Bem-vindos a Saint Tropez



Narcissa acordou assustada na madrugada de sábado. A camisola de seda estava colada às costas, a respiração acelerada, o coração batendo forte. Havia acabado de despertar de um sonho horrível. Lucius duelava com um homem desconhecido, moreno, alto, corpulento. Os olhos eram frios e cruéis. Ao seu lado Draco soluçava, amarrado em cordas que por mais que ela fizesse não conseguia desatar. Também estavam lá uma mulher e uma menina que ela mal podia identificar as feições. Um clarão de luz verde tomou conta de sua visão e ela então acordou.


Ao seu lado, Lucius dormia calmamente, provavelmente embalado em sonhos muito mais tranquilos que os dela. Os cabelos do marido estavam espalhados pelos travesseiros e mantinha os braços abertos ocupando bem mais que sua metade da cama. Ela sorriu aliviada.


Narcissa levantou-se então para checar o filho no quarto ao lado. Só poderia ficar tranquila novamente depois de garantir que Draco passava tão bem quanto o marido. Saiu cuidadosamente da cama, certificando-se de não acordar Lucius. Puxou as cobertas para cobri-lo melhor, já que estavam todas concentradas no seu lado da cama.


Passou silenciosamente pelo corredor e entrou no quarto da criança. A mãe correu os olhos afetuosamente pelo aposento que fizera questão de decorar pessoalmente. O adorno em forma de cobra, fabricado em prata e esmeraldas decorava a parede sobre a cama do menino. Tinha pertencido a Lucius e ao pai dele antes desse. O brasão da Sonserina era motivo de orgulho para a família Malfoy. Ela mesma possuía carinho por sua antiga casa em Hogwarts, era lá que havia encontrado seu marido. Na mesa ao lado da cama, um calendário onde Draco contava os dias para seu tão aguardado primeiro de setembro, dia em que tinha certeza que seria selecionado para a casa de Sonserina e poderia então viver todas as aventuras que o pai narrara. Apenas Narcissa não se mostrava excitada com a partida do filho.


O menino dormia tranquilamente, os bracinhos e pernas abertos, abarcando toda a cama de solteiro.


- Tal como o pai. – sussurrou carinhosamente. Narcissa aproximou-se da cama e depois de cobri-lo melhor com as cobertas, deu um beijo na testa do filho. Aliviada ela voltou para sua cama. Tudo estava bem com sua família.


Acordou pela manhã se sentindo muito melhor. Levantou-se, vestiu seu robe e lançou um último olhar para o marido adormecido. Ele já havia se livrado novamente das cobertas e estas formavam um monte indefinido aos pés da cama. Ao passar pelo corredor, espiou pela porta aberta do quarto do filho, já sabendo o que veria. Cobertas se amontoavam ao lado da cama, a mãozinha do garoto pendendo para fora do colchão.


Chegando a cozinha, encontrou os elfos da casa atarefados com os preparativos da viagem. Chamou por Dobby:


- Elfo, prepare para o café da manhã preferido dos meus meninos.


- Claro, minha senhora! Para o senhor mestre vou preparar seus waffles com geléia de amora, e para o jovem senhor as salsichas com ovos. E para Milady o chá preto e torradas, sim?


 Narcissa já havia se virado, não dando atenção ao discurso de Dobby. Já estava subindo a escada para acordar o filho e o marido. Enquanto Lucius se barbeava no banheiro, a mulher escolhia cuidadosamente um vestido em seu armário. Queria parecer especialmente bela para se encontrar com o Ministro da Magia, e principalmente com sua nova esposa. Optou pelo fino vestido de seda verde que havia ganhado como presente em seu último aniversário de casamento. Ao vesti-lo notou que estava ligeiramente apertado.


- Droga. – resmungou. Não era possível que houvesse engordado tanto em poucos meses. Até algumas semanas atrás o vestido lhe servia como uma luva. – Lucius, o que você acha deste...


Ao se virar para o banheiro, notou que o marido já não estava mais no quarto. Seu bom humor diminuiu ainda mais, odiava falar sozinha. Lucius tinha o costume de ser particularmente desagradável pelas manhãs. Principalmente se fosse acordado cedo como naquele dia.


Na sala de jantar o filho e o marido já tomavam café. Lucius lia o Profeta Diario e ela mal podia vê-lo por trás das folhas do jornal. Já Draco meneava com a cabeça, cheio de sono, com uma salsicha espetada no garfo a meio caminho da boca.


