Capítulo 07



Encontrava-se no mesmo estado de mau humor que já se arrastava por duas semanas. Os olhos rubros e as feições bonitas se contorciam ligeiramente numa concentração forçada ao encarar a estante logo atrás da sua escrivaninha. A cadeira ainda continuava ali, um dos tantos objetos pelo aposento que lhe lembravam da ausência de sua mascote.


- Deseja mais alguma coisa, milorde? - uma voz feminina falou sem nenhuma denotação de medo, fazendo-o desconcentrar-se e voltar os olhos para a pessoa.


Um sorriso encantador formou em seus lábios e seu mau humor pareceu desaparecer num toque de mágica enquanto observava a jovem logo a sua frente.


Quem poderia supor que em apenas dois dias tinha conseguido conquistar tão facilmente a escrava de Aleto? Chegava a ser entediante a facilidade de arrancar um sorriso de suas feições jovens, emoldurados num liso cabelo castanho escuro, quase beirando ao café. Os olhos, também castanhos, brilhavam de encantamento ao observar seu novo “mestre”, como se fosse um príncipe encantado ou seu herói.


Era muito fácil enganar um coração feminino tão jovem e seria ainda mais divertido quando pudesse despedaçá-lo. Mas, no momento, não lhe era interessante fazê-lo.


Ela poderia lhe ser útil de alguma forma e, mantê-la sob seu encanto, adquirindo cada vez mais sua confiança, era imprescindível.


- Não, Gracielle. - ele falava numa voz macia e aveludada, repousando os dedos sobre a face já um pouco mais nutrida daquela escrava, numa pequena carícia. - Pode descansar em minha cama.


Ela fez um sinal positivo, saindo de perto, com um sorriso mais largo que o normal. Chamá-la pelo nome parecia contagiá-la com uma felicidade tão efêmera, como se isso fosse o suficiente para provar que ele pudesse nutrir qualquer sentimento por ela. Tão ingênua...


O corpo magro, usando algumas vestimentas simples que lhe dera, foi se encaminhando para a cama. Os cabelos, que lhe batiam no meio das costas, foram jogados para frente assim que ajeitou-se para dormir.


- Avise-me quando ela dormir, Nagini. Não esqueça de não assustá-la. - ele sibilara para a serpente.


- Conveniência demais pro meu gosto, ficar servindo de babá pra essa escrava. - resmungava a serpente, enquanto saía dos pés da cadeira dele e se encaminhava para a cama, tentando ser discreta.


A escrava não tinha se acostumado totalmente a presença da serpente e ficava amedrontada quando ela se aproximava demais. Um dia arranjaria um jeito para retirar o medo dela de sua cobra, mas até lá, Nagini teria que fazer suas vigílias discretamente.


- Você não reclamava nada quando essa escrava se chamava Hermione Granger. - ele comentou venenosamente, sorrindo, recebendo apenas um silvo mal-humorado e ligeiramente alto que assustou momentaneamente a escrava deitada no leito.


Os olhos assustados logo se voltaram para onde ele ainda permanecia sentado. Apenas deu um sorriso tranquilizador, para que voltasse a relaxar e adormecer.


Ela fechou os olhos; as expressões de mau humor retornaram.


Tinha de admitir que era um efeito colateral negativo ao se ter poder absoluto. Tudo tornava-se extremamente enfadonho já que todos os seus desejos eram atendidos imediatamente. Percebeu, com a ausência de sua verdadeira escrava, que desejava quase urgentemente que seus planos em andamento fossem mais rápidos... pareciam estar andando a passos de tartaruga. Nagini estaria certa de que andara deixando seus planejamentos em segundo plano para os testes diários de resistência dela?


Odiava ter que admitir que Nagini poderia estar certa... era ridículo. Porém, era provável.


