Capítulo VIII



Oi, oi povo!!


Eis o último capítulo da primeira parte do livro original. Muitas coisas interessantes vão acontecer...


Ainda mantenho a questão levantada, vale apena continuar com esse tipo de projeto? Estou esperando a opinião de vocês...


 


Nana, será que é impressão sua?rs Quem sabe... Sobre Arthur e a Cônega... Bom, preste bastante atenção, eles tem um papel importante na trama e tem muita coisa ainda para acontecer e ser revelada.


Sobre sua adaptação, sei o quanto pode ser difícil, estou sofrendo isso na pele, a minha já está traduzida mas, é uma linguagem bem antiga, se comparada com a nossa de hoje, sem contar com os nomes, parentescos e tudo o mais... Ficarei aguardando ansiosa a sua atualização! ^^


 


Aninha, pronto eis a atualização!rs  Finalmente nos trombamos no MSN! \o/


Sobre a sua fic mocinha, não tenha medo de escrever, viu? Deixa a história fluir como precisa, ela falará por você... Estarei esperando pela atualização!! ^^


 


Bjs e boa leitura!!!!



*****


O silêncio habitual da floresta foi perturbado nessa manhã pela caçada arquiducal, cujos ruídos chegavam até Nunsthel: sons de trompas, latidos da malta, galope do cavalo do picador pela estrada, tudo isso, levado pelo vento do oeste, chegava bem distinto aos ouvidos de Hermione, de Ginevra e de Nimue, comodamente instaladas na clara sala de jantar do administrador.


Arthur Weasley e Ronald tomavam parte na caçada. Ginevra convidara os Granger para virem almoçar com ela e sua irmã. Depois iriam ver, do terraço, a volta das equipagens e dos cavaleiros. Entretanto, como Alexis não se sentisse bem e não pudesse deixar Runsdorf, o professor teve que ficar junto dele, mas exigiu que Hermione fosse a Nunsthel.


Lá pelas duas horas, a jovem despediu-se de sua amiga, recusando esperar a passagem do arquiduque e dos seus convidados. Tinha pressa de se reunir ao pai e ao irmão, que sempre a esperavam com alguma impaciência.


Pelo caminho largo, bem cuidado, que passava defronte da moradia do administrador, as numerosas equipagens vindas de Düfelden haviam deixado seus rastos no chão molhado das chuvas dos dias precedentes, juncado de folhas que as rodas dos carros e as patas dos cavalos tinham afundado na lama. Hermione andava sobre a relva espessa que lhe abafava os passos. Assim foi que, sem ser notada, percebeu num atalho paralelo, através de uns troncos desfolhados, uma alta figura de mulher envolta num manto preto, a cabeça coberta com uma mantilha da mesma cor. A mulher andava lentamente e de súbito parou, encostando-se a uma árvore. Nessa posição devia achar-se de frente para Nunsthel e distinguir pelo menos o seu telhado.


Hermione continuou o seu caminho um pouco intrigada, porque julgara reconhecer a cônega. Ora, esta sentia pela floresta, outrora tão amada, uma declarada antipatia e só a pisava para ir à casa da Princesa Karkaroff. Hermione achava essa formosa mulher muito enigmática. Orgulhosa de seu nome até o mais alto grau, atraente e mesmo encantadora, dotada de espírito delicado e culto, muito afeiçoada aos sobrinhos, como havia dito Luna – sim, era isso tudo e também era bondosa, com pensamentos elevados, fugitivos impulsos de entusiasmo. Mas a que atribuir a sua habitual melancolia altiva e a expressão de sofrimento que por vezes se fazia notar nos seus belos olhos aveludados?


O professor e os filhos, em seu relacionamento com a cônega, encontravam-na sempre amável, embora altivamente reservada. Parecia apreciar o espírito fino e justo, as qualidades intelectuais, a grande distinção dos hóspedes de sua cunhada. Diversas vezes convidara Hermione para tomar chá, e a jovem assim tinha passado momentos bem agradáveis no vasto salão vermelho que dava sobre o lago, em palestras interessantes com a cônega e Luna. A inteligência viva, penetrante e cultivada de Hermione, sua alegria encantadora lhe atraíam a simpatia das condessas Malfoy. Entretanto, somente Luna a tratava verdadeiramente como a uma igual. A Condessa Narcissa e sua cunhada, sob o manto da afabilidade, guardavam cuidadosamente as distâncias, embora o fizessem com bastante tato para que a jovem não se sentisse ofendida. Quanto ao conde...


