de alcaçuz para Dafne naquela manhã.
Pelo que eu me lembro, comer quilos de açúcar era sua segunda maneira favorita de começar o dia. – escrevera no pergaminho que acompanhara a cesta. Pelo que se lembrava, a primeira maneira favorita era fazendo amor com ela, é claro.
Abbott sabia que estava dando tiros no escuro, mas não se importava. Em algum momento acertaria o alvo. Certo? Queria Dafne. Queria Dafne com uma força tão visceral que às vezes lhe deixava nauseada. Tinha pulado de relacionamento em relacionamento, nos últimos dez anos, sem nunca descobrir porque o prazo de validade de seus namoros era tão curto. Agora sabia. Agora tinha certeza. Passara anos tentando recuperar o que havia perdido. O que havia jogado fora. Não era mais criança. Não tinha mais aquela sede insaciável de conhecer o mundo. Conhecera o mundo. Agora queria voltar para casa.
Não quero te incomodar, mas estava desempacotando o resto da minha mudança e encontrei algumas coisas suas. Talvez você ainda as queira de volta. Se não for muito inconveniente, passe aqui depois do trabalho. Já separei tudo em uma caixa.
Atenciosamente,
Ana Abbott.
A loira releu o bilhete, certificando-se de que modulara bem o tom casual das palavras. O sucesso de uma armadilha dependia da presa nunca saber que estava caminhando para ela, não era? Despachou o bilhete para Dafne. E esperou.
Ela apareceu no final da tarde, e Ana segurou um suspiro quando o badalar dos sinos anunciou a passagem dela pela porta. Dafne vestia um conjunto preto, sério, que delineava a curva suave de seus quadris. O cabelo estava preso em um coque profissional e seus olhos verdes pareciam pesados e ligeiramente opacos por falta de sono. Ainda fez o estômago de Ana se contrair quando ela se aproximou e focou aquelas íris sobre a loira.
- Você parece cansada.
- Obrigada. – Dafne bufou e Ana riu.
- Não quis dizer que não está bonita. – a loira replicou, colocando uma xícara azul na frente de Dafne e enchendo-a de chocolate quente.
- O que você quis dizer? – Greengrass questionou, mirando a xícara por um momento antes de ceder e bebericar o chocolate.
- Que você precisa de... um pouco de atenção. – respondeu, tocando o canto do lábio de Dafne com um guardanapo quando a morena baixou a xícara. Dafne abriu um fino sorriso irônico.
- Meu disco d’As Esquisitonas. Ficou com você, não ficou?
- Sim. Eu deixei tudo aqui nos fundos, vem. – Ana levantou a passagem do balcão e acenou para que Dafne a seguisse para os fundos do bar.
Ultrapassaram uma porta e alcançaram um pequeno cômodo retangular, onde dezenas de prateleiras estavam entulhadas com todo tipo de suprimento. Ana se esticou na ponta dos pés e recuperou uma pequena caixa azul de uma das prateleiras mais altas e apoiou-a em uma das mais baixas antes de destampá-la.
- Seu disco. – disse, pescando o objeto e passando-o para Dafne.
- Eu tentei comprar outro, mas está fora de estoque há anos. – a morena disse, alisando a capa antiga e fosca com cuidado exagerado – O que mais tem aí?
Dafne se aproximou e espiou o interior da caixa azul com curiosidade. Suas mãos pescaram uma antiga camisa oficial das Hapias de Hollyhead. Dafne abriu a camiseta e agitou-a no ar.
- Dá pra acreditar que isso já coube em mim?
- Dá. – Ana respondeu, porque se lembrava muito bem de Dafne dentro daquela camisa. Embora agora a morena estivesse mais alta e seu busto estivesse provavelmente dois números maiores. – Mas seria interessante ver você experimentá-la agora. – completou com um sorriso de lado. Dafne fingiu não ouvir.
- Meu mini-xadrez! – ela exclamou, capturando um estojinho de madeira. – Por que você guardou tudo isso?
