Capítulo XII



Oi, oi Povo !!!!


Pois bem, mais um capítulo no ar! Algumas coisas se mostram praticamente resolvidas, outras começam a serem trabalhadas para esse fim... Façam suas apostas.


 


Nana! Sim, o mistério é o pano de fundo da história, nesse capítulo tem mais pistas sobre a(o) nova(o) inimiga(o) da Hermione... E depois de ler, me diga se a sua idéia prevalece, ok?


Sobre ler o original, recomendo viu, se bem que não muda muito uma da outra, mas aconselho a procurar em sebo, já que é um livro bem antigo. Não sei onde você mora, mas aqui em SP, já encontrei livros dessa coleção sendo vendidas nos sebos (independente de grande ou não) e até em bom estado.


 


Bjs.


Boa Leitura!!!




*****



A curta distância de Nunsthel existia um lago que se tornara, desde o princípio do inverno, ótimo lugar para patinação, onde se reuniam, freqüentemente, os habitantes de Runsdorf e de Nunsthel. Luna e Hermione rivalizavam-se em destreza com o Conde Malfoy, notável patinador, e com Ronald, que subitamente se tornara apaixonado por esse esporte, do qual pouco tinha cuidado até então.


No dia seguinte à recepção na residência arquiducal, Hermione, como tinha combinado com Ginevra, foi ao lago. Porque dormira um pouco e muito mal, teria de muito boa vontade ficado em casa se não receasse inquietar o pai, que nessa manhã já lhe notara os olhos abatidos.


Acabava de calçar os patins, quando o Conde Draco apareceu, acompanhado de Áquila e Maia. Arthur Weasley e Ronald se adiantaram  a fim de lhe dar as boas-vindas.


— A Condessa Luna não quis acompanhá-lo, senhor conde? — perguntou Ginevra, que saía do pequeno chalé construído junto do lago.


— Não, senhorita. Minha irmã, cansada da noite de ontem, ficou em casa.


A fisionomia de Ronald subitamente entristeceu. Voltando-se, pôs-se a patinar com o ar de quem cumpre uma árdua obrigação.


— Ginny contou-me que a recepção esteve encantadora — disse Hermione ao conde, que se sentava para também calçar os patins.


— Soberba e... prodigiosamente aborrecida! Enquanto eu dançava com as moças, mais ou menos frívolas e tagarelas, pensava no professor Granger e em seus filhos, tranqüilamente sentados diante de um bom fogo, lendo, trabalhando, tão unidos, tão calmos... e confesso-lhe que os invejei.


Havia em sua voz uma entonação que comoveu Hermione. Mas desta vez ele se enganava: sua noite tinha sido, moralmente, mais agitada do que ele poderia imaginar.


— Quer aceitar-me, hoje, por cavalheiro, nesta superfície que vale mais do que todos os soalhos encerados do mundo? — pediu o conde designando o lago gelado, onde Arthur e seus filhos já deslizavam suavemente em circunvoluções.


Hermione estendeu-lhe a mão, e o par saiu pelo gelo; os dois jovens constituíam um conjunto harmonioso de movimentos na beleza de suas linhas flexíveis. Ginevra, de passagem, lançou-lhes um olhar:


— É um verdadeiro prazer vê-los patinar juntos!


Hermione sentiu estremecer a mão de Draco. Progressivamente ele foi reduzindo os movimentos e logo evoluíam serenamente, como se passeassem sobre o gelo.


— Talvez a senhorita fique satisfeita ao saber da resolução que acabo de tomar, D. Hermione — disse o conde rompendo o silêncio.


A moça ergueu para ele um olhar interrogador.


— Tenho a intenção de ir estudar medicina na Universidade de Viena.


Hermione não pôde conter a exclamação.


— Ah! Afinal, o senhor compreendeu! Pedi tanto a Deus!


Interrompeu-se, enrubescendo, confusa por ter assim revelado o segredo de suas preces para que o Conde Malfoy tivesse um dia a verdadeira compreensão dos seus deveres.