- Quero minha mascote de volta, Nagini. - ele reclamou em sibilos, após minutos de concentração. Era uma frase quase que mimada. Era o único desejo que não podia ser atendido imediatamente. O único que ele queria que fosse imediato.


- Tenha calma. Se suas suposições estiverem corretas, irá encurralá-la assim que tivermos a informação que desejamos. - Nagini respondia, tentando tranquilizar a impaciência evidente em que ele estava.


- Se eu não tivesse me iludido com aquela interpretação, eu já poderia tê-la em minhas mãos! - os silvos já se tornavam ligeiramente frenéticos, seu olhar já se encontrava gradativamente numa cor mais vívida. - Subestimei aquele maldito moleque!


- Como poderia ter imaginado que ele pudesse se disfarçar tão bem como comensal, mestre? Já se passaram 10 anos, seria natural que ainda tivesse aquela imagem do garotinho inconsequente que pede pela morte. - tentava acalmá-lo, mas talvez as palavras não foram bem utilizadas.


- Eu deveria ter imaginado uma mudança, Nagini... só que isso foi além das minhas expectativas. Ele não é mais inconsequente, nem pede pela morte. Está calculista, frio e sabe manter sua máscara mesmo numa situação inesperada, como minha visita. Não sei nem mesmo se ele continua tão altruísta quanto antigamente. Transformou-se numa incógnita perigosa.


- No entanto, você sabe sobre as outras duas que estão junto dele. Ronald Weasley não se modificou em muita coisa desde então; talvez possa ter ficado claustrofóbico. Hermione Granger ficou ao seu lado durante esses 10 anos e sabe do que ela é capaz.


Um sorriso se formou em seu belo rosto a menção do nome. Por mais que tivesse se enraivecido por ter ficado tão próximo dela e a perdido, ainda assim a lembrança da destruição da rua era certamente admirável... e nítida ainda em sua mente.


“Mal havia começado a verificar algum outro lugar suspeito no qual poderia ter acontecido alguma coisa e, cinco dos Guardas que deveriam estar na fábrica se prostraram desesperados em frente a sua porta. O que eles poderiam ter feito de idiotice em apenas duas horas após sua visita?!


O relato foi curto, entrecortado por gaguejos. Quando saiu da fábrica, Aleto, Amico e sua escrava ficaram por mais alguns minutos. Porém, ao chegarem na porta, descobriram ser três estranhos que não conseguiram capturar.


- Está me dizendo que um trio de desconhecidos escapou de doze de vocês? - sua voz soava gélida, com uma fúria controlada, porém visível, que fazia o Guarda tremer com mais intensidade.


- Milorde, mas a garota... a garota escrava... ela manejava aquela varinha perfeitamente...


- Garota escrava? - ele perguntou, interrompendo a fala do servo com rispidez. Claramente havia se interessado. - Como sabia que era uma escrava?


O Guarda percebeu, claro, o interesse do Lorde pela estranha escrava e sentiu-se um pouco mais confiante enquanto voltava a falar.


- Enquanto retomava sua real forma. Vi que retirava alguma coisa do pescoço, achei que fosse a coleira, mas quando se virou, ela continuava lá. - os olhos rubros estreitaram-se. As coleiras se ajustavam perfeitamente aos pescoços dos escravos, mas provavelmente continuavam no mesmo tamanho ao tomar uma Poção Polissuco e se transformar em outra pessoa.


- Como eram? - pelas expressões confusas, não havia compreendido o que perguntava. Revirou os olhos – Como eram fisicamente, inútil.


- Ah... é... a garota tinha cabelo comprido, castanho. Era a menor dos três. O homem que estava disfarçado de Aleto tinha o cabelo preto, bagunçado, e possuía cicatrizes pelo rosto inteiro. O último tinha o cabelo ruivo, maltratado, e era o mais alto. Não deu pra ver muito mais do que isso, Milorde.


Potter, Granger e Weasley.


- Mostrem-me onde aconteceu.


