chapter 2



O que eu mais amava no dia do meu aniversário era a forma como tudo era mais cheiroso. Eu acordava já sentindo o cheiro do mais maravilhoso café de Trick e dos bolinhos especialmente preparados por Vítor. E foi esse o cheiro que invadiu meu quarto naquele dia 30 de julho. Levantei-me, bocejei, calcei minhas pantufas e fui em direção à cozinha.


- Olha a aniversariante! – Vítor disse colocando na mesa bolinhos de baunilha com recheio de sapos de chocolate.


- Parabéns senhorita! – Trick disse.


Minha avó logo veio da sala me abraçar e me dar beijos.


- Certo vovó, eu entendi. – Falei saindo do abraço. – Você me ama, eu te amo... Mas você está me sufocando.


- Não acredito que você está fazendo quinze anos! – Minha avó disse.


Enquanto minha avó falava como eu já fui pequena um dia e que eu estava me tornando uma mulher, eu procurava meu pai pela cozinha. Eu o via apenas duas vezes ao ano, uma no meu aniversário e uma no natal. Mas eu não o vi e preferi não perguntar.


Vítor sabia muito bem o que eu estava pensando e, assim que minha avó me soltou do abraço ele abriu os braços esperando que eu o abraçasse.


- Cupcakes com sapos de chocolate! – Eu disse feliz e ignorei Vítor.


- Você é a pessoa mais interesseira que eu conheço. – Ele cruzou os braços e fez bico, uma cena rara que eu sempre presenciava.


- Mas seus cupcakes são irresistíveis! – Eu disse.


- Eu sei. – Ele me disse. – Além de tudo eu sou um ótimo cozinheiro.


- E modesto. – Falei antes de me sentar na mesa.


- Nada de abraço? – Vitor me perguntou.


- Depois que eu comer e tomar café. – Falei.


- Combinado. – Vitor me respondeu sorrindo.


- Esses estão melhores que os do ano passado...


- Nova receita. – Ele disse. – Eu treinei várias e pedi para que meus pais escolhessem o melhor.


- Você é o melhor amigo que eu poderia ter.


- Eu sou o único amigo que você tem, portanto tenho que fazer o serviço bem feito. – Ele me disse.


- Eu fico imaginando como sua imagem de jogador de Quadribol viril e másculo seria afetada caso uma foto sua vestindo esse avental fosse parar em algum jornal. – Falei.


- Não me venha com chantagens, Chuck. – Vitor disse.


- Provavelmente as garotas iam idolatrar ele mais. – Kathy disse ao entrar na cozinha e logo foi roubando um cupcake da minha mão.


- Com licença? – Falei ao pegar meu cupcake de volta. – Meu aniversário, meu cupcake, minhas regras.


- Não acredito que tem quinze anos que eu te tolero. – Kathy disse se sentando na mesa.


- Kathy, eu estou te ignorando. –Falei.


Eu e Vitor então começamos a conversar sobre como seria nosso dia. Para manter a tradição, logo após o café da manhã eu tomaria banho, vestiria uma roupa da minha mãe e eu e ele iríamos até a cidade comprar as coisas para a receita de lasanha que a mãe dele fazia todos os anos no meu jantar de aniversário. Enquanto estávamos na cidade, aproveitávamos para ver as novidades trouxas e almoçávamos em um fast-food que tinha o maior e mais calórico sanduíche que qualquer um de nós havíamos visto.


Quando finalmente estava cheia eu me levantei da mesa e fui esmagada por Vitor e seu famoso abraço de aniversário.


- Você estralou minhas costas. – Falei.


- Eu ouvi. – Ele me disse. – Agora vá.


Fui tomar banho e depois tentei me vestir como uma trouxa. Para tanto visitei um armário que ficava no sótão, onde estavam várias roupas de minha mãe. Eu vesti uma meia calça de lã por baixo de uma calça jeans, coloquei uma jaqueta de couro por cima de uma camiseta preta e calcei um par de botas que iam até o joelho. Olhei-me no espelho que tinha na porta do armário e ri. Roupas de trouxa eram engraçadas e sem graça. Foi então que pelo espelho vi o reflexo de uma grande caixa com os escritos “Irina – Vestidos”.


É claro que eu iria abrir aquela caixa. Eu só não esperava ter tanto pano vermelho saindo dela. Eu tirei de lá cinco vestidos vermelhos, três pretos e um branco de babados com uma faixa preta na cintura.


