O PROTESTO SILENCIOSO



CAPÍTULO 8 – O PROTESTO SILENCIOSO


Depois que os dois desceram, longos minutos ainda se passaram sem que Hermione aparecesse. Quando Rony já estava se cansando, ouviu passos apressados na escada. Levantou-se, já se sentindo dormente por tanto tempo de espera, colocando-se de frente para as escadas do dormitório feminino onde quase foi atropelado por Parvati.


—Ah, me desculpe! Eu estou atrasada... – ela disse, passando feito um trovão por ele.


Pela reação de Parvati e sua saída rápida do salão comunal, Rony percebeu que não conseguiu disfarçar a expressão de desprezo estampada em seu rosto. Ele ainda destilava mentalmente seu veneno, quando virou-se, dando de cara com Hermione.


—Você está...


—...Atrasada, eu sei. Desculpe - ela lamentou, sinceramente. – A Parvati...


—Eu sei, a Lia me falou... – ele completou, por sua vez. – Mas eu não ia dizer isso, eu ia dizer que você está...


—Bonita? – a garota o interrompeu novamente, abrindo um sorriso e mostrando o vestido.


—É...


Por um momento houve um silêncio desconfortável entre os dois. Quando voltaram a falar foi ao mesmo tempo, mas Rony deixou Hermione continuar.


—É... eu gostei da sua idéia... – ela disse, vermelha, apontando para o alto da cabeça do garoto. – Muito bom!


Rony apalpou os cabelos semi-presos por um arco de onde despontavam dois chifrinhos vermelhos. Ele colocou a máscara, ornamentada em preto e vermelho, e não pode deixar de surpreender Hermione. Estava uma fantasia muito sóbria e ela o avaliou como irretocavelmente bem-arrumado. Bastante diferente da arrumação para o baile de um ano atrás.


—Ousado... E um pouco assustador, se você considerar a forma como você olhou para Parvati quando ela saiu... – Hermione continuou, rindo.


—Fazemos um par interessante, não concorda? – ele perguntou, com o rosto escondido pela máscara.


Houve mais um momento de silêncio. Hermione colocou a sua própria, azul e branca, ornamentada de desenhos prateados.


—Plenamente. – foi a sua vez de responder, agora também protegida pela expressão imparcial que só uma máscara poderia oferecer.


—Então vamos logo, porque eu quero muito ver a chegada da Umbridge! – ele disse, dando o braço para ela.


—Bem lembrado!


E os dois saíram juntos do salão comunal, fazendo rapidamente e em silêncio seu caminho ao salão principal, onde muita gente já se encontrava acomodada nas inúmeras mesinhas redondas dispostas próximas umas das outras, que substituíam as quatro grandes mesas de cada casa.


Harry estava ladeando Cho, enquanto ela conversava com um grupo grande de meninos e meninas da Corvinal. Quando o garoto avistou os dois amigos, não pôde conter o sorriso ao notar de quê estavam fantasiados. Pareciam as duas faces da sua própria consciência, uma sempre a aconselhá-lo a fazer o certo e a outra sempre o errado, ou o menos lícito. Intuitivamente, ele procurou por Dumbledore, que já estava presente na companhia da Professora McGonagall, Flitwick e de Snape.


O diretor estava usando vestes de gala cor azul-petróleo feito de um tecido curioso, que cintilava entre sua cor original e o preto toda vez que Dumbledore se movia. Harry nunca havia visto o diretor em vestes de uma cor tão escura antes. A Professora Minerva estava de preto e lilás e Snape, não surpreendentemente, mantinha a cor de sempre, que ele obviamente acreditava lhe assentar melhor. Harry notou que Dumbledore também observava Rony e Hermione de um jeito divertidamente curioso e piscou para ele ao encontrar seu olhar a encará-lo do outro lado do salão.


O garoto não entendeu exatamente com relação a quê Dumbledore estava piscando, uma vez que, naquela noite, haviam tantas coisas dignas de atenção: ele acompanhando Cho Chang, Rony e Hermione formando um par, as roupas dos dois, o manifesto, as vestes de gala do diretor e de todos os outros professores – que estranhamente acompanhavam consciente ou inconscientemente o movimento revoltoso dos alunos...


—Cho... – ele chamou.


A garota não prestou muita atenção.


—Ahn, Cho? – ele chamou novamente, pegando acima do cotovelo da garota. – Vou cumprimentar meus amigos ali, que acabaram de chegar, e vou ver se Fred e Jorge tem algo em mente para esta noite...


—Algo em mente? – ela cochichou, arregalando seus olhos puxados.


Ele sorriu para ela.


—Eu também ainda não sei, mas conhecendo os dois, é de se esperar alguma coisa, não acha?


Ela olhou saudosamente para Marieta e suas amigas da casa azul e prata. A conversa estava tão agradável e ali estava tão confortável que ela parecia pouco disposta a deixar seu círculo de amizades, ainda mais para se juntar ao sempre inconveniente Ronald Weasley.


—Posso me juntar a você daqui a pouquinho, Harry? Você pode ir indo lá, que logo eu encontro você!


—Ahn... Certo. – ele respondeu, meio a contragosto, de forma seca, recolocando sua máscara negra aveludada.


Seguiu para onde agora se encontravam Fred, Cecília, Jorge, Rony, Hermione e Angelina – todos mascarados, conversando animadamente.


—Harry, nosso líder! – brindou Fred, com sua máscara de Joker de cores opostas as da de Jorge, erguendo uma taça de suco de abóbora.


Eles se cumprimentaram apertando as mãos e todos riram.


—Parece que o manifesto está tomando forma, não? – Jorge comentou, apontando com o braço cuja mão estava ocupada com uma taça de cerveja amanteigada. O outro segurava Cecília pelos ombros.


Juntos ele observaram todo o salão principal – nas grandes portas de carvalho, mais e mais casais mascarados e anônimos chegavam para se unir à massa negra que começava a encher o lugar.


—Mas que música ruim! – Fred exclamou. – Vamos nos sentar em algumas destas mesinhas e esperar que alguém nos sirva mais uns canapés!


Houve um murmúrio de aprovação e eles escolheram a mesinha mais próxima, do lado onde geralmente ficava a mesa da sonserina, bem perto de onde Umbridge provavelmente discursaria.


