Epifania



| Do Nosso Jeito |




Capítulo Quinze - Epifania




"Das pessoas mais solitárias, você é a mais gentil
Das pessoas mais tristes, o seu sorriso é o mais brilhante
Das pessoas mais afetadas, você é a mais sábia".




"Você vai ficar?
Mesmo que doa?
Mesmo que eu tente te afastar?
Você voltará?
E me lembrar de quem eu realmente sou". ¹


 


 


 


            A janela estava enfeitiçada, ele sabia. As cores azuis do céu, os raios de sol que conseguiam facilmente tocar o chão, as copas frondosas das árvores tão verdes e brilhosas, tudo era apenas uma mentira, uma ilusão criada por um feitiço bruxo.


Provavelmente Sirius, Harry pensou. O Largo Grimmauld não tinha muitas janelas, num esforço máximo da família Black em permanecer fiel à escuridão.


Ele estava encostado no parapeito, desejando estar livre de toda aquela carga que carregava. Sentia-se psicologicamente cansado, tendo que explicar para a família do seu melhor amigo que ele havia se sacrificado em detrimento da sua vida, que Ron abriu mão de estar com sua família, de construir um futuro, para acabar com uma Guerra que não era dele.


Suspirou. Desejou, por um segundo, que Hermione o surpreendesse, chegando ali, abraçando-o... Talvez, quem sabe, até beijando-o... E dizendo que tudo ia ficar bem.


Muito embora Harry soubesse que as coisas nunca mais iriam ser as mesmas. Não para ele, não para ela. Não para os dois.


– Hey – alguém falou.


– Ah – Harry virou-se, e viu Gina o encarando. – Alô, Gina.


Ela se aproximou um pouco, e Harry abriu um pouco de espaço para que ela também pudesse debruçar-se sobre a janela falsa e contemplar um pouco da beleza que a paissagem trazia.


– Está tudo bem?


Harry ofereceu-lhe um sorriso triste.


– Como haveria de estar? – Seus olhos se desfocaram. – Fiz a Sra. Weasley chorar. Havia tanta dor estampada no seu rosto... Um grito tão doentiamente silencioso de desespero e tristeza. Tão nebuloso que... – ele engoliu a seco. – Parecia apenas uma sombra da verdadeira Molly Weasley.


– Todos somos apenas uma sombra do que costumávamos ser, Harry.


Ele não respondeu imediatamente. Sentiu a mão de Gina serpentear pelo seu braço, parando somente quando entralaçou seus dedos. Os olhos castanhos dela refletiam os primeiros raios iluminados do novo dia que estava nascendo, e Harry, mais uma vez, impressionou-se com a força dela.


– Eu já vi o suficiente da maldade – enfim, depois de muito tempo, Harry sentiu vontade de chorar. – Estou farto. Não sei o quanto ainda posso aguentar.


O silêncio tomou conta do recinto mais uma vez. Harry fechou os olhos, a tristeza arrebatando-o de forma incisiva.


– Ele não está morto – a voz de Gina saiu num sussurro quase inauditível. – Pelo menos não para mim. E isso me basta por enquanto.


Então é por isso que ela não havia derramado sequer uma lágrima, imaginou Harry. E pensou como uma menina da metade do seu tamanho conseguia ser mais tão centrada do que ele. Uma verdadeira Grifinória.


– Sinto tanto a falta dele – murmurou Harry, os olhos embaçando de lágrimas. – De conversar com ele, de rir das suas piadas, ou simplesmente de estar com ele. Eu, Hermione e Ron éramos um trio. E agora nós estamos incompletos. Somos a varinha e a cabeça, sem o coração.


– Vocês não conversam sobre isso? Você e Hermione?


Ele balançou a cabeça negativamente.


– Ela está quebrada, Gina.


– Mas está aqui.


– Apenas porque sabe que eu não seria capaz de sobreviver sem ela.


– Hermione jamais o deixaria.


As frases entre os dois participantes da conversa tinham um espaçamento de silêncio maior do que normalmente; cada palavra era pensada e ponderada antes de ser dita.


– Sei do que se passa – disse Gina, finalmente. Harry a encarou, interrogando-a com o olhar, sem entender. – Vi o jeito que você olha para ela. Está apaixonado.


