Hiding my heart away



Título: Hiding my heart away
Autora: MarianaBortoletti

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Foi assim que a história aconteceu
Eu conheci alguém por acidente,
Isso me surpreendeu
Isso me surpreendeu
Foi o mais sombrio dos meus dias
Quando você tomou minha tristeza e levou minha dor
E as enterrou
Você as enterrou


A garota talentosa no palco portava apenas um violão, mas ainda assim sua voz e os acordes simples preenchiam o bar com tal potência que hipnotizava quem olhasse. A voz era doce e a letra recheada com uma história melancólica. Astoria Greengrass bebeu o último gole do suco de laranja que tinha pedido e estava pronta para ir embora, porém a música a prendia. Havia alguma coisa na aura daquela canção que a fazia querer ficar até o final, quem sabe escutar a próxima e só ir embora quando a garota terminasse o setlist e guardasse o violão.

Porém, ela olhou para o relógio e decidiu se levantar da mesa redonda para duas pessoas e caminhar até a porta. Ainda hipnotizada com o palco, Astoria buscou a bolsa e se ergueu da mesa, tropeçando em alguém. A fumaça de tabaco que cobria o local fez com que ela demorasse a reconhecer o rosto do homem com quem tinha trombado. Numa tentativa de não deixá-la cair, as mãos dele seguraram seus braços e ela estava indefesa, surpresa em ver quem via.

Não fosse a música a hipnotizar, ela teria se afastado e se assustado porque Draco Malfoy sempre lhe fora pintado como um monstro.

- Você está bem? – perguntou ele, sem tirar as mãos dos braços dela. Astoria se agitou, mas o toque dele era leve e gentil. A jovem confirmou com a cabeça e os olhos dele se estreitaram, como se tivessem analisando se ela era compatível com alguma coisa. – Outra Greengrass?

- Mais nova – disse, se desvencilhando dos braços de Draco e ajeitando a bolsa no ombro. Daphne nunca dissera que ele tinha olhos incríveis. Frios, sim, mas incríveis. Eram donos de uma profundidade que ela nunca antes tinha visto. Piscou rapidamente e se apresentou. – Astoria.

- Está de saída? – ele colocou uma mecha de seu cabelo crescido para trás da orelha e ela confirmou, novamente sem dizer nada. Draco deixou que o rosto fosse tingido por uma espécie de frustração. – Tudo bem, eu tenho o contato da sua irmã, eu escrevo perguntando por você.

- Ah, duvido que ela vá saber onde me encontrar depois dessa noite – ela riu e aquela era uma risada curta e grave, um tanto sexy. A risada fez os olhos azuis se espremerem e os dentes quadrados grandes aparecerem.

- Então, você me dá a honra de uma bebida para comemorar sua última noite perto de onde eu estou? – pensou em dizer “perto de mim”, mas soaria exagerado para alguém que ele conhecera há alguns segundos. O que o impressionava era o modo natural com que ela se portava, se mexia e com que ria. Não precisava de mais nada para chamar sua atenção.

Astoria pensou por dois segundos. Dois segundos que pesaram aos ouvidos de Draco, mas quando ela largou a bolsa na mesa e se sentou novamente na cadeira que ocupava anteriormente, ele não precisou mais de uma resposta. O sorriso estava estampado no rosto elegante dela novamente. Astoria não queria beber álcool, mas aceitou uma taça de hidromel, por fim. Hidromel? Ele pensou, espantado com o bom gosto da garota simples vinda de Wales.

- Como você adivinhou que eu era uma Greengrass? – perguntou Astoria, curiosa, quando sua taça de vinho estava terminando. A conversa com Draco tinha fluído fácil, a maior parte dela envolvendo Astoria. A garota falara, falara e falara. Pouco ouvia e sabia o porquê disso. Era verão, mas ela reparou que o herdeiro dos Malfoy não se atreveu a erguer as mangas da camisa.

- Seus traços – ele apontou, terminando o copo de uísque de fogo. Ninguém poderia negar que Draco era envolvente. Um pouco seguro de si e arrogante demais, mas sexy e inteligente. Ele sabia conversar, sabia ouvir e perguntar. – São idênticos aos de Daphne. Não que eu tenha reparado demais nos olhos dela.

- Parece que reparou.

- Reparei mais nos seus.

