Luzes da Ribalta



9. Luzes da Ribalta


Quando Draco chegou para apanhar seu figurino, a professora Guinevere o encarava com um olhar assassino. Pegou o cabide das mãos dela sem dizer nada e foi se trocar, registrando ocasionalmente expressões como "ATRASADO", "ISSO NÃO SE FAZ", "SERIA CAPAZ DE TORCER SEU PESCOÇO SE NÃO VIESSE", que pareciam se dirigir à ele.

Acabara de chegar aos bastidores improvisados do palco, e estava pensando na quantidade de gente que vira na platéia. Uma multidão. Uma imensa multidão. Tudo bem, considerando que se tratava de uma peça teatral, até vinte pessoas já seriam uma multidão - mas não era o caso. Pelo menos metade da escola estava lá, junto dos professores e de alguns pais perdidos. Draco conseguira ver o pai de Luna na primeira fileira, parecendo tão mal quanto da última vez, e ao lado dele um animado sr. Weasley matraqueando sem parar sobre como era excitante ver um espetáculo completamente trouxa. Havia uma porção de adultos que Draco desconhecia, mas ele podia adivinhar pelo jeito e expressões que se tratavam de pais de alunos nascidos trouxas, provavelmente encantados com a possibilidade de visitarem o colégio aonde os filhos passavam a maior parte do ano.

Os pais de Draco não estavam à vista, e ele se sentia mais feliz do que infeliz com isso. Se ninguém falasse a respeito, ele poderia fingir que aquilo jamais existira. Pelo menos fora de Hogwarts, claro, porque ele duvidava muito que a imensa massa de alunos estivesse ali para deixar o assunto morrer. Deveriam haver aqueles interessados na apresentação ("tem gosto pra tudo..."), e alguns que estivessem ali simplesmente para matar o tempo antes de poderem ir para suas casas no dia seguinte; mas com certeza também havia uma parcela que se sentava diante do palco armado no salão principal simplesmente para vê-lo atuar, e com intenções nada benignas a esse respeito. Intenções estas que também se estendiam à Lovegood, ele podia apostar (não que ela precisasse de mais motivos ainda para tanto).

Terminou de ajeitar o punho de sua camisa (o figurino era bonito, ele jamais diria que a maluca da Di-Lua tivesse ajudado naquilo fosse no que fosse) e se preparou. O primeiro ato ia começar em breve.

Estava confiante, sabia o texto de cor. Até o último ato ele dera um jeito de decorar, sozinho, quando Filch não estava ocupado em mandá-lo fazer alguma coisa. Neville, ao contrário, parecia estar prestes a ter um colapso: suava, tremia, e Draco achava sinceramente que ele só não desmaiava por medo do que a professora Guinevere faria com ele se isso acontecesse. Os lábios de Malfoy desenharam um sorriso de ironia contida, olhando para ele. Longbottom era quase tão ruim quanto um trouxa.

Nesse momento, sua atenção foi desviada de Neville por um grito histérico da professora Guinevere, avisando-o que se preparasse porque a peça já ia começar. Enquanto Draco pensava, consolado, que se continuasse daquele jeito a mulher ia, com certeza, cair morta na metade da apresentação, a cortina ergueu-se e o espetáculo teve início.

Tudo corria bem, e ninguém errou nenhuma fala. Draco, então, estava excepcionalmente talentoso - além do incentivo óbvio, era bastante fácil para ele representar uma arrogância agressiva sem grande esforço. O grande medo da professora Guinevere era o final da peça, quando Aram mudava completamente de atitude - muito embora ela já tivesse se conformado com isso e aparentemente se contentasse em que ele não errasse as falas. Bem, isso ele poderia fazer...

... mas acabou que ele fez bem mais; e o grande marco para isto foi a aparição de Liara. A primeira vez que se encontravam era na rua, a anja recém-caída do céu, no começo do segundo ato. A cortina abria com Liara já no chão, e pouco depois Aram deveria entrar em cena e encontrá-la.

Quando a cortina se ergueu para o prosseguimento da peça, tudo ficou completamente silencioso. Não que estivessem gritando desaforos no primeiro ato, mas o silêncio agora era sepulcral. Quase se poderia tocá-lo, e Draco ficou imaginando o por quê disto. Soube depois de dez segundos, quando entrou no palco. A causa era Luna Lovegood.

Ela estava irreconhecível, e estava linda. Incrivelmente linda, deitada no chão com uma postura completamente frágil. Os cabelos estavam soltos e reluzentes, muito mais claros do que sua habitual loirice morna, e caíam elegantemente sobre ela, emoldurando-lhe o rosto delicado. Naquele momento, ele parecia ainda mais delicado do que de costume, a pele clara e uniforme, os lábios levemente cor-de-rosa. Ela toda parecia reluzir e brilhar. O vestido que estava era branco, comprido, acetinado. Ela parecia mesmo um anjo, uma criatura que não pertencia à este mundo. Sua aparência guardava em si um quê de veela, mas ainda mais. Como se ela fosse uma veela mais especial do que as outras. Apesar da expressão confusa que Liara deveria ter naquele momento de encontro, Luna conseguia fazê-la e manter nos lábios um sorriso enigmático, como de alguém prestes a contar um segredo. Era uma excelente atriz, não haviam dúvidas.