Harry não pôde esconder a surpresa no seu rosto.


– Desculpe-me, Gina – disse, sentindo uma necessidade imensa de pedir perdão à garota que costumava ser sua namorada por não amá-la mais.


– Não precisa, Harry, de verdade – ela respondeu, com sinceridade. – Hermione é uma ótima pessoa, sei que o fará feliz.


Ele riu, mas foi um sorriso de frustração e tristeza.


– Não acho que isso um dia virá a acontecer. Hermione está tão triste, o tempo todo, e é duro vê-la assim... Amando outra pessoa.


– Ela está de luto. Ron morreu – era a primeira vez que Gina dizia isso em voz alta, e o som de sua voz soou estranho até para os seus próprios ouvidos. – Você, por outro lado, está bem vivo.


– Não me sinto muito vivo.


– Harry, por favor – Gina soltou a mão de Harry, e o olhou com censura. – Erga a sua cabeça como o herói que você é! E não, nem abra essa sua boca para protestar! Durante todos esses anos, não aprendeu nada com Neville Longbottom? Acaso já viu criatura mais desengonçada? Somos todos pessoas comuns, somos todos apenas seres humanos, e por isso que nos torna tão bonitos e especiais... Qualquer um pode ser herói, se se mantêm íntegro no coração.


Harry abriu a boca para responder, mas não pôde.


– Só estou cansado – disse, apenas.


– Façamos o sacrifício de meu irmão valer a pena – ela falou, de modo decisivo. – Nós, os Weasley, superaremos o trauma e honraremos a memória dele e de Fred com saudade, e os vingaremos no campo de batalha. Você irá acabar com essa Guerra, mas também será e fará Hermione feliz. Prometa-me, Harry.


Ele conseguiu sorrir.


– É tudo que eu mais quero, Gina.


Os dois se abraçaram, e Harry acabou por sentir-se um pouco mais leve. Demoraram um pouco para se soltar, buscando um conforto naquele carinho.


– Harry, querido – a Sra. Weasley acabara de chegar ali, e fitava os dois com afetuosidade. – Estou indo dormir, certo? O dia foi cansativo. Eu e Arthur permanecemos no mesmo quarto de sempre, ou houve mudanças?


– O mesmo quarto, Sra. Weasley, reservei para os dois.


– Obrigada, querido – a senhora sorriu. – Boa noite. E Gina, por favor, não se demore, precisa descansar.


– Estou subindo mamãe – respondeu a ruiva, despedindo-se de Harry rapidamente com um beijo. – Boa noite.


– Boa noite para as duas.


Harry observou as ruivas subirem as escadas, os cabelos perfeitamente iguais. Sorriu, lembrando-se vagamente do tom vermelhos dos cabelos de Ron. Suspirou um pouco, sentindo-se inesperadamente sonolento e cansado. Já ia retirar-se aos seus aposentos, quando Draco Malfoy o chamou.


– Potter.


– Olá, Malfoy – respondeu, tentando parecer simpático. – Aconteceu alguma coisa? – Acrescentou, notando o estado nervoso que o sonserino se encontrava. Deu um sorrisinho amarelo: – Não está com medo que os Weasley resolvam se vingar dos anos de opressão que sofreram por sua parte, está?


– Claro que não, idiota – respondeu Draco parecendo atormentado, e Harry pôde claramente ver que a ideia ainda não havia passado pela cabeça do louro. – Preciso falar com você.


Harry ergueu os braços.


– Sou todo ouvidos.


Draco não falou logo, enrolando e gaguejando, coisa que irritou Harry profundamente. Resolveu esperar sem reclamar mesmo assim, pensando que era algo que Hermione faria.


– Bem, na verdade... – Malfoy soltou um pigarro alto, quase que como se falar lhe trouxesse uma dor física. – Preciso de um favor.


– Claro que você precisa – Harry disse, rolando os olhos, nem um pouco surpreso. – O que você quer?


– Eu quero que deixe Astória fora da Batalha Final.


Harry ergueu o cenho.


– Por que, exatamente?


– Prefiro não dizer – respondeu Draco, erguendo os olhos com superioridade.


– Astória pelo menos sabe que está aqui me pedindo isso? – Questionou Harry, duvidando muito do conhecimento da menina.