A mulher pigarreou para ter sua presença notada. Draco baixou o garfo, fazendo com que batesse no prato a sua frente. Lucius a olhou por cima do jornal. Primeiramente ela julgou ver um lampejo de orgulho no olhar do marido, mas o que ouviu foi:


- Narcissa, nós viajaremos com Pó de Flu, lembra-se? Julga sensato vestir seu melhor vestido apenas para enchê-lo de fuligem?


O estado de humor de Narcissa declinou ainda mais. Havia tempos que o marido não a elogiava. Nos últimos tempos ele estava pior. Mal humorado e sempre cansado. As várias ações que Lucius havia comprado em Gringotes o enchiam de trabalho e preocupações. Ela o havia aconselhado a não comprar estas ações. Nem ele nem ela tinham experiências nesse tipo de negócios.


- Eu acho que ela está bonita, pai – disse Draco com a boca cheia de salsicha e ovos. Aparentemente o menino havia finalmente despertado e já se ocupara em compensar a falta de atenção de Lucius. Draco era muito apegado à ela, sempre fora. Fazia o possível para agradá-la. Ela sorriu.


Lucius não podia deixar de concordar com o filho. Sua mulher era realmente muito bonita. Já havia completado 35 anos e não perdera uma fração da beleza da juventude. Era elegantemente magra, com longos cabelos louros e lisos que lhe chegavam à cintura. Os olhos muito azuis destacados pela pele muito clara. Nessa manhã ela estava particularmente encantadora com o vestido lhe marcando o corpo. Mas seu orgulho o impediu de retirar o comentário que já havia feito. Limitou-se a voltar sua atenção para o jornal.


Narcissa sentou-se contrariada. Encontrou seu chá preto fumegando em um bule de porcelana e as torradas recém-saídas do forno em um prato ao lado. Ela se serviu do chá e dispensou as torradas. Justamente quando viajariam para a praia sua barriga tinha decidido tão teimosamente tornar-se saliente.


Mal tocara no chá quando Dobby chegou apressado com a poção para enjoo:


- Milady, a poção do jovem senhor! Dobby lembrou, Dobby trouxe. – no desespero para entregar logo o frasco a sua senhora, Dobby tropeçou no tapete, arremessando para longe o vidro, que se estilhaçou contra a parede manchando uma tapeçaria pertencente à família Malfoy há gerações. O elfo, já sabendo da gravidade de sua falha, apressou-se em jogar-se ao chão batendo a cabeça e os finos punhos furiosamente. – Dobby mal, Dobby mal, Dobby mal...


Os guinchos da criatura encheram a sala, perturbando Lucius que jogando o jornal de lado, trovejou:


- Insolente! Sua senhora me fez voltar ao Beco para buscar este raio de poção ontem. Agora você me faz o desfavor de quebrá-la, ainda arruinando uma herança de família! – Lucius bateu os punhos na mesa.


Narcissa achou a reação desproporcional. Não que ela sentisse qualquer compaixão por elfos domésticos. Dobby, em particular, lhe causava frequentes dores de cabeça.


- Elfo, limpe essa bagunça e suma da minha frente.  – disse Narcissa, olhando para o marido em lugar do criado. Ele dirigiu a ela um olhar de censura, mas não disse nada. Contrariar Lucius sempre lhe rendia um pequeno sermão, mas desta vez seu esposo não se dignou a tanto.


O resto da manhã decorreu sem mais entraves. Ao meio dia estavam todos reunidos na sala de estar. Narcissa e Draco se despediram brevemente de Lucius e dirigiram-se à lareira. A mulher derramou um punhado de Pó de Flu e disse:


- Casa de veraneio, Saint Tropez, França. – em seguida orientou o filho a entrar na lareira, esperando que ele fosse e assegurando-se de que tudo havia transcorrido bem antes de lançar um último olhar à sala e também desaparecer nas chamas verdes flamejantes.


Lucius iria alguns minutos depois, ainda tinha ordens a dar para a criadagem e pretendia lançar feitiços na Mansão para resguardá-la de investidas indesejadas de trouxas e bruxos bisbilhoteiros.


Draco abriu os olhos e passou a mão pelas vestes espanando a fuligem acumulada. Encontrava-se numa sala ampla, bem decorada, mas que visivelmente não pertencia a um bruxo. Os móveis eram de estilo mediterrâneo, misturados a modernos adornos. Era tudo muito diferentes da mobiliária clássica e pomposa da mansão, mas o menino não podia dizer que a casa em que se encontrava era feia, pelo contrário, parecia-lhe bem aconchegante.