Um clarão de alegria dardejou no olhar de Draco. Com a voz grave, vibrante de emoção, prosseguiu:


— Se algum dia eu tiver a alegria de me tornar um homem útil e poder devotar-me inteiramente à minha vocação, não esquecerei da pessoa que me induziu à revolta contra esses preconceitos odiosos aos quais a minha tradição me condenava.


Deslizaram ainda alguns momentos em silêncio. Intensa alegria sufocava Hermione. O coração batia-lhe com força dentro do peito. O sol de inverno pareceu subitamente mais cálido, a severa paisagem florestal mais sorridente.


— Mas e a condessa e sua tia? Que dizem dessa resolução? — perguntou ela, erguendo os olhos para Draco.


Viu a sua fronte enrugar-se.


— Ainda ignoram o que decidi. Será bem duro. Minha pobre mãe! Ela tem passado toda a existência a salvaguardar essas tradições com a quais quero romper de um único golpe. Quanto a minha tia, provavelmente me reprovará muito. Tenho certeza disso; é capaz até de se tornar minha inimiga! Entretanto, é preciso que eu o faça... É preciso! Eu teria podido sacrificar a imperiosa vocação que me impulsiona cada vez mais irresistivelmente; porém, agora, trata-se de mais do que isso: devo salvar os meus de uma completa ruína, da mais negra miséria; devo sair da inação e tentar impedir a catástrofe que nos ameaça. Ontem, minha mãe disse-me que os nossos recursos estavam esgotados e que seria preciso vender ainda algumas coisas, um desses móveis, desses objetos adquiridos pelos nossos antepassados, aos quais ela se apega como prova tangível da nossa antiga nobreza. Assim, um a um se irão esses restos da passada grandeza. E depois? Pois bem! Vender-se-á Runsdorf, e os Malfoy irão mendigar pelas estradas.


O moço esboçou um riso de sarcástica amargura.


— Belo fim de uma antiga raça! Desejo tentar impedir esse desfecho, preservar de maior miséria o meu irmão, minhas irmãs, minha própria mãe, que sofreria tanto ou mais do que todos. Mas o assalto será terrível.


Cruzavam nesse momento com Arthur, que lhes perguntou:


— Viram Ronald?


— Não é ele que está ali embaixo, junto da balaustrada?


Era ele, efetivamente. Encostado na balaustrada que fora construída para descanso dos patinadores, o moço mostrava uma atitude cansada, o olhar pensativo, a fronte sulcada por uma profunda ruga de contrariedade.


— Ron!


Ele sobressaltou-se ao som quase violento dessa voz.


— Ah! Não o tinha visto chegar, papai!


O administrador tomou-lhe o braço; seus olhos cintilantes fitavam com expressão profundamente dolorosa os olhos do filho.


— Ronald, infeliz louco! Como pôde você pensar em semelhante coisa? Então não sabe o que o esperaria se ousasse...


— Sim, sei, papai! — disse tristemente Ronald — E é por isso que sofro, sem a menor esperança.


Arthur tomou as mãos do filho e apartou-as entre as suas.


— Meu filho, meu Ron, já estará de fato nesse ponto? Que você também olhou para muito alto? Eu deveria ter desconfiado, lembrando-me do passado. A loucura do pai poderia reaparecer no filho. Então, esses Malfoy nos serão sempre funestos?


Um lampejo de irritação brilhou em seu olhar. Segurou Ronald fortemente pelos ombros.


— Meu filho, é preciso esquecer!


Um profundo suspiro levantou o peito do moço.


— Sei que isso custa coragem! — continuou o administrador, considerando com ternura o rosto contraído do filho. Seu pai também passou por essa prova, e você vê que ele não morreu por isso.


— Papai, ela é pobre, talvez um dia...


— Jamais, Ronald, jamais uma Malfoy, fosse ela uma mendiga, aceitaria uma aliança desigual. Repito-o: é preciso esquecer. Ora, o meio mais seguro para cortar essas ilusões tenazes é você se casar.