Chegando a esse ponto de suas reflexões, Hermione entristeceu. O jovem senhor de Runsdorf, com certeza, não esquecera o julgamento audacioso que ela tomara a liberdade de fazer a seu respeito.


Não, ele não esquecera nem havia perdoado. Continuara a tomar as suas lições de inglês com o professor e vinha sempre sentar-se longas horas junto de Alexis, mas agora escolhia – Hermione o havia notado – as ocasiões em que ela se achava ocupada junto dos seus alunos, ou então a hora da lição de desenho que ela dava a Nimue, duas vezes por semana. Entretanto, uma tarde, no apartamento da cônega à hora do chá, ele parecera desagradavelmente surpreendido por encontrá-la ali. Sob a sua cortesia de homem bem-educado, conservava agora certa reserva altiva a respeito da audaciosa burguesa que ousara censurar o Conde Malfoy. Entretanto, às vezes, Hermione perguntava a si própria por que seria que ele só adotara essa atitude depois do seu encontro junto do chalé, pois que, nessa manhã, ele se mostrara tão gentil quanto antes.


“Pois bem, que se comporte como melhor lhe aprouver! Além disso, pouco me importo com os seus modos!” — pensou ela, meneando a cabeça com impaciência.


Entretanto, a sua fronte estava enrugada e uma profunda tristeza velava o seu formoso olhar.


Hermione, pensando em tudo isso, tomou por um atalho a fim de chegar mais depressa a Runsdorf. À esquerda havia uma pedreira, abandonada há muito tempo sem dúvida, porque os abetos haviam criado raízes nas fendas e um espesso tapete de erva fina cobria as encostas cortadas. Nos arredores, as urzes se estendiam em profusão, mas belas do que em nenhum outro lugar. E Hermione não pode resistir à tentação de se deter ali para colher um buquê da sua flor favorita.


Um ruído ligeiro fê-la voltar a cabeça; no princípio do atalho surgira a senhora do manto preto, que era de fato a cônega. Primeiro, ela fez um movimento de surpresa, quase de recuo; depois, adiantou-se para Hermione.


— Não tem medo de passear sozinha nestes caminhos desertos? — perguntou, estendendo-lhe a mão.


— Nenhum, minha senhora. Aliás, disseram-me que a segurança é completa na floresta.


— Em tempos comuns, sim. Mas ontem contaram ao meu sobrinho que um indivíduo de má cara anda rondando os arredores do chalé e de Runsdorf. Em todo caso, sempre é mais prudente não deixar a estrada principal. Aliás, os atalhos estão muito molhados — disse a cônega mostrando a barra de sua saia respingada de lama — Se está de volta para o castelo, faremos juntas o caminho quando tiver terminado a sua colheita.


— Oh! Já colhi bastante — disse Hermione.


Quando se dirigiam para a estrada, um homem surgiu detrás de um grande bloco de pedra localizado na entrada da pedreira. Era um indivíduo de alta estatura, hirsuto, com as roupas em farrapos. Seus olhos brilhavam febris, com expressão selvagem, os lábios se crispavam em ricto feroz. Deslizou atrás das duas mulheres, mas subitamente fez um gesto de furor.


— Desgraça! Eis aí alguém! — murmurou ele.


O galope de um cavalo se fazia ouvir. No momento em que a cônega e Hermione chegavam à beira da estrada, um cavaleiro apareceu. Era o Conde Draco, que parou a montaria e tirou o chapéu.


— Como? Passeando pela floresta, minha tia?


A cônega respondeu brevemente:


— Uma fantasia. Acabo de encontrar a Srta. Granger e voltávamos juntas.


Um grito de Hermione interrompeu-a. Detrás delas surgiu repentinamente o homem, que se atirou para a frente com um punhal na mão.


— Para você, a minha vingança, Conde Malfoy! — exclamou ele com a voz rouca.


Com rápido movimento, Hermione se colocou defronte do homem e a lâmina dirigida contra Draco golpeou a mão que ela instintivamente levantara para proteger o conde.