– Não. Não que isso seja da sua conta!


– Então nem pensar! – Bradou, com raiva.


Girou os calcanhares, virando-se para a escada e dirigindo-se para subir os degraus. O idiota do Malfoy só o fazia perder tempo, e, mesmo que estivesse do lado certo da Guerra, o ar de arrogância e superioridade nunca lhe saía do rosto.


Espere! – Esganiçou-se Draco, puxando Harry pelas vestes e parecendo desesperado. – Por favor... – Os seus olhos eram atormentados de uma forma que Harry jamais havia visto antes.


– Está com medo, Malfoy? – Perguntou, surpreso e ligeiramente curioso.


– Ela está grávida, Potter – Draco respondeu, apertando e amarrotando o tecido da manga da camisa de Harry. – Carrega um filho meu – no cinza das íris, havia um brilho perolado de lágrimas. – Por favor, eu o imploro de joelhos no chão, não a deixe ir ao campo de Batalha.


A primeira reação de Harry foi o choque. Encarava Malfoy com a boca aberta de surpresa, olhando aqueles olhos suplicantes com espanto. Tentou pronunciar alguma frase, mas lhe parecia impossível encontrar palavras que cabiam naquela situação.


E a segunda reação foi raiva. Uma raiva tão escaldante que subiu fervendo pelo seu pescoço em direção ao seu cérebro, revirando suas entranhas de puro ódio. Puxou seu braço que Malfoy segurava com força, fazendo-o soltar.


Filho da puta – cerrou os olhos, com uma vontade incontrolável de xingá-lo. – Seu nível de estupidez consegue atingir dimensões estratosféricas, Malfoy! – Sem perceber, estava gritando, possesso. – Como pôde? Como pôde ser tão idiota a ponto de querer colocar uma criança num mundo de MERDA como esse?


– Acha que eu quis isso? Não foi algo planejado, seu idiota! A-aconteceu! – Draco gaguejou, perdendo-se nas palavras. – Não estávamos planejando!


Harry aproximou-se perigosamente, sentindo ganas fortes de espancar o garoto à sua frente.


– Diga-me, Malfoy, como pretende lidar com um recém-nascido no meio de uma Guerra? Como conseguirá dormir a noite sabendo que é um pai completamente relapso e incapaz de proteger seu próprio filho? – Harry puxou-o pelo colarinho da camisa, com uma raiva tão forte que não conseguia controlar. – Hein? Explique-me Malfoy, porque eu estou morrendo pra saber!


Dessa vez, Malfoy não recuou, pelo contrário, cerrou os olhos para Harry, desafiando-o com o olhar.


– Nunca quis ter filhos, Potter. Nunca quis transmitir a nenhuma criatura o legado de minha miséria. Acha que estou feliz? Acredita mesmo que quero ver Astória sofrer, ou meu futuro filho? Acha que quis desonrá-la, sendo para sempre a mulher que engravidou de um ex-Comensal? Ou colocar no mundo outro Malfoy? Depois de tudo de ruim que já fiz, você ainda acredita que tenho pretenções de sair vivo dessa Guerra?


Harry afroxou o aperto em Malfoy, para soltá-lo logo em seguida. Passou a mão nos cabelos, frustrado, enquanto o sonserino desamarrotava suas vestes. Seu coração batia acelerado.


– Desculpe-me – pediu, muito baixo. – Exaltei-me. Sei que foi uma surpresa para você também.


– Sim – resmungou Draco, de mau humor.


– Não se preocupe, Astória não pisará no campo de Batalha de agora em diante, e todo o conforto que eu puder proporcionar a ela será providenciado. Sorte nossa que Madame Pomfrey está aqui agora, poderá dar uma melhor assistência ao seu filho.


– Obrigado, Potter – Draco fez uma curta reverência com a cabeça. – Para sempre estarei em dívida com você.


Harry resmungou alguma coisa em resposta, arrependido de ter explodido daquela forma.


– É bom que case com ela, patife – falou, com um tom quase divertido.


Draco ajeitou-se, mudando o peso de um pé para o outro.


– Imediatamente.


Harry subiu a escada, e soltou uma risadinha quando chegou ao seu ápice.


