O novato

Lily não conseguia entender porque Marlene achara sua ideia tão absurda. Não era como se ela tivesse dito que estava de malas prontas para o Afeganistão para lutar pelos direitos das mulheres. Tudo o que ela queria era descobrir quem era o homem que a tinha beijado no fim de semana. Nada muito complicado.

- Nada muito complicado? – repetiu Marlene quando Lily disse isso, na segunda feira durante o trabalho. – Você sequer se lembra do rosto dele, como quer descobrir quem ele é?

- Eu vou saber quando encontrá-lo. – Lily respondeu, muito segura. Em sua cabeça, o plano todo, elaborado durante o restante do final de semana, parecia brilhante e nem o ceticismo de Marlene a abalaria. Ela se empenharia em descobrir o homem, porque sabia que ele era o amor da sua vida.

Marlene praticamente rira em sua cara quando ouviu isso, dois minutos antes, mas Lily estava disposta a ignorar. Ela se sentiu diferente quando trocou aqueles beijos com o estranho, teve sensações que só se lembrava de ter sentido uma vez, embora com muito menos intensidade, quando namorava o antigo melhor amigo, Severus Snape.  

Ela se ressentia do fim do relacionamento com Snape, porque ambos cresceram juntos e foram os primeiros namorados um do outro. Eram apaixonados, mas Snape, ao atingir o fim da adolescência, tornou-se diferente. Não com Lily, porque ele era absolutamente louco por ela, mas mudou o comportamento e o modo de pensar. Envolveu-se com as pessoas erradas e praticou inúmeras atividades ilegais. Lily não sabia quão longe ele tinha ido com suas tramóias e se um dia chegara a machucar alguém. Essas coisas ela preferia não saber.

Finalmente, caiu a última gota. Lily e Snape tinham 23 anos e praticamente viviam juntos. Ela sabia, por alto, de algumas coisas que ele fazia, mas ignorou por muito tempo porque realmente gostava dele. Mas, numa noite fria de inverno, os dois estavam dormindo quando o telefone tocou e Lily, meio sonolenta, atendeu. Do outro lado da linha estava o “Chefe”, como o homem era chamado, e ele mandava que Snape voltasse e cumprisse as ordens que ele lhe dera ou então, ela, Lily, poderia dar adeus à vida, já que, para Snape, ela era a única coisa que importava. Era a primeira vez que a ameaçavam e seria a última, aquela ligação tinha sido a gota d’água. Amedrontada, mas furiosa, ela arrumou suas coisas e largou o namorado. Ele até tentou fazê-la ficar, pediu para que fugissem juntos, mas ela não quis. Não passaria o resto da vida com medo, era hora de seguir em frente.

E assim foi como o primeiro e mais longo relacionamento que Lily tivera terminou. Embora não se arrependesse, ela não conseguia evitar a sensação de que Snape seria o único homem a amá-la. Por isso, queria tanto descobrir quem era o homem da boate; sentia que, aquele sim, era seu príncipe encantado e não ia desistir de encontrá-lo.

Marlene encarava Lily por cima da divisória do cubículo como se ela fosse maluca. Tinha certeza de que ela não estava em seu melhor juízo. Correr atrás de um homem completamente estranho era a ideia mais absurda que Lily já tivera durante todos os quinze anos em que elas eram amigas.

- Você podia me ajudar, Marlene. – Lily pediu, sorrindo. – Você o viu quando foi me buscar nos fundos da boate.

Com um olhar de pena, Marlene respondeu:

- Já te disse que não me lembro do rosto dele. Aliás, sequer me lembro de ter olhado para ele. Estava tão preocupada com a Alice que a única coisa em que eu via na frente dos meus olhos era ela vomitando a própria alma e depois desmaiando. Então, eu ignorei a presença daquele homem, só queria de te tirar logo dali para podermos levar a Alice ao hospital.

- Você estava sóbria?

- Quando Alice começou a passar mal, não, eu estava bêbada. Mas fiquei tanto tempo cuidando dela no banheiro que acabei melhorando. – disse Marlene, e completou com um muxoxo - Odeio ficar sóbria quando todo mundo está bêbado.

- Você fica um porre quando isso acontece. – Lily falou com uma risada. Depois o sorriso morreu e ela assumiu o olhar sonhador de novo. – Não consigo parar de pensar nele. Tão lindo, tão encantador, tão...

- Desconhecido! – Marlene interrompeu, exasperada. – Não acredito que eu serei a sua consciência dessa vez, Lily, você é sempre tão sensata!