Poucos minutos mais tarde, ele já se encontrava no local, observando a catástrofe. A cena era realmente tétrica.


Pedaços de terra elevados, outros pareciam uma circunferência estranha, pedras 'paralisadas' em pleno ar, escombros de prédios e casas espalhados pela rua. Gritos e gemidos podiam ser ouvidos dos escombros e podia-se visualizar pedaços de alguns corpos que foram parcialmente soterrados.


- Vocês dois. - olhou atentamente para dois dos Guardas que o acompanhava - Encontrem Guardas sobreviventes. - indicou o próximo – Você, faça uma inspeção no local e diga-me a quantidade de mortos e feridos. Você, chame reforços para os feridos escravos. Não quero perder muita mão-de-obra.


Quatro deles foram embora, sobrando apenas um que continuava parado esperando as ordens.


- Venha comigo. - ele disse ríspido.


Foi até a entrada da fábrica, onde ordenou que ele lhe explicasse como tinha se sucedido a luta daquele ponto em diante. Percorreu passo a passo refazendo o ocorrido, até o momento da fuga em debandada. À conclusão da narrativa, estava na borda de uma cratera cheia de entulhos e com fundo meio ondulado. Aquelas anomalias na terra eram analisadas com cautela.


- A garota escrava roubou a varinha do parceiro e conseguiu fazer tudo isso? - perguntou, ajoelhando-se para analisar as pedras flutuantes.


Sabia que sua mascote tinha grande facilidade em guardar informações, mas não sabia que ela poderia executá-las com a mesma facilidade. Nunca havia deixado que praticasse o conhecimento que lhe dava. Porém, ali estava... a conclusão de um feitiço poderoso, feito pela primeira vez – talvez não tão bem executado quanto uma pessoa experiente, mas ainda assim, funcional – e que tinha causado uma catástrofe.


- Sim, Milorde.


“Por que não aparataram?”, perguntou-se, erguendo a sobrancelha.


- Vou dar o alarme que uma escrava está foragida, Milorde. - ele fez uma reverência, já em retirada, mas logo foi interrompido.


- Não ordenei nada do gênero. - sua voz foi gélida, enquanto se levantava.


- Mas... pode ser perig-


- Como pode ter certeza de que ela é uma escrava realmente? - seus olhos vermelhos estreitaram-se perigosamente.


- Mas a coleira... - começou, sua voz mais fraca e temerosa.


- Não é diferente das que não estão prontas dentro da fábrica. Acha que se um deles tivesse sumido eu já não saberia? - perguntou com os olhos estreitos.


- C-claro que sim, Milorde. - ele encolhia-se e dava passos para trás. Respirava com um pouco mais de rapidez devido ao medo.


- Então vá fazer algo de útil, como fazer os escravos da fábrica retornarem ao trabalho. Não tenho tempo a perder.


Não precisou falar duas vezes para ele sumir. Durante a próxima meia hora, precisou colocar tudo em ordem novamente. Inclusive a rua ondulada.”


Houve muitos feridos e apenas um dos Guardas sobrou vivo do massacre daquele dia. Soube, também, que alguns tinham obtido primeiros socorros, pouco antes de chegarem, o que foi um fato relevante e o motivo de não ter desistido de querer a escrava de sua subordinada.


Gracielle seria útil mais tarde.


 


 


 


- Dorian, pare de ficar roubando coisas! - resmungou de mau humor a mulher ao lado, continuando a caminhar como se não tivesse visto nada.


- Quem disse que eu estou roubando? - perguntou descontraído, andando tão calmamente pela rua quanto ela.


- Essas suas mãos bobas que não param de passar pelas curvas das mulheres e sempre voltam com alguma quinquilharia inútil. - as expressões dela se fecharam e um brilho de irritação passou pelos olhos castanhos.


- Não tenho culpa. Objetos brilhantes me seduzem. - um largo sorriso apareceu no rosto de meia idade, abrindo a mão para ver o que tinha pego.


