Olhe bem a receita
- Ahn... Talvez eu não deva contar essas coisas pra você, Tom... - eu disse, tentando parecer arrependida o suficiente. Na verdade, eu estava arrependida, mas... Ele me olhava confuso, como se esperasse que eu não mantesse segredos dele, porque, afinal, ele já sabia que eu vinha do futuro. Balancei a cabeça, negando o pedido silencioso dele. - Olha, se eu contar tudo pra você, seu futuro vai ser muito chato! Quero dizer, você já vai viver com medo de Você-Sabe-Quem sem que ele nem ao menos tenha surgido ainda! Eu não quero isso pra você! Eu quero que tudo seja uma surpresa! - tudo o que eu podia fazer era esperar que esse motivo fosse o suficiente para ele.
- Marisol... Eu não gosto de surpresas... Até prefiro que você me conte... Assim, eu.. Eu posso ficar prevenido conta ele! Você disse que o Lorde não morre? Nunca? - disse um Tom ansioso e de sorriso encantador.
- É, ele não morre. Acho que quase todos os bruxos já tentaram o matar! Mas ele simplesmente não morre... - ele parecia maravilhado com tudo. Ele parecia saber que o Lorde era ele, Tom. E eu tinha medo disso. - Infelizmente, devo dizer. Se o Dumbledore o tivesse aniquilado há alguns anos, quando teve a chance, meus pais não estariam mortos, Tom... Você está ouvindo tudo como se fosse uma história maravilhosa com bruxos poderosos e que não machucam ninguém... Mas ele é mal. Milorde não perdoa, não tem piedade, não tem sentimentos... Ele não ama! Pessoas são apenas fantoches nas mãos dele. Ele não hesitaria em lançar uma maldição imperdoável em um bebê! Ele não sente... - e essa foi minha tentativa patética de impedir que Tom criasse gosto pelo poder.
- Mas... Ele deve ter um ponto fraco! Todo mundo tem! - dependendo do jeito que você interpreta isso que ele falou, pode parecer tanto um jeito de tentar ajudar quanto um jeito de tentar descobrir qual será sua própria fraqueza no futuro. E eu não gostei disso nem um pouco.
- Tom, eu acho que ele não sabe o que é um ponto fraco. Dizem que na época em que ele estudou em Hogwarts até os professores tinham receio dele. É claro que ninguém sabia no que aquele garoto ia se tornar, se não já o teriam liquidado logo no início! Mas... Ninguém sabe o que vai ser do futuro. Ninguém sabe quem vai se tornar o bruxo mais terrível da história.
- Você sabe. - ele percebeu minha ameaça. Ele percebeu que, se eu quisesse, poderia muito bem dizer quem era o tal bruxo e então todos iriam atrás do garoto e acabariam com ele. Eu bem que poderia fazer isso, mas a gente nunca sabe quem vai vir no lugar daquilo que eliminamos. E se alguém mais terrível surgir?
- Eu sei. Mas eu não posso falar quem é. Eu não posso interferir no futuro, Tom... E não adianta me pedir, porque eu posso ver na sua cara que você está morrendo de curiosidade pra saber quem é o bruxo! - tentei transformar a conversa numa brincadeira. Deu certo, porque ele riu. Seu sorriso era encantador, perfeito, e seus olhos não se pareciam com aqueles vermelhos e terríveis que eu conhecia. Ele pareceu se divertir o bastante por agora. Levantou e pegou minha mão, me puxando da cama.
- Vamos, o tempo está ótimo lá fora! Você não pode ficar aqui se lamentando pelo ingrediente perdido o resto da vida!