- Por isso mesmo, Marlene! Eu quero fazer uma coisa sem pensar pelo menos uma vez na vida, quero mergulhar de cabeça nisso, parar de me preocupar um segundo com o futuro ou com a possibilidade de eu me machucar ou me enganar ou qualquer porcaria assim. Eu já virei as costas para o amor uma vez, não vou cometer o mesmo erro de novo. Preciso encontrá-lo!

- Você não virou as costas para o amor, Lily! Você fez uma escolha, sua vida estaria em perigo se você continuasse com Snape! Isso não é dar as costas ao amor, isso é sobreviver.

- Eu sei, mas eu sinto que Severus é o único homem que vai me amar. Embora eu saiba que tenha feito a escolha certa quando o deixei, tenho a sensação de que poderia ter sido feliz com ele, de que ele conseguiria mudar de vida e me proteger, cuidar de mim. Eu sei que ele teria me amado. Eu só quero ter essa certeza de novo, de que alguém lá fora vai me amar tanto quanto ele me amou. Ou até mais. E eu acho que pode ser aquele homem, Marlene. Você não sabe o que eu senti quando o beijei, foi como se eu estivesse nas nuvens e sinos badalavam nos meus ouvidos. Você sabe o que dizem sobre isso: quando se encontra o amor da sua vida, você escuta sinos de igreja badalando. Esse homem é o meu homem!

Marlene ficou na dúvida se chorava de pena de Lily ou se ria do desespero dela. Mas não fez nem um nem outro. Na verdade, fez a única coisa que estava ao seu alcance naquele momento: apoiou a ideia.

- ‘Ta bom. – falou, dando-se por vencida, fazendo Lily abrir um sorriso. – Qual é o plano?

- Vou até a boate acessar a lista de pessoas que estavam lá no sábado. Depois que achar os nomes dos homens, vou pedir para a Annie, do Departamento de Trânsito, verificar os registros de motoristas da cidade.

- E como você vai saber que é ele?

- Eu posso não me lembrar da cara, mas sei que ele não é fortão ou careca ou feio ou gordo. E acho que ele tem olhos castanhos.

- Ok, e depois que você acessar os registros?

- Vou atrás de todos eles até encontrá-lo. – Lily respondeu com tanto vigor que parecia que seu plano era infalível. Marlene só se segurou para não apontar todas as falhas que tinha naquele planejamento por causa do olhar esperançoso de Lily. Mas não pôde evitar uma observação.

- Você sabe que precisa de um mandado judicial para acessar a lista da boate, não sabe?

- Finalmente ser advogada vai me servir de alguma coisa. – Lily respondeu com uma risada.

Ela e Marlene trabalhavam numa grande firma de advocacia, a Longbottom Lawyers and Associateds, desde que saíram da universidade, o único momento em que ficaram separadas, pois Lily foi para Oxford e Marlene para a London University. Antes disso, tinham estudado juntas no colégio interno e, depois, começaram a dividir o apartamento e conseguiram emprego no mesmo lugar. A pergunta que ambas se faziam era como não enjoavam uma da outra. Mas como eram completamente diferentes, elas se completavam e não conseguiam imaginar como seriam suas vidas se não fossem amigas. Era algo incabível para as duas. E essa amizade era o motivo para Marlene se render à maluquice de Lily e ajudá-la no plano.

- Você também sabe que nenhum juiz vai assinar o mandado, né? O que você vai dizer? “Olá, Juíza Jones, eu queria que a senhora expedisse um mandado para que eu possa acessar os computadores da boate pra descobrir quem me beijou no último fim de semana” não me parece um bom jeito de pedir.

- Eu estou brincando. É claro que não vou pedir um mandado, que justificativa eu teria? Nós daremos um jeito, afinal, como você mesma diz, nós somos bem jeitosinhas. – Lily deu uma piscadela, arrancando uma risada de Marlene. – Sei lá, ainda não pensei direito, mas podemos fazer como nos filmes: vamos de minissaia e blusa decotada para distrair os guardas e fazer com que eles nos deixem entrar.

Marlene gargalhou ainda mais.

- Ok, e, como nos filmes, isso não vai dar certo.

Lily armou um bico e colocou no rosto sua melhor expressão de cão sem dono.

- Ah, Lene, seja otimista. Não me desanime, por favor.

- Deus, o que eu não faço por você, hein, Lily? – Marlene disse, com um sorriso derrotado.

- Não lava minhas calcinhas, por exemplo.

- E vou continuar sem lavar, eca. – com cara de nojo, Marlene completou. – Mas sempre seguro seu cabelo quando você passa mal, isso sim é ser parceira.