E aquela era a razão do silêncio repentino da platéia. Todos os olhos se concentravam em Luna Lovegood, mas de uma maneira completamente diferente da que pretendiam. Draco ficou mudo, contemplando-a por vários instantes, até se lembrar que tinha que seguir o roteiro. O choque que sofreu foi tão real que sua fala saiu absolutamente perfeita. Ele era realmente um homem que não podia acreditar no que via. E esta foi a razão dele conseguir interpretar bem todo o seu texto.

A reação de todos os atores a se depararem com Luna era a mesma, o que assegurou uma sensível melhora na atuação. As falas saíram todas mais genuínas desde então, porque eram efetivamente reações de verdade. E, quanto mais Luna atuava, mais evidente ficava a aura de veela que dela se desprendia. Até mesmo a professora Guinevere estava espantada. Nem mesmo ela previra isso.

No último ato, havia a cena da despedida entre Aram e Liara (afinal, eles eram de mundos diferentes). A anja deveria cantar uma canção, mas nos ensaios isso havia sido substituído por uma declamação de Luna. Obviamente, nem mesmo a tia achara que ela possuía aptidão musical suficiente... e foi por isso que Draco ficou surpreso, incrivelmente surpreso, quando escutou acordes de piano começarem a ressoar naquela parte da cena.

Luna sorriu-lhe, levantou-se e foi para a frente do palco. Começou a cantar, com uma voz incrivelmente doce e profunda, que parecia tocar a alma e embalá-la suavemente. Provocou um choque em Draco, quase tão grande quanto ao vê-la como Liara no segundo ato.




"Think of me, think of me fondly, when we've said goodbye
(pense em mim, pense em mim com carinho, quando nos despedirmos)

Remember me once in a while -please promise me you'll try
(Lembre-se de mim de vez em quando, por favor, prometa-me que irá tentar)

When you find that, once again, you long to take your heart back and be free
(quando achar aquilo que tanto deseja,venha buscar o seu coração e fique livre)

If you ever find a moment, spare a thought for me ...
(E se tiver um momento, pense um pouco em mim)"




Todos estavam petrificados, exceto Guinevere D'Yarma, que sorria triunfante. Aparentemente, ela estivera ensaiando canto com Luna, de noite, sem que ninguém visse (e, considerando o jeito como Lovegood era vista, quem poderia culpá-la?). Hegbert, o pai de Luna, estava à beira das lágrimas. Ela continuava cantando, esvoaçante, e a canção parecia hipnotizar Draco. Parecia falar diretamente à ele, de alguma forma. Não tanto pela letra. Luna podia estar articulando palavras sem sentido, que o efeito seria exatamente o mesmo. Não era a mensagem. Era a maneira como era passada.





"We never said our love was evergreen, or as unchanging as the sea
(nunca dissemos que o nosso amor era perfeito, nem imutável como o mar)

But if you can still remember, stop and think of me ...
(Mas se ainda puder se lembrar, pare e pense em mim)

Think of all the things we've shared and seen
(pense em todas as coisas que passamos e vimos)

Don't think about the things which might have been ...
(Não pense em como as coisas deviam ter sido)"





Era um espetáculo lindo, único, belo, e possuidor de uma magia que apenas Luna poderia ter dado. Ela abandonara a frente do palco e, agora, se aproximava de Draco novamente. Era o momento em que Liara deveria dar adeus para Aram, efetivamente. O piano ficou mais intenso, como se relutasse em tocar aquele trecho. A voz de Luna, entretanto, ecoou mais majestosa do que o normal. Draco estava completamente afogado naquele espetáculo. Via-o quase em terceira pessoa. Quase como em um sonho.




"Think of me, think of me waking silent and resigned
(Pense em mim, quando acordava, silenciosa e resignada)

Imagine me, trying too hard to put you from my mind
(Imagine-me esforçando para afastá-lo de meus pensamentos)

Recall those days, look back on all those times thinks of the things, we'll never do
(Lembre daqueles dias,relembre aquela época, pense nas coisas que nunca faremos)

There will never be a day, when i won't think of you
(Nunca haverá um dia em que eu não pense em você)

Flowers fade, the fruits the summer fade, they have your seasons so do we
(As flores perecem, as frutas do verão perecem, elas tem as suas épocas, assim como nós)

But please promise me that sometimes you will think of me!
(Mas por favor, prometa que, de vez em quando, você vai pensar em mim!"