O cavalo empinou. Draco saltou por terra e se lançou sobre o miserável que, praguejando, levantava de novo a arma. Mas a cônega segurou-lhe o braço e o conde se apoderou com dedos crispados da comprida faca, que atirou longe. Depois, sua mão fina e nervosa, que ninguém julgaria tão vigorosa, prendeu o agressor pelo ombro, fê-lo rodar e o jogou ao chão. A cabeça do agressor bateu numa pedra angulosa e o homem perdeu os sentidos.


— Oh! O senhor o matou! — disse Hermione com a voz fraquíssima.


Cambaleava, muito pálida, quase desfalecendo. Draco, tão pálido quanto ela, tomou-lhe docemente a mão ensangüentada, que examinou com cuidado.


— Espero que não seja grave. Minha tia, tem aí um lenço para me dar? Quero enfaixar esta ferida. Depois irei buscar uma carruagem a fim de levar a Srta. Granger para Runsdorf.


— E ao criminoso, que vai fazer? — perguntou a cônega.


— A senhora permitirá que eu me ocupe do criminoso depois da vítima — replicou Draco, cuja voz tremia com viva emoção.


— Felizmente ele não causou um mal irremediável — disse Hermione.


— Graças a você, querida menina! — disse a cônega, apertando afetuosamente a mão válida de Hermione — Sem a sua brava intervenção, talvez nesta hora o meu sobrinho já não existisse. Vou cuidar da Srta. Granger, e você, Draco, veja esse miserável, que, afinal, não podemos deixar morrer ali como um cão.


Draco inclinou-se sobre o homem caído. O sangue saía abundantemente da cabeça e escorria pelo rosto. O conde abriu a blusa esfarrapada e apoiou o ouvido contra o peito do seu agressor. Logo se ergueu, dizendo:


— Está vivo. Vou fazer uma atadura provisória, a fim de que se possa transportá-lo para algum lugar.


Hermione deu o seu lenço, ao qual Draco juntou o seu, para fazer uma ligadura e estancar o sangue na cabeça do malfeitor.


— Vou buscar auxílio em Nunsthel para levá-lo. Ao mesmo tempo pedirei um carro para a Srta. Granger.


— Por que em Nunsthel? — perguntou com brusquidão a cônega.


— Porque é mais perto.


— Mas não quero que incomodem ninguém por minha causa — disse vivamente Hermione — Posso andar e isso até será preferível. Mas vou voltar para Nunsthel para pedir uma saia a Ginevra, porque eu assustaria papai e Alexis se lhe aparecesse com este vestido.


O seu vestido, de fazenda clara, estava todo manchado de sangue.


— Seja, a senhorita talvez tenha razão. O Dr. Slughorn, que eu mandarei chamar para este homem, também lhe dará os seus cuidados. A senhora a acompanhará, minha tia.


A cônega hesitou por um instante, mas logo respondeu afirmativamente. Enquanto o conde, a cavalo, se dirigia para Nunsthel, as duas mulheres tomaram lentamente a mesma direção. Andavam em silêncio, muito emocionadas para comentar o dramático acontecimento. Alguns minutos mais tarde viram o conde reaparecer, seguido de vários picadores a cavalo. Acabava de encontrá-los a meio caminho e, tendo enviado um à casa do Dr. Slughorn, levava os outros para transportarem o ferido.


Logo Nunsthel apareceu aos olhos da cônega e de Hermione. A primeira parou, dizendo com uma entonação que a sua companheira julgou singularmente altaneira:


— Deixo-a aqui. Já não tem mais necessidade da minha companhia.


— Que? Não quer entrar, minha senhora? Ginevra ficaria tão contente...


— Não, obrigada — respondeu ela brevemente — Essa cena me impressionou muito. Tenho necessidade de ficar só. Até logo, minha querida filha. Irei esta tarde saber notícias dessa corajosa mãozinha.


Abraçou Hermione e se afastou. A jovem dirigiu-se para a moradia do administrador. Ginevra, que passava no pátio, deu um grito de susto, ao ver o vestido da amiga todo manchado de sangue e a mão envolta numa atadura. Hermione tranqüilizou-a com algumas palavras, seguindo-a para o quarto, onde lhe narrou a tentativa de morte de que fora vítima o Conde Malfoy.