Astoria bufou, bebendo o último gole do hidromel e largando a taça na mesa com um estrondo. Tinha que ir embora, verificar se tudo estava em seu lugar e dormir. Dormir porque a manhã seguinte não daria trégua. Ela colocou o braço sobre a mesa, onde podia enxergar o relógio sem grande esforço e Draco segurou sua mão. Os olhos de Astoria automaticamente se arregalaram e, magnéticos, puxaram os dele.

- Então, como foi seu dia? – ele perguntou, casual, como se o toque na mão dela não fosse nada de mais. Contrariando tudo que um dia ela poderia ter pensado sobre o toque do monstro Malfoy, não era gelado ou áspero. Era ameno, gentil e com uma dose instigante de virilidade.

- Uma merda – respondeu a garota, sem papas na língua. Talvez tivesse sido o hidromel ou a personalidade pouco educada que deslanchara com a intimidade do toque. – Meu último dia em Londres, final da minha especialização e volta para a cidade minúscula que eu chamo de casa. Só estou voltando porque eu preciso... O que uma especialização em diplomacia me adiantaria em Wales?

- Sinto muito – ele riu, mostrando dentes perfeitos amparados por lábios perfeitos. Astoria se deixou hipnotizar por alguns segundos. Que encontro inesperado era aquele? Que homem inesperado era aquele? Draco Malfoy não deveria ser um gentleman e sim um monstro que lutou ao lado do Lorde das Trevas. E ela? Astoria não deveria ter sentado novamente, bebido hidromel e estar hipnotizada com o sorriso e o olhar dele. Oh não, ela recitou internamente quando percebeu que ambos os pescoços se esticavam e os lábios se tocavam.

E eu gostaria de poder deitar ao seu lado
Quando o dia acabasse
E acordar com seu rosto sob o sol da manhã
Mas como tudo que eu já conheci
Você vai embora um dia
Então vou passar minha vida inteira escondendo meu coração

Um beijo se transformou em uma seqüência e quando Astoria percebeu, encarava o forro escuro do quarto amplo de Draco. A atração tinha sido tão intensa que ela não pode resistir. Eles tinham mudado o hidromel e o uísque de fogo para a mesa mais afastada no bar e, mesmo depois de a cantora ter deixado o palco, Astoria continuava hipnotizada. Dessa vez com a gentileza com a qual o Malfoy a tocava, falava com ela, contava sobre sua vida...

Quando ele fez a pergunta, um sorriso travesso no rosto anguloso, ela aceitou sem hesitar.

Os olhos inquietos percorriam os detalhes no forro azul marinho. Agora, que tinha a mente limpa do hidromel e da tensão sexual, pensava com clareza. O que estava fazendo? Era maldade com Draco e, ainda mais, com ela mesma.

Apertou os olhos e respirou alto, tão forte que o movimento do peito fez doer. Odiava aquela sensação que vinha depois de conhecer alguém e se interessar por esse alguém. O primeiro encontro era maravilhoso, ela enxergava qualidades que a animavam e defeitos que não tinham a menor importância... Algumas horas depois, no entanto, aquele aperto tomava conta de seu peito e ela via as coisas de outro modo.

Draco se mexeu ao seu lado. Ela virou o rosto, curiosa, e o encontrou deitado de lado, com o rosto em seu ombro. Ele era lindo. Dormia tranquilamente e os lábios tocavam gentilmente a pele nua de Astoria. Ela imaginou como seria acordar com essa visão todos os dias, como seria dormir envolvida nos braços dele. Virou os olhos para o teto e tentou ignorar o aperto no peito que lhe lembrava que ali existia um buraco. E aquele buraco tomava todo o seu coração. Não havia espaço para Draco ali, assim como não havia para nenhum dos outros.

O braço dele envolveu seu corpo e ela fechou os olhos quando percebeu que ele despertava do sono leve. Era patético. Astoria fingia dormir enquanto Draco beijava seu ombro e se aninhava ao seu lado. Preferia manter-se longe, porque ela sabia que mais cedo ou mais tarde, Draco contribuiria para o buraco em seu peito. Daphne a chamara de amarga, certa vez. Astoria não tinha como negar esse xingamento ou argumentar contra ele.

Fingia não se importar e se auto-rotulava como a egoísta; aquela que preza por si mesma e que se coloca em primeiro lugar antes das outras pessoas. Ela podia dizer o que quisesse, porque Daphne não acreditaria. Nem mesmo Astoria levava isso a sério. Na verdade, pensava em si mesma como uma magoada pela vida. Pelos homens que passaram por sua vida. E era por isso que ela não daria a chance de Draco atravessar suas barreiras.