Todos eles tinham a cintura marcada e saia rodada. Eu realmente me sentia uma garota usando elas, considerando que meu uniforme de Durmstrang era feito para esquentar e não para ser bonito e, quando estava em casa, eu usava calça, botas e blusas de frio. Resolvi vestir um deles, preto de veludo e mangas compridas, com três laços no peito. Infelizmente eu não conseguia fechar o zíper das costas.


- Precisa de ajuda? – Ouvi a voz de Kathy.


Ela estava parada atrás de mim, encostada na porta.


- Eu achei essa caixa com esses vestidos. – Falei envergonhada.


- Nós guardamos. – Ela me disse caminhando para perto de mim e em seguida fechando o zíper das minhas costas. – Achamos que quando você ficasse mais velha e mais... Delicada você iria gostar desses vestidos.


- Eu pareço com ela? – Perguntei olhando no espelho.


- Muito. Menos o cabelo e os olhos. – Kathy disse. – Mas do momento em que você abre a boca você é somente seu pai.


Eu ri.


- Sua mãe era a criatura mais delicada e educada que eu já vi. - Kathy continuou. – Ela era uma perfeita dama, como se fosse uma daquelas mocinhas de filme trouxas, que esperam que o mocinho venha buscá-las.


- O oposto de qualquer pessoa com o sobrenome Hayes...


- Exatamente. Mas ela era igualmente admirável. Tanta educação e delicadeza devem ser mais difícil que a disciplina que mamãe sempre nos impôs. – Kathy disse.


- Eu não consigo nem imaginar como é ser assim. – Falei.


- Nem eu. – Kathy disse. – Acho que por isso admirava tanto sua mãe... Apesar dos olhos tristes.


- Que eu não tenho. – Falei.


- Você tem fogo nos olhos, Charlotte. – Kathy disse. – Como qualquer pessoa que já nasce Hayes. Você faz da sua tristeza combustível para a vida. Por mais irritante que você seja, eu tenho que admirar isso em você. Muito mais que a beleza que você puxou de sua mãe.


Sorri para Kathy. Eram raros os momentos em que nós duas não discutíamos afinal, como Vítor Kathy era minha irmã. Fomos criadas juntas, apesar da grande diferença de idade, dez longos anos, éramos irmãs e nosso maior hábito era implicar uma com a outra.


- Eu sei ser irritante, não é? – Perguntei sorrindo.


- Muito. – Kathy respondeu. – Agora vá, Vítor está te esperando.


- Você pode me ajudar com o zíper? – Perguntei. – Foi difícil colocar, que dirá tirar...


- Vá com o vestido. – Kathy disse. – Ficou bem em você. Mas leve seu casaco. E feliz aniversário.


- Obrigada. – Respondi sorrindo.


Então calcei minha bota, peguei minha jaqueta e fui ao encontro de Vítor, que me esperava no sofá da sala.


- Até que enfim! – Ele disse. – Qual é a do vestido? – Ele me olhou assustado.


- Era da minha mãe. – Falei.


- Você parece uma garota com ele. – Vítor disse.


- Eu sou uma garota. – Eu o lembrei. – Eu sou uma mulher, com grande produção de estrogênio...


- Pare com a conversa de hormônios. – Vítor me interrompeu. – Vamos?


- Vamos! 


- Sua avó me entregou isso e disse para você comprar um presente para você. – Ele me entregou um envelope que continha dinheiro trouxa.


- Legal. – Falei.


Fomos para a parte trouxa da cidade. Vítor gostava de andar por lá e não ser perseguido por olhares, risinhos e gritinhos histéricos. E eu gostava de conhecer um pouco sobre como era ser minha mãe, apesar de ela ser Russa e nunca ter visitado a parte trouxa da Bulgária, pois apenas havia vindo para cá com a intenção de conhecer minha avó e Kathy. Mas só o fato de estar perto da vida trouxa, hábitos, costumes... Era pouco, mas eu sentia que estava compartilhando algo com ela.


Depois de comprar os ingredientes para a famosa lasanha da senhora Krum, uma lasanha que provavelmente levava mais ingredientes que qualquer outra receita de lasanha, eu e Vítor fomos almoçar o maior e melhor hambúrguer de todos os tempos.


- Dois daquele, por favor. – Vítor pediu o sanduíche para a atendente.


- Dois Whoopers? – Ele perguntou, falando o nome do sanduíche que eu Vítor achávamos engraçados demais para falar.


Eu dei uma risadinha enquanto Vítor tentava ficar sério.


- Sim, dois. – Ele entregou o dinheiro.