Viram Malfoy chegar com suas vestes negras de gala, caríssimas, os cabelos loiros soltos e caindo pelos seus ombros, e uma máscara branca que cobria apenas metade de seu rosto, como um fantasma da ópera. Ele estava de braço dado com Pansy Parkinson. Mesmo sem saber, ele era uma das pessoas que estava colaborando com o manifesto. Cecília reparou que ele não parecia muito satisfeito com a sua companhia e a garota sabia porque, o que a fez dar uma risadinha. Por outro lado, Pansy também não estava colaborando – não havia feito muita coisa para amenizar a feiúra quando escolheu aquela odiosa fantasia de fadinha cor-de-rosa.


Logo atrás de Malfoy vieram Crabbe e Goyle, mais uma vez sem pares, e ambos vestiam verde escuro. Depois Simas e Lilá, e Justino e Luna chegaram e se uniram ao grupo.


—Podemos nos sentar com vocês? – disse a voz sonhadora de Luna.


—Claro que pode, Luna! Eu permito! – brincou Gina, atrás dos dois, também se juntando ao grupo. Estava acompanhada de Zacharias Smith, para quem Rony fez um muxoxo bastante claro e foi imediatamente repreendido por um beliscão dado por Hermione.


Mais uma vez, todos estavam impecavelmente vestidos de negro, onde apenas as máscaras distorciam um pouco. A de Luna, por exemplo, era de plumas azul anil.


—Ahn... Interessantes os seus sapatos, Luna... – ressaltou Angelina, observando os scarpins da garota, que estavam absurdamente cobertos de plumas azuis tais como as da máscara.


—Pois é, são para combinar... – ela respondeu, orgulhosa.


—Er... um brinde ao manifesto! – falou Hermione, repentinamente, com uma voz esganiçada. Era preciso que alguém fizesse alguma coisa para evitar um acidente diplomático, ainda mais agora, que Luna já era amiga de todos.


Harry, entretanto, não brindou. Ele estava observando atentamente o saguão de entrada quando uma figura estranha surgiu em meio às pessoas. Era uma mulher, usava um vestido de acetinado negro e longo, de saia vasta. O vestido não tinha alças, e sim muitas rendas negras que lhe enfeitavam o busto. Ela também usava luvas negras que subiam até quase os ombros e um camafeu de aparência escurecida balançava em seu pescoço, preso por uma renda também negra. A máscara que lhe cobria inteiramente o rosto era cinza, estilo veneziano como a de Hermione, maravilhosamente ornamentada em prata. Os cabelos eram muito lisos, expressos e negros, e desciam até a cintura da garota como um véu de viúva. Ela parecia estar esperando alguém.


—Rony.


—Que foi? – respondeu o garoto, engolindo rapidamente o seu gole de cerveja amanteigada proveniente do brinde.


—Quem é aquela ali?


Rony vislumbrou a pessoa e deu de ombros.


—Não faço idéia, cara. Mas ela parece ter aderido fielmente ao manifesto, não? Está um pouco macabra, se você quer saber a minha opinião.


Harry ficou intrigado. Nunca tinha reparado em nenhuma garota que tivesse cabelos negros e longos como aqueles. Rony estava certo, ela havia escolhido uma fantasia um tanto quanto macabra. Harry imaginou se ela teria escolhido se fantasiar de Comensal da Morte.


A garota olhou para o salão principal e seu olhar parecia ter recaído sobre eles, ou pelo menos foi essa a impressão que Harry teve. Foi então que ela começou a caminhar, parecia que ia se juntar a Harry e seus amigos. Pelo visto, havia se cansado de esperar por quem quer que fosse.


—Mione.


Hermione, que agora estava de pé, conversava alegremente com Cecília, Gina e Luna e atendeu ao chamado de Harry.


—Sabe quem é aquela? Acho que ela vem falar com a gente.


Hermione olhou a garota de cima a baixo e balançou a cabeça.


—Não sei, não. Mas com certeza é alguém e está fazendo parte do manifesto.


A misteriosa garota por trás da máscara prateada estancou depois de cinco passos ao perceber que seu par se aproximava dela. Um rapaz mascarado também vestido de negro e parecendo um pouco nervoso, lhe falou alguma coisa com a qual ela concordou pacientemente com a cabeça.


Ela deu o braço a ele e os dois caminharam juntos até o grupo. Uma vez de frente a todos eles, a garota se curvou em um elegante e teatral cumprimento. O rapaz, por sua vez, meramente acenou com a cabeça.


Depois de alguns segundos em que todos olhavam embasbacados para o casal mudo, Cecília exclamou:


—É A TINA!


A garota riu gostosamente e então Harry percebeu os olhos incrivelmente azuis escondidos pela máscara. Tina levantou-a e sorriu para todos.


—Até que estou gostando dessa história de baile de máscaras. Já comecei me divertindo com a cara de vocês! – ela riu.


Cecília, Luna, Hermione, Gina e Angelina pareceram ter adorado o disfarce de Valentina. Neville também tirou a máscara, pois estava rindo e parecia bastante satisfeito com o seu par, sem contar que também estava bem menos nervoso do que no dia em que recebera o convite de Tina.


—Mas como você conseguiu fazer o seu cabelo crescer desta maneira? – Angelina perguntou.


—Poção para alongar. – ela disse, simplesmente. —Mas só funciona por vinte e quatro horas.


Ela recolocou a máscara inexpressiva e sentou-se entre Neville e Cecília. O salão estava começando a ficar incrivelmente abarrotado por uma massa de gente usando vestes negras, e a maioria não via a hora da chegada da Prof. Umbridge.


—Vocês acham que ela vai castigar as pessoas que estão de preto? – Lia perguntou.


—Se ela for fazer isso, vai ter um trabalhão danado – Rony disse, com um vislumbre de sorriso no rosto oculto, levantando-se para entregar outra taça de suco para Hermione. —Imagina ela tendo que fazer rodízio daquelas penas idiotas quando for dar detenção pra todo mundo!


—Eu não agüento mais uma detenção com ela. – Harry disse, desgostoso —Seria melhor cortar a minha mão de vez.


—Harry! Isso não foi engraçado! – Hermione chiou.


—Bem, ela já vai ter um senhor trabalho para nos reconhecer, não? – Jorge disse, animado. —Então nada de facilitar pra ela, vamos ficar com as máscaras o tempo todo!