Por incrível que pareça, ele me fez sentir melhor. Depois que eu me troquei, passamos na cozinha para comer alguma coisa (eu não sei como ele sabia onde era a cozinha, mas foi ótimo! Os elfos ficaram muito, muito, muito felizes em receber visitas) e fomos para os jardins. Parecíamos as duas pessoas mais patéticas do mundo. Eu sorria para o céu limpo, fingindo não perceber que ele não largara a minha mão desde que saímos do castelo. Então, essa era eu: andando de mãos dadas com o cara que matou meus pais. Ótimo. Também fingi ignorar o fato de que meu coração batia forte, meu estômago revirava e meu rosto esquentava cada vez que Tom me olhava. E ele estava sempre sorrindo, contando as histórias de Hogwarts, como ele descobriu cada segredo do lugar. Foi impressionante como ele soube das passagens secretas, seguindo professores e tentando se encostar numa parede que na verdade não existia.
Quando o sol começou a se por, nos sentamos na beira do lago e observamos a lula gigante brincar sozinha na água. Eu me sentia como uma típica adolescente dos anos 40. Na verdade, haviam vários casais em volta do lago fazendo a exata mesma coisa que estávamos fazendo. E, quando um deles começou a se beijar, foi uma ação em cadeia. Em poucos segundos, nós éramos os únicos que olhavam para o lago fingindo que não percebíamos o que acontecia. Tom me olhou, seus olhos negros lindos e penetrantes como sempre. Eu ri e o abracei. Ele estava sério demais, e eu tinha medo que ele fosse tentar imitar os outros casais. Não que eu não quisesse, mas... Depois disso, eu iria me sentir uma traidora, mais do que já me sentia. Marisol, a traidora que andava de mãos dadas com o inimigo.
- E-eu... Eu tenho que ir. Desculpe. - e foi rápido assim. No segundo seguinte, Tom já andava na direção do castelo, dando as costas para mim e me deixando sozinha, abraçando o espaço em que ele estivera. O que foi que eu fiz?
. . .
Foi no dia seguinte que eu percebi que tinha alguma coisa errada. Era aula de poções e nós dois sentávamos lado a lado, preparando a poção do dia. Ele não trocou nenhuma palavra comigo, sempre concentrado demais no que estava fazendo, pegando os ingredientes ele mesmo, me deixando sem nada para fazer, tomando conta da tarefa. Tom não queria falar comigo, isso era claro. Então o professor Slughorn me chamou em um canto, alguma coisa sobre a minha poção.
- Dumbledore e eu analisávamos os ingredientes da sua poção especial e notamos que a flor não é realmente necessária. Ela não tem nenhuma propriedade importante para o fim necessário, a não ser deixar o líquido mais fino. Nós podemos fazer o mesmo com água. Nós vamos preparar a poção sem a flor. Mas precisamos da sua ajuda.
- Tem certeza, professor? Porque, se eu não me engano, a flor é realmente importante. Pelo que me lembro, é alguma coisa de cura... Uma propriedade quase esquecida, mas muito poderosa daquela coisa. - é, eu disse coisa! Antes a flor era até bonitinha pra mim, mas agora ela arruinou minha vida! Enfim, a flor me parecia muito importante! Mas, se Dumbledore e Slughorn disseram que ela podia ser dispensada e substituída por água... Eu tinha que acreditar. - Tá, acho que vocês têm razão... Então, depois da aula eu venho ajudar... Pode ser?
Agora, todos os dias eu estaria dispensada das minhas atividades extracurriculares, como dormir, comer, confraternizar, Tom, me lamentar, para preparar minha passagem de volta pra casa. Também, não foi como se fizesse alguma diferença, porque a parte mais mais importante do meu tempo livre, Tom, não queria nem olhar na minha cara. Talvez eu devesse tê-lo beijado e evitado todo esse ressentimento. De qualquer forma, era uma boa coisa para mim passar algum tempo com Dumbledore e Slughorn. Os dois eram verdadeiros gênios e sabiam como preparar uma poção de um jeito rápido. Segundo nossas estimativas, agora que não seria mais necessário ferver a flor até que ela derretesse, a poção ficaria pronta em quinze dias. Nesse pequeno tempo que me restava, eu tentei falar com Tom para me despedir. Só que ele literalmente fugia sempre que me via. Acho que vou ter que partir sem dizer adeus. E também não é como se eu nunca mais fosse encontrá-lo... Eu ia matá-lo. E então poderia dizer adeus de verdade. É claro que vai doer... Todas essas lembranças ainda vão estar gravadas em mim, seu sorriso, seus olhos, o modo como ele anda, tudo... Para mim, serão alguns meses, no máximo. Para ele, serão anos. Eu já vou estar esquecida há muito tempo. Mas eu precisava descobrir como derrotá-lo, antes de tudo. Ainda bem que nós éramos da mesma casaa.