- Você é a melhor amiga do mundo. Eu não sei o que eu faria sem você.

- Sabe sim: vomitaria no cabelo. – Lily torceu o nariz, mas riu. – E para de me bajular, eu já disse que vou te ajudar a descobrir quem é o cara.

- Meu “Misterioso Beijador da Meia-Noite”.

- Seu o quê?

- “Misterioso Beijador da Meia-Noite”. É como eu vou chamá-lo a partir de agora.

- Você o beijou depois da meia-noite.

- Eu sei, mas eu acho que meia-noite é um horário muito romântico.

- E brega.

- O que é brega, meninas? – interrompeu Emmeline, saída sabe-se lá de onde. As duas estavam tão distraídas conversando que não a viram se aproximar.

- Não é nada, Emme, larga de ser fofoqueira. – disse Marlene, mas Emmeline não ligou para a grosseria. Ela nunca ligava para as grosserias que Marlene lhe fazia, entravam por um ouvido e saíam pelo outro, e daquela vez não foi diferente. Trazia o sorriso maroto que as meninas reconheciam de longa data: era o sorriso “trago novidades”. Marlene revirou os olhos. – Ok, Emme, a gente te conhece. Desembucha.

- Larga de ser fofoqueira, Emme. – ela repetiu, brincalhona, afinando a voz. Lily e Marlene fizeram gestos exasperados, pedindo a ela que falasse logo. – ‘Ta legal, ‘ta legal. Vocês souberam que a Contabilidade contratou um cara novo, né?

- Eu sabia que estava rolando um boato desses. – disse Lily. – A Contabilidade é o departamento mais chato da firma, quase nunca contrata alguém. O cara deve ser bom mesmo.

- E como! – disse Emmeline, com um sorriso malicioso.

Marlene, empertigando-se toda, disse:

- GG? – Emmeline assentiu. – Uau, gato e gostoso na Contabilidade? Acho que vale à pena conferir.

- Ah, vale. Ele chegou hoje e está fazendo um tour pela empresa. E, se eu estiver correta, ele já deve estar no nosso corredor, porque ouvi vozes perto da sala de reunião. – Emmeline espichou o pescoço e sorriu. – Ha ha! Lá está, virando o corredor com o Frank e aquele esquisito do Remus, vejam.

Lily e Marlene se ergueram por cima dos cubículos e viram quando o chefe, Frank Longbottom, surgiu no corredor acompanhado do cabeça da Contabilidade, Remus Lupin, e do novato. Ele estava de costas, mas foi o suficiente para as meninas adorarem o que viam: alto, de cabelos negros e arrepiados, e costas largas. Lily soltou um assobio de satisfação quando Frank indicou o caminho do corredor e o novato se virou de frente para elas.

- Sen-sa-cio-nal. – ela e Marlene disseram em uníssono, como sempre faziam quando viam um homem lindo. E aquele era um homem da melhor qualidade.

E estava indo na direção delas. Emmeline deu um salto por cima da divisória e pegou um documento qualquer da mesa de Lily, para fingir que estava trabalhando. Frank, Remus e o novato se aproximaram delas.

- Bom dia, garotas. – disse Frank, com um sorriso. – Como vamos hoje?

- Tudo certo, Frank. – disse Lily, colocando o cabelo para trás da orelha. Sempre fazia isso quando se concentrava em alguma coisa. – A maior parte das pendências já foi resolvida. A audiência do caso Lionel já foi marcada para a próxima semana e as intimações foram enviadas.

- Ótimo. E você, Marlene?

- Tudo em cima também. O júri para o julgamento do Johnson já foi selecionado e já consegui a expedição do alvará de soltura do Parrish.

- Muito bom. – disse Frank, sorrindo, e se virou para Emmeline. – Você não devia estar no Jurídico?

- Devia, claro, só vim pegar um documento com a Lily. – mas, ao contrário do que ordenava o olhar de Frank, Emmeline não se mexeu.

- Acredito que as meninas estejam esperando as apresentações, Frank. – disse Remus, dando uma olhadela desdenhosa para Emmeline, que sussurrou para ele:

- ‘Ta gostando da vista, querido? – ao que ele revirou os olhos. Desde que entraram na empresa, os dois viviam se alfinetando. Lily e Marlene tinham certeza de que havia uma paixão escondida ali. Emmeline, então, falou para Frank, no tom de voz normal – É, Frank, não vai fazer as devidas apresentações?