—Tina, você é bastante esperta, não? – Lia comentou, gargalhando —O que foi, já estava se prevenindo da megera?


—Não foi exatamente isso que eu tinha em mente, mas bem lembrado. – ela falou, espirituosa.


—Aposto como ninguém deve saber quem é você, Tina. – Hermione disse.


—Algumas pessoas da Sonserina estão sabendo. – ela respondeu, apertando os dedos.


—Quem?


—As meninas em geral me viram alongando meu cabelo e colocando o vestido. Eu me arrumei no dormitório, não tinha muita opção. Pansy e Emilia riram um bocado, perguntaram se tinha morrido alguém na minha família. E também...


Tina apertou um pouco mais os dedos enluvados, mas ao notar o sinal corporal que ela estava dando, respirou fundo e deixou as mãos pousadas na longa saia.


—Quem mais? – Lia perguntou, abafando a risadinha.


—Flint e Malfoy. Malfoy me perguntou se eu já estava me arrumando para o enterro do Harry. Disse que esperava que não demorasse muito a acontecer.


Ninguém podia ver a expressão de Tina, mas a voz dela era a mesma de quem acabara de engolir alguma coisa muito apimentada.


—Que ordinário. – Neville resmungou.


—É apenas o Malfoy... – Harry disse, resignado. —É um idiota que nunca vai tomar jeito.


Eles ficaram sentados em silêncio, observando os pares que enchiam o salão. A música instrumental era suave e requintada, o que não animava muito ninguém a puxar seu par e começar a dançar. Contudo, foi com satisfação que eles viram uma massa de vestes negras obscurecer o que deveria ser um baile de máscaras colorido e vibrante, onde apenas alguns desavisados ou rebeldes se destacavam da grande maioria.


Um murmúrio animado começou a se sobrepor à música, todos pareciam estar admirando a concretização do manifesto e discutindo entre si qual seria a cara de Umbridge quando visse todas aquelas pessoas usando negro. Foi com um estranho prazer que Harry viu Malfoy olhar em volta e começar a cochichar algo com Pansy, com a cara de quem havia sentido um cheiro muito ruim bem debaixo do nariz.


De repente a música silenciou e todos olharam para a mesa dos professores como que já sabendo o motivo da interrupção: Profa. Umbridge acabava de chegar vestindo um bufante vestido cor-de-rosa em estilo renascentista, uma perucona branca à lá Maria Antonieta, e uma máscara de gatinho. Ao olhar a professora, Rony fez um som engraçado entre uma risada e um acesso de tosse que foi agradavelmente interrompido por um semi-abraço de Hermione ao redor da sua cintura. A garota passou de seu lado esquerdo para o seu lado direito e cochichou que era para ele se calar, sem conseguir esconder ela mesma que estava com uma gigantesca vontade de rir também.


Todos que ainda se encontravam sentados se levantaram de suas cadeiras, conforme o combinado, como se estivessem na presença de uma rainha. O sorriso inicial de Umbridge foi sumindo gradativamente à medida que seus olhos registraram a cena à sua frente.


Ela observou o salão com o sorriso esmaecendo até o ponto em que sua expressão passou de animada para perplexa. Ela olhou para os professores de pé ao seu lado, todos parecendo educadamente surpresos e aguardando o discurso inicial que Umbridge havia meticulosamente preparado para aquele momento. O discurso, contudo, não veio.


Parecendo levar séculos para se recompor, Umbridge respirou fundo e rapidamente recolocou o falso e meigo sorriso no rosto, e com um amplo movimento dos braços, falou:


—Bem vindos ao nosso Baile de Máscaras, crianças!


Umbridge fez uma pausa e seus olhos focalizaram a entrada do Salão Principal. Rita Skeeter e o fotógrafo atarracado haviam acabado de chegar. Rita, Harry notou, era o oposto do fotógrafo que galgava ao seu lado – estava usando belas vestes vermelho sangue e uma capa por cima dos ombros de veludo azul escuro, bordado com estrelas douradas. Os óculos de tartaruga foram substituído por uma máscara que lhe cobria apenas metade do rosto; era de plumas douradas que faziam par com os cachos loiros e perfeitos.


Rita sussurrou alguma coisa para o homem ao seu lado e um flash cegou momentaneamente Umbridge, que piscou desorientada. Quando ela voltou a falar, foi com a voz um pouco trêmula:


—Vamos então abrir o baile! A dança inicial! Todos se unam aos seus pares e se dirijam ao centro do salão.


Os alunos mascarados obedeceram sem hesitar. Cada par deu as mãos e se colocaram frente a frente, formando duas filas: uma de garotas e a outra de garotos.


—Que diabos é isso? – Harry murmurou para Rony ao seu lado.


—É a dança que abre bailes elegantes. – ele respondeu pelo canto da boca. —Tradição secular. Você não sabe dançar? – acrescentou, preocupado.


—Não. – Harry disse, desesperado.


—Não se preocupe, apenas imite a gente.


Harry mal percebeu Umbridge dar a ordem para que os músicos recomeçassem a tocar e de repente o som dos violinos e harpas lhe invadiram os ouvidos. Todos os alunos começaram a se movimentar em passos de dança contidos e elegantes, trocando de lugar entre si em uma coreografia memorizada, como se estivessem trançando fios invisíveis. O mais incrível, o garoto pensou enquanto dava as mãos a Cho e trocava de lugar com ela, era que os pares não se perdiam em meio a tantas trocas.


Ele procurou imitar Rony e Hermione ao seu lado, mas a dificuldade da dança pareceu diminuir à medida que a música se desenrolava e ele começava a entender a lógica escondida por trás daqueles passos harmoniosos. Ele olhou brevemente para o lado e deu-se com Jorge dançando tranqüilamente com Cecília, os dois tinham posturas elegantes e se moviam com leveza.


Ao lado de Rony e Hermione encontravam-se Neville e Valentina. Era surpreendente como o garoto estava dançando sem trocar as pernas, mas logo Harry viu que era Valentina quem o parecia estar conduzindo.


Gina por sua vez dançava com Zacarias um pouco mais distante, e Fred guiava Angelina ao lado deles.


