Sem cérebro e sem coração

Sem cérebro e sem coração



Busquei Perséfone, minha coruja preta e branca, coloquei na gaiola dourada e fui pra sala me preparar para a aparatação acompanhada, detestava aquilo e ao mesmo tempo achava o máximo, pois de uma hora para a outra mudávamos de lugar. Meus pai chegaram e demos as mãos, meu pai segurava meu malão e minha mãe uma sacola marrom, que provavelmente teria o meu lanche para o trem. Fechei os olhos e chegamos em uma rua vazia perto da estação Kings Cross. 


 


Carregava a gaiola de Perséfone – que tinha quase o meu tamanho – enquanto meus pais levavam minhas malas. O sinal abria para atravessarmos, eu não conseguia me mover.


-       Eu n-n-não quero mais ir. – disse baixando o rosto vermelho, minha mãe se virou com um olhar de compreensão e falou..


-       Filha, o que há com você? Você estava toda animada em casa...


-       Cath, deixa que eu converso com ela. – ouvi meu pai sussurrar para minha mãe – consegue levar o malão?


-       Claro Nicholas, mas não demore...


Meu pai assentiu com a cabeça, se agachou até ficar olhando diretamente nos meus olhos e segurou meu rosto com as duas mãos.


-       Giu, o nervosismo é natural, mas você está nervosa com algo em especial?


-       Se eu não fizer amigos? Se não gostarem de mim por que eu sou mestiça? Ou por que eu sou uma Rosier? Se eu não me der bem em nenhuma matéria? Se as pessoas me excluírem?Se eu perceber que eu era melhor na minha escola trouxa do que em uma escola de magia? Se os professores me odiarem? Se eu for pra uma casa ruim? – disse tudo isso em disparate sem nem pegar ar pra respirar. Sabe o que meu pai fez? Começou a gargalhar! Não acreditei! Tantas possibilidades de dar tudo errado e ele rindo de mim!


-       Giulia, Giulia...Sempre tão preocupada com tudo...Pensou em todas as possibilidades. Você vai se dar bem meu amor...Hogwarts é um lugar maravilhoso, os professores são muito bons e muito legais. Tem tanta gente naquela escola que é impossível você não fazer nenhum amigo. E quanto à casa que você vai, você já sabe: eu fui da Sonserina e sua mãe uma Corvinal. Nenhuma casa é ruim, todas elas tem qualidades e você é tão cheia de qualidades que pode ir parar em qualquer uma das quatro!


Dizendo isso me puxou para um abraço apertado e cantarolou no meu ouvido uma música improvisada que basicamente dizia que ele sempre estaria junto de mim. Ele sabia que ao me abraçar eu ficaria mais calma, sempre era assim...


Meu pai se levantou, demos as mãos e atravessamos a rua correndo para chegar na estação, que para variar um pouco estava lotada. Sempre achei a Kings Cross muito legal, mas nunca entendi como um trem cheio de bruxos não chamava a atenção dos trouxas, perguntava isso pros meus pais e eles faziam mistério dizendo que quando eu fosse pra Hogwarts eu iria descobrir aonde ficava o trem. Hoje seria o dia da minha descoberta, e o nervosismo ruim de antes se transformou em um friozinho na barriga quando avistei minha mãe parada com um carrinho de malas entre as plataformas 9 e 10.


Ela deu um beijo na minha cabeça e depois no meu pai, me encarou com seu olhar de “estamos prontas? Vamos?” eu sorri abertamente enquanto os dois colocavam os braços sobre meus ombros e andavam calmamente em direção à parede de tijolinhos entre as plataformas. Sabia que devia ter algo mágico ali, tal como a parede pra chegar ao Beco Diagonal através do Caldeirão Furado, mas não tive coragem de ficar de olho aberto conforme a parede se aproximava.


-       Bem vinda a estação 9 ½ , entendeu agora como os trouxas não vêem o Expresso de Hogwarts?


Virei pra meus pais que sorriam abertamente e me guiavam por todos aqueles estudantes, vários mais velhos e outros da minha idade que pareciam tão nervosos quanto eu. Fui com minha mãe procurar uma água para beber deixando meu pai com as malas, ela poderia conjurar uma garrafa d’água, mas eu queria ver se eles tinham bebedouros na estação bruxa, eu adorava não ter mais que ficar na ponta do pé pra beber água.


-       Nicholas Rosier?


-       Sim...


-       Não se lembra de mim? Am...


-       Amélia Bones! – interrompi com um sorriso – como vai? Ainda no Ministério?


-       Muito bem! Continuo sim no Ministério... tentando fazer alguma justiça nesse mundo... Onde está Catherine? Continua casado com ela não é?


-       Claro que continuo, ela foi procurar água pra minha filha...