Babaca – resmungou, alto demais, sentindo quase uma pontada de inveja da doninha loura.


– Eu o ouvi, Potter – a voz de Malfoy ressoou, lá de baixo.


– Não falei exatamente baixo.


Esperou um segundo pela resposta, mas não houve. Riu de novo, imaginando como Astória ficaria linda e exuberante, com a barriga proeminente. Talvez Draco merecesse essa felicidade, pensou Harry. Apesar de extremamente maldoso e escorregadio, o louro nunca foi de fato ruim. Redimiu-se a tempo, e encontrara alguém que trazia o seu melhor à superfície.


– Potter? – Chamou a voz do sonserino.


– O que, Malfoy?


– Gostaria que fosse meu padrinho de casamento... – Um pigarro. – Junto à Hermione.


Apesar de surpreso, Harry sentiu-se surpreendentemente feliz.


– Aceito – respondeu, por fim, agradecendo a Mérlin por Malfoy não estar vendo o sorriso de satisfação em seu rosto. – E não precisa chorar de emoção.


– Nem você, Potter... Nem você.


Os dois garotos sorriram, e, sem dar boa noite, dirigiram-se aos seus respectivos quartos. A felicidade não saiu do rosto de Harry enquanto andava pelos corredores. Ele não podia imaginar, mas acabara de ganhar um fiel amigo.


Ponderou algumas coisas enquanto não chegava ao quarto de Sirius – onde dormia sozinho, pois os outros recuravam-se a usar os aposentos do antigo dono da Mansão Black. Harry achava tudo aquilo baboseira, e devido a superlotação da casa, não incomodou-se nem um pouco em ocupar o espaço, mesmo que fosse sozinho.


Ao abrir a porta, deparou-se com uma cena incomum: perto da cama, sentada em uma antiga cadeira de madeira que sempre rangia durante a madrugada, estava Hermione.


– Olá – ele disse, tentando esconder a surpresa e fechando a porta atrás de si com um clique.


A garota abraçou os próprios joelhos, se aconchegando, embora, para Harry, parecesse impossível que Hermione permanecesse confortável em qualquer lugar que não nos seus braços.


– Oi, Harry.


– Está tudo bem? – Aproximou-se um pouco, sentindo-se ligeiramente preocupado. – Alguma coisa a incomoda?


– Não, apenas... – Hermione corou um pouco. – Acho que senti sua falta.


Harry sorriu, aproximando-se mais um pouco, animado.


– Isso é bom.


– Não seja bobo... – Ela sorriu também, parecendo envergonhada.


– Eu certamente senti saudades de você.


Harry sentou-se na cama, à frente de Hermione. Teve impulsos de segurar-lhe as mãos, mas conteve-se. Iria deixar que ela ditasse o ritmo que os dois iriam caminhar.


– Eu o vi, sabe? – Começou Hermione, baixinho. Seus olhos estavam desfocados e fixos num ponto além do ombro de Harry. – Conversando com Gina mais cedo.


– Sim – respondeu Harry, devagar, ponderando suas próprias palavras. Sabia que estava pisando em um campo minado, e que qualquer reação errada agora poderia ser fatal.


– Pareciam bem íntimos.


– Ginny e eu somos amigos, Mione – ele sussurrou. Mérlin, tinha vontade de erguer-se e tomá-la nos braços. Como Hermione conseguia ser tão inteligente e ao mesmo tempo tão cega?


– Perdoe-me se estou sendo invasiva – ela evitou os olhos dele. – Não quis me intrometer, e não é da minha conta.


– Não foi invasiva. Sabe que pode me perguntar o que desejar, Hermione. E o seu ciúme me envaidece, honestamente.


– Não é ciúme! – Hermione disse, corando furiosamente. – Gosto de estar a par de sua vida, apenas.


– Como queira – riu-se ele. – Malfoy já lhe contou as novidades?


– Não, Astória o fez, algumas semanas atrás... Sim, eu já sabia, e não faça essa cara de indignação, Harry, prometi segredo até que as coisas se acalmassem um pouco. Astória estava muito preocupada com a reação de Draco.


– Parece-me que ele aceitou bem – comentou Harry. – Diria até que a doninha está adorando a ideia de ser pai.