Como num passe de mágica, a música acabou. Também parecendo que fora por mágica, os pares pararam exatamente um de frente para o outro como haviam começado. Garotos e garotas fizeram uma reverência educada para o seu par e uma salva de palmas sem muito entusiasmo se seguiu.


A maioria dos casais retornou aos seus lugares quando os músicos começaram a tocar uma nova dança, desta vez mais animada. Valentina e Neville continuaram dançando ao ritmo dos violinos, assim como alguns outros casais de casas variadas.


A música embora instrumental e ultrapassada no conceito da maioria, logo conquistou mais casais que se uniram aos que já estavam dançando. Jorge não pôde evitar de puxar Cecília pela mão e levá-la para o meio do salão, e a menina acompanhou-o feliz. Estavam todos, afinal se divertindo muito.


Petiscos apareciam sozinhos sobre pratinhos de prata que estavam dispostos em pares em cada mesinha. Cada vez que um pratinho ficava vazio, ele tornava a se encher de salgadinhos diversos e muito saborosos e quentinhos. Quando deu-se conta da fartura de comida, Rony não hesitou em aproveitar cada novo petisco que aparecia no pratinho a sua frente.


Harry não dançou muito com Cho. Não se sentia confortável o bastante, pois sabia que não era bom dançarino. Cho Chang, no entanto, parecia ficar cada vez mais aborrecida quando os casais passavam pelas mesas unidas onde eles estavam, apenas para se refrescarem com suco de abóbora gelado ou comer salgadinhos. Valentina já havia passado cinco vezes pela mesa, carregando com ela todas as bolinhas de queijo e empanadinhos de camarão que via por perto.


—Nunca imaginei que ela comesse tanto! – Rony comentou, de boca cheia.


Hermione riu.


—Vamos dançar? Já descansei o suficiente.


—Agora. – Rony disse, sem fazer nenhuma objeção e colocando a sua taça de suco de lado.


Ele e Hermione se levantaram, de mãos dadas, e sumiram por entre os outros dançarinos. Um silêncio sem limites se abateu entre Harry e Cho quando eles foram deixados a sós à mesa.


—Você não quer...? – a menina começou.


—Er... quer dar uma volta, Cho?


Cho pareceu um pouco contrariada, pois o que realmente gostaria de fazer era dançar como os outros estavam dançando, mas aceitou o convite de Harry. Era melhor do que ficar ali sentada sem fazer nada.


Assim que eles deixaram a mesa, Valentina sentou-se ao lado de Neville. Os pratinhos de prata haviam se enchido novamente de salgadinhos que ela voltou a comer com gosto. Pouco falaram por alguns minutos enquanto comiam e bebiam. Valentina tirou a máscara por um instante para refrescar o rosto afogueado de tanto pular e rodar com Neville ao ritmo animado da música instrumental. Distante, porém na mesma a direção que ela, estava Draco Malfoy ao lado de uma Pansy Parkinson que estava positivamente babando por ele sem que ele notasse. Valentina viu o olhar de Draco encontrar o dela e ela rapidamente desviou seu foco de atenção, recolocando a máscara.


Resolveu então reparar em Jorge e Cecília. Os dois estavam abraçados, Jorge segurando a cintura da menina com as duas mãos enquanto Cecília tinha os braços passados pelo seu pescoço. Dançavam lentos demais para o ritmo da música atual e pareciam conversar por trás das máscaras que ocultavam seus rostos.


Neville seguiu o olhar de Valentina e reparou que ela estava olhando os dois amigos por trás a expressão imparcial da sua máscara de prata. Resolveu prestar atenção também, pois alguma coisa parecia estar prestes a acontecer ali.


Os dois viram Jorge tirar a máscara de joker e sorrir para Cecília. Ela disse alguma coisa que o fez rir mais abertamente e ela também parecia estar rindo a julgar pelo gingado de seus ombros. Jorge educadamente levou sua mão livre ao rosto de Cecília e lhe tirou a máscara de sol, revelando a expressão radiante da menina. Então ele aproximou o rosto do dela; Cecília fechou os olhos (Valentina e Neville prenderam a respiração); e os lábios dos dois se encaixaram perfeitamente. O beijo aconteceu ao mesmo tempo sôfrego e educado. Valentina sorriu enquanto assistia, e olhando para Neville, viu que o amigo sorria também. Quando ela voltou o olhar para os dois, vários casais passaram na frente de Jorge e Cecília e eles desapareceram no meio do salão.


—Eu já sabia... – disse Valentina, baixo, assumindo seu tom displicente e arrogante de quando entrara na escola. – Tava demorando... – e olhou para Neville, que se limitou a sorrir em concordância.


Voltaram suas atenções novamente para o salão e para a surpresa de ambos, Rony e Hermione apareceram dançando animadamente. A garota se mexia feliz, graciosamente ao som da música e Rony tentava espelhar os movimentos da garota, quando sentia que era razoável fazê-lo. De qualquer forma, o seu esforço em interagir fazia sua postura totalmente desajeitada se transformar em algo que Valentina podia definir como adoravelmente corajoso. Para alguém que passava tantas vezes uma insegurança latente, a demonstração de desapego à própria reputação só podia sinalizar muita vontade de agradar à amiga. Valentina não conseguiu se segurar e riu, tanto quanto Hermione, quando Rony deu uma pirueta ousada em torno de si mesmo.


—Que foi isso? – ela leu a frase nos lábios e na expressão divertidíssima de Hermione.


Rony respondeu alguma coisa próxima de "Estou dançando, o que é que tem?" e fez mais um passo engraçado, que levou tanto Hermione quanto Valentina às gargalhadas.


—Você não quer dançar também? – ela ouviu Neville perguntar ao seu lado. – Quero dizer, se ele está dançando daquele jeito, acho que pior eu não vou ser capaz de fazer!


Valentina riu mais uma vez.


—Ah, não, Neville! Ele está tão bonitinho!


—E vocês, garotas, são tão complicadinhas... Quando se pensa que alguma coisa vai agradar vocês, desagrada! E quando alguém faz uma coisa pavorosa como aquilo ali, vocês se derretem!


—Mas o que vale sempre a intenção! – Valentina tentou explicar, mas vendo a expressão de total incompreensão no rosto de Neville, meramente levantou-se. – Vem, vamos dançar! Já cansei de comer salgadinhos!


—Já não era sem tempo. – ele riu.