Te deixei na estação de trem
E te dei um beijo na testa
Eu vi você acenando
Eu vi você acenando
Depois fui para casa, para os meus arranha-céus
Luzes de néon e papéis à espera
Que eu chamo de casa
Eu chamo de casa

Astoria tinha perdido a noção de quanto tempo se passara entre seu sono fingido e o momento em que decidiu abrir os olhos e se mexer. Podia ficar o resto do dia deitada na cama, com a respiração de Draco batendo em sua pele, arrepiado-a, mas tinha que partir. Respirou fundo e jogou as pernas para fora da cama, mantendo o corpo sentado na beirada do colchão por alguns instantes. Instantes mais do que suficientes para Draco perceber que ela se mexera.

- Já? – ele perguntou e ela sentiu que ele se aproximava para beijar-lhe as costas, tocar sua cintura e ver o jogo recomeçar. Ele avançou e tocou seu braço, mas Astoria se ergueu da cama e começou a procurar suas roupas.

- Lembra que eu disse que eu tinha que partir hoje cedo? – ele concordou com a cabeça, voltando a se deitar, preguiçoso. Astoria buscou um relógio enquanto colocava os jeans e a camiseta. – É daqui a trinta minutos.

- Posso levar você?

- Na estação?

- Sim, posso acompanhar você?

Ela mordeu o lábio e foi incapaz de pensar naquela pergunta e calçar as botas ao mesmo tempo. Estava sentada no luxuoso divã do outro lado do quarto, as mãos ocupadas com o fecho da bota e os cabelos escuros caindo sobre os olhos claros. Ela era linda, Draco apenas podia pensar nisso.

Astoria era sexy, decidida, inteligente e engraçada... Talvez fosse apenas a pressão dos pais em encontrar alguém para um relacionamento, mas ele adorou a ideia de que podia ser ela.

- Não sei – ela disse, sincera.

Mas aquela não tinha sido uma resposta definitiva. Draco insistira mais algumas vezes. Perguntara enquanto Astoria terminava de calçar as botas, enquanto prendia o cabelo e enquanto escovava os dentes. Insistira que podia ser útil ao despachar as malas e que ela precisaria de alguém para ver abanando do lado de fora do trem, já que nem mesmo Daphne estaria disponível para levá-la. Astoria cedeu quando estava pronta para escapulir pelas escadas da mansão com Draco segurando sua mão e praticamente implorando.

Ela tinha sorrido e ele a capturado em um beijo. Não foi um beijo simples de quem tinha se conhecido na noite anterior. Astoria ao menos tinha pensado que ele lhe daria um beijo na manhã seguinte ou que daria atenção a ela. Draco era o monstro pintado por todos e aquilo a surpreendia. Não fosse o rombo em seu peito, ela teria lhe retribuído o beijo da maneira adequada. Seus lábios tinham se movido com hesitação, enquanto os dele eram intensos. Como se a situação não pudesse ficar estranha o suficiente, ele tinha segurado a mão dela e beijado sua testa quando o trem apitou e indicou a saída.

- Eu vou escrever – ele disse, enquanto ela embarcava.

- Eu proíbo você – Astoria tinha um tom brincalhão, embora o rosto não demonstrasse isso. Draco tinha sorrido e mais uma vez tinha a mão dela segura entre os dedos dele. Era estranho e reconfortante.

Uma sensação que Astoria lembrara com nitidez enquanto o trem atravessava o país e terminava esbarrando em Cardiff. Ela começava a reconhecer sua cidade natal e tudo aquilo que ela podia chamar de casa. Os pais estavam esperando na estação e o abraço tranqüilo que eles lhe deram dizia que ela tinha chegado em casa. Devia estar em paz, conseguir descansar, mas só passava pela cabeça dela que tinha estragado tudo.

Eu acordei sentindo o coração pesado
Vou voltar para onde eu comecei
A chuva da manhã
A chuva da manhã
Agora, apesar de querer você aqui
Aquela mesma velha estrada que me trouxe aqui
Me chama para ir para casa
Me chama para ir para casa

Os olhos quase não tinham se fechado naquela noite. Astoria não tinha perdido o medo da chuva e odiava dormir sozinha quando o tempo estava daquele jeito. Trovoadas faziam seu corpo tremer e os relâmpagos a mantinham de olhos arregalados. Era um medo infantil, mas não estava ela cheia por medos infantis? O medo de ter seu coração quebrado era um medo adolescente, um medo imaturo. Porque não podia dar espaço para Draco e esperar para ver o que aconteceria ao invés de tentar prever o futuro e preferir não se arriscar a machucados?