- Tom, preciso falar com você. - eu disse, parando na frente dele, impedindo que continuasse a desfilar pela Sala Comunal com suas duas novas namoradinhas. Ele ergueu uma sobrancelha para mim e começou a se desviar de mim - Agora. - esperei que meu tom de mãe mandona o convencesse.
- Quem você pensa que é? Saia da minha frente! - ele me lançou para longe com um aceno da varinha. Afinal, tudo o que eu precisava era ser jogada contra a parede oposta... Mas doeu.
- Eu sou a pessoa que tem o seu querido diário em mãos e está pronta para lê-lo em voz alta para todo mundo se você não vier falar comigo! - fui esperta, tenho que dizer. Ele achou que o livro preto estava muito bem escondido no banheiro feminino do terceiro andar. Estaria, se eu não soubesse o significado daquele lugar. É claro que ele largou as garotas e veio falar comigo. Perguntou o que eu queria no tom mais ríspido que conseguiu. - Eu quero saber o que foi que eu fiz pra você! Há dias você nem olha pra mim! O que houve?
- Me desculpe... Eu não tinha percebido como a srta. Marisol precisa de atenção o tempo todo! A minha vida não gira à sua volta! - ele conseguiu dizer isso daquele jeito frio e calculado. O mesmo jeito que Voldemort fala. Eu não gostei e nem consegui dar uma resposta à altura. - Agora, me devolva o diário. - ele esticou a mão, mais por educação do que por necessidade. Eu sabia muito bem que, se ele quisesse, poderia ter arrancado o caderno da minha mão a qualquer momento. Ele teria que tirar o caderno de mim à força, porque eu não o entregaria com tanta facilidade... Ao perceber qual era a minha intenção, Tom estreitou os olhos e deu um meio sorriso, como se achasse que eu não iria impedi-lo de conseguir o maldito caderno. Bobinho. - <i>Accio diário</i> - e nada aconteceu. Acontece que, enquanto eu procurava por alguma solução para minha viagem, encontrei um livro de feitiços muito interessante. E eu aprendi a tornar objetos imunes ao feitiço de convocação.
- Parece que você vai ter que falar mais comigo... - um pequeno sorriso se formou no meu rosto, deixando claro que aquela tinha sido uma pequena vitória para mim. Ele não gostou nem um pouco: apontou a varinha para mim, me deixando contra a parede e imobilizada por algum feitiço. Tentei arfar. Sim, tentei, porque percebi que não só meus braços e pernas não podiam se mover, mas meu pulmão também parecia incapaz de puxar o ar. Alguns segundos se passaram enquanto eu arregalava os olhos e implorava silenciosamente para que ele parasse, mas nada mudou. Seus olhos eram duros, impiedosos, frios... Um lampejo vermelho tomou conta dos olhos negros que eu tanto conhecia. Comecei a sufocar, sem conseguir gritar ou dizer nada. Os alunos em volta, todos conversando com seus amigos, entretidos com seus próprios problemas. E eu ali, sendo a primeira vítima de Lord Voldemort. Ele colocou a mão no meu bolso e tirou o livro de lá, satisfeito consigo, e voltou para os braços das garotas. Eu ainda estava ali.
O feitiço só parou quando Tom subiu as escadas do dormitório masculino. Eu respirava com dificuldade, o oxigênio não suficiente para meus pulmões. Lágrimas caíam dos meus olhos, não pela quase morte que eu acabara de vivenciar, mas por Tom. Agora era certo e oficial: ele estava seguindo seu destino, independentemente da minha presença. E não tinha nada que eu pudesse fazer para impedi-lo, porque não se pode parar o Lorde. Ele tinha que morrer.