E os dois se dirigiram para a pista de dança, onde tomaram o cuidado de não se juntarem a nenhum dos casais que interagiam satisfeitos por lá.


Passou-se um tempo, onde Valentina se esbaldou de dançar e Neville melhorou razoavelmente sua técnica de dança, e os dois viram Rony vindo em sua direção – as raízes dos cabelos molhados com o calor.


—Onde está Hermione? – perguntou Neville, sorrindo abertamente para o garoto.


—Foi pegar algo gelado para nós... e provavelmente se olhar em algum espelho. – ele respondeu, o tom de voz alto por causa da musica. – Onde está o Harry? – ele acrescentou.


—Ah, por aí... com a Cho. – respondeu Valentina.


Ela viu os olhos verdes de Rony percorrerem o salão e ele esticou o pescoço para ver se encontrava alguém.


—Deve estar lá fora... – ele concluiu, com uma expressão desconfortável no rosto.


Valentina presumiu que deveria ser prática comum entre Rony e Hermione regularem os movimentos de Harry. Não era à toa que eles estavam sempre envolvidos nos problemas que diziam respeito ao garoto. Tina também sentiu sua cota de preocupação e entendeu instintivamente que era normal que eles se preocupassem mais do que a média com o bem-estar de um amigo que vivia permanentemente com um alvo colado na testa.


—Não se preocupe. Tem muita gente aqui esta noite, acho que não tentariam nada contra ele na presença de Dumbledore, dos professores e dos jornais, não acha?


Rony olhou surpreso para a garota.


—Você que pensa... – ele respondeu, irônico.


E Neville acrescentou:


—Em se tratando de Harry Potter, nenhum evento é seguro o bastante.


Valentina não pôde deixar de se surpreender.


—Nossa!


Permaneceram um momento em silêncio e, depois da afirmação emblemática de Neville, Tina ficou muito incomodada.


—Vocês não acham melhor, então, irmos procurar por ele? Sei lá, só por precaução, pra ver se ele está bem?


Neville e Rony se entreolharam, e para a surpresa de Valentina, pareciam estar se divertindo com sua preocupação.


—Não é pra tanto... – Rony continuou. – Se a gente ficar tentando prever quando é que vai acontecer alguma coisa, a gente surta!


Mas diante da expressão tensa de Valentina, ele repensou.


—É... Tudo bem, vou lá na varanda dar uma olhada no jardim. Avisa pra Hermione e fiquem perto dela... – ele acrescentou.


Ao ver o garoto se afastar, Valentina sentiu ainda mais admiração por ele. Sua preocupação com a segurança de Hermione era uma atitude tão cavalheiresca que ela desejou que alguém também se preocupasse com ela daquela forma. Depois, pensando melhor, ela se pegou imaginando que provavelmente Rony queria que eles ficassem próximos a Hermione para não deixar nenhum outro aluno se aproximar dela. A atitude era bem menos altruísta do que ela havia imaginado.


Mal Tina havia terminado de chegar a esta conclusão, Hermione veio se dirigindo a passos largos em sua direção, com um sorriso amplo iluminando seu rosto e duas taças com sucos diferentes em cada mão.


—Onde está Rony? – ela perguntou, diminuindo sensivelmente a intensidade do sorriso.


—Foi lá fora, para dar uma olhada e ver se está tudo bem e se Harry está vivo. – respondeu Neville.


A expressão da garota foi de surpresa. Ela riu.


—Em geral, Harry consegue se virar bem sem a nossa ajuda. – e depois de uma curta pausa, acrescentou. —Mas não custa nada ter um pouco de cautela...


Neste momento, Valentina teve um sobressalto.


—Que houve? – perguntaram Neville e Hermione juntos, assustados com a expressão da garota.


—Ahm... hoje, mais cedo, enquanto me arrumava... eu ouvi as vozes de novo! Elas estão cada vez mais nítidas, Mione! Você ficaria surpresa em ouvir!


Os três se olharam, preocupados. Foi Tina quem colocou em palavras o pensamento recorrente entre eles.


—Será que estas vozes podem ser uma ameaça ao Harry?


—Em geral, tudo sempre se relaciona a ele... – completou Neville.


—Gostaria que o Professor Dumbledore resolvesse logo isso... – murmurou Hermione, mordendo o lábio inferior, como se falasse mais para consigo mesma do que para os outros. – Quero dizer, ele não teme a ninguém, certo? Ele podia simplesmente descer e ver quem está lá em baixo! E se forem Comensais da Morte? E se for o próprio Voldemort?


—Acho que se Dumbledore considerasse esta possibilidade, ele já teria descido faz tempo, Hermione. – comentou Neville, sisudo. – A Ordem deve ter informações precisas sobre o paradeiro de... V...Vo...Aquele-que-não-deve-ser-Nomeado.


Os três se entreolharam, pensativos.


—É... Tem razão. – concordou Hermione, um tanto quanto a contragosto, tomando um grande gole do seu suco gelado.


—Mas gostaria que ele me tranquilizasse. Que ele dissesse que são apenas moradores de Hogsmead checando os encanamentos do vilarejo e que o eco das vozes sobem, não sei porque, até o banheiro da Sonserina... – comentou Valentina, tirando da mão de Hermione a taça de suco que deveria ser Rony e bebendo. – Bem, eu pensei nessa possibilidade. O barulho parece agora bem mais humano, se vocês querem a minha opinião...


As duas olharam para Neville, como se ele fosse capaz de responder todas as perguntas que elas pudessem fazer sobre encanamentos. Ele permaneceu distraído por um tempo e, não dando sinais de que confirmaria ou não as suposições de Valentina, Hermione resolveu ser mais direta.


—O que você acha, Neville? É possível? Que sejam pessoas de Hogsmead?


O garoto pareceu sair de sua divagação com certa surpresa com a pergunta. Ele olhou, um pouco nervosamente de uma para a outra, e tomando ar, colocou no rosto uma expressão pensativa, como quem analisa minuciosamente uma hipótese.


—Bem, Hogsmead fica... para lá... e a ala da Sonserina... para lá...


Valentina acompanhou os movimentos de Neville, percebendo que ele não fazia a menor idéia de onde se localizava verdadeiramente a ala da Sonserina. Resolveu manter silêncio sobre o assunto, afinal de contas, ela nunca tinha ido até a ala da Grifinória e achava melhor que estas informações ficassem mesmo resguardadas.