- Vou, Emmeline, não precisa se desesperar. Meninas, esse é o novo reforço da Contabilidade, James Potter. James, essas são minhas prodígios Lily Evans, Marlene McKinnon e Emmeline Vance.

James Potter se adiantou e apertou a mão de cada uma delas, demorando-se mais com Lily, gesto que não passou despercebido por nenhum dos presentes. Lily ficou vermelha e pigarreou.

- É um prazer conhecê-las, garotas. – ele disse, fazendo as três quase desfalecerem quando ouviram a voz grossa dele. Lindo, simpático, inteligente e ainda tinha voz de locutor de rádio dos anos 50. As meninas não precisavam de mais nada para se apaixonar por ele.

- Bom, apresentações feitas, precisamos seguir em frente. – disse Frank. – Vocês três, de volta ao trabalho. James, Remus, vamos lá.

Remus simplesmente acenou com a cabeça, mas James sorriu de forma simpática e disse:

- Eu realmente fiz uma boa escolha ao aceitar trabalhar aqui. – Lily revirou os olhos com a cantada barata, mas Marlene e Emmeline sorriram derretidas. James sorriu mais uma vez e começou a se afastar, seguindo Frank e Remus – Tenham um bom dia.

Quando eles sumiram no fim do corredor, as três se entreolharam com sorrisinhos maliciosos.

- Minha Nossa Senhora do Homem Gostoso. – disse Emmeline, se abanando com o papel. – Acho que estou apaixonada.

- Você não é a única, Emme. – disse Marlene. – Mas, infelizmente, nós duas reparamos o modo como ele olhou para a Lily, então estamos fora da jogada.

- Olhou para mim? – disse Lily, fazendo-se de desentendida. – Quem disse que ele olhou diferente para mim?

- Não se faça de burra, a gente viu como você ficou vermelha na hora. – Marlene respondeu. – Eu acho que ele gostou de você.

- Imaginação sua, Marlene.

- Filha, se você não quiser, eu sou a primeira da fila. Esse homem é um deus. – disse Emme, largando a folha de papel na mesa. – Eu vou é ficar de olho nele, porque as sirigaitas dessa firma vão cair em cima dele.

- Olha quem fala. – Lily e Marlene disseram juntas, rindo.

- Exatamente. Já basta eu. – ela piscou um olho e acenou um tchauzinho. – Bom, vou voltar ao trabalho antes que Frank passe por mim de novo. Até mais tarde.

Lily voltou a se concentrar no computador à sua frente, mas Marlene continuou a encará-la por cima da divisória.

- O que foi, Lene? – perguntou sem olhá-la.

- Por que se recusou a dizer que o novato gostou de você?

- Você e Emmeline gostaram dele, eu não quero ter nada a ver com isso.

Marlene soltou um muxoxo.

- O cara gostou de você, eu jamais daria em cima dele. E Emmeline, embora seja uma eterna caçadora de homens, também não faria isso. Você sabe que ela não pega homem de amiga. E esse Potter, querida, gostou de você, eu vi na cara dele.

- Fala sério, Marlene. O cara me encontrou agora.

- E daí? Não falei que ele vai te pedir em casamento amanhã, só falei que ele gostou de você. – ela deu uma boa olhada no rosto sério de Lily e concluiu. – Ah, não, Lily! Você está toda relutante assim por causa do cara da boate.

Lily ergueu os olhos para Marlene, como se a desafiasse.

- E se for? Tudo bem, o Potter é maravilhoso, mas eu não vou trocar o meu “Misterioso Beijador da Meia-Noite”, o amor da minha vida, por um cara que, supostamente, gostou de mim. Eu nem o conheço.

- Você nem conhece o cara da boate também! Pelo menos, o rosto do Potter você conseguiu registrar na mente.

- Não começa a tentar me fazer mudar de ideia de novo, Marlene! Eu sei que eu não conheço o homem que me beijou, mas sei que ele é o homem da minha vida, entenda isso.

- Mas o Potter... ele é tão lindo e simpático! Escolha-o!

- E daí que ele é lindo? Ele não é meu homem. – Lily disse, com certeza. Marlene a olhou, desolada, mas não disse mais nada. Sentou-se em seu cubículo novamente e encerrou o assunto.

Lily esfregou os olhos, estressada. Em sua cabeça, repetiu:

O novato não tem a menor chance perto do meu “Misterioso Beijador da Meia-Noite” e é atrás dele que eu vou. Não do novato. Do meu homem.

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N/a: Ae, capítulo dois postadíssimo. Até que não demorou muito :) Espero que curtam. Comentem bastante.
Beijos estalados,
Liv  

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