– Acha que ele é capaz de lidar com isso? – Hermione perguntou, o cenho franzido de preocupação.


– Sim – Harry respondeu com tanta firmeza, que a certeza em sua voz o surpreendeu. Olhou para Hermione de um jeito muito cálido, e acrescentou, num sussurro: – Ele a ama, Hermione. E isso é o suficiente por enquanto.


– Temo que só amor não seja o bastante.


Harry ergueu-se, aproximando-se da amiga. Hermione foi obrigada a erguer os olhos; os dois estavam tão perto agora que seus joelhos se tocavam.


– Quando deixou de acreditar no amor, Hermione?


– Não deixei – respondeu, sentindo-se mais envergonhada do que jamais se sentira na vida. Os olhos de Harry estavam tão absolutamente fixos em si, que Hermione sentia-se quase nua. – Apenas me preocupo com essa criança.


– Tenho certeza que Draco cuidará da situação – Harry falou, baixinho, sem tirar os olhos dela. Para Hermione, era como se a voz dele orbitasse ao redor de si, flutuando nos seus ouvidos. – Caso contrário, irei azará-lo com extremo prazer.


– Estou certa de que você gostaria disso.


Harry riu.


– Você me conhece melhor do que ninguém – ele aproximou-se mais, forçando os joelhos entre os delas. – Mas diga-me... Por que veio até o meu quarto no meio da madrugada, Hermione?


Ela não respondeu de imediato, talvez procurando as palavras adequadas àquela situação, até finalmente descobrir que não conseguiria analisar tudo que estava acontecendo e simplesmente dizer a verdade ao seu melhor amigo:


– Tenho tido dificuldades para dormir nos últimos dias. Achei que talvez pudesse me ajudar.


– Gostaria ficar aqui essa noite?


– Sim – confessou Hermione, timidamente.


Harry pôs-se de joelhos, ficando frente à frente aos lindos e brilhantes olhos castanhos. Tomou as mãos de Hermione, entrelaçando seus dedos.


– Poderá dividir o leito comigo por toda a minha vida – ele disse, sem cortar o contato visual. – Se assim desejar.


Hermione fechou os olhos. As palavras de Harry aqueciam seu coração como se fossem um carinho físico. Aproximou-se, apoiando as suas testas.


Mesmo ali, no escuro e no silêncio, Hermione tinha plena certeza das sensações que acometiam seu corpo.


Dentro do seu peito, seu coração desabafava. Havia perdido toda sua razão, e mesmo que tivesse tentado esconder, não revelando a ninguém o seu afeto – nem mesmo a si própria –, Harry tinha minado, pedra por pedra, sua fortaleza. Sentia-se atada a ele, como se ele tivesse amarrado seu coração ao dele com cordas invisíveis e indestrutíveis.


Harry só abriu os olhos quando sentiu o toque de dedos gélidos em sua testa.


– Desculpe-me – ela pediu, mortificada, retirando sua mão imediatamente.


– O que há?


– Eu... Eu estava tocando a sua cicatriz... Queria saber qual era a sensação.


– E..?


– E eu decidi que parece mais com um corte do que com uma cicatriz – cicatrizes normalmente são suaves, e a sua parece que está ai apenas há alguns dias. Pergunto-me o por que...


Harry riu, dando de ombros.


– Não faço ideia.


Hermione ficou muito quieta, absorta nos seus próprios pensamentos. A pele de Harry queimava onde antes os dedos da menina estiveram.


– Nunca tocaram-a antes – ele continuou a encará-la depois de falar.


Olhando diretamente para os olhos de Harry, Hermione ergueu a mão para roçar a ponta dos dedos contra a cicatriz mais uma vez. Tocá-lo ali, de alguma forma, parecia incrivelmente íntimo.


– Você consegue ver o quanto eu preciso de você agora?


Hermione não o deixou terminar, pondo o dedo nos lábios dele, fazendo-o calar-se. Harry segurou sua mão, e beijou-a com carinho. Ergueu um pouco o dorso, levando os lábios ao ombro de Hermione, fazendo-a suspirar.