- Porque sim. – a loira deu de ombros – Devia ter te devolvido tudo logo no início, mas...
- Mas?
- Achei que ia doer. – admitiu, mirando aqueles olhos nus de Dafne longamente. A morena deixou as barreiras ruírem e assentiu de leve com a cabeça. As duas sabiam a quem Ana se referia. Quem havia se arrastado aos cacos para fora da relação fora Dafne. Ana nunca olhara para trás, nunca hesitara. Até então.
- Você estava certa. – Dafne sussurrou, deixando de lado a postura complacente que não se encaixava nela, de todo modo. O tempo ensinara àquela Greengrass a maquiar seus sentimentos, a não sangrar em público. Mas Ana sentia falta daquela transparência desoladora que Dafne possuía quando adolescente. Era bom, reconfortante, ver resquícios dela aparecendo mais uma vez. – Sabe, eu também tenho uma caixa com algumas coisas suas.
- Mesmo?
- Sim. Eu também devia ter te devolvido antes, mas...
- É, eu sei.
- Mas agora já está mais que na hora.
- Um lembrol? – Ana questionou, segurando a esfera diante dos olhos.
- Que não serviu de muita coisa, já que não te impediu de esquecê-lo comigo. – Dafne disse, fazendo Ana rir e devolver a bolinha para dentro da caixa.
- Eu sempre tive uma memória muito seletiva.
- Então aposto que não se lembra de ter jogado esse livro na minha cabeça, quando achou que eu estava flertando com Gina Weasley.
- Não, não me lembro. – Ana balançou a cabeça, aceitando o volume de capa dura de “Animais fantásticos e onde habitam” que Dafne lhe passara – Mas lembro que você estava flertando com Gina Weasley.
- Muito conveniente essa sua memória. – Dafne revirou os olhos e riu – Eu provavelmente devia te dizer que você também deixou uma garrafa de hidromel envelhecido comigo, mas eu bebi.
- Provavelmente não devia me dizer, já que eu tinha me esquecido disso também. Agora vou cobrar minha garrafa.
- Bom, eu não tenho hidromel, mas se você quiser uma taça de vinho doce...
- Eu aceito. – Ana fez que sim com a cabeça e Dafne se ergueu do sofá onde estavam sentadas.
- Eu já volto, fique à vontade.
Abbott assistiu Dafne sair da sala e rumar na direção da cozinha. Estavam no apartamento da morena. Um lugar amplo e aconchegante, embora os detalhes orientais da decoração fizessem Ana revirar os olhos. Dafne e Padma moravam em um condomínio trouxa, em um subúrbio de Londres. O tipo de lugar para se criar uma família. A loira sacudiu a cabeça ao pensamento e ergueu-se também para ir atrás de Dafne. Estava a dois passos da porta da cozinha quando ouviu a fechadura daquele cômodo ranger e a porta se abrir. Parou onde estava.
- Oi, amor. – ouviu a voz de Padma cumprimentar e então o som da porta se fechando novamente.
- Ah, oi, Pads. – Dafne respondeu. Som de chaves tilintando. – Você chegou cedo, achei que seu plantão ia até as 10h.
- Passei as últimas 6 horas em uma obliteração interna exaustiva. Então fomos liberados. Está tudo bem?
- Está, claro. É só que... a Ana está aqui. – a hesitação na voz de Dafne era clara como um dia de sol.
- Ana... Abbott?
- Sim.
- Por quê?
- Bom, ela veio buscar aquela caixa que eu tenho com... sabe, os antigos pertences dela. Só isso.
- Só isso? É por isso que você está segurando uma garrafa de vinho?
- Eu ofereci e...
- Dafne.
- Eu me lembro do que nós conversamos, é só que... Aonde você vai?
- Pra casa da Parvati. Você sabe, ela está precisando de ajuda com os recém-nascidos.
- Eu achei que você tinha dito que não iria. A Parvati mora do outro lado de Londres. Entre a casa dela e o seu trabalho, não vamos nos ver nunca.