— É extraordinário! Nunca aconteceu isto em nossa floresta! Deve tratar-se de vingança muito particular — comentou Ginevra.


— As palavras desse homem bem o indicavam.


— Vejamos, vou procurar em meu guarda-roupa o que lhe poderá servir. É que não tenho o seu belo corpo! Ah! Lembro-me agora de que a nossa costureira acabou de fazer o arranjo do seu vestido branco. Só terei de lhe emprestar um casaco para voltar para Runsdorf.


Pouco tempo depois, Hermione, em seu lindo vestido, descia, seguida pela amiga. Quando chegavam ao fim da escada, a porta se abriu e o Conde Malfoy entrou acompanhado pelos picadores que traziam o ferido numa padiola improvisada.


Draco parou um instante, como que fascinado pela aparição encantadora daquela linda jovem vestida de branco, na penumbra do vestíbulo.


— O homem continua no mesmo estado? — perguntou Hermione.


— Ainda, senhorita.


E voltando-se para Ginevra:


— Peço-lhe desculpas por invadir assim o seu domicílio, Srta. Weasley.


— É uma coisa muito natural, senhor conde. Vou mandar levar esse homem para o quarto que temos reservado para os pobre vagabundos, doentes ou famintos que os guardas costumam trazer para aqui.


Poucos minutos mais tarde, o homem estava estendido na cama, num cômodo afastado. A pequena farmácia do administrador forneceu a Draco o necessário para os primeiros curativos. Depois de tratar-lhe o ferimento, o homem já repousando nos travesseiros, o conde declarou:


— Agora só nos resta esperar por Slughorn. Este homem deve ter sofrido muito. Vejam como está magro! Decerto, na última vez que conseguiu matar a fome, já estava com o estômago às costas há bastante tempo.


Hermione, que apareceu nesse momento no limiar da porta, perguntou:


— Por que atentou ele particularmente contra o senhor? Conhece-o?


— Absolutamente! Quer dar-me licença, agora que já cumpri o meu dever no caso desse criminoso, de agradecer àquela que tão corajosamente me preservou a vida e me autorizar a fazer um exame nesse ferimento?


Ela sorriu para esconder a emoção diante da magnética doçura desses olhos cinza-prateados que a fitavam ternamente.


— Uma coisa e outra não são precisas. Ginny cuidou de meu ferimento ainda há pouco e...


— Sim, mas mostre a sua mão ao conde, Mione. Ele verá melhor do que eu se algum nervo foi atingido.


— Receia a minha inexperiência, Srta. Granger? — perguntou Draco com ligeira entonação de amargura.


Ela estendeu a mão ferida.


— Não por isso! Se por acaso eu tivesse duvidado de sua competência e de sua ciência, os cuidados que prestou a esse homem ter-me-iam convencido delas.


Hermione estava, com efeito, muito impressionada pela doçura e atenção com que o jovem conde tratou aquela criatura sórdida. Se, e, lugar de um criminoso, ele tivesse tido entre as mãos um dos seus iguais, não teria podido dar-lhe melhores cuidados.


Examinando o ferimento da jovem, o conde declarou que felizmente a lâmina não atingira nenhum nervo e que a cura seria rápida. Em seguida, ofereceu-se para suturar a ferida – se Hermione não quisesse esperar pelo Dr. Slughorn.


— Não, não, pode fazer o que for preciso — respondeu ela — Tenho absoluta confiança no senhor.


Durante essa pequena operação, Hermione não pode conter alguns estremecimentos de dor. Draco, num dado momento, disse a meia voz, num tom cálido:


— Estou desolado por ver que está sofrendo por minha causa.


Ela sorriu.


— Ora, nem fale nisso! Então, o senhor gostaria mais que esse homem conseguisse o que desejava?


Terminada a tarefa de cirurgião, o conde recusou sentar-se, embora Ginevra o convidasse.


— Minha presença aqui agora se torna inútil, porque o doutor vai chegar já. Vou reunir-me à caçada, que havia deixado apenas por um momento.


— Espere aqui os caçadores, senhor conde — disse Ginevra. A caçada decerto já terminou.