Enquanto cantava os trechos finais, Liara deveria se virar de frente para Aram e encará-lo meigamente (ela sabia que precisava partir, já cumprira sua missão acidental). Luna estava próxima, muito próxima de Draco naquele momento. E foi então que ele viu. Ela podia estar linda, esvoaçante, completamente diferente do que sempre fora, mas havia uma coisa igual. Os olhos com que Luna encarava Draco naquele momento eram os mesmos olhos de sempre. Olhos bonitos, acolhedores, que pareciam enxergar algo que mais ninguém podia ver. Olhos que estavam lotados de meiguice, olhando para ele. Meigos mesmo sendo para ele. Meigos mesmo depois da cena do Hospital. Sinceramente doces. Como ninguém antes olhara para ele. Sempre respeito ou escárnio. Às vezes inveja, algumas outras pressão, repreensão ou um orgulho que continha implítico que não fizera mais que a obrigação. Nunca doçura. Nunca daquele jeito. Nunca sem esperar nada dele. Tudo bem, Lovegood era assim com todos, era da natureza dela ser gentil. Mas não mudava o fato de que ela sorria para Draco incondicionalmente. E que ele podia sentir que Luna sorriria para ele não importava o que fizesse com sua vida. Ninguém sorrira daquele jeito para ele. Nunca. Só Luna. E ele só se dava conta disso naquele momento, a primeira vez que a via depois do Hospital.

O telhado do salão refletia um céu azul, limpo, profundo, lotado de estrelas reluzentes (podia-se até mesmo vislumbrar uma galáxia distante). Draco estava diante de Luna, completamente entorpecido, hipnotizado, irremediavelmente perdido. Por um instante, sua mente esqueceu o fato de que estava ali, diante de toda a escola, e concentrou-se apenas na garota. Ela estava tão incrivelmente bonita naquela noite, e estava sorrindo para ele. Sua mão tocou o rosto dela, delicada e suavemente, e ele proferiu sua última fala. Fim de espetáculo.

Mas então Draco, sem pensar, simplesmente fechou os olhos e foi, delicadamente, aproximando-se do rosto de Luna. Podia sentir a respiração dela agora. Mais ainda, podia perceber um coração batendo estranhamente descoordenado - ele só não sabia se era o dela ou o seu. Sabiam o que ia acontecer, embora tentassem ignorar. E, ao mesmo tempo em que queriam, sentiam-se nervosos com o que iam fazer. Queriam que tudo parasse sem acontecer, por medo de estragar tudo se seguissem em frente. Queriam que nada interrompesse aquele momento, que estava prestes a se realizar. Tudo junto, ao mesmo tempo. Os lábios de Draco tocaram os de Luna Lovegood com suavidade, por um momento breve que pareceu-lhe eterno. Ela tinha gosto de manhã de Natal. Foi um beijo que, Draco sabia, era completamente diferente de todos os outros. Embora breve e suave, podia apostar que atingira sua mente de uma maneira mais intensa do que todos os outros juntos. Não fazia sentido beijá-la. Draco jamais olhara para Luna daquela maneira, e podia apostar que a menina era daquele jeito doce, estranho, alegre e compreensivo além dos limites com qualquer um que se permitisse aproximar dela. Mas acontecera assim mesmo. Sem planejar. Sem motivo aparente. Como costumam acontecer todas as melhores coisas da vida.

Caiu o pano, fecharam-se as cortinas.

E a mente de Draco, finalmente retornando à plena consciência, em choque pelo que fizera, registrou ao longe o ruído ensurdecedor de aplausos. Muitos, inúmeros, incontáveis aplausos.
















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PS: se os pais de Hermione Granger podem aparecer no Beco Diagonal, que nem no livro 2 ou 3, pais trouxas podem muito bem aparecer em Hogwarts nessa ocasião especial em que foram convidados. Magia, eles já viram.

Vou explicar o cabelo da Luna depois, não se preocupem.


E é, acabei deixando o "i wish i could believe you" pro cap. 10. Aiaiai....





Nota da autora: Aaaaah, que fooofooo, o primeiro beijo deeeeleeeeeesssss!!!!

Não sei se foi depressa demais, eu espero que não... em todo caso, eu tentei seguir o original o mais perto possível! E isso não quer dizer que eles vão ficar juntos a partir do capítulo dez, não é...?

Aliás, como será que Luna vai reagir? E o Draco? É nesse tipo de coisa que eu, realmente, preciso criar! Ouch! Mas eu ADORO, sabe o quê? =D

A música do filme não é essa da Luna, é "Only Hope", mas eu achei que esta encaixava melhor com o enredo. Peguei a letra e a tradução no site do Terra. É uma música do Fantasma da Òpera, e chama "Think of Me".

Você pode ouví-la aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=3HX4w-50BSk&mode=related&search=

E a cena original, com "Only Hope", está aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=Lba89wnu42I&mode=related&search=


A música é linda, e você pode dar uma olhada na cena do filme e ver o que acha, se eu adaptei direitinho e tal ^__^ .

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