Um único cochilo tinha chegado até ela naquela noite e ao acordar dele, certa de que era ainda muito cedo, se virou para a janela fechada e para os poucos raios de sol que entravam pelas venezianas. Suspirou e sentiu o coração se carregar com uma culpa estranhamente familiar. A culpa era dela.

Porque não dava uma chance de Draco provar que ela estava errada? Poderia ser apenas um experimento... Não podia continuar fingindo não estar interessada, fingindo que não queria que ele estivesse ao seu lado na cama para que medo passasse.

- Eu não vou fazer isso – disse em voz baixa, duvidando de si mesma quando num lapso se ergueu do colchão, calçou os chinelos e desceu as escadas de madeira da casa em direção ao escritório do pai.

E eu gostaria de poder deitar ao seu lado
Quando o dia acabasse
E acordar com seu rosto sob o sol da manhã
Mas como tudo que eu já conheci
Você vai embora um dia
Então vou passar minha vida inteira escondendo meu coração

Buscou rapidamente uma folha de pergaminho de dentro de uma das gavetas da escrivaninha e começou a escrever. A letra era garranchuda e as palavras rápidas, sem qualquer compromisso com a coerência. As frases na carta seguiam seu pensamento e a maioria delas eram dispersas, mas ele entenderia. Draco entenderia. Terminou a carta e se jogou em direção à cozinha, onde, na janela, dormia a grande coruja marrom dos pais.

Eles ainda não tinham acordado e o horário que o relógio da cozinha marcava servia como explicação. Não passava das sete da manhã, mas Astoria estava em pé, com uma carta na mão e uma coragem que desaparecia a cada passo que ela dava em direção ao pássaro que tinha a cabeça debaixo da asa. Não se importava em acordar o animal e fazê-lo atravessar o país num céu recém límpido, mas de repente, aquela pareceu uma boa desculpa para sua covardia.

Não era justo.

Não era nem um pouco justo com ela e muito menos com Draco. Ela conhecia as conseqüências de uma relação e graças a seus dois últimos namorados, ela tinha certeza que não eram boas. Por mais que durassem muito, os dois sempre tinham reclamações e um coração acabava ferido no final. Não era justo, mas Astoria era uma egoísta amargurada. Preferia não se arriscar e não colocar Draco em um jogo do qual ela sabia o final. Recolheu a mão e parou na metade do caminho, com os chinelos laranjas no centro da cozinha.

E não posso passar minha vida inteira escondendo meu coração


Os dedos envolveram o envelope selado para rasgá-lo. Os dentes dela já estavam cerrados e os olhos anuviados por lágrimas, porém Astoria foi obrigada a parar quando uma coruja parda entrou cozinha à dentro, sem se saber por onde tinha conseguido entrar, trazendo um envelope no bico. Não tinha certeza se era para ela, mas correu até a coruja puxando o envelope sem delicadeza nenhuma. O cabelo se espalhou ao seu redor quando ela sentou no chão da cozinha com a carta enviada por Draco Malfoy em seu colo. Por um instante não soube o que fazer.

Não sabia se abria a carta ou se rasgava o envelope sem nem mesmo ler para poupar qualquer outro impulso de correr de volta à Londres. Respirou fundo e foi vencida pela curiosidade. Os olhos correram rápidos pelas palavras em letra caprichada e quadrada. Correram ávidos, afoitos, emocionados e culpados. O coração de Astoria se apertou e o buraco chamou a atenção novamente. Terminando de ler as palavras doces de Draco, ela ergueu os olhos com lágrimas para o teto da cozinha. Os dedos, anteriormente preparados, rasgaram sem dó a primeira carta que ela tinha escrito.

Não era louca. Não estava revoltada. Apenas tinha de escrever depressa e enviar pela coruja ainda parada na janela. Precisava colocar o único pensamento que lhe ocorreu no papel antes que o buraco no peito pressionasse novamente. Um dia ela tinha ouvido que precisava se decidir entre o tudo e o nada. O buraco lhe direcionava para o nada, mas as palavras de Draco lhe levavam para o tudo. Por fim, rabiscou deselegantemente em um pedaço de papel. “Eu não posso passar minha vida inteira escondendo meu coração”.

Astoria Greengrass suspirou enquanto a coruja ganhava os céus.

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