Ele sentia-se inesplicavelmente calmo. Subiu mais um pouco, levando sua boca agora até o pescoço dela. Demorou-se ali, deleitando-se no cheiro maravilhoso que a pele de Hermione exalava – sândalo, livros e inverno. O cheiro que lhe fazia sentir estranhamente em casa.


Hermione suspirou, passando os braços ao redor do pescoço de Harry. Fechou os olhos, e quando seus lábios roçaram com os dele, todos os pensamentos fugiram-lhe da mente.


Ela não sentiu hortelã, ou morango, ou qualquer outro gosto na boca dele. O que ela sentiu foi o seu coração ser atingido por uma onda arrebatadora de amor por aquele homem, o que ela sentiu foi seu sangue incendiar dentro das próprias veias, foi uma epifania de que gostaria de beijar somente aqueles lábios para todo o sempre – mesmo que secassem, mesmo que envelhecessem.


Abraçou-se a ele, enquanto Harry a erguia, sem jamais deixar de beijá-la. Segurando-a com firmeza, dirigiu-se à cama, e deitou-a com cuidado.


Os dois se encararam, e Hermione pôde ver afeto e respeito estampados na íris verde-mar. Ele curvou-se e capturou seus lábios mais uma vez. Seu toque era tão gentil que Hermione sentiu vontade de chorar.


– Eu te amo – ele sussurava em seus lábios, calidamente.


Hermione suspirou de puro prazer. Apertou Harry um pouco mais em seus braços, colando seus corpos.


– Eu também o amo.


Mas ela não precisava dizer, pois estava escrito nos seus olhos, no seu rosto, no seu corpo, no seu coração.


Entregou-se para Harry naquela noite pela primeira vez, banhada pelos raios do sol nascente. Não sentiu vergonha, ou pudor. A única coisa que conseguiu sentir foi felicidade.


 


 


*


 


Molly Weasley estava na cozinha da sua casa. Era reconfortante, poderia admitir. Era um local âncora em sua vida, e sempre se sentia segura ali, onde podia simplesmente ser a dona de casa que era, e olhar para o mágico relógio que lhe informava exatamente onde seus sete filhos estavam.


Porém, dessa vez, Molly Weasley paralisou de medo. Não sabia ou entendia o que fazia ali, em sua cozinha, quando sabia que sua casa havia sido destruída durante o casamento de Gui e Fleur por Comensais da Morte. Lembrava-se de estar no Largo Grimmauld, e de ter deitado com Arthur para dormir.


Não podia, também, olhar para o relógio que tanto apreciara. Não podia encarar a dura realidade, ver que os ponteiros de Ron e Fred simplesmente não estavam mais lá, e que nunca mais veria seus meninos voltando para casa.


Molly Weasley não tinha medo de chorar, mas não o fez. Simplesmente recusou-se a virar de costas e olhar o objeto. Assim doeria menos, ela decidiu. Lavaria a louça, fingiria que era um dia comum, e que seus preciosos filhos estavam em Hogwarts. Fingiria que Fred estava sendo suspendido nesse exato momento por alguma Gemialidade, e que Ron estava discutindo à gritos com Hermione no Salão Principal.


– Sabe, quando eu estava em Hogwarts, as pessoas sempre me perguntavam se eu era uma Weasley – Molly ouviu uma voz desconhecida falar atrás de si. – Lucius Malfoy uma vez teve a pretensão de me insultar assim. Oh! Como ser um Weasley fosse realmente um insulto! Sentia-me tão honrada, sabia da fama nobre que sua família tinha, Molly.


– Quem está aí? – Perguntou a Sra. Weasley, os músculos tensos. Não importava quem era, ninguém a faria virar de costas e encarar o maldito relógio com ponteiros faltando.


– Estou certa de que, mesmo que eu respondesse a sua pergunta, não iria acreditar – a voz feminina respondeu. – Sugiro que vire e me veja. Não se preocupe, Sra. Weasley – acrescentou a voz, com doçura. – Nem eu e nem o relógio iremos lhe machucar.


Muito devagar, e tremendo, Molly girou os calcanhares. Encarando-a com serenidade, havia uma mulher – quase uma menina, na opinião de Molly – de cabelos muito ruivos e rosto bondoso.


– Consegue ver a semelhança com os genes de sua família? – Ela perguntou, com alegria.