—Honestamente... – Neville continuou. —Não faço a menor idéia se pode ser ou não!


Hermione e Valentina não puderam deixar de rir, e Tina percebeu o porquê gostava tanto da amizade de Neville.


Enquanto isso, Rony procurava um ângulo onde pudesse ter uma visão mais ampla do que acontecia no jardim. Até o momento, não havia conseguido visualizar nada além de assuntos que renderiam boas fofocas no dia seguinte. Não havia nem sinal de Harry.


—Que é que você está fazendo aí sozinho? – ele ouviu uma voz familiar dizer, ao seu lado.


—Ah, Fred. Você viu o Harry por aí?


Ele olhou ao redor.


—Estava com a Chang. Mas ela está constantemente chorando estes dias. Acho que teve mais uma crise e, da última vez que eu tinha visto, ele estava indo pro salão. Deve estar esperando por ela na frente do banheiro feminino...


—Chorando? – Rony perguntou, com uma expressão de desgosto pendurada no rosto.


Fred deu de ombros.


—Eu me preocuparia com outra pessoa, se fosse você. Deixa o Harry cuidar da Cho e cuide dos seus assuntos...


—É... eu sei. – ele disse, abrindo um leve sorriso convencido. – Você tem razão...


—E eu vou cuidar dos meus. – Fred disse, avistando Angelina de longe, vindo em sua direção com um prato de salgadinhos e duas canecas de cerveja amanteigada pairando diante de si.


Rony viu o irmão se afastar para receber Angelina calorosamente e voltou-se para a porta principal do castelo. De relance, ele viu Snape em seu passatempo preferido durante os bailes do castelo – estourando rosas do jardim com passes de varinha, distraidamente. Ele parecia absorto em algum pensamento sombrio, que Rony definitivamente não teve interesse algum em adivinhar. Passou pelo hall de entrada e parou diante das portas de carvalho do salão principal, que estavam abertas e festivas, a fim de localizar seus amigos novamente.


Ironicamente, a primeira pessoa que ele viu foi Harry, que caminhava desviando aqui e ali dos dançarinos animados na pista de dança, e vencia uma pequena distância até Marieta. Possivelmente Cho estava encontrando alguma dificuldade para sair do banheiro e Harry estava pedindo a ajuda da melhor amiga da garota.


Rony o viu apontar para a direção dos banheiros e soube imediatamente que era exatamente isto que estava acontecendo. E ao olhar na direção dos banheiros, localizou Gina, dançando feliz com o tal Zacharias Smith.


Pessoalmente, aquela imagem não o agradava e, para evitar maiores problemas, ele resolveu olhar na direção contrária. Esperava pegar Neville, Valentina e Hermione de relance, mas não foi exatamente isso que ele viu.


De longe, uma figura que facilmente poderia se confundir com uma espécie de estátua, observava os movimentos de Gina. Poderia se confundir com uma estátua porque, mesmo de longe, sua aparência tinha algo de pétreo. Diferentemente dos outros homens presentes no baile, que se vestiam de maneira alinhadíssima, este parecia estar confortável em uma blusa de seda branca, que deixava seu pescoço displicentemente a mostra. Seu tom de pele era o mesmo da massa branca que simulava as formas de Rowena Ravenclawn, Salazar Slytherin e muitas outras personalidades espalhadas pelo castelo. E a máscara que lhe cobria a face não ajudava, de forma alguma, a amenizar o seu efeito estático. Era precisamente do mesmo tom da sua pele, mas sinistramente reta, como se não houvesse nariz, boca, nem fendas para os olhos. Era como um homem sem rosto. Os cabelos eram castanhos, cortados na altura dos ombros, e sua raízes pareciam sair diretamente da máscara, em uma simbiose artificialmente horripilante.


Toda vez que Rony percebia que ele estava em uma posição diferente da anterior, era como se ele já tivesse se mexido, sem que ele pudesse perceber. Mas os movimentos eram tão amplos, que seria impossível que Rony não estivesse conseguindo captá-los no meio do caminho. Era praticamente como ver uma apresentação de slides, onde uma pessoa aparece em diversas posições, sem a transição entre elas. E para o seu desconforto, a coisa, em questão de segundos, estava voltada diretamente em sua direção, como se já estivesse assim desde sempre, observando-o com a mesma intensidade que Rony o observava, através de olhos inexistentes.


Instintivamente ele voltou seu olhar para o lado, sentindo como se isto fosse algo inútil a ser feito, uma vez que ele não conseguia ter uma idéia da quantidade de tempo que a coisa o estivera observando. Quando olhou novamente, ela simplesmente não estava mais lá.


Olhando ao seu redor com o coração aos pulos, Rony caminhou a passos rápidos na direção de Gina, que agora estava parada e sozinha, se abanando com as mãos. Há três passos de onde estava sua irmã, ele finalmente localizou a coisa, olhando para ele com uma aura de ironia perceptível até mesmo sem qualquer sinal de expressão em seu rosto inexistente. Ele fez um cumprimento teatral, e para a surpresa de Rony, ninguém ao lado daquele ser estava prestando atenção nele ou em sua figura assustadora. Tentou avisar uma garota mascarada de verde tomar cuidado com aquele ser estranho perto dela, mas o tempo necessário para que ele notasse que ela era uma sonserina foi suficiente para a coisa desaparecer novamente.


Uma sensação esquisita de medo invadiu Rony como se aquele ser que ele acabara de avistar emanasse perigo por todos os poros – se é que ele tinha poros. Era cheiro de perigo no ar, perigo antigo...


—Rony, você tá legal?


Gina perguntou ao mesmo tempo em que segurou o braço do irmão e o sacudiu para fazê-lo sair do visível estado de transe.


—Ah, o que? Não... não estou legal. Tem alguma coisa estranha acontecendo. – ele murmurou, muito mais para si mesmo do que em resposta para Gina. —Onde está o idiota do seu namorado?


—Ele foi ao banheiro, e eu estava aqui esperando ele. E não chame Zacarias de idiota.


—Pois é o que ele é! – Rony resmungou, olhando de cara feia para os lados. —Trate de não ficar longe dele.


—Hein? – Gina perguntou sem entender o fundamento da recomendação de Rony. —Mas você não acabou de dizer que ele é um...