Uma criada apareceu à porta e disse precipitadamente:


— Srta. Ginny, o Sr. Weasley vem chegando com Sua Alteza e outros senhores.


— Eu já o suspeitava. O nosso bom arquiduque gosta de passar uns instantes em casa de meu pai quando volta da caça. Deixo-os, para ir mandar preparar uma merenda.


Draco tomou o chapéu, que havia posto sobre um móvel, e voltando-se para Hermione:


— Deseja que eu previna o professor e Alexis, senhorita? Assim, eles ficarão menos emocionados quando a senhorita chegar.


— Oh! Eu não desejo outra coisa; agradeço-lhe...


Interrompeu-se. O ferido gemia.


— Julga que o seu estado seja grave? — perguntou a jovem.


— Não, penso que não. Mas será preciso, sem dúvida, uma pequena operação que só o Dr. Slughorn poderá aconselhar.


— E que o senhor seria capaz de levar a efeito com bom êxito, não é?


— Sim, talvez, mas não tenho o direito de fazê-la.


No olhar de Hermione ele advertia, indubitavelmente, o pensamento que lhe vinha ao espírito: “Se o senhor não tem esse direito, e se nunca o tiver, será porque o quis!” – pois a fisionomia do conde entristeceu e seus lábios se crisparam ligeiramente.


— Sim, eu quereria! — disse com voz um pouco surda, como se estivesse respondendo a uma pergunta — Quantas vezes tenho dito a mim mesmo: “Preciso afastar de mim os meus sonhos de trabalho, os ardentes desejos de ciência, de pesquisas apaixonadas...” e adivinho como a senhorita deve julgar essa atitude, Srta. Granger!


— Eu apenas lamento-o e não o compreendo...


Ele riu baixinho, e com amargura:


— Em certos casos, lamentar uma pessoa é desprezá-La!


— Não, não! — respondeu a moça calorosamente — É justamente por causa da mais alta estima que o seu caráter me inspirou, Conde Malfoy, que deploro com toda a minha alma essa cegueira que lhe oculta o verdadeiro dever. Sim, jamais eu poderia compreender o senhor aceitando a inação como se ela fosse necessidade quase gloriosa, ao passo que um futuro tão belo se abre á sua frente e que lá...


Sua mão se estendia para Runsdorf, porém ela interrompeu-se, não ousando expressão todo o pensamento.


— Sim — replicou ele azedamente — Lá eu serei sempre o Conde Malfoy, um grande fidalgo arruinado, que procurará todos os meios de esconder essa ruína, até o dia em que terá de escolher entre a miséria absoluta e algum casamento rico, talvez numa aliança desigual. Como tenho conservado certa delicadeza de sentimentos, nunca aceitarei o segundo meio e, assim, a senhorita tem à sua frente um homem destinado a morrer de fome.


Draco deu alguns passos pelo aposento e, parando junto de Hermione, que o fitava com profunda emoção, prosseguiu:


— Por que... Para que fingir com a senhorita? Sei que é bastante perspicaz e que já há muito tempo adivinhou a nossa verdadeira situação; portanto, acho inútil representar na sua presença. Já me custa tanto ter que fazê-lo com os outros! Oh! Que dura prova!


— Mas que obrigação tem o senhor de fingir?


— O passado, as tradições, que sei eu! Todos nós carregamos essa carga, e como a achamos pesada! Mamãe nos infiltrou desde pequeninos essa idéia de que pertencíamos a uma raça à parte. Vimo-la sempre, pobre mãe, dispor de tudo sem medir sacrifícios para fazer respeitar as tradições de nossa casa e há longos anos acreditamos que a honra do nosso nome nos obriga a esta farsa, a esta existência inútil. Um dia compreendi que não podia ser assim e perguntei a mim mesmo se minha mãe não se enganava. Lutei para afastar esses pensamentos e acabei me persuadindo de que afinal era esse o único caminho que tínhamos a seguir. Mas assim continuei pensando somente até o dia em que a senhorita pronunciou aquelas palavras na clareira... Lembra-se, D. Hermione?


Ela fez um sinal afirmativo, enrubescendo ligeiramente.