– Na verdade, não – respondeu Molly, desconfiada. – Além de, obviamente, os cabelos vermelhos. Mas os olhos... Bem, nós nunca tivemos olhos verdes em nossa linhagem.


– Generalizações me entediam, Sra. Weasley, exceto quando eles me comparam com sua família.


– Quem é você? Não me é estranha. Acaso nos conhecemos?


– Não, porém eu sei muito sobre você.


– Como poderia..?


– Sei que tem cuidado do meu único filho como se fosse seu – a mulher disse, e a íris verde brilhou de emoção. – Sei que o alimentou, sei que lhe ofereceu uma cama aquecida para descansar. Sei que deu-lhe abraços calorosos, abraços que eu não posso dar.


Molly encarou aqueles olhos com entendimento.


– Lily Potter.


– Sim.


– Mas como..?


– Você ficaria surpresa com o poder que o amor de uma mãe por um filho pode fazer.


– Pouca coisa me surpreende na minha vida, mas devo admitir que uma visita sua é um tanto quanto... Inesperada.


– Vim agradecê-la, Molly – Lily sorriu, e Molly viu a mesma amabilidade de Harry naquele sorriso. – E vim lhe também trazer algum conforto. Tem cuidado do meu Harry durante tanto tempo... Cuidado tão bem como eu o teria feito. Está na hora retribuir o que tem feito por mim, e por meu filho.


– Do que está falando? – Molly já tinha lágrimas de emoção nos olhos.


– Seus ruivinhos estão comigo, Molly – Lily sussurrou. – Eles estão bem. Por favor, não se preocupe. É a minha vez de cuidar dos seus, e eu prometo pelo sangue de Mérlin, que eu os darei tanto amor como você deu ao meu Harry.


– Fred..? Ron..? – O rosto redondo da mulher já estava vermelho de lágrimas, e as palavras saíam com certa dificuldade da sua boca.


– Sim – Lily respondeu, com afetuosidade. – Os dois, comigo e James.


– Oh, querida! – A Sra. Weasley jogou-se nos braços de Lily, soluçando alto. – Esses três lhe darão tanto trabalho!


As duas riram um pouco.


– Obrigada por ter cuidado do meu filho quando eu não pude – falou Lily, com emoção, quando as duas se soltaram.


– Criança – disse Molly encarando Lily. – Harry é um menino abençoado por uma marca. Não a cicatriz, como todos pensam, e sim uma marca invisível. Você o amou tão profundamente, que mesmo que não esteja mais presente fisicamente, você o deu uma proteção eterna. Orgulhe-se disso.


– É reconfortante saber que ele foi acolhido por família tão honrosa como a sua. Não tenho palavras para expressar minha gratidão, Molly Weasley. Espero ser capaz de fazer dez por cento pelos seus filhos do que você foi capaz de fazer pelo meu.


– Sei que eles estão em boas mãos – Lily enxugou as lágrimas no canto dos olhos ao ouvir isso. – Diga que mamãe sente a falta deles, e que os ama muito.


– Eu direi.


Molly abraçou Lily novamente, e tentou guardar detalhes da mulher, para mais tarde contá-los a Harry. Quando abriu os olhos, notou pela primeira vez a parede onde deveria estar o relógio com os ponteiros mágicos.


– O que aconteceu com o relógio?


– Você não irá mais precisar dele – Lily disse, encarando a mulher. – Todos os seus terão vidas longas e prósperas, e você nunca mais precisará se preocupar se eles estão bem ou não. O fim está muito próximo, Molly, eu garanto.


Molly afirmou com a cabeça, segurando-se para não cair em lágrimas novamente.


– Obrigada por tudo, querida.


Longe dali, no Largo Grimmauld, número 12, Molly Weasley acordou, assustada por um grito gutural de dor.


 


 


*


 


 


N/A:


 


¹ Dark Side - Kelly Clarkson


 


DESCULPEM A DEMORA! Eu não abandonei a fic, e nem irei abandonar, é que final de período é inferno astral, eu não tive tempo nem pra dormir! Não gostei desse capítulo em particular, mas acho que o próximo teremos mais ação.