- Vou ficar lá por algum tempo.
- Padma... O que você está fazendo? – Ana ouviu o som da porta se abrindo, de um empurrão e a maçaneta fechando novamente.
- Me deixa sair, Dafne.
- O que é que você está fazendo?
- Estou indo embora.
- Então é isso? Você vai simplesmente desistir de mim? – a acusação na voz de Dafne era afiada. Ana sentiu que prendia a respiração e se encostou contra uma das paredes para garantir que estava fora de vista.
- O que você acha que eu devia fazer? Ficar e lutar por você? – Padma soltou uma risadinha irônica – Se depois de todo esse tempo eu ainda tenho que te disputar com Ana Abbott, então pode ter certeza de que eu não te quero. Eu conquistei o direito de te considerar minha. E não vou ficar aqui assistindo enquanto você duvida disso.
Dessa vez a porta se abriu e fechou suavemente com um click. É claro que Patil não faria algo infantil como bater a porta. Ana respirou fundo e adentrou a cozinha para encontrar Dafne imóvel, mirando a saída com uma incredulidade inerte.
- Daf? – Ana chamou, tocando-lhe o ombro suavemente. A morena voltou-se rapidamente para ela, como se tivesse esquecido momentaneamente sua presença na casa. Como se esse não tivesse sido todo o motivo daquela situação.
- Você... ouviu? – ela questionou e Ana cogitou por um momento a possibilidade de mentir, mas desistiu.
- Sim. Você está bem?
- Eu não sei o endereço da Parvati. Eu... eu sei o bairro, mas não sei... Eu preciso ir atrás dela, mas não sei o endereço... – Greengrass balbuciou, seus olhos voltando mais uma vez para a porta.
- Ela provavelmente precisa de um pouco de espaço, de qualquer jeito. – Ana disse, puxando Dafne pelo braço, calmamente – Senta um pouco.
Dafne obedeceu, deixando-se cair em um dos bancos que ladeavam a bancada de mármore da cozinha. A garrafa de vinho estava em cima da pia, juntamente com duas taças, então a loira serviu a bebida. A morena não estava chorando e, por um segundo, Ana achou aquilo bom. Tranquilizante. Lembrou-se de como Dafne chorava soluçando em sua frente, de como seu corpo espasmava enquanto pedia que Ana voltasse para ela. Mas Padma acabara de deixá-la e não havia nenhuma lágrima. Devia ser um bom sinal. Parecia um bom sinal. Até que Ana fitou aqueles olhos verdes. Aqueles olhos nus.
Tentou não ler o que havia neles, e estendeu a taça que Dafne aceitou sem hesitar. Talvez ela tivesse aprendido a represar sua dor, mas isso não significava que ela não estava ali. O silêncio era tão opaco que podia se rachar em dezenas de cacos se alguém suspirasse mais alto. Os olhos de Dafne se voltavam para a porta, como se esperassem que Padma retornasse. Não retornou. Ana não se permitiu a delicadeza de dizer que ia embora, que ia dar-lhe privacidade. Não podia. Sabia que aquela era a chance que estivera cavando. Que era sua chance de ficar. E, dessa vez, ficaria.
- Você está bebendo muito rápido. – murmurou quando Dafne engoliu a segunda taça de vinho quase toda de uma vez.
- Você sempre diz que eu bebo muito devagar.
- Mas é como funciona para você. – argumentou, mas não impediu Dafne de virar metade da terceira taça.
- Nada funciona pra mim, Ana.
- Não fale assim.
- Você me doeu tanto! – Dafne exclamou e Ana ignorou o tom enrolado das palavras.
- Eu sei.
- E agora você está aqui.
- Estou.
- Agora você está em todo lugar!
- Agora eu estou com você.
- Não. – Dafne negou com a cabeça e se ergueu do banco, cambaleando. Ana se aproximou para apará-la.
- Eu posso estar com você.