. . .
Finalmente passaram-se os quinze dias necessários para a preparação da minha passagem de volta. Pedi um dia ao professor Dumbledore para que eu pudesse me despedir dos meus amigos. Mas só depois lembrei que não tinha amigos. Então, usei aquele dia para limpar meus pertences e me despedir da tapeçaria intacta da Sala Comunal. O tempo passa devagar quando não temos nada para fazer... Só percebi que tinha adormecido na poltrona quando fui acordada por um cutucão forte demais nas costelas.
- AI! - levantei, olhando em volta, procurando pelo responsável pelo recém formado hematoma na minha pele. Era Tom. Quem mais podia ser? - O que você quer...? - tentei desfazer minha cara de sono esfregando os olhos, mas acho que não deu muito certo porque ele me olhava meio receoso. Ele limpou a garganta e se recompôs.
- Ouvi dizer que você vai embora.
Que bom pra ele! Dumbledore e Slughorn decidiram que seria melhor dizer aos alunos que eu não estava me adaptando à escola e por isso ia terminar meus estudos em casa, mesmo. Os dois não se demoraram em espalhar a história...
- Sim, e daí? - concentrei-me ao máximo para manter a expressão lívida. Ele não podia perceber que, na verdade, eu queria levá-lo junto comigo e impedir a morte de muita gente e que meu coração ficasse partido para sempre. Tom desviou o olhar e concordou com a cabeça, sem dizer nada, sério. Então, o professor Slughorn entrou na Sala Comunal, procurando por mim. Aquele homem era cego feito uma cobra e começou a perguntar a quem estava por perto onde eu estava. Eu estava bem na frente dele. Levantei e fui até ele. - Professor, estou pronta. - ele pareceu feliz.
- Aaah, que ótimo! Vamos, então! O professor Dumbledore disse que amanhã não seria possível, porque a lua vai estar... - eu não escutava. Acenei para Tom, dizendo um até logo com os lábios e segui o professor pelos corredores. Quando chegamos na sala de Dumbledore, o caldeirão fumegava preguiçosamente. A textura não era a mesma da minha poção original, mas talvez fosse culpa da falta da flor. Minhas mãos começaram a suar.
- Tem certeza que vai dar certo? - perguntei a Dumbledore. Ele sorriu para mim, seus olhos muito azuis me acalmando e concordando com a cabeça.
- Antes de mais nada, gostaria de lhe pedir um favor: Nunca mais tente voltar no tempo! Se for fazer isso, use um vira-tempo ou alguma coisa mais segura... A srta. poderia estar morta agora! - ele sorriu - Vamos sentir sua falta. Nos vemos em alguns anos, então? - e o professor apertou minha mão. Como eu poderia dizer que, na verdade, ele estava morto? Não. Eu sorri de volta e disse que sim. Abracei o professor Slughorn, que se balançava e choramingava alguma coisa. Disse que o veria logo, porque ele ainda lecionava em Hogwarts. Ele não pareceu gostar muito.
Por fim, respirando fundo, peguei um copo, o enchi da poção estranha e bebi. Tomei tudo, como da última vez. Mas o gosto era diferente... E eu me senti diferente... Não veio a náusea, nem a dor de cabeça. Agora, meu estômago doia violentamente, como se eu estivesse sendo esfaqueada de dentro para fora. Cada músculo do meu corpo se contorcia, eu não conseguia pensar em mais nada além da dor. Os dois homens ao meu lado pareciam assustados com a minha expressão. Não consegui conter o grito. Eu gritava para a dor ir embora, queria que tudo acabasse. Me joguei no chão, suando frio, sentindo as lágrimas saírem dos meus olhos, minhas pernas sendo quebradas por alguma coisa invisível, meus braços se dobrarem ao contrário e, também, se quebrando.
E tudo ficou escuro.
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