A mulher que o seguia agarrou a manga de suas vestes e o fez virar bruscamente em sua direção com o intento de fazê-lo encarar bem seus olhos furiosos enquanto sussurrava:


- Então, seja mais discreto, pelo menos! - ela quase não movia a boca, faltando poucos centímetros para que seus narizes encostassem.


- Seria bom se você ajud- - mas ele não completou a frase. Seus olhos pareceram vidrar-se em alguma coisa além da sua companheira.


- Dorian... - chamou baixo, tentando chamar a atenção dele.


- Shiii! - a fez calar-se, enquanto continuava a fixar alguém ou alguma coisa logo atrás dela. Pela constância do movimento de seus olhos, parecia ser alguém.


- Mas o que diabos você tá fazendo? - resmungou, voltando os olhos para trás, tentando focalizar o que Dorian havia visto.


- Acho que já vi ele em algum lugar. - indicou um rapaz que andava em meio a multidão. Julie não via absolutamente nada de anormal no garoto que chamasse tanto a atenção do companheiro.


- Vai ver é porque você conhece Londres inteira? - sussurrou cinicamente, observando que o garoto era seguido de perto por mais duas pessoas. Aquilo já se tornou um pouco incomum...


- ... Talvez. Mas não é isso. - sem qualquer aviso, pegou na mão dela - Vem! - e sem dar tempo de queixas ou protestos, começou a arrastá-la.


Aos tropeços e xingamentos baixos, conseguiu se recompor do arrastão inesperado.


- Odeio quando você faz isso! - pode finalmente desabafar mal-humorada.


- Sabe quem está pouco se ferrando para isso? Eu. - Dorian respondeu despreocupado, voltando momentaneamente os olhos para Julie com ar malvado, mas logo retornando as atenções ao trio de desconhecidos.


 


 


- Isso é o Mercado Negro...? - resmungou Hermione, olhando para os lados.


Barraquinhas cheias de produtos abarrotavam o galpão, montadas sem muitos recursos e às pressas. Os vendedores gritavam e expunham seus produtos para as pessoas que caminhavam pelos corredores irregulares.


- É. Foi aqui que compramos essa sua jaqueta e a calça. - falou Rony sorridente, observando alguns caixotes, onde ovos de dragões eram expostos para a venda. O sorriso desapareceu aos poucos, quando foi invadido por um sentimento intenso de saudade e tristeza ao lembrar-se de Carlinhos.


Hermione, por outro lado, não estava prestando atenção. Entendia os motivos de ter que andar com a jaqueta naquela altura, mas realmente incomodava! Resmungou, colocando os dedos sobre o zíper para abaixá-lo só um pouco. Porém, antes de fazer o movimento, ponderou: parte sua queria que não estivesse em seu queixo, pois era irritante ter que ficar com ele erguido – parecia sufocá-la. A outra parte sabia que não seria sensato ficar mostrando, pra quem quisesse ver, que era uma escrava fugitiva. De acordo com Harry, não era apenas o Povo Inferior que sabia daquelas vendas ilícitas. Guardas também tinham conhecimento de sua existência e algumas vezes rondavam os lugares das 'feiras'.


Hermione também adicionou o fato daqueles mercadores terem ar de mercenário. Não duvidava nada que eles trocassem vidas por um punhado de dinheiro, pelo visto, de qualquer espécie... bruxa, ou trouxa.


- O que estamos procurando exatamente? - ela perguntou, vendo Harry andando um pouco distante, também olhando as barracas atentamente.


- Estamos-


- Ai! - Hermione pulou, olhando para trás assustada, mas não havia ninguém suspeito ali. Permaneceu a procurar algum culpado, mas todos continuavam suas vidas como se não houvesse acontecido nada.


- O que foi? - Rony perguntou preocupado, também procurando, apesar de não saber o que.