Diante do seu gesto de protesto, o pai continuou, com a voz mais afetuosa e doce:


— Não, não diga que não, meu filho! Seja razoável, creia na minha experiência. Sim, pode-se ainda ser feliz, olhe para mim, meu filho! Desde que se tenha a coragem de repelir uma lembrança inútil e dolorosa. Logo que os Granger chegaram, tive a idéia de que Hermione lhe agradava e, da minha parte, estava decidido a lhe dar com alegria o meu consentimento. Ela é encantadora, devotada o quanto se pode ser, notavelmente inteligente e... da nossa mesma classe social.


As unhas de Ronald comprimiram fortemente a madeira da balaustrada. A luta que se travava em sua alma estava estampada no seu rosto transtornado. O pai parecia sofrer tanto quanto o filho e, se o ferira, era para o curar.


— Quanto mais cedo, melhor. É preciso fechar imediatamente a ferida, meu filho muito amado, e não se apegar a desgostos inúteis. Então, a Srta. Granger não lhe agrada?


— Digo como, papai: ela é encantadora! Quem sabe se eu não a teria amado se não tivesse conhecido a Condessa Luna... Sim, talvez tivesse acontecido isso, com certeza eu a preferiria a qualquer outra.


— Então posso falar com o pai dela, Ronald?


O jovem abaixou a cabeça, suas mãos nervosas se crisparam sobre a balaustrada.


— Sim, o senhor tem razão. É preciso enfrentar corajosamente a realidade.


Sua voz vibrava pela dor que lhe compungia a alma.


— Se Hermione quiser aceitar-me por esposo, procurarei ser para ela um marido leal e devotado; farei tudo para torná-la feliz e quem sabe se com o tempo...


Olharam-se durante alguns segundos, com o mesmo ar de pungente resignação. E, repentinamente, Ronald se atirou aos braços que o pai lhe estendia. Este o apertou contra o peito, beijou a fronte contraída que se aproximava de seus lábios, como quando Ronald era pequenino.


Depois, sem uma palavra, tomaram a direção do chalezinho, deslizando sobre a superfície resplandecente do lago.


Hermione e Draco tinham voltado para o banco, a fim de tirarem os patins. O conde já tirara os seus e se preparava para voltar ao castelo. Em pé, diante de Hermione, ele lhe falava ainda da sua resolução e da sua tristeza ao pensar no desgosto que ia causar à mãe.


— Vou voltar para Runsdorf; mas esperarei ainda uns dias para falar, porque mamãe tem andado muito abatida ultimamente. E ouso pedir-lhe que ainda reze por mim!


A emoção avivava a cor rósea que o exercício e o ar gelado levaram ao lindo rosto de Hermione.


— Pode estar certo de que o farei, conde! — disse ela comovida.


O administrador, vindo na direção dele, fitava-os, e em sua fisionomia se estampou grande contrariedade.


— Que? Eles também? — murmurou.


O Conde Draco voltou-se para ele, com um sorriso cordial.


— Volto para casa, Sr. Weasley, deixando meu irmão e minha irmã, pois a Srta. Granger teve a amabilidade de se encarregar de levá-los mais tarde.


Os dois homens trocaram um aperto de mão. Enquanto o conde se afastava, Arthur disse , designando os patins que Hermione tinha na mão:


— Renunciou à patinação, agora que perdeu o seu incomparável par?


Ela o fitou, um pouco surpreendida pelo tom meio irônico.


— O conde não é mais hábil do que Ron ou mesmo do que o senhor, Sr. Weasley! Todos três são mestres neste exercício. Mas estou um pouco fatigada hoje e vou fazer companhia à Sra. Trelawney e pedir-lhe uma xícara de café.


— Irei reunir-me à senhorita daqui a pouco. Vejo agora ali um dos meus guardas florestais a quem desejo dizer umas palavras.