Amélia olhou para Nicholas com cara de que não entende por que alguém vai procurar água podendo conjurar uma garrafa. Nicholas compreendendo sorriu e explicou.


-       Colocamos Giulia em uma escola trouxa até fazer 11 anos para que ela convivesse com os trouxas e tivesse que compreender um mundo sem magia, o esforço que os trouxas tem. Uma das coisas que eles tem nessas escolas é um negócio chamado bebedouro, eu não entendo muito bem como funciona, mas Giulia ficou muito feliz quando não precisou mais ficar na ponta de pé para beber água na coisa, desde então ela fica procurando bebedouros por onde quer que ela vá... Coisa de criança...


Amélia ria sem parar


-       Essas coisas trouxas são tão interessantes. Acho incrível vocês terem colocado a filha em uma escola trouxa, uma atitude bem bacana, diferente de tudo o que se espera de um Rosier, ainda mais sendo sua filha – baixou um pouco a voz – uma sangue-puro...


-       Amélia, nunca mais toque nesse assunto - falei de forma baixa e atravessada – Giulia é minha filha e de Catherine, e de mais ninguém, não importa que seu sangue não seja nosso.


-       Mas o sangue é seu Nicholas, ainda que não seja diretamente, família é família – comentou ela erguendo a sobrancelha.


-       Então, está aqui acompanhando quem? Que eu saiba você não tem filhos – cortei o assunto o mais rápido que pude, pois Catherine e Giulia caminhavam em minha direção.


-       Não, infelizmente não tenho filhos, mas tenho uma sobrinha linda, Suzana, filha de minha irmã. – percebendo a vinda de mãe e filha, aponta - Ali está ela, a menina baixinha com bochechas coradas correndo atrás do gato branco.


-       Amélia! Quanto tempo que não lhe vejo!  Giulia, essa é Amélia Bones, estudou conosco em Hogwarts.


-       Prazer senhora Bones.


-       Pode me chamar de Amélia menina, como você está grande! Acho que a única vez que a vi tinha apenas 1 ano! – meus pais se entreolharam de maneira estanha.


-       Senhora Amélia, trabalha no Ministério da Magia não é? Nos tribunais...


-       Sim minha jovem, como sabe disso?


-       Não sei, acho que ouvi seu nome na rádio alguma vez., – menti rapidamente. Pessoas importantes do Ministério da Magia sempre falavam na rádio, ela parecia ser uma delas. Amélia Bones, esse nome não me era estranho, como eu sabia onde ela trabalhava? Um flash de memória surgiu: “Você consegue conjurar um patrono corpóreo? Na sua idade?” Todos aqueles que desejam inocentar Harry Potter de todas as acusações, ergam as mãos. As mãos de Amélia Bones sobem ao ar.* Que julgamento é esse? Por que eu estou vendo essas coisas? Harry Potter era um adolescente muito bonito e não uma criança, a mamãe falou que ele deveria ter a minha idade...Olhei para a Amélia Bones que conversava com meus pais, ela parecia tão mais velha na minha memória...  


-       Giulia, essa é Suzana, sobrinha de Amélia.  


-       Oi – sendo puxada de meus devaneios ouvi a menina dizer com uma voz baixinha – Tudo bom? 


-       Tudo bem e você? Vamos procurar um vagão juntas? Não conheço ninguém!  


-       Vamos! Claro! Olha, esse é meu gato – mostrando uma bola de pelos branca em seu colo – o nome dele é Snow.  


-       Oi Snow – disse eu fazendo carinho na cabeça do gato que ronronava tranquilamente – Essa é a Perséfone! Minha coruja!  


-       Noooosssaaaa! Ela é linda! Preta e branca! E é grandona!  


-       Vamos dar tchau pra eles logo e procurar uma cabine?  


-       Eu vou só procurar minha mãe pra me despedir, fica aqui! Já volto! 


Meus pais se despediam de Amélia que me deu um beijo no topo da cabeça e saiu andando pela plataforma. Aguardava ali por Suzana, ela parecia ser bem legal.  De repente vi meus pais ficarem muito sérios, segui a direção de seus olhos e parei em uma família com pessoas muito loiras e muito pálidas, o homem usava os cabelos muito compridos e pude ver que sua varinha tinha um adorno de prata muito bonito e caro. A mulher como os outros dois usava preto, cabelos longos presos de forma firme, era muito elegante, mas tinha um olhar esnobe que eu nunca tinha visto. E o menino, bom, ele era uma miniatura do pai com cabelos curtos e carregava o mesmo olhar da mãe. Tal como os pais seria bonito se não fosse o olhar de nojo. Voltei a olhar meus pais, os olhos ainda estavam fixos. O homem loiro sustentou o olhar de forma ameaçadora, e caminhou em nossa direção com a família seguindo. Meu pai cruzou os braços sobre o peito com a varinha em mãos ao mesmo tempo que minha mãe me puxava para si.