—É, eu sei! Mas é melhor você perto de um idiota do que sozinha.


—O que está havendo com você?


—Nada, nada. Eu preciso falar com a Mione. Ah! Aí vem Zacarias. Não fique longe dele, ou melhor, não fique longe de ninguém.


Rony deu a última ordem saindo de perto de uma Gina aturdida e voltando ao salão principal entupido de alunos mascarados. Seu coração saltava, precisava reportar imediatamente aquela visão estranha à Hermione. Para a sua sorte, ele encontrou a menina vindo na direção dele com um sorriso enorme.


—Já não era sem tempo! Onde foi que você se meteu?


Mas Rony não retribuiu o sorriso. Em lugar disso, contou a Hermione tudo o que havia acabado de ver. Não foi com surpresa que ele recebeu a resposta descrente da amiga.


—Ora, vamos! Quantas taças de hidromel você andou bebendo? – ela brincou.


—Estou perfeitamente sóbrio! E estou te dizendo, o que eu vi era muito estranho! Era algum ser, alguma coisa com cérebro, que estava espionando os alunos de longe! Não estava vestida para a ocasião nem nada e... e se movia de um jeito meio estranho, e... parecia que exalava perigo...


Mas a expressão incrédula e divertida de Hermione fez Rony perder a paciência.


—Não estou ficando doido, está bem? E não estou bêbado tão pouco!


—Está bem, vamos voltar para a festa então. Vamos sentar um pouco e conversar. Já encontrei o Harry, ele está lá na mesa com Valentina, Neville, Jorge e Cecília. – Hermione pegou a mão de Rony e o puxou com ela. —Aliás, sabia que Jorge e Lia finalmente resolveram assumir que estão namorando?


A pergunta de Hermione fez as preocupações de Rony brevemente sumirem de sua cabeça.


—Verdade? Bem, isso é uma boa notícia!


Uma vez de volta à mesa, Rony sentou-se ao lado de Harry, deixando que Hermione voltasse à sua animada conversa com Angelina. Ele tinha certeza de que o amigo acreditaria nele, e foi com esta certeza que mais uma vez ele relatou a Harry o que havia acabo de ver.


—Você acha que pode ter alguma relação com as vozes? – Harry perguntou.


—Não sei, cara. Mas boa coisa não deve ser.


Valentina se mexeu ao lado de Harry. Estava momentaneamente muito quieta e silenciosa.


—Você disse que viu essa coisa perto do banheiro?


—Sim, perto desse banheiro masculino no térreo.


Harry pareceu pensativo.


—Câmara secreta...


O que? Não... Não pode ser. – Rony contestou. —A entrada para a câmara é pelo banheiro feminino.


—Pode haver outras entradas, você não acha?


—Pode ter sido só coincidência também.


—Não sei...


Eles ficaram em silêncio, mas seus pensamentos não o levaram a conclusão alguma.


—Afinal, cara, onde está Cho?


Harry engoliu como se estivesse tentando fazer um limão passar inteiro pela garganta.


—Ela... bem, ela começou a chorar de novo.


—Imaginei que sim.


—Pois é. Aí eu perguntei a ela se ela não queria ir até o banheiro lavar o rosto. Ela aceitou a idéia, mas aí quando eu vi que ela estava demorando demais, resolvi pedir ajuda a Marieta. Acabou que Cho saiu do banheiro fungando e passou por mim como se eu fosse um fantasma invisível.


Rony fez uma careta.


—E depois Mione dá a entender que eu é que sou doido...


O baile transcorreu por mais uma hora. Depois disso, com uma última música lenta, chegou ao fim exatamente à uma hora da manhã. Os alunos, já muito cansados e suados, se despediram acaloradamente e rumaram para seus respectivos salões comunais, esvaziando aos poucos o Grande Salão.


Cecília e Jorge seguiram juntos e abraçados, trocando beijos rápidos enquanto iam à frente do grupo de amigos para a torre da Grifinória. Rony e Hermione deram as mãos, num misto de amizade e algo mais, e se despediram de Luna e Valentina; Harry também desejou boa noite e seguiu os dois amigos. E finalmente Neville, depois de um abraço amistoso em Valentina, também desejou boa noite, e ambos se separaram para seguirem para seus devidos salões comunais.


Valentina colocou os pés no salão comunal de sua casa, já exausta. A noite havia sido, apesar de tudo o que havia contra o baile, surpreendentemente boa, mesmo com todos os desencontros.


O manifesto, por sua vez, tinha recebido atenção ainda maior do que a já esperada e a garota tinha uma forte intuição de que o Profeta Diário estamparia uma matéria de capa inteira na sua primeira página sobre o assunto. Tudo graças à Rita Skeeter.


Era bem verdade que Harry provavelmente receberia sua parcela de publicidade negativa e teria, mais uma vez, sua imagem denegrida – mas, ao menos, o público veria que ele não estava sozinho e que, se estava delirando, então o delírio agora acabara de assumir proporções coletivas.


—Você parece bem satisfeita, Alves. – foi a voz que ela escutou, vinda das sombras.


A garota estacionou, tentando decidir se responderia educadamente ou não à explicita provocação de Malfoy. Resolveu por uma resposta de caráter dúbio.


—Até mais satisfeita do que pareço!


Draco levantou-se da cadeira verde que ocupava um lugar bem próximo das janelas, que agora possuíam as cortinas de veludo cerradas.


—Mesmo? Tudo estava perfeitamente em seu lugar, na sua opinião, não é? Todos fazendo papel de palhaços, numa propaganda clara contra o Ministério e a favor daquele palerma iludido...


Tina fez menção de falar, mas aparentemente a raiva de Draco se sobrepunha à vontade da garota, pois ele continuou como se nada pudesse pará-lo.


—... e o Profeta Diário presente, e você acompanhada de ninguém menos que Neville Longbottom. Quando eu a convidei e recebi de volta a ridícularesposta de que você já tinha um par, eu imaginei que você estivesse falando sério, Alves, e não me fazendo de palhaço!


—Bem, eu estava falando sério, afinal eu realmente tinha um par e compareci ao baile acompanhada dele, como você pôde perceber...


—Se quer saber, acho que você foi ao baile com a pessoa certa! – ele respondeu, esboçando um sorriso.