- Eu... eu acho que... senti alguém passar a mão em mim! - murmurou assustada, passando a mão em seu bunda para limpá-la. - Tarado... - resmungou.


- Ah, deve ter sido impressão. - Rony tentou tranquilizá-la, dando de ombros.


- É, quem sabe... - não pareceu melhorar o mau humor de Hermione, mas ao menos, fez com que os dois retornassem à caminhada.


Porém, ao olhar para frente... só havia um mar de cabeças e não havia nada que indicasse que alguma delas fosse Harry.


- Onde está o Harry? - perguntou Rony, esticando o pescoço para olhar por cima da multidão, mas com Harry usando um capuz de trapos, seria difícil. Só conseguiria reconhecê-lo se estivesse de frente.


Não tinham percebido que Harry continuou andando. Perfeito, tinham acabado de se perder em pleno Mercado Negro.


 


 


Varinhas. Não havia encontrado nenhuma ainda. Maldição de produto raro! Os olhos verde vivos continuavam a passear pelas barracas a procura compenetrada, sem notar que os amigos se afastavam cada vez mais.


- Em que posso ajudá-lo?


Sua reação foi instantânea. Pegou a varinha, virou-se e apontou direto pro peito de um homem logo atrás de si.


- Quem é você? - perguntou ríspido, o coração aos pulos.


- Wow! - exclamou o homem, erguendo as mãos em sinal de desistência – Cuidado que você vai acabar arrancando o olho de alguém com isso. - comentou, até que muito relaxadamente para a situação.


- Ou a vida... - uma voz feminina foi ouvida antes da ponta de uma varinha encostar em seu pescoço e fazê-lo paralisar – Não é nada educado ficar apontando a varinha pros outros, jovem... Abaixe isso. Agora.


Não conseguia nem vê-la, mas já tinha percebido: eram parceiros. Isso com certeza era raro de se encontrar e não deixava de ser menos perigoso. Devagar, foi abaixando a varinha. Só esperava que não estivessem com a intenção de roubá-la.


Manteve a respiração calma, quando mirou novamente o homem, olhando-o mais atentamente.


- Quem são vocês? - alguma coisa na fisionomia dele, lembrava-lhe alguém. Os cabelos grisalhos e feições de meia-idade... provavelmente devia ter uns 30 a 40 anos. Ele usava roupas boas, para alguém do Povo Inferior, e temeu que fosse um Guarda, ainda que achasse difícil nessa idade ele não ter virado um Comensal. O anel no dedo só parecia lhe dar mais certeza de que talvez não fosse impossível.


- Sua consciência. - ele respondeu, abrindo um sorriso debochado.


- Você é maluco? - não se lembrava, realmente, que Guardas tinham senso de humor. Sua pergunta foi tão instantânea que só foi perceber que imprudência havia sido perguntar aquilo quando sentiu um aperto mais forte em seu pescoço.


- É... Talvez. - ele respondeu, retirando um maço de cigarro do bolso. Afinal, quem gastava o dinheiro a toa nesses vícios? Só quem tinha dinheiro, muito dinheiro... ou quem conseguia tomá-los com facilidade. Não estava melhorando o que pensava dele – Aceita? - ele perguntou, antes de acendê-lo com um isqueiro Zippo. Pelo pouco que via nas mãos dele, parecia que tinha desenhado na superfície metálica a bandeira do Reino Unido. Patriótico.


Tudo bem, o cara o estava enlouquecendo. Tinha uma parceira, se vestia respeitavelmente e oferecia coisas caras para pessoas, obviamente, desconhecidas e 'prisioneiras'. Ou ele era maluco, ou era sádico.


Sem contar que alguma coisa nele era muito familiar, seriamente. O jeito de acender o cigarro, as feições, como se vestia... Algo, perdido no fundo da sua mente, estava querendo vir à tona.


- Hum... Não, obrigado. Eu não fumo...