— Eram todas as minhas dúvidas de outrora que a senhorita suscitava, e desde então elas voltaram com mais força. Continuar um ser inútil, infeliz, sem futuro, torturado pelo pesar de uma vida vazia, ou me tornar alguém na sociedade dos pensadores e dos homens de bem, entregar-me à carreira que eu sempre amei e que amarei cada vez com maior paixão? Tal é a alternativa.


Hermione voltou um pouco a cabeça e pousou o olhar no jardim, onde o outono começava a desfolhar as árvores. Seus dedos se apertaram no espaldar da cadeira que lhe estava ao lado, os lábios se cerraram como para comprimir as palavras prestes a lhe saírem da boca.


— Em sua opinião, não há nenhuma dúvida sobre o partido a tomar, não é, senhorita? — disse ele depois de curto silêncio, durante o qual sem dúvida esperava que Hermione replicasse.


— Não posso pronunciar-me sobre isso, senhor conde — respondeu a jovem com aparente tranqüilidade — São considerações fora da minha competência, como o senhor já me fez compreender um dia.


Por sua vez, as faces do conde se cobriram de rubor.


— Que? A senhorita guardou rancor por uma palavra dita num momento de irritação? — exclamou ele com voz alterada.


— Rancor? Oh não! Apenas reconheci que o havia ferido com a minha franqueza, aliás, com pesar meu. Pela sua atitude, o senhor me fez compreender que eu havia passado os limites e que nunca me perdoaria. O senhor tinha razão, sob o seu ponto de vista. Mas também eu fiquei magoada. Sim, é verdade que não posso compreendê-lo — acrescentou Hermione, meneando a cabeça.


— Pois a senhorita pode pensar que eu não a perdoara?


O conde se interrompeu. Um clarão doloroso passou-lhe pelo olhar, que se desviara um pouco do belo rosto emocionado de Hermione.


— Oh! Senhorita, como se enganou!


Sua voz se tornara subitamente fria, mas ainda alterada.


— No primeiro momento eu me senti ofendido, confesso-o. Mas as suas palavras concordavam muito bem com as minhas dúvidas secretas para que eu reconhecesse toda a verdade que traduziam e a alta razão que as ditava.


Então, por que a súbita mudança de atitude? Hermione, entretanto, não podia duvidar da sinceridade dessas palavras e, sem hesitação, fez um sinal afirmativo.


— Eis, pois, dissipada a nuvem. Quanto à minha pergunta de há pouco, sei que foi inútil. Conheço bastante as suas idéias para saber que jamais aprovará que um homem, cheio de vida, jovem, fique de braços cruzados, esperando a catástrofe inevitável que o sepultará, mais ou menos dignamente, sob as ruínas de sua casa.


A voz e a expressão do rosto do jovem conde revelavam toda a amargura que lhe ia na alma.


— Oh Conde Malfoy! — murmurou Hermione, profundamente comovida.


— É isso o que me espera — disse ele com forçada calma — O nosso domínio foi coberto de hipotecas por meu pai. Hoje em dia vivemos do produto da venda de nossos velhos móveis, que vão desaparecendo um a um, exceto aqueles que são estritamente necessários à nossa farsa e que a honra do nosso nome exigirá que morramos de fome no meio deles. Não se poderá dizer assim que os condes Malfoy tinham falta de pão!


Um riso sarcástico crispou-lhe os lábios.


— Há momentos em que eu mesmo me desprezo por esta comédia! — continuou azedamente— Vigoroso, jovem e atraído para estudos cativantes que me dariam independência moral e financeira, sinto-me violentamente tentado a quebrar as cadeias e viver como os outros.


— E então? Dê ouvidos a essas tentações! — disse Hermione ardentemente — Esqueça as tradições que o levam para o erro. O senhor pode levantar com o seu trabalho, nobre entre os mais nobres, a sua casa arruinada; talvez, mesmo, o senhor esteja destinado a lhe dar uma glória maior, mais duradora que a de seus ancestrais e o senhor ainda hesita!


— Ah! A senhorita não calcula que preconceitos eu teria de destruir à minha volta e mesmo em mim! O espírito novo me mostra uma ampla estrada de labor, de devotamento, de felicidade, talvez. Mas é combatido pelos princípios aristocráticos, pelo espírito dos meus antepassados, esses Malfoy imbuídos da paixão do seu brasão intato, ao qual têm sacrificado os seres mais queridos, a fim de conservá-los em toda a sua integridade. Tal é a luta que se trava em mim, e dela, sem dúvida, dependerá a minha felicidade.