- Não.
- Dafne...
- O que você quer? – ela praticamente gritou, segurando Ana pelos braços e fixando seus olhos nos dela daquela forma nua e crua que só Dafne conseguia. Ana nunca tivera medo daqueles olhos. Ainda não tinha.
- Eu quero você. – respondeu e avançou o pouco espaço que faltava para alcançar os lábios de Dafne.
I'll be waiting for you when you're ready to love me again,
I put my hands up,
I'll do everything different,
I'll be better to you.
I'll be waiting for you when you're ready to love me again,
I put my hands up,
I'll be somebody different,
I'll be better to you.
Let me stay here for just one more night.
Build your world around me,
And pull me to the light.
So I can tell you that I was wrong,
I was a child then, but now I'm willing to learn.
But we had time against us,
And miles between us,
The heavens cried,
I know I left you speechless.
But now the sky has cleared and it's blue,
And I see my future in you.
Dafne hesitou, suas mãos soltaram os braços de Ana e sua boca permaneceu selada por um momento. Então Ana enfiou uma das mãos pelos cabelos de Dafne e puxou-a mais para si. Os lábios da morena se abriram para que a loira mergulhasse a língua, ágil e faminta, por aquela boca morna e doce. Ana empurrou Dafne contra a bancada da cozinha e logo as mãos da morena estavam em sua cintura, apertando-a com uma brutalidade que não existia antes. Dez anos antes. Uma vida antes.
Cambalearam pelo cômodo, unidas naquele beijo meio raivoso, meio faminto. Tentando matar a fome de uma década inteira. Pelo menos, era como Ana se sentia. O corpo de Dafne havia mudado. Seu beijo havia mudado. Era menos submisso, mas tão dedicado quanto se lembrava. Um beijo que era madrugada e amanhecer. A boca de Dafne ainda lhe sugava como um redemoinho irresistível. Pedindo um beijo atrás do outro sem dizer uma palavra.
Abbott pressionou Dafne contra uma parede, apertando-se contra ela até que ambos os corpos estivessem febris. Quando desceu os beijos pelo pescoço da morena, bebendo o gosto daquela pele macia, ouviu-a murmurar algumas frases sem nexo. A rouquidão daquela voz era o bastante para deixar Ana arrepiada, embora o vinho tivesse tornado as palavras quase indistinguíveis. De qualquer maneira, a loira entendeu o nome que Dafne gemeu em seu ouvido, segundos depois. Padma.
Abbott ergueu a cabeça e segurou o rosto de Dafne com as duas mãos.
- Dafne... – chamou, baixinho. A morena piscou algumas vezes antes de focalizá-la com os olhos.
- Ana. – ela respondeu, suas sobrancelhas franzindo minimamente. A loira sorriu e assentiu com a cabeça antes de retomar o beijo.
Suas mãos abriram a camisa negra que Dafne usava, botão por botão, até empurrá-la para fora daquele corpo magro e longo. Ana voltou a correr os lábios pelo pescoço de Greengrass, descendo-os pela curva dos ombros, e se abaixando para descê-los mais pelo colo.
Ana correu a língua pelo vale estreito entre os seios de Dafne e então seus joelhos tocaram o chão, quando ela se abaixou mais para beijar-lhe a barriga. Ouviu Dafne soltar o ar em um pequeno riso abafado e ergueu os olhos para fitar o rosto da morena. Greengrass balançou a cabeça e olhou para baixo, seus olhos encontrando os de Ana, de joelhos diante dela. Ainda que Ana não fosse capaz de detectar a mágoa naquele olhar, poderia detectá-la claramente na voz de Dafne, quando ela suspirou e disse:
- O mundo dá voltas...
Abbott engoliu em seco antes de erguer-se novamente. Não desviou os olhos de Dafne, não piscou, não hesitou. Deixou que seus olhos fossem tão nus quanto os dela. Deixou-se ser tão nua quanto ela, quando empurrou cada momento daquela noite para o lado e murmurou:
- Eu te amo, Dafne.