- Não fuma? Quem é que não fuma nesse mundo? - ele exclamou, sobressaltado.


- Eu, talvez? - respondeu cinicamente.


- Bem, nunca é tarde para começar. - nesse momento, ele estendeu-lhe o cigarro que estava prestes a fumar. Foi quando finalmente se lembrou.


- Espera... é você!!! O cara que me deu cigarro pela primeira vez! - seu tom era quase acusador, ao mesmo tempo que o alívio percorreu seu corpo ao perceber que não era um Guarda.


O homem, que não sabia o nome, observou-o intrigado por alguns segundos.


- Vai ter que ser mais específico. Já viciei muita gente e não dá pra ficar lembrando de cada um, garoto. - respondeu por fim, acendendo o cigarro rejeitado e começando a fumar.


- Na floresta... você estava visitando seu amigo. Ele era... era meu mestre... - enquanto falava, foi percebendo como aquilo pareceria totalmente insano, parando de falar até sua voz sumir.


Não tinha nomes, nem endereços, nem mesmo referências menos vagas como 'uma floresta'. Como ele ia ser mais específico? Aquilo estava se tornando uma missão impossível. Já foi difícil dele se lembrar...


Mais silêncio, mais observações, mais reconhecimentos. Os olhos azul metálico o analisavam com mais rigor e formavam-se pequenas rugas em sua testa. Poderia até visualizar sua mente processando os dados recebidos e tentando encontrar uma resposta.


Repentinamente ele explodiu em gargalhadas, quase deixando o cigarro cair de tanto rir.


- Ah, é! O garoto que quase matei de tanto tossir por um trago de cigarro! - seus olhos lacrimejavam de tanto rir.


O primeiro ímpeto que teve, ao vê-lo se dobrar de rir da sua cara era chutá-lo, mas mal teve uma mínima reação e a mulher logo atrás novamente apertou a varinha contra seu pescoço, fazendo-o lembrar-se que sua vida estava em risco. A mulher não parecia brincar.


- Dá pra mandar ela tirar a varinha do meu pescoço?! - resmungou de mau humor, pois aquilo estava incomodando, tolhendo seus movimentos.


Ele continuava a rir, como se não tivesse escutado e, tão rápido quanto começou a rir, voltou a ficar sério, falando categoricamente:


- Não.


- Quem é você? - retornou a perguntar, furioso – O que você quer? - aquilo era irritante.


- Já não te respondi? Sou sua consciência. Mas, de verdade, queria lembrar de onde te reconhecia. Essas suas cicatrizes são realmente inconfundíveis. Estou admirado de te encontrar aqui depois de tantos anos. - ele tragou um pouco do cigarro e soltou a fumaça, com um ar pensativo e bastante calmo – Achei que tinha sido devorado, já...


- O QUÊ? - um arrepio passou pela sua espinha.


- Estava brincando. - ele deu um risinho divertido. Como podia ter uma pessoa tão cuca fresca dessas perambulando pelas ruas?


- Já conseguiu o que queria? - pronunciou-se, pela segunda vez, a mulher logo atrás. Dava pra notar que ela estava de mau humor. Eles pareciam ser o inverso: enquanto ela era muito séria, ele era um cuca fresca. Com certeza um casal estranho.


- Não... ainda falta meu toque pessoal. Você nunca se lembra? - perguntou exasperado.


“Do que estavam falando? Toque pessoal?”, perguntou-se, com o coração aos pulos. O homem aproximou-se e, sem nenhum escrúpulo, começou a remexer em seus bolsos e retirar as joias que tinha adquirido para comprar uma varinha.


- Dá pro gasto. - comentou, enquanto as analisava.


- Hey! Isso é meu! - tentou readquiri-las, mas foi impedido por uma mão que segurava a gola de seus trajes e, claro... a varinha.


- Bem... agora não é mais. - ele piscou, colocando-as em seu próprio bolso e sorrindo maliciosamente.