Dizendo estas palavras, Draco se voltou e foi até o ferido. Como este estivesse gemendo, tentou introduzir algumas gotas de calmante entre os seus dentes cerrados.


Com a mão válida, Hermione procurou sustentar a cabeça do homem enquanto Draco o fazia engolir o líquido. Quando a moça repousava a cabeça do ferido no travesseiro, percebeu na abertura da porta o Barão de Parkinson, o pai da linda Pansy. Duas vezes ela o encontrara no apartamento da cônega, muito a contragosto, porque esse homem flexível, insinuante, lhe era particularmente antipático. Nesse momento, o seu olhar tinha uma expressão malévola, que ofendeu a jovem.


Draco, que também se voltara para a porta, viu o recém-chegado e perguntou friamente:


— Que deseja, barão?


O interpelado adiantou-se, cumprimentando Hermione muito ligeiramente.


— Venho ver se poderá receber umas visitas, Conde Malfoy. O Sr. Weasley falou diante do arquiduque de uma agressão contra o senhor, e Sua Alteza manifestou o desejo de saber o que aconteceu a esse abominável criminoso. Anuncio-lhe ao mesmo tempo a chegada do Dr. Slughorn. Então, esse aí é o facínora? Poderá vangloriar-se de ter sido magnificamente cuidado e visitado! O senhor é admirável, conde, por haver tratado dessa criatura! Presumo também que ele jamais sonhou em ter enfermeira tão elegante.


E, com o olhar, designava Hermione, observando o seu vestido branco, muito simples, aliás, e que decerto a faceira Pansy teria rejeitado com desdém. Muito pouca coisa, entretanto, era suficiente para realçar a beleza, a elegância natural de Hermione e aquele encanto delicado que era o seu maior atrativo.


Alguma surpresa apareceu no semblante da jovem a essa observação, que provocou um relâmpago de irritação nos olhos do Conde Draco.


— Elegante? A palavra é exagerada — disse Hermione, sorrindo — Este vestido é simplesmente um pouco claro para a estação, mas eu não podia ficar com o outro, todo manchado de sangue. Mas vou sair daqui, porque...


— Já não o pode fazer, senhorita — disse Draco, que se adiantara até o limiar da porta do aposento e se voltava, com um sorriso meio malicioso — Sua Alteza Imperial já está aqui e não há outra saída: a senhorita terá de fazer o conhecimento forçado do nosso excelente arquiduque, o melhor homem do mundo.


O conde entrou no aposento vizinho, aonde diversas pessoas acabavam de chegar, e o Barão de Parkinson seguiu-o. Hermione colocou-se num vão da janela, esperando não ser percebida.


— E então? Meu caro Malfoy, alguém tentou contra sua vida? — disse uma voz ligeiramente trêmula — Quem foi o miserável?


— Não sei o seu nome, Alteza. Em todo caso, fiz-lhe muito mal também.


— Horace vai examinar isso. O senhor não sofreu nada e isso é o principal.


Um velho alto, de fisionomia benévola, entrou, seguido pelo administrador, o Dr. Slughorn, o Barão de Parkinson e o Conde Malfoy. Este, com o olhar, procurou Hermione e logo a descobriu no vão da janela.


— De fato, Alteza, nada sofri, graças à coragem de que deu prova a Srta. Granger.


Com um gesto, Draco designava a jovem, cujo rosto ruborizou-se intensamente ao se ver objeto da atenção geral.


— A Srta. Weasley nos contou que a senhorita estava ferida — disse o arquiduque, cumprimentando cortesmente a moça, que se adiantou e se inclinou profundamente ante ele — Mas não foi coisa grave, não é verdade? — perguntou o arquiduque.


— Agradeço a Sua Alteza. Isto não terá a menor importância.


— Já foi tratada, minha filha? — perguntou Arthur Weasley, tomando-lhe a mão.


— Sim, senhor, e muito bem, pelo Conde Malfoy.


O doutor, que já se inclinava sobre o ferido, voltou a cabeça.