Aquilo irritou Valentina até o último fio de cabelo. Querendo ou não, o chapéu a havia colocado na casa certa e ela tinha total consciência disso. A fama de desastrado e, na mais que sonserina opinião de Valentina, lento, não ajudava a garota a digerir bem a idéia de que ela e Neville pudessem combinarem alguma coisa. E o fato de Draco Malfoy estar insinuando tamanho absurdo irritava Valentina mais do que qualquer outra pessoa conseguiria. Ela tentou manter uma expressão firme, apesar de estar achando isso muito difícil e para seu azar, Draco acreditou na farsa, sentindo necessidade de provocá-la um pouco mais.


—É mesmo, Alves! Vocês dois têm a mesma dificuldade de se enturmarem, de serem aceitos... Duas ovelhas desgarradas! Não consigo imaginar seu futuro sem ser casada com Neville Longbottom! – ele acrescentou em tom de quem havia descoberto uma arca de moedas de ouro e agora a entregava de bom grado para um amigo querido. – Quero um convite, honestamente! Exijo um convite!


Valentina apenas mirou-o por um tempo, esperando que ele continuasse. Uma vez que ele já parecia satisfeito com o efeito de sua provocação, foi a vez dela falar sem dar chance que ele a interrompesse.


—Mas Draco, o que você pensou? Antes Neville Longbottom do que... você, por exemplo. Ou você se acha muito superior a ele? Pode acreditar em mim quando digo que escolhi o melhor dentre os que me convidaram, Malfoy... Na safra atual de alunos da sonserina não tem ninguém que se salve, é uma geração podre, que não vai a lugar nenhum! – ela estava se exaltando a cada palavra que dizia. —Ou você pensa que eu não pesquisei? Ou você pensa que eu não sei que, no passado, muitos sonserinos tiveram seu valor na história da magia sem ser pilhando, nem matando! Como Voldemort, que só trás vergonha para a nossa casa! E você fica aí, cínico! Agindo como se não soubesse que ele está de volta! Porque eu sei que você e seu paisaberiam em primeira mão, seu mentiroso!


A expressão de ofendido que Draco agora carregava no rosto não dava pistas se ele estava sendo sincero ou não. De qualquer forma, ela sinalizava muito bem que ele não queria mais ouvir o que a garota estava dizendo.


—Você parece uma vitrola, Alves. – ele falou, contido. —Não sei do que você está falando...


—Não sabe? Em que planeta eu iria ao baile com você? Com que cara eu ia olhar para todos os meus amigos? – ela sentiu a necessidade de frisar esta palavra. —Já tenho problemas o suficiente em dizer para a minha família que sou da mesma casa que formou o Lord das Trevas! Já tenho um monte de trabalho para encontrar personagens que ofusquem a fama horrível que ele deu para a nossa casa! E então eu apareço com o filho de um... de um...criminoso... deum comensal da morte? – ela completou, baixinho, como se o nome fosse indigno de ser pronunciado, ainda mais grave do que um palavrão.


Sua expressão de desgosto completava com primazia todo o discurso que ela tinha em mente.


—Não chame o meu pai de criminoso, Alves.


—Qual a definição que você tem para ele além desta? Não consigo pensar em nenhuma outra.


—Ele é meu pai.


—Azar o seu, Malfoy. – e Valentina virou-se, em direção a escada do dormitório feminino. Mas sentindo mais raiva fluir por suas veias, ela voltou-se novamente para mirar Draco e para a sua surpresa, o encontrou mais perto do que ele estava antes. Resolveu ignorar o fato e sorriu, debochada. – As minhas fotos no jornal vão sair comigo acompanhada do Neville, Draco! E eu vou poder mostrar, com gosto, para a minha mãe e o meu pai!


No momento seguinte, em questão de um segundo ou dois, Valentina viu Draco alcançá-la do ponto onde estava.


—Você vai se arrepender de ter dito tudo isso, Alves! – ele se exaltou, olhando para baixo como quem olha para um oponente mais fraco.


—Ah, vou? – Tina respondeu, empurrando Draco na altura do peito. – E o que é que você vai fazer, Draco Malfoy? Vai me atacar com um feitiço, me envenenar, como é de costume na sua família?


—Alves, meu pai... meu pai... é influente no Ministério... – ele continuou, arfando de raiva. – Ele vai... ele vai arrumar um jeito de despedir a sua família, Alves!


—Não ouse ameaçar os meus pais, Malfoy! Eles não se envolvem com gente do tipo da sua família! – ela disse, sua jugular já nítida em seu pescoço branco e fino. Os dois, sem perceberem, estavam gritando e houve uma movimentação nos dormitórios.


—Ah, não? Ah, não? Mas você se envolve!


—Eu o que?


O fato de estarem tão próximos não deu chance a Valentina de reagir ao movimento rápido de Draco. Com um único puxão, ele a apertou contra si e lhe roubou um beijo.


Ela quis reagir. Ela quis muito reagir. Mas algo a impedia. Havia algo ali que estava certo, inegavelmente certo. Talvez fosse a pressão que o braço dele colocava na sua cintura, talvez fosse o cheiro inebriante do seu perfume, talvez fosse a química perfeita presente no toque dos lábios de ambos, o calor, a umidade, o roçar da pele, o leve puxar nos longos cabelos dela. E em pouco tempo, infelizmente, tudo aquilo cessou.


—Não disse? – ele perguntou, uma expressão triunfante e debochada no rosto. – Você se envolve com este tipo de gente, Alves.


Profundamente chocada com a atitude do garoto e totalmente arrependida, Valentina agiu instintivamente. Sacou a varinha de um bolso oculto do vestido.


Expeliarmus! – ela gritou mirando não nas mãos de Draco, que estavam vazias, mas em seu peito. O garoto voou, caindo do lado oposto da sala e derrubando um abajur no caminho.


Para a surpresa de Tina, ela não conseguiu deixá-lo inconsciente. Ele começou a levantar-se, um tanto quanto cambaleante, mas gargalhando no máximo volume que seus pulmões conseguiam suportar depois de receberem o impacto do feitiço da garota. Ouvindo que a movimentação no dormitório masculino aumentara e que alguém estava subindo, ela correu para as escadas do dormitório feminino e sumiu por elas, ainda ouvindo Draco chamá-la, jocoso.


—Volte aqui, Alves! Volte aqui!

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