- Antigamente, eu pensava que era só uma mania idiota. Agora eu tenho certeza que você é cleptomaníaco. - resmungou a mulher, jogando-o no chão de qualquer jeito.


- Não esqueça de que também gosto de tocar na bunda das mulheres. - ele respondia com naturalidade. Parecia que seu tom jocoso não era apenas dispensado às suas vítimas de roubo.


- Nem... vou... comentar... - ela resmungou, ambos já se afastando quando conseguiu se levantar, provavelmente para sumirem na multidão.


Mas, naqueles poucos momentos entre sua queda e o levantar, lembrou-se do que tinha comentado o eremita pouco depois da partida do amigo.


Ele não é o tipo mais confiável, mas é sempre bom tê-lo como um aliado, ao menos. Esse ser sabe mais coisas do que o próprio Lorde das Trevas. E isso é muito difícil.


Agora também tinha descoberto que era um ladrão e, talvez, dos muito bons. Sua ajuda seria valiosa, não poderia perder aquela chance. O tempo já começava a fechar e percebeu rapidamente que perderia de vista os cabelos grisalhos e as costas largas do recentemente conhecido amigo de seu mestre.


Correu para não perdê-los de vista entre a multidão. Empurrava e se espremia entre as pessoas que pareciam surgir repentinamente a sua frente para atrapalhá-lo.


- Hey! Hey! Esperem! - falou alto, mas parecia ser totalmente ignorado, por mais que repetisse aquilo sem parar. Um minuto mais tarde, eles desapareceram de vista. Droga! Respirou fundo, recuperando o fôlego da sua corrida contra a maré de gente ao redor. Tinha perdido sua melhor chance.


- Quer ser roubado de novo, jovem? - sussurrou ao seu ouvido a mulher e, novamente, teve um susto. Talvez pela experiência anterior, decidiu não erguer a varinha, apenas encará-los.


Como eles haviam conseguido praticamente desaparecer e reaparecer bem nas suas costas sem serem notados?


Por alguns instantes tentou recuperar o fôlego e a capacidade de pensar. Agora conseguia ver quem era a acompanhante dele. Ela parecia mais jovem, tinha um ar mais arrogante e frio. Sua estatura era pouco menor que a de si mesmo e os olhos castanhos pareciam perfurá-lo e penetrá-lo até o fundo da alma.


- Não... - começou, meio fracamente, mas firmou melhor a voz – Não é isso. - endireitou-se, para poder encará-los um pouco mais dignamente.


- Ah, já está sentindo saudade... Não falo que as pessoas pedem para serem roubadas, Julie? - o homem grisalho perguntou sorridente. Quando ele não estava de bom humor?


- Não! - exclamou, tentando se explicar – Também não é isso... eu preciso de ajuda! - falou rapidamente, antes que voltassem a interrompê-lo. Já estava agradecido de não terem lhe tirado a varinha, em um segundo roubo, talvez ela não fosse poupada.


- Certo... - a mulher comentou, erguendo a sobrancelha. Só viu-a olhando de soslaio para seu acompanhante e depois começar a andar. O homem logo foi atrás, sem falarem mais nada.


Não haviam se interessado. Olhou para as costas dele que se afastava e surgiu-lhe uma ideia. Agora eu tenho certeza que você é cleptomaníaco, lembrou-se de Julie falando e logo tentou sua cartada final.


- Eu estou procurando uma coisa! Que talvez precise ser roubada!


Foi o que bastou. Seu alvo virou-se quase instantaneamente ao ouvir a palavra ‘roubada’. Jogou a isca certa e ela foi mordida com sucesso – o que até o fez sorrir minimamente pela sua primeira vitória desde que os tinham encontrado.


- Roubada, você diz...? - ele podia ver o brilho de expectativa nos olhos dele. A excitação em sua voz.