Narcisa apareceu na lareira logo depois, preocupada em retirar a sujeira dos cabelos e vestes antes de sair, erguendo a cabeça para saudar seus anfitriões. Assumiu sua expressão de superior indiferença, o ar esnobe que sempre adotava quando tratava com terceiros. O trejeito elegante misturado a sutil arrogância lhe eram naturais desde criança. Fora criada desta maneira e o casamento com um Malfoy apenas serviu para ressaltar esta característica.


Cornellius Fudge, era baixo com uma barriga proeminente, marcada pelo colete de risca de giz, um chapéu coco verde limão pendendo da mão esquerda enquanto a direita se ocupava em segurar a esquerda de uma outra mulher.


Narcissa a reconheceu das revistas de senhoras bruxas. Meia cabeça mais alta que o marido, jovem e muito magra, a nova senhora Brunette Fudge estava encantadora, em um vestido leve de verão. Sentiu-se inapropriadamente vestida em seu fino e justo vestido de seda com mangas de renda. Olhou em volta a procura das malas, e do marido. Queria que o constrangimento das apresentações passasse logo para que ela pudesse então se trocar.


Brunette ostentava um ar de tédio, olhava para Narcissa com o mesmo ar de superioridade que ela lhe conferia. A senhora Malfoy não gostou da experiência de ser esquadrinhada por olhos tão arrogantes quanto os dela. O Ministro em nada reparou, estava apenas satisfeito em exibir a magnifica casa que havia gentilmente tomado de um trouxa que viajara para a Alemanha. A ligação a Rede de Flu também lhe fora arranjada, ser Ministro da Magia tinha seus benefícios.


Lucius finalmente apareceu na lareira, seguido de três elfos domésticos carregando toda a bagagem da família Malfoy. O homem se adiantou em apertar a mão de Fudge, e sorrindo a Brunette, tomou-lhe a mão direita inclinou-se para ela, sem beijá-la:


- Está magnifica, senhora Fudge. É um prazer revê-la. – voltando-se para sua família, pousando uma mão no ombro do filho e a outra na cintura da esposa, guiou-os a frente. – Meu filho, senhor Ministro, Draco. Julgo que também ainda não conhece minha esposa, Narcissa, da casa dos Black.


- Encantado. – respondeu Fudge, fazendo uma leve reverencia a Narcissa e despenteando os cabelos do garoto com os dedos. O menino olhou para cima, a cara fechada. – O rapaz é uma cópia sua, Lucius. Sabia que tive o prazer de cursar Hogwarts com seu avô, Abraxas Malfoy? Fomos bons amigos.


Draco não respondeu, apenas fez um aceno de concordância com a cabeça. Quando o Ministro desviou o olhar para Lucius, o menino rolou os olhos, entediado.


- Senhora Fudge, querida. Poderia fazer a gentileza de nos indicar o caminho para nossos aposentos? – disse Narcissa em um tom ainda mais frio que o habitual – Os elfos precisam despachar a bagagem e retornar à mansão.


Mas a nova senhora Fudge tinha os olhos postos em Lucius. De repente, a expressão de Brunette se iluminou e ela tornou-se agradável, perdendo o ar de tédio que antes ostentava. A chegada de Lucius despertara seu interesse e a mulher levou alguns segundos para perceber que Narcissa se dirigia a ela.


- Sim, claro senhora Malfoy. Pode mandar que seus elfos ocupem qualquer um dos quartos do segundo piso. Cornellius e eu estamos no terceiro andar. – ela disse sem desviar o olhar do homem louro a sua frente - Pode ir com eles escolher o quarto que mais lhe agradar, e pode também levar a criança consigo, ela me parece aborrecida.


Narcissa olhou contrariada para o marido, que lhe retribuiu um olhar perturbado. Mas a senhora Malfoy respondeu a sua anfitriã com elegância:


- Quanta gentileza, senhora Fudge. Com sua licença, Ministro. – Draco, que antes segurava sua mão, soltou-a e subiu correndo as escadas para escolher seu quarto. Narcissa virou-se para trás lançando um frio olhar ao marido, o que o fez perguntar, em um sussurro:


- Há algo errado, Cissa?


- Nada. É sempre um prazer revê-lo, querido. – disse a esposa, fazendo um sinal para que os elfos a seguissem subiu as escadas para o segundo andar.