Hermione dirigiu-se para o chalé. Na pequena sala, arranjada com elegante rusticidade, estava a conselheira Trelawney, tia de Arthur Weasley. Vinha geralmente passar a maior parte do ano em Nunsthel, para grande contentamento de todos, porque era uma encantadora criatura que, apesar de idosa, não perdera a jovialidade de sua juventude e que adorava o sobrinho, sentindo por ele um devotamento sem limites. A Sra. Trelawney demonstrava grande simpatia por Hermione, o que, aliás, era um sentimento recíproco.


— Veio descansar um pouco, minha filha? — disse ela pousando na mesa o tricô — Sente-se aqui. Quer uma xícara de café ou prefere licor?


— Tomarei café, minha senhora, mas com a condição de eu mesma me servir.


— Pois bem! Sirva-se. O Conde Malfoy não quis vir tomá-lo também?


— Não, estava com pressa de voltar para Runsdorf.


— Ele não se demorou hoje aqui. Como vocês dois patinam bem, assim juntos. Com o seu belo corpo, Hermione, você me recorda a Condessa Ceres quando deslizava por sobre o lago, toda vestida de branco, a sua cor favorita. Dir-se-ia um maravilhoso cisne... Sim, um formoso cisne, uma ave aristocrática e orgulhosa! Era preciso admirá-la de longe.


— E o Sr. Weasley pediu-a em casamento, não foi?


A conselheira olhou-a com surpresa.


— Oh! Você sabe?


— Adivinhei-o. Pobre Sr. Weasley!


— Ah! Sim, disse muito bem, pobre Arthur! Quanto sofreu! Tão jovem ainda, tão bom, tão entusiasta, teve esse louco sonho. Os Malfoy lhe demonstravam grande reconhecimento, admitindo-o na intimidade; a Condessa Ceres, a despeito de sua habitual altivez, mostrava-se amável e simples para com ele. O Conde Lucius vinha freqüentemente patinar aqui com a mulher e a irmã, encontrando-se com Arthur. Depois, os dois jovens começaram a tocar juntos. Que talento possuíam! Não posso recordar-me, se estremecer de emoção, do modo como interpretavam a Sonata em lá, de Beethoven. Eu, que servira de mãe para Arthur, adivinhei o que se passava nele e lhe dizia: “Meu filho, isso é uma loucura! Tome cuidado, ela está colocada num lugar muito mais alto do que o seu!”


E continuou a Sra. Trelawney:


— Mas, com a admirável confiança da juventude, formoso, inteligente, ele me respondia: “Os Malfoy estão meio arruinados, como a senhora sabe; acabarão por desprezar um pouco os seus antigos preconceitos. Sou de velha estirpe burguesa, temos tido diversas alianças nobres em nossa família. Se ela me amar, não dará importância a essa questão de aliança desigual, porque a sua inteligência é elevada e muito bom seu coração”.


— E um dia, quando patinavam aqui, o meu pobre Arthur fez o pedido — prosseguiu a Sra. Trelawney — Então, viu subitamente transformar-se a fisionomia sorridente da Condessa Ceres, que ficou pálida como uma morta, fria como uma estátua de mármore. Respondeu com palavras altivas, desdenhosas, ofensivas – dessas palavras que entram como um dardo no coração. O imenso orgulho dessa alma de moça aristocrática se revelou aos olhos do homem honesto e leal, do plebeu que ousara levantar os olhos para uma Condessa Malfoy. Ela o acusou, cruelmente, de pretender um pagamento pelo serviço prestado. Arthur, então, mostrou altivamente, por sua vez, que ele também tinha o seu orgulho; retrucou com palavras cortantes e se afastou dela para sempre. Nunca mais se tornaram a ver, creio eu.


— É possível que não se tenham mais encontrado depois disso, pois foi grande a comoção de ambos quando ontem se viram em Runsdorf — disse Hermione, passando a relatar a cena da véspera.