Julie, logo ao lado, xingou baixo. Não soube o que, devido ao barulho da multidão e a distância, mas com certeza não era de felicidade que fazia aquela carranca ao olhá-lo.


- E o que eu ganharei com isso? Não roubo para terceiros sem ganhar nada, garoto. - ele continuou, cruzando os braços. O cigarro que tinha acendido, pouco antes de se 'despedirem' ainda continuava acesso e ele agora tinha um ar um pouco mais indiferente, como se tentasse disfarçar sua animação à fala de Harry.


- Você pode... - precisava pensar em algo bom. Mas não possuía nada de valor! - se deliciar pelo fato de roubar algo num lugar superprotegido, sem ser pego? - sorriu amarelo e sua voz não saiu tão firme quanto queria.


- E...? - pela falta de reações, aquilo não era suficiente. Ele não era só um ladrão por prazer, ele queria realmente ganhar algo.


“Pense, Harry! Pense!”. Obrigou-se a colocar o cérebro para funcionar. A única resolução era ter que dar o que não possuía... e mesmo assim, a probabilidade daquela proposta funcionar estava próxima da nulidade. Suspirou. Era melhor tentar do que se arrepender mais tarde.


- Pode ficar com tudo que encontrar no caminho e gostar. - prendeu a respiração, esperando com o coração na garganta o veredicto.


Ele ponderou, tragou o cigarro e parecia não possuir nenhuma pressa em calcular os riscos, o que apenas deixava Harry mais nervoso.


- Parece bastante tentador, dependendo... - ele resmungou para si mesmo e por fim, virou-se para ele – Vamos lá, me anime! O que tem em mente possuir? - incentivou-o, interessado.


- A Espada de Godric Gryffindor.


- 'Cê tá zoando com a minha cara! - Julie agora encontrava-se ao lado do companheiro, parecendo tão interessada quanto ele.


- Você pensa alto, garoto... muito alto... assim que começa. - ele sorria abertamente, descruzando os braços – Disse que posso ficar com tudo no caminho e gostar, certo? - os olhos azuis brilhavam de pura ganância.


Seja lá o que tinha dito, a sorte parecia ao seu lado.


- Tudo. Menos a Espada. - frisou, para ter certeza que ele entenderia. Não queria passar uma má imagem com aquele pessoal, eles pareciam realmente perigosos.


- Ahn... não. Foi bom, enquanto durou.


Ele adquiriu um ar decepcionado e Harry quase teve um infarte.


- POR QUÊ? - aquilo foi tão alto que chamou atenção de algumas pessoas, mas que logo perderam o interesse. Ou talvez fossem prudentes o suficiente para não quererem morrer pela curiosidade.


- POR QUE VOCÊ NÃO ACEITOU? - até mesmo Julie tinha ficado abismada com a fala do companheiro. Pelo visto eram raras essas ocasiões.


- Brincadeirinha. - ele sorriu, estendendo a mão – Negócio fechado?


Um alívio percorreu seu corpo, quando viu a mão estendida. Segurou-a, sentindo a firmeza do aperto, enquanto respondia quase sorridente.


- Fechado.


_________________________________________


N/A = Dorian e Julie não me pertencem. Com a devida permissão (e ajuda) da verdadeira criadora, Kause MD, adicionei-os a minha história. Originalmente, eles vieram da fanfic Imperadores dos Mortos, minha preferida *-* Para quem estiver interessado em ler, segue o link = http://fanfic.potterish.com/menufic.php?id=36306 (quem não conseguir acessar, é porque a Classificação é para 16/17 anos. u.u)

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Comentários (2)

  • KrysMorais

    Faz tempo que eu não entro aquiMas fiquei feliz em ler os caps 6 e 7Estão d+!!!Não demora muito pra postar o 8, please! 

    2012-10-05
  • Kause M.D.

    Melhor cap até agora! =D E a primeira a comentar aqui aahuahuhuahau

    2012-01-23
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