- Promoção? – A atendente perguntou.


- Pede com as cebolas, pede com as cebolas! – Pedi para Vítor como se fosse uma criança.


- Sim, mas um deles com aquelas cebolas... – Ele cedeu.


Aquele sanduíche era bom. E toda vez que eu comia ele, Vítor ficava assustado.


- Você não tem tamanho para comer um sanduíche grande assim, Chuck. – Ele falou.


- Eu não sou tão menor que você, viu? – Falei com a boca toda cheia de comida. – Quinze centímetros só.


- Você pode mastigar e engolir antes de falar algo? – Vítor pediu.


- Sou incapaz disso. – Falei.


- Você é incapaz de agir como uma garota! – Ele me disse. – E me vem com essa conversa de que é uma mulher...


- Eu posso ser uma garota, Vítor. – Falei. – Só não vejo a necessidade de agir assim perto de você.


- Porque não? – Vítor perguntou confuso.


- Você me conhece muito bem para dar importância para esse tipo de coisa. – Falei. – Nós somos amigos há anos, eu não preciso agir como uma flor delicada na sua frente.


- Você não é uma flor delicada. – Vítor disse. – E eu gosto disso. Mas ás vezes você devia agir mais como uma garota, afinal você é uma. Eu fico pensando que esse tempo todo perto de mim pode ter te influenciado de uma forma negativa...


- É, você está certo. – Falei. – Você é uma péssima influência para mim, vou começar a andar somente com garotas e falar sobre esmaltes e garotos...


Parei de falar quando vi que Vitor estava ficando triste.


- Você nunca será uma influência negativa, Vítor. Eu sou uma garota, mas não sou como as outras garotas... – Falei. – A maioria dela só gosta de você porque você joga Quadribol e nem sabem nenhuma regra... Para eu ser uma “garota completa” eu teria que parar de jogar Quadribol?


- Isso jamais. – Vítor disse. Sorrindo – Eu falo isso para te irritar, mas eu prefiro você assim do que cheia de frescuras...


Então nós continuamos nossa jornada. Eram apenas duas da tarde, portanto tínhamos mais três horas para andar por lá, ver as coisas e, quem sabe, fazer compras.


Nós havíamos andado umas duas quadras de onde havíamos almoçado quando alguém me encostou no ombro. Eu me virei e uma mulher loira sorriu para mim. Os olhos dela eram tão azuis que doía de olhar.


- Desculpe incomodar, mas isso caiu do seu bolso. – Ela disse e me mostrou um colar.


- Ahm... Não é meu. – Eu respondi.


- Eu tenho certeza que caiu do bolso do seu vestido. – Ela insistiu.


Olhei para Vitor.


- Talvez seja da sua mãe. – Vitor me disse.


- Obrigada. – Eu peguei o colar da mão da mulher.


Ela sorriu, virou as costas e foi embora.


- Olha isso. – Eu mostrei para Vitor. – O pingente...


O colar era prata envelhecida, com um pingente de uma gaiola e um passarinho azul dentro.


- É muito bonito. Quer que eu te ajude a colocar?


- Quero.


Virei-me e Vitor colocou o colar em mim. Eu o ajeitei e nós prosseguimos na nossa jornada pelo mundo trouxa. Só que eu estava mais feliz, nem ligava que meu pai não havia aparecido. Eu tinha mais uma coisa que ligava a minha mãe e isso para mim era tudo no mundo.


Depois de mais algumas quadras passamos em frente uma loja de sapatos.


- Espere. – Eu pedi para Vitor parar e fiquei vendo a vitrine.


- Você quer entrar? – Ele me perguntou.


Fiquei calada.


- Depois eu venho, você não vai querer ficar me vendo experimentar sapatos... – Falei.


- Chuck, vamos lá. – Ele pegou na minha mão e me fez entrar na loja.


Logo uma garota veio nos atender.


- Bom dia. – Ela disse sorrindo.


- Bom dia. – Respondi séria.


Vitor apenas acenou com a cabeça.


- Vocês estão procurando algo específico? – Ela me perguntou.


- Eu gostei daquele sapato. – Falei apontando para um sapato preto de salto bem alto.


- Qual a numeração? – Ela me perguntou tentando ser simpática, mas sem conseguir tirar os olhos de Vitor.


Eu me sentei, tirei minha bota e mostrei o número no solado da bota para ela.


- Vou buscar. – Ela me disse.


Vitor se sentou ao meu lado e eu dei um tapa nele.