A velha senhora juntou as mãos:


— Eis então aí a razão por que hoje o achei tão sombrio! Dizem que ela é ainda maravilhosamente bela; Arthur nunca mais me falou nesse assunto, mas tenho certeza de que a dolorosa lembrança subsiste. Entretanto, ninguém, exceto eu, jamais suspeitou do seu sofrimento. Ele é o mais corajoso dos homens. Que é, na verdade, a coragem que afronta a luta física e mesmo a morte, ao lado dessa que suporta sem fraquejar a prova moral, a dor no coração, a amargura das desilusões? Oh! Meu nobre Arthur! Não conhecia ela, então, a delicadeza dos seus sentimentos, essa Ceres Malfoy, para ousar insultá-lo assim? Hermione, creio que ela não era digna dele. Não tinha coração!


— Tem sim! E é um coração bondoso, elevado, mas o orgulho o domina freqüentemente. Creio que ela sofreu muito, que sofrerá sempre.


Depois de curto silêncio Hermione acrescentou, pensativa:


— É minha impressão de que o Sr. Weasley, embora nunca o tenha suspeitado, está bem vingado pelo sofrimento da luta que ela teve de sustentar contra si mesma.


O administrador e Ronald entravam nesse momento, logo seguidos por Ginevra e as crianças. As jovens serviram café e a palestra principiou, quase se alegria, porque o jovial Ronald se mantinha silencioso e seu pai fazia esforços para esconder uma visível preocupação.


Voltaram todos juntos para Nunsthel. Hermione então deixou os Weasley e tomou caminho de Runsdorf, levando os pequenos Malfoy. A pedido destes, enveredou pela estrada que passava em frente do chalé. O espetáculo do vale coberto pela neve era um encantamento para Maia. Quanto a Áquila, gostava de observar os trabalhos da moderna serraria recentemente instalada no vale e que muito atraía a sua curiosidade.


As duas crianças, assim absorvidas, andavam na frente de Hermione, que seguia sem pressa, muito pensativa, ao mesmo tempo triste e alegre. Ao olhar maquinalmente para a esquerda, viu, de repente, a alguns passos dela, um homem apoiado no tronco de uma árvore, o rosto voltado para o chalé rosa, perfeitamente visível desse lugar.


Era o indivíduo que atacara o Conde Malfoy, ferindo Hermione – Gellert Grindelwald Bagshot, filho da velha Bathilda, como logo Arthur Weasley havia conjeturado. Depois de curado pelo Dr. Slughorn, fora entregue à justiça. Declarou ali que pretendera vingar-se contra um dos membros da família Malfoy e, não podendo achar uma ocasião, lançara-se sobre o jovem conde unicamente porque ele usava o mesmo nome que...


Aqui, Grindelwald se recusou obstinadamente s revelar o verdadeiro objeto do seu ódio.


— Arrependo-me — tinha acrescentado ele — Foi o meu primeiro crime. Eu estava com fome, morria de miséria e desde algum tempo via tudo vermelho. Mas foram caridosos para comigo lá em Nunsthel e o próprio Conde Malfoy se mostrou tão bom que deploro o que fiz! Sim, deploro o que fiz e reconheço que mereço um severo castigo.


Esta confissão, o modo digno do acusado, unidos à influência benévola do conde e Arthur Weasley, impressionaram favoravelmente os jurados. Com grande surpresa, Grindelwald se viu livre, por ter sido alegado que agira sob um estado de perturbação do cérebro causada pela miséria.


— É aos senhores que eu devo a minha liberdade — dissera ele com emoção ao conde e ao administrador — Jamais os esquecerei. Ouso agora pedir-lhes uma coisa: ajudem-me a me tornar um homem honesto.


Essa missão regeneradora foi aceita de todo o coração. Em suas freqüentes visitas ao infeliz, os dois homens reconheceram nele uma alma transviada, em que subsistia, entretanto, um fundo de bondade e de honestidade. Pouco a pouco, com o estímulo, os cuidados, a discreta compaixão da qual era objeto, quebrou-se a barreira da fria reserva em que Grindelwald se entrincheirara. Seu rude coração foi cedendo, o arrependimento aumentou; e, quando o homem viu de novo Hermione, pediu-lhe perdão com tão sincera humildade que a jovem se comoveu até as lágrimas.