— Ah! Ah! O senhor decididamente já está me fazendo concorrência, senhor conde! — disse ele com um risinho alegre — Nada tenho com que me inquietar; o trabalho foi perfeito. Vejamos agora este pobre diabo.


O arquiduque e o Barão se aproximaram do leito. Arthur fez Hermione aproximar-se da janela a fim de examinar bem a sua fisionomia.


— Ficou bem impressionada, minha pobre filha! Ginny não lhe deu um tônico?


— Sim, sim, tudo o que me era preciso, Sr. Weasley. Tenho os nervos um pouco abalados, naturalmente, mas logo se acalmarão.


— Os seus nervos são verdadeiramente muito equilibrados — observou Draco — A Srta. Hermione não se deixa atemorizar e provou a sua admirável coragem ao lançar-se generosamente na frente do golpe que me era dirigido, com bravura e firmeza de alma que podem causar inveja a muitos homens. Mas devo pedir-lhe desculpas, Sr. Weasley. Tomei a liberdade de trazer para aqui esse homem a fim de evitar um grande trajeto que poderia agravar o seu estado.


— Era esse o único partido a tomar. Nada tenho que desculpar e, assim, também tive o ensejo de receber sob o meu teto o Conde Malfoy, do qual meu filho tanto me fala.


O tom era cortês, mas de uma frieza que Hermione julgou quase glacial.


— Sim, seu filho e eu somos amigos — replicou Draco, sorrindo — Já lhe disse ele, Sr. Weasley, quanto desejo vê-lo junto com os seus filhos em Runsdorf?


— Isso é impossível, conde, impossível. Tenho numerosas ocupações.


— Ora, uma vez, de tempos em tempos, não poderia ser? Outrora as relações entre Runsdorf e Nunsthel eram freqüentes e nós não podemos esquecer a dívida que a nossa família contraiu com o senhor.


Um estalido interrompeu-o. Arthur acabava de apoiar a mão sobre uma pequena mesa que se partiu.


— Que é isso? — perguntou o arquiduque, virando-se para ele.


O administrador respondeu calmamente:


— Esta mesa decerto estava rachada pó baixo; foi bastante tocá-la um pouco bruscamente para se partir de uma vez.


Mal terminou a frase, empurrou os destroços para um canto do quarto, e Hermione notou que uma profunda ruga franzia-lhe a testa.


— Temos apenas uma pequena fratura do crânio — disse o Dr. Slughorn, que examinava o ferido — Com algum cuidado, porém, salvaremos este interessante personagem, contanto que em seu estado geral nada nos venha atrapalhar. Digo salvaremos, porque julgo, senhor conde, que o senhor me ajudará a levar a bom termo esta cura.


— Estou inteiramente ao seu dispor, meu bom Slughorn.


— Ah! Meu caro conde, só lhe resta adquirir os necessários diplomas! — disse sorrindo o arquiduque — Mas decerto nem pensa nisso, não é?


— Não, Alteza, as tradições de minha família se opõem.


— Como é admirável! — disse a voz um pouco lenta e suave do Barão — Em que estima devemos ter esses nobres corajosos que conservam intactas as tradições dos ancestrais, a pureza de sua linhagem!... Que rejeitam altivamente as idéias novas! Sim, honro esses homens de coração, baluartes das grandes idéias, que já desaparecem em nossos dias.


Draco lançou-lhe um olhar glacial ironia, enquanto o arquiduque dizia, fazendo um ligeiro sinal ao conselheiro:


— Sim, o senhor não saberia elogiar o Conde Malfoy quanto ele o merece, meu caro barão, porque ele é um grande exemplo...


Um lamento do ferido o interrompeu. Vendo que a atenção geral se voltava para aquele lado, Hermione aproveitou-se da circunstância para fugir dali. Apressadamente tomou por uma porta de serviço, a fim de não atravessar o pátio, onde vira o grupo de amazonas e cavaleiros, e logo se achou no caminho da floresta, o coração agitado pelas recentes comoções, o cérebro tumultuado de mil pensamentos.


“Que resolveria o conde? Essa alma tão bem-dotada continuaria a submeter-se a tão absurdas tradições de família?...”


Hermione nos dirá...

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