- O que foi? – Ele me perguntou.


- Ela está hipnotizada por você. – Falei.


- Claro que não Chuck. – Ele me disse desconversando.


- Só se você for muito tapado para não perceber isso. – Falei.


Ia continuar falando, mas a vendedora logo chegou. Ela me entregou o sapato e eu o calcei os dois pés. Fiquei em pé e me olhei no espelho. Vitor também se levantou e ficou ao meu lado para ver meu tamanho.


- Você está quase do tamanho do seu irmão. – A garota disse olhando para Vitor de uma forma quase obcena.


- Namorado. – Ele disse deixando a vendedora envergonhada.


Eu segurei meu riso. Era incrível como o garoto mais cobiçado de Durmstrang ocasionalmente ficava tímido perto de garotas. Todo o meu pensamento desapareceu quando eu vi uma bota de salto e cadarço até acima do joelho.


- Você tem aquela bota no meu tamanho? – Perguntei.


- Eu vou ver. – A vendedora disse e saiu.


- Porque você não pode ser delicada e usar sapatos delicados e não botas? – Vitor me perguntou.


- Porque se eu fizesse isso, meu bem, eu seria exatamente como as outras garotas que você não quer namorar. – Falei brincando.


Vitor riu. Logo a vendedora trouxe a bota para eu experimentar.


- Eu amei. – Falei.


- Vamos levar as duas então? – A vendedora sorriu desesperadamente.


- Quanto é a bota? – Perguntei.


- Cento e cinqüenta euros. – Ela me disse. – E o sapato Cem.


Eu peguei então o envelope e contei quanto dinheiro tinha. Ao me dar conta que tinha bem mais que duzentos e cinqüenta euros eu sorri.


- Vou levar os dois. – Falei para ela.


Depois de pagar e sair da loja segurando duas grandes sacolas que eu obriguei Vitor a carregar eu resolvi que minha jornada no mundo trouxa ainda não tinha acabado.


- O que? Mais compras? – Vitor me perguntou.


- É! – Falei. – Eu ainda tenho duzentos e cinquata euros. – Falei.


- E cinqüenta. – Ele me corrigiu.


- O dinheiro é meu e eu chamo ele como eu quiser. – Falei rindo.


- O que mais você vai querer comprar? – Ele me perguntou. – Aliás, o que mais você poderia comprar. Dois sapatos já é o suficiente...


- Não para uma garota. – Falei sorrindo.


- Você então resolveu ser uma garota agora? – Ele me perguntou.


- Eu sempre fui uma garota. – Falei brava para ele. – Eu tenho um órgão genital diferente do seu para provar isso.


- Pare de dizer essas palavras. – Ele me disse.


- Então pare de dizer que eu não sou uma garota. – Falei.


Vitor respirou fundo para não dizer mais nada que levasse a uma discussão.


- Onde que você quer ir, garota? – Ele me perguntou.


- Eu quero comprar maquiagem. – Falei sorrindo.


- Você está indo longe demais. – Ele disse. – Você não precisa disso, isso é pra garotas feias.


Eu ignorei Vitor, peguei na mão dele e o arrastei para uma loja que, desde a primeira vez que eu havia ido àquela cidade trouxa. Era uma loja de, como os trouxas mesmo definiam “Cosméticos”. E vendo fotos das famosas trouxas nas revistas trouxas que eu ocasionalmente tinha acesso, eu via como elas eram bem mais bonitas que as bruxas famosas e eu achava que o motivo era esses tais Cosméticos. Então eu arrastei Vitor para dentro de uma dessas lojas.


Novamente uma vendedora veio nos atender e ela, obviamente estava dando mais atenção visual à Vitor do que a mim.


- Olha moça, eu quem vou pagar, então, me mostra o que quer que eu precise e possa comprar com duzentos e cinqüenta euros. – Falei.


- O que você precisa? – A vendedora me perguntou envergonhada.


- Honestamente? – Perguntei. – Não faço idéia. Nunca comprei nada em uma loja dessas antes.


- Então melhor começar pelo básico. – Ela me disse. – Venha cá.


Ela me arrastou para uma bancada com muitos potinhos e garrafinhas de vidro. Meus olhos brilharam porque eu tenho uma obsessão por miniaturas.


- Você vai precisar de uma base. – Ela me disse. – Você sabe o que é uma base?


- Eu sei o que significa a palavra “base”, mas em termos cosméticos... – Eu disse. - Não, não sei.