 


Respondendo às perguntas rapidamente: Laauras, Kingsley vai aparecer em breve! Vivo ou morto, eu ainda não sei, rs. Márcio Black, nada de conflitos de interesses, embora Jorge esteja um pouco revoltado com a vida! Tito, a Gina acho que até aceitou bem a coisa, eu sempre achei, apensar de tudo, que ela era um personagem compreensível. E sim, a fic está muito perto de acabar, sim! Mais alguns capítulos e estaremos no final! Isis, menina, nada de bronca, pára com isso! Haha, e você NÃO me chateou, é uma honra tê-la como leitora! Matthew Malfoy, sentia sua falta, seja bem vindo de volta!


 


Beijos especiais: Fe-Note, Melissa Hashimoto, laauras, Márcio, Tito, Isis, Matthew, Hillary Evans, Nina Granger Potter, Helen Black, Lay, Nathytx, Undiscoverd, Talisman José, Gabrielly Potter, Venatrix, Gabriela G. Potter, Vivian Rodrigues!


 


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Comentários (27)

  • Laauras

    Amei o capítulo, Harry e Mione se acertando, literalmente, até que enfim esses dois tomaram jeito. Draco vai ser papai, mt fofo! Amei a frase da Gina sobre os heróis e o ciúme da Mione. Chorei na parte da conversa entre Molly e Lílian, essas duas grandes mães. Mas, de quem foi esse grito? Curiosa! Bjão, esperando pela próxima att logo!

    2013-06-10
  • Laauras

    Amei o capítulo, Harry e Mione se acertando, literalmente, até que enfim esses dois tomaram jeito. Draco vai ser papai, mt fofo! Amei a frase da Gina sobre os heróis e o ciúme da Mione. Chorei na parte da conversa entre Molly e Lílian, essas duas grandes mães. Mas, de quem foi esse grito? Curiosa! Bjão, esperando pela próxima att logo!

    2013-06-10
  • Márcio Black

    Capítulo bem tranquilo, mas cheio de emoção! Finalmente a Hermione aceitou o fato consumado, agora vamos ver o que nos resta do casal de agora em diante, e o que vem por aí. A parte que eu mais gostei mesmo foi o "sonho" da Molly com a Lily, confesso que fiquei arrepiado e feliz por você ter abordado dessa maneia ;) Beeijos

    2013-06-10
  • Nathytx

    Putz.. Como assim ñ gostou?? Eu A.M.E.I quase chorei desde a parte do harry e da mione no quanto até a hr em q a molly acordou.. tá ótimo, perfeito.. ñ demora tanto porfavorzinho.. =l bjs.. ainda estou à espera.. bjs.ah e mais uma vez..ficou PERFEITO *-*  

    2013-06-10
  • Saito

    Leitor Novo aqui! Estou adorando tanto sua Fic. Não sei nem por onde começo a falar... A maneira como vc escreve pe divina, o modo como você conseguiu envolver os personagens em um drama, o modo como você consegue expressar a dor que eles estão sentindo, a confusão dos sentimentos é muito propicia ( se eu que estou lendo fiquei confuso imagine a Mione que estava sentindo tufo aquilo), porpem eu entendo que ela se divide ao que poderia ser se o Rony estivesse vivo e ao que poder se com o Harry daqui para frente... Fiquei feliz que ela tenha percebido que o ama, ja estava na hora de tomar uma atitude. Tenho que confesar que a parte que mais gostei foi o sonho da Molly, isso foi simplesmente fantastico, esplendido... Não entendo o porque de vc não ter gostado.

    2013-06-10
  • Venatrix

    Uou! Que capitulo! Astoria Gravida, Harry e Hermione cunsumaram o amor deles... OMG! Mal posso esperar para ler o proximo capitulo...O sonho da Molly me fez chorar... Serio, fico feliz em saber que a Lily ta cuidando dos Ruivinhos da Molly....Wow, puzt ja to até vendo a reação da Mione quando acordar.... na pior das hiposes ela vai fazer o que eu acho que vai... e na melhor você ira me surpreender como sempre... 

    2013-06-10
  • Talisman José da Silva Moraes

    Égua, que capítulo fantástico! Se não gostaste desse, imagina como será o que gostares... muito bom mesmo! parabéns! Só não demore a postar o próximo, por favor! :)

    2013-06-10
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