-       Nicholas...


-       Lucius, como vai?


-       Bem. Essa então deve ser sua – um sorriso torto apareceu em seus lábios – filha...


Meu pai assentiu com a cabeça sem retirar os olhos do homem assustador chamado Lucius, por que ele não tinha me apresentado? Meu pai sempre me apresentava com um sorriso orgulhoso no rosto. Algo devia ter acontecido entre ele e esse homem. Vi meu pai mirar a mulher loira, quando menos esperava ele dizia


-       Olá Cissa, como vai?


Por que meu pai chamava ela de Cissa? As únicas pessoas que ele chamava pelo apelido eram eu e minha mãe. Nem amigos ele chamava por apelidos... De repente eu escuto o que eu menos esperava.


-       Vou muito bem maninho, e você? Acho que não conhece seu sobrinho: Draco


Ela era uma das irmãs do meu pai que eu não conhecia! Não é a toa que ele não gosta de falar da família, eles eram muito arrogantes. Draco, quem dava o nome do filho de “dragão”? Que coisa mais idiota de se fazer. Reparei que ele não tinha cumprimentado meu pai, que falta de educação.


-       Giulia – ouvi a voz do meu pai – essa é minha irmã, Narcisa, e este seu primo Draco.


-       Eu percebi – respondi mau humorada, como me esconderam um primo da minha idade durante todo esse tempo – Tudo bem?  - perguntei estendendo a mão e olhando pra Draco que fez cara de nojo e olhou pros pais com um olhar inquisitivo e não tardou a perguntar:


-       Essa é minha prima sangue-ruim?


Engasguei em seco ao ouvir isso. Eu sabia o significado, meu pai tinha dito pra que eu nunca aceitasse ser chamada assim. Só quem tratava as pessoas dessa forma eram pessoas sem coração e sem cérebro, ele sempre me dizia.


-       Não. Eu não sou sangue-ruim, sou mestiça e me chamo Giulia Smith Rosier, e você é uma pessoa sem coração e sem cérebro.


Falei aquilo alto sem nem pestanejar, os loiros me olhavam espantados e esperei uma bronca pela falta de educação, mas ao invés disso meus pais não conseguiram manter a cara séria e começaram a rir se abaixando pra me abraçar. Vi meu pai falando com o homem.


-       Acho melhor você se retirar Malfoy.


Eles viraram de costas e nos deixaram abraçados rindo. Meu pai repetia a minha frase as gargalhadas e dizendo que tinha muito orgulho de mim. Eu não entendi nada, só repeti o que eles sempre me disseram. Voltei a esperar Suzana, que não aparecia nunca, fiquei de costas para o trem procurando por ela na plataforma, foi nessa hora que eu ouvi uma voz distante:


-       Eca, ela é uma Rosier. Aquela família parece um ninho de cobras, só nascem bruxos das trevas.


Me virei para ver quem falava, vi dois meninos ruivos carregando malões para colocar no trem.


-       Como assim Fred?


-       Eu não sou o Fred, Ron... Enfim, a família toda é de ex-Comensais da Morte, , os seguidores de Você-sabe-quem, mataram muita gente inocente. Se eles tem um filho que vai para Hogwarts, pode ter certeza de que vamos atormentá-lo todos os dias, só por ser desta família desprezível.


-       Mas George, ele não tem culpa de ter nascido numa família ruim...


Ponto pro ruivo mais novo chamado Ron!


-       Não tem culpa de ter nascido, mas vai ter de tudo aquilo que ainda vai fazer de mal no mundo. Ron, seu nariz tá com uma sujeira preta...


Meus olhos ficaram cheios d’água pelas palavras daquele menino. Quem ele pensa que é pra falar assim de mim? Meu orgulho falou mais alto naquele momento, sequei meus olhos e pensei: eu sou uma Rosier sim, e daí? Enquanto secava os olhos Suzana apareceu, me despedi dos meus pais e entramos no trem buscando uma cabine vazia. Sentamos e acenamos pela janela, vi Amélia Bones dando tchau para a sobrinha.


Flash: Cornelius Fudge conversando com o Primeiro Ministro trouxa: “ainda por cima, perdemos Amélia Bones, tudo indica que ela lutou bravamente.”*


Um arrepio percorreu minha espinha, o Ministro da Magia parecia mais velho, abatido, e aquele não era o atual Primeiro Ministro trouxa, eu sabia por que prestava atenção nas notícias da televisão, meus pais achavam importante eu entender dessas coisas por causa da família da mamãe. Enquanto pensava no estranho flash a plataforma 9 ½ desaparecia e entrávamos em um campo verde.

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