- Isso é uma base. – Ela me mostrou uma garrafinha. – Ela vai ser a primeira coisa que você vai passar. Depois você vai passar isso...


Depois de uma aula de maquiagem eu acabei levando uma base, um pó, dois blushes, um rímel e quatro batons, um lápis de olho preto e um quarteto de sombras.


- Você tem certeza que vai levar isso tudo? – Vitor me perguntou.


- Eu ia levar mais, mas meu dinheiro não permite. – Falei.


Vitor se calou. Peguei minhas compras, agradeci a vendedora e estava pronta para voltar para casa.


Eu estava feliz, sorria como se aquele não tivesse sido o primeiro de todos os meus aniversários que meu pai não havia aparecido, nem que fosse para me falar “Parabéns, garota”.


Eu estava tão concentrada em ficar feliz pelo que eu tinha, e não pelo que eu não tinha que acabei por ignorar o silêncio de Vitor. E sempre que ele ficava tanto tempo calado era porque ele estava condenando alguma atitude minha.


- Você nem vai perguntar porque é que eu não estou conversando? – Vitor finalmente falou.


- Porque você não está conversando? – Perguntei sem entender.


- Quando é que você virou essa consumista louca por sapatos e maquiagens? – Ele me perguntou nervoso.


- Eu achei que você não queria falar sobre isso. – Falei.


- Talvez eu queira. – Ele falou.


- Porque eu estou crescendo. – Falei. – Porque garotas quando estão crescendo usam saltos e passam maquiagem e tentam ficar bonitas.


- Porque é que você tentaria ficar bonita? – Ele me perguntou.


Eu não entendo até agora porque eu fiquei tão chateada com aquelas palavras. Eu simplesmente me calei, tomei as duas sacolas de sapatos das mãos de Vitor e continuei andando.


- Chuck! – Ele me chamou.


Eu então apressei o passo. Ele foi me dizendo mil coisas que eu não consigo lembrar tamanho o meu nervosismo naquele momento.


Finalmente eu cheguei em casa e subi correndo para o meu quarto. Tranquei a porta e a janela, para que nenhuma tentativa de Vitor de conversar comigo fosse concretizada. Coloquei as comprar sobre a cama e fui para o banheiro.


Nunca consegui explicar porque, mas sempre que algo me perturbava eu me sentava no chão do banheiro, encostava-me na banheira e passava um bom tempo lá, pensando no que quer que fosse que estava me perturbando.


Eu esperava que ele viesse me pedir desculpas. Era meu aniversário e ele estava estragando tudo totalmente sem motivo. Já não bastava o fato de meu pai não estar lá nem no meu aniversário Vitor ainda tinha que brigar comigo?


Depois de horas deitada no chão do banheiro resolvi sair de lá e ler algo. Qual a minha surpresa ao ver Vitor sentado na minha cama.


- O que você quer? – Perguntei.


- Pedir desculpas. – Ele falou.


- Você pode começar. – Falei cruzando os braços.


- Se existe uma coisa que eu prezo é a nossa amizade. – Ele disse. – E eu fico pensando como não mudá-la se cada um de nós está mudando separadamente.


- Você precisa ter mais fé na nossa amizade, Vitor. – Falei. – Eu não consigo pensar em nada que possa mudar o quanto eu amo, confio e preciso de você. Você é meu melhor amigo, você é meu irmão. Nada vai mudar isso.


Vitor me puxou e me abraçou.


- Você não sabe o alívio que você me dizer isso me trouxe. – Ele me disse.


- Eu sei. – Eu falei.


- E me desculpe novamente. – Ele continuou. – Esse não deve ser seu melhor aniversário, não é mesmo?


Saí do abraço de Vitor e olhei nos olhos dele.


- Se você está falando do meu pai... Pare. – Eu disse. – Eu pensei muito enquanto eu estava naquele banheiro e um dos tópicos foi esse. Eu não consigo pensar na diferença que ter ele aqui poderia fazer... Seu pai é muito mais meu pai que o cara que me deu metade do meu DNA.


- Você ter certeza que você está bem em relação a isso? – Vitor insistiu.


- Absoluta. – Falei. – Agora eu preciso tomar banho e me arrumar para o meu jantar de aniversário!


- Ainda faltam três horas, Chuck. – Vitor disse.


- Só três horas? – Perguntei assustada. – Eu preciso tomar banho...


Caminhei para o banheiro, fechei a porta e fui tomar banho.