Estava morando agora numa cabana que pertencera a sua mãe e o administrador lhe dera um serviço em que ganhava o necessário para viver modestamente. Não se encontraria, na região, homem mais pacato, mais laborioso e filho mais devotado. A velha Bathilda morrera dois meses depois da sua volta, tendo sido tratada por Hermione, Luna e Ginevra, e visitada pelo Conde Malfoy quando o reumatismo prendia em casa o Dr. Slughorn. Sem muitas palavras, Grindelwald tinha demonstrado o seu reconhecimento a todos, revelando assim que, entre os seus defeitos, não poderia ser apontado o da ingratidão.


Hermione, conhecendo o trabalho de regeneração que se operava nessa alma, nem pensou, pois, em se assustar ao encontrar na floresta esse homem cabeludo, de fisionomia um pouco selvagem. Parou a curta distância, perguntando-lhe:


— Como vai, Gellert?


Ele, ao avistá-la, mudara completamente de fisionomia. A má expressão com que fitava o chalé não mais existia em seu rosto quando respondeu:


— Vou bem, obrigado, senhorita.


— Estava admirando o chalé, nessa bela paisagem de neve?


O rude semblante do homem crispou-se violentamente, os olhos de um azul pálido como que despediram chamas.


— Eu, admirar o chalé? — disse Grindelwald com voz estrangulada — Não, eu me recordava... Estive lá quinze anos, como lacaio. A Princesa Karkaroff acabava de voltar para a Áustria, encontrou-me, achou-me gentil com os meus cachos louros e o meu rosto fino de menina. Essa velha senhora tão feia gostava de tudo o que era belo e só queria à sua volta pessoas e coisas bonitas. Assim, quis ter-me ao seu serviço. Meus pais se apressaram em aceitar o seu oferecimento e eu parti para o chalé. Ali, deram-me uma soberba libré, ensinaram-me o serviço, com muita má vontade da parte dos outros criados, que viram com inveja o favor com que a princesa me tratava, mas isso em certos momentos, porque em outros era sem piedade para a menor negligência. Eu tinha um caráter independente, um pouco orgulhoso. Lamentava não poder andar pela floresta e a cada dia detestava mais aquela mulher autoritária que me tratava como escravo. Um dia ela mandou me bater até fazer sangue, porque eu tinha rasgado por descuido um papel caído no salão. Ah! A Princesa Lyra não tem coração! Outros também sabem disso muito bem!


Grindelwald riu, sardônico.


— Fugi do chalé. Meus pais esconderam-me, sem ousar queixar-se porque a princesa era poderosa. Mas eu guardei em meu coração um ódio sem nome que se estendia a todos os nobres, a todos os ricos; desejava vingar-me e, no entanto, nem podia sustentar os meus pais, tão bons e tão confiantes. Então, para me furtar à tentação da vingança, resolvi fugir daqui. Acusaram-me de ingrato para com meus progenitores. Entretanto, foi por causa deles que deixei esta terra. Olhe, eu não podia olhar mais essa casa sem que o meu cérebro quase estalasse de furor. E se durante tantos anos fui um miserável, um vagabundo, é a “ela” que devo! — disse ele com surda cólera, estendendo o punho fechado na direção do chalé.


— Gellert, é preciso perdoar-lhe se você deseja que Deus lhe perdoe também.


— Perdoar-lhe? Perdoar a essa mulher sem coração que ouvia impassivelmente os meus urros de dor e continuava a dizer: “Bata mais forte!” Oh! Nunca! Nunca! O que farei é me vingar! Sim! Hei de me vingar! E dizer que tenho nas mãos essa vingança, que poderia contar coisas... Mas por causa do seu sobrinho-neto, ao qual devo tanto, nada ouso dizer. Ah! Desgraça! — rugiu Grindelwald surdamente — Minha mãe, no entanto, falou antes de morrer; parecia que a sua inteligência se esclarecia. Ela me... Olhe, senhorita, vou lhe repetir o que sei. A senhorita depois dirá se devo me calar, por causa do senhor conde.