No fim do corredor haviam grandes janelas de vidro que davam vista para o mar. Narcissa escolheu a ultima porta do corredor, a que mais se aproximava daquela bela paisagem. O quarto era claro e bem arejado. As janelas entreabertas faziam esvoaçar as brancas cortinas. Ao centro, uma cama simples mas confortável, entalhada em madeira clara. Ao lado um grande espelho de moldura dourada refletia todo o quarto. Um enorme jarro de cristal com narcisos brancos estava posto sobre a cômoda de roupas. As flores exalavam um perfume fresco que preenchia todo o quarto. O aposento era muito aconchegante, mas Narcissa não se sentia confortável.


Após depositarem as malas do casal no chão do quarto, os elfos fizeram uma reverencia a sua senhora e desapareceram. Narcissa correu para seu malão e procurou nele algo que fosse mais apropriado ao clima do lugar. Escolheu um belo vestido branco, bem leve e com adornos prateados e verdes. Ao despir-se passou em frente ao grande espelho e parou para se olhar.


O tempo havia passado e deixado marcas em seu corpo. Lembrava-se de suas antigas formas, quando era apenas uma menina que tinha se casado com Lucius. A confortável segurança de ter deixado a escola como a estudante mais bela de sua série ia desaparecendo ao longo dos anos. Ela agora se via no espelho, o rosto começando a mostrar marcas ao redor dos olhos, os lábios não mais tão cheios como antes. O corpo transformado pela gravidez exibia uma insistente barriguinha, os braços e pernas já não eram tão firmes como outrora.


A mulher sentou-se na cama. Teria o marido notado todas estas mudanças? Seriam elas tão grandes que já influenciavam na maneira como ele a tratava? O comportamento inconstante do marido a perturbava e ela não conseguia entender o motivo. Será que Lucius não estava mais satisfeito com sua esposa? Poderia ele procurar em outra mulher o que faltava a Narcissa? Alguém como Brunette, talvez?


 Repensando sobre suas próprias atitudes, Narcissa concluiu que também não estava colaborando para manter seu casamento vivo. Tinha que admitir que por vezes podia ser uma mulher bastante desagradável, mesmo com o marido. Aquela viagem a tinha tornado sensivelmente mais irritante e menos carinhosa. Decidindo-se que iria aproveitar a viagem para reavivar o casamento, vestiu-se, foi até o espelho e prendeu os cabelos em um coque elegante, deixando que algumas mechas lhe emoldurassem a face.


Ela ouviu uma batida na porta e em seguida Lucius adentrou o quarto. Encontrou a esposa de costas para ele, o corte do vestido deixando uma larga faixa de pele à mostra. Ela se virou, dando de cara com o marido distraído. Decidida, ela caminhou até ele e passou os braços pelo pescoço de seu esposo, sussurrando um pedido de desculpas.


Lucius procurou encara-la, com uma expressão confusa em sua face. Há minutos atrás sua mulher estava marcadamente aborrecida com ele, mesmo que ele não pudesse encontrar o motivo para isso. A não ser que ela tivesse se zangado com seu cumprimento à senhora Fudge, o que ele deduziu pela forma como ela disse “é sempre um prazer revê-lo, querido”. Ele odiava quando ela o chamava de querido. Narcissa ultimamente andava muito inconstante, e além do mais, seus ciúmes eram completamente infundados. Lucius jamais teria olhos para uma aproveitadora golpista como aquela.


A mulher já havia se ocupado em enterrar seu rosto no pescoço de Lucius, distribuindo beijos até a orelha do marido.


- Narcissa! Isso não é momento! – disse Lucius atrapalhado. Ele teve que se afastar da esposa, também não seria fácil para ele se controlar se a mulher continuasse com aquilo. Arrumando a gola da camisa continuou – Vim até aqui para avisá-la que a senhora Fudge lhe convida para um chá que ela irá oferecer a um grupo de amigas em um bistrô próximo à praia. Seria muito deselegante que você não comparecesse.


Narcissa se afastou dois passos. Ela não demonstrava nenhum sentimento, mas apesar da face neutra ela estava aborrecida e a vergonha de ter sido repelida pelo marido a queimava por dentro.


- Estou pronta, já estou descendo. – e saiu apressadamente antes que o marido a visse corar.


Ela desceu a escada, batendo os pés com mais força que o necessário. Lembrou-se tristemente das várias cuecas e da ausência de pijamas na mala de Lucius.

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Comentários (1)

  • Jéssica S.

    Ótimo cap meninas! Bem que eu imaginei que aquela oferecida iria qostar do Lucius, tenho certeza que ela vai tentar alguma coisa, a Cissa tem que fazer alguma coisa!!E o Draco apegado a mãe é muito fofo,acho que ele vai aprontar, Bjs e indo para o terceiro cap!

    2012-02-05
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