Eu sempre soube que o que eu e Vitor tínhamos era especial, basicamente nós havíamos dividido todos os momentos importantes de nossas vidas. E ele era muito especial para mim e eu até entendia o medo que ele estava sentindo, medo que eu já senti em segredo uma vez.


Certo, antes que qualquer pessoa venha me julgar e dizer que eu era igual as outras garotas que se apaixonavam por ele... Se alguém tinha o direito de se apaixonar por Vitor, esse alguém era eu. E foi quando eu tinha treze anos, e, não que faça muito tempo, mas eu era idiota quando eu tinha treze anos. Eu culpo alguns livros de romance que eu li na época, péssimos livros inclusive.


Não demorou muito para eu perceber que aquilo era uma necessidade idiota de preencher lacunas minha. Eu tenho isso, é irritante e eu não sei me livrar disso. Funciona assim: Nada é somente o que parece ser. Bem, pelo menos na minha cabeça, daí isso, somado a influência romântica daqueles livros, eu acabei por achar que eu só podia estar apaixonada.


É claro que eu não estava. Ninguém com treze anos sabe o que é amor. Além disse, eu tenho uma nova teoria que amor só existe em livros... Bem, isso não vem ao caso.


Eu já estava quase pronta: Banho tomado, já havia colocado um vestido que Kathy havia separado para mim além dos sapatos que eu havia comprado horas antes. Mas eu simplesmente não sabia o que fazer com meu cabelo, muito menos como usar toda aquela maquiagem que eu havia comprado.


Então alguém bateu na porta.


- Estou quase pronta! – Gritei.


Kathy então abriu a porta.


- Eu estou com fome, sabia? – Ela me disse. – Vamos logo.


- Eu preciso aprender a passar aquilo. – Apontei para a sacola com as maquiagens.


- O que é isso? – Kathy pegou a sacola e abriu. – Você está tentando parecer uma garota.


- Eu sou uma garota! – Falei.


- Deixe-me te ajudar. – Ela disse.


- Você? – Eu ri. – Se tem alguém que sabe menos de como ser uma garota que eu, esse alguém é você.


- Cale a boca. – Kathy disse.


Então ela pegou todas as minhas compras e começou a me ajudar.


- Base... Certo, coloque isso na ponta dos seus dedos e espalhe pelo seu rosto de forma igual. – Ela me disse.


Eu obedeci.


- Essas olheiras... Eu já volto. – Ela disse e então saiu do meu quarto.


 Em alguns minutos estava de volta.


- Pegue um pouco disso e dê batidinhas embaixo dos seus olhos. – Ela me disse ao me passar um potinho.


- O que é isso? – Eu perguntei enquanto fazia o que ela havia me dito.


- Chama “corretivo”. – Ela me falou. – Depois passe isso no rosto, com esse pincel.


Ela me entregou o pó e eu passei.


Ela continuou a me ensinar a passar todas aquelas coisas. Era divertido ver como eu podia ficar diferente e ainda assim continuar parecendo comigo.


- Você ficou linda. – Ela me disse quando eu terminei.


- Obrigada. – Respondi.


- Agora vamos, eu estou faminta. – Ela me falou.


Então nós fomos para o meu jantar de aniversário na casa dos Krum. Logo que entrei na casa, os pais de Krum vieram me abraçar.


- Como você está linda! – A senhora Krum me disse.


- Obrigada. – Eu respondi.


- Vamos tirar uma foto. – O senhor Krum falou.


Vitor parou ao meu lado para a foto.


- Você realmente está muito bonita. – Vitor falou baixinho em meu ouvido.


- Eu sei. – Eu lhe respondi sorrindo.


- Todos prontos? – Kathy perguntou enquanto ajeitava a câmera para ela tirar a foto daí alguns segundos.


- Todos! – Nós respondemos.


Então Kathy correu até nós e a foto foi tirada.


- Agora uma só de vocês dois. – A senhora Krum disse para mim e para Vitor.


Nós dois nos entreolhamos e sorrimos. Nunca na vida da mãe de Krum ela havia conseguido tirar uma foto nossa que nós estivéssemos apenas sorrindo.


Assim que ela apertou o botão da câmera, eu pulei em Vitor que me levantou o mais alto que conseguiu.


- Vocês dois! – A senhora Krum disse. – Vocês são impossíveis!


- Mãe, a gente pode comer? – Vitor pediu.


- Vão para a mesa... – Ela disse ainda brava.


E aquela foi a melhor lasanha de aniversário que eu já havia provado.


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 Nota autora:
Segundo capítulo, espero que vocês gostem! E comentem, por favor!

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