E, curvado para Hermione, ele falou, falou. Ela empalideceu, abafando uma exclamação de horror.


— Isso é impossível, Gellert!... Impossível! — balbuciou ela.


— Minha mãe viu tudo; ela sabia se introduzir docemente em qualquer lugar, se esconder em cantos invisíveis. O lago, principalmente, a atraía de maneira sobrenatural. Ficava às vezes até alta noite, na galeria, deitada no chão iluminado pelo luar. Foi ali que ela apanhou a doença que a torturou até o fim de sua vida. Só ela é que teria pedido dizer qual foi o fim do Conde Cepheus, como morreram a pobre camareira e a Condessa Paola, e o que foi feito da fortuna do desaparecido.


Hermione tomou a mão enrugada de Grindelwald.


— Oh! Prometa-me, jure-me nunca revelar nada disso a ninguém! Suplico-lhe.


— Fá-lo-ei pela senhorita e por “ele”. Mas é muito duro isso para mim; a senhorita deve compreender; eu teria tido um momento de verdadeira alegria, como também me alegrei quando ouvi minha mãe contar tudo isso. Enfim, está prometido e não farei de outro modo.


Tirou o chapéu e afastou-se rapidamente.


Hermione, cujas pernas tremia um pouco, reuniu-se às crianças que haviam parado mais adiante. As duas tiveram uma exclamação de surpresa inquieta:


— Como está pálida, Srta. Hermione!


— Estou sentindo muito frio — respondeu Hermione, que de fato tiritava — Andemos depressa, meus filhos.


— Se a senhorita quiser, poderemos entrar um pouco em casa da princesa. Lá se aqueceria um pouco.


Hermione a custo reteve um gesto de horror.


— Oh não! Não! Seria inútil esse atraso. Andando depressa, estaremos em dez minutos em Runsdorf.


De fato, não levaram muito tempo para alcançar o portãozinho traseiro do parque. Abrindo-o, quase empurraram o Dr. Slughorn, que ia sair.


— Ah! É a Srta. Granger!


O correto velhinho tinha a gravata desarranjada e tudo nele indicava grande agitação.


— Alguém está doente no castelo? — perguntou Hermione, já inquieta.


— Não... Quero dizer, sim, porque enfim é preciso que...


Interrompeu-se, lançando um olhar furtivo para Maia e Áquila.


— Contar-lhe-ei isso. Trata-se de uma deserção, de uma inacreditável deserção! Um dos últimos baluartes de uma aristocracia pura, magnífica, deseja ir sentar-se nos bancos de uma universidade, para tornar-se o que eu sou, eu Horace E. F. Slughorn, o plebeu!


Hermione logo compreendeu que o Conde Draco acabava de participar ao velho mestre a sua decisão. Sentiu que o seu coração, sufocado pela revelação de Grindelwald, se desafogava a um sopro de alegria.


— Esse de quem o senhor fala vai cumprir um dever — disse ela com firmeza — Eu acho que ele dá assim um magnífico exemplo.


— Loucura! Ele pertence a uma classe à parte, e a senhorita não pode julgar este assunto. Entretanto, tenho esperanças de que ele refletirá melhor e voltará a ter idéias mais sãs.


Cumprimentou e afastou-se visivelmente irritado com a jovem, cujo veemente protesto decerto lhe tinha desagradado.


Hermione continuou o seu caminho com as crianças. Absorvida em seus pensamentos, agora novamente tristes porque pensava na revelação de Grindelwald, a moça não percebeu que os seus alunos a tinham feito tomar o caminho mais longo. Assim, chegaram a uma depressão do terreno que parecia ter sido o leito de um antigo lago. Nas estações boas, um dos mais agradáveis do parque, embora um pouco afastado do castelo.


— Olhe, senhorita, a neve derreteu-se — disse Áquila — Ontem este lugar estava completamente coberto de gelo, como estão todos os outros. Que terá produzido isso?


Efetivamente, não havia o menor vestígio de gelo nessa depressão; ao passo que nos arredores se estendia um espesso lençol branco, a terra aparecia ali um pouco brilhante, como se estivesse coberta de uma ligeira geada.