A morena estacou, seus olhos sendo devorados por aquela chama de surpresa. Ana esperou pela resposta. Dafne entreabriu a boca...
E vomitou.
- Oi.
- Ei! Como você está? Se sentindo melhor? – Ana questionou quando Dafne adentrou o Caldeirão Furado, no final da manhã seguinte. Ainda tinha a mesma aparência abatida e perdida de quando Ana a colocara na cama, na noite anterior.
- Pagando o preço da ressaca. – Dafne respondeu, com um sorriso fraco – Me desculpe... por ontem. Por tudo.
- Está tudo bem. – a loira respondeu, esticando o braço pelo balcão do bar e cobrindo a mão de Dafne com a sua.
- Não, não está. – Dafne respondeu, desfazendo-se do toque – As coisas andaram confusas. Eu... andei confusa.
- Muito vinho faz isso.
- Muito tempo também.
- É, acho que sim. – Ana assentiu com a cabeça e sorriu.
- Essas últimas semanas... foram como mergulhar em uma penseira. – Dafne passou a mão pelo cabelo e respirou fundo antes de voltar a olhar a loira nos olhos – Acho que você mexeu tanto comigo porque você ainda é exatamente a mesma que era aos dezesseis anos.
- E isso é um problema? – Abbott questionou, sorrindo e arqueando uma das sobrancelhas.
- Não, não é. – Dafne negou com a cabeça – O problema é que eu não sou. Quase me esqueci disso, mas não sou.
Ana passou a língua por seus lábios secos, fitando Dafne por mais um longo momento. Lendo naqueles olhos todas as palavras nas entrelinhas daquelas frases. A confusão, a dúvida e a decisão. Estava tudo ali. Tão límpido quanto sempre estivera.
- E o que você vai fazer agora?
- Vou atrás da Padma.
- Conseguiu aquele endereço, ahn?
- Trabalhar no Ministério tem suas vantagens. – Dafne respondeu com um dar de ombros – Boa sorte com tudo, Ana. – completou, voltando-se para sair do bar.
- Você acha que ela vai voltar? – Abbott ainda questionou, antes que Dafne se afastasse completamente.
A morena a olhou por cima do ombro e sorriu fracamente. Não precisou dizer nada. Ana viu a resposta no brilho ameno naqueles olhos nus. Diziam, sem dizer: Sim, ela vai voltar. Cedo ou tarde, elas sempre voltam.
I'll be waiting for you when you're ready to love me again,
I put my hands up,
I'll do everything different,
I'll be better to you.
I'll be waiting for you when you're ready to love me again,
I put my hands up,
I'll be somebody different,
I'll be better to you.
por Beatriz Potter.
Comentários (5)
“As mulheres não foram feitas para a fuga. Quando correm é porque desejam ser perseguidas” EXATAMENTE!!!!!!!!! DEU PRA ENTENDER OU TÁ DIFÍCIL? IUHAIUAHIUAHIUA " Sim, ela vai voltar. Cedo ou tarde, elas sempre voltam." T.T PUTA QUE O PARIU! Foda. Sem mais.
2012-03-29Já pode dizer que chorou quando começou a tocar Magic Works? PQP KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
2012-03-29Preciso mesmo dizer que amei?? Fiquei meio triste por causa da Ana, mas simplesmente amei o final que tu desse, foi algo real, palpável e completamente sincero... Isso sem falar no teu talento com as palavras, muito bom mesmo, simplesmente amei
2012-03-19Sabe Bia, é bem difícil sair da bolha quando se trata de fic de romance. Sério. Tem toda aquela ideia de um amor pra vida toda e o grande amor da vida, e mimimi... mas sua fic... foi extremamente coerente, e de uma grande sensibilidade a respeito dos relacionamentos humanos... alem de, claro, lindamente escrita.parebéns de verdade!
2012-03-09Oh god... Quero leeeer *-*
2012-03-07