— Dir-se-ia que jogaram sal aqui — observou Áquila — De onde será que veio isso, D. Hermione?


— Não sei, meu filho. Talvez o Conde Draco lhe possa dar uma explicação.


Chegando ao apartamento do professor, as crianças deixaram Hermione e esta entrou na sala em que Adrian Granger e seu filho, inclinados sobre a mesa, pareciam absorvidos por uma ocupação muito interessante. O professor, ao ouvir a porta abrir-se, voltou-se, a fisionomia radiante.


— Acabo de fazer uma singular descoberta, Hermione! A encadernação deste saltério, muito estragada pela umidade, saiu nas minhas mãos e encontrei isto na parte que correspondia à lombada do livro.


Ele mostrava-lhe um pergaminho amarelo, meio rasgado, que Alexis segurava.


— E você não seria capaz de adivinhar o que ele diz! Alexis, dê o pergaminho à sua irmã!


Hermione tomou a folha. Estava escrita em alemão antigo, a tinta muito apagada, o que, aliás, não era de admirar, pois, ao observar o pergaminho com atenção, se verificaria logo que era antiqüíssimo. Hermione leu em voz alta:


“Aqui está escrito o meio inventado por mim, Ludwig Herzog, por ordem de Sua Excelência Marius Black, para desviar as águas do lago e descobrir a gruta subterrânea”.


Uma nuvem passou antes os olhos de Hermione; suas mãos, tremendo, deixaram cair a folha.


Seria então verdade o que Grindelwald dissera?


Relembrou a cena da noite anterior; o leito do lago vazio, depois a volta das águas, o velho Filch saindo da capela... Não poderia duvidar.


Todo o mecanismo, imaginado pelo gênio inventivo desse engenheiro de outrora, estava explicado no documento.


Através de uma comporta dissimulada sob o altar da capela, a água escoava para o leito artificial, a Curta distância do castelo – evidentemente dirigido para a depressão junto da qual Hermione e seus alunos tinham parado há pouco. Sob o mesmo altar estava escondida uma escada que conduzia à gruta de comunicação com a abertura escura, semelhante à boca de um abismo que Hermione vira a alguns metros da capela.


“Esta água, de natureza toda particular, jamais gela e tem a propriedade de conservar os corpos que nela foram lançados”, acrescentava o autor do manuscrito. “Fiz a experiência e retirei, ao cabo de um ano, indene de qualquer corrupção, o cadáver do jovem pajem lançado ao abismo por ordem de Marius Black.”


— E então? Isso lhe produz tanto efeito, Hermione? — perguntou o professor, fitando com surpresa a expressão da filha — Eu a compreenderia, se você fosse a cônega, pois que a mãe dela está lá, segundo dizem. Amanhã mesmo participarei ao Conde Malfoy a minha curiosa descoberta.


Hermione estremeceu e sua mão pousou quase com violência sobre o braço de Adrian.


— Não, não deverá fazer isso!... Ele nunca deverá conhecer esse segredo!


O pai e o irmão fitaram-na com espanto em que havia também alguma ansiedade.


— Mas que tem você, Hermione? — disse o professor — É muito natural que eu entregue este papel ao conde, já que lhe pertence.


— É que o senhor não sabe quais seriam as conseqüências desse ato, tão simples e lógico na aparência! O senhor não sabe que iria causar em todos, em particular nele, de alma leal e elevada, a maior dor que jamais alguém pode esperar?


— Mas por quê?


Então, inclinada para eles, Hermione, um pouco ofegante, falou alguns momentos em voz baixa. E a fisionomia do pai e do filho exprimiram sucessivamente horror e compaixão, e foi com intensa emoção, com voz trêmula, que o professor murmurou:


— Sim, você tinha razão. Jamais ele deverá conhecer isso! Pobre e querido conde! Que revelação!... Este segredo morrerá conosco, ficará entre nós.


— Sim, para sempre! — disse Alexis gravemente.

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