Capítulo Único

Acorrentado Estou

 

         Harry encolheu-se em seu “quarto” – seu armário. Pegou-se, novamente, pensando no seu sonho. Muita luz verde e uma queimação na testa. Ele imaginava ser o acidente de carro em que seus pais morreram.

         Ele não perguntava muito, não podia perguntar nada, e, principalmente, nada sobre seus pais, como um assunto proibido por lei.

         Às vezes, ele sonhava que um parente distante vinha e o levava, numa moto que voava! Mas, tão logo ficava feliz em pensar que isso pudesse acontecer algum dia, o pensamento evaporava. Os seus únicos parentes eram os Dursleys, seus “tios”.

Um mundo cinzento encontrei aqui

Nada de sol e não posso sair

Tio Válter diz pra eu nem tentar

Ir além dos limites, ele não vai deixar

- Acorde!... Acorde, moleque! – gritou a voz esganiçada de sua tia Petúnia, batendo com força na porta do armário embaixo da escada.

         Passos pesados pisavam nos degraus da escada – Duda ou tio Válter – e faziam muita poeira cair sobre sua cabeça e seus olhos. Confirmou sua teoria ao chegar na cozinha e encontrar seus dois tios ali.

         Férias de verão. Tinha que acordar, de qualquer jeito, cedo. Ainda tinha que preparar o café, arrumar a casa, o jardim. Tudo. Sentia-se preso a essa rotina, mas, o que poderia falar? “Não”? Seria mesmo uma gracinha brigar com o tio, que o botaria para fora e ele não teria onde ir.

Acorrentado estou

Na tirania total

Acorrentado estou

Com elos de metal

Acorrentado estou

Ouça minha canção

Meus tios dizem que é errado ter imaginação!

Por alguns segundos, enquanto comia seu mísero café da manhã de pão e leite, pensou em perguntar aos seus tios sobre seus pais, ou se tinha algum parente – aquele que o levava para longe.

Não precisava mencionar que voava numa moto. Sabia que seus tios não gostavam de coisas fora do padrão. Queriam ser superiores aos vizinhos e queriam, definitivamente, fazer Harry sumir – porque ele não era dentro do padrão.

Mas, olhando seus tios e seu primo Duda conversando, ignorando-o totalmente, decidiu esquecer essa tolice e concentrar-se em outra coisa, como, por exemplo, seu café era mísero e o café da manhã de seus tios e seu primo – preparado por ele – eram melhores.

Sim, era uma coisa segura a se pensar. Nunca falar, só pensar.

Eu desde que cheguei

Procuro alguma opção

Mas tudo que eu tento

Meus tios dizem que não

Sobre meus pais é proibido perguntar

Tio Válter parece querer me sufocar

- Hoje, moleque, você irá lavar meu carro – vociferou, com sua cara de porco púrpura, tio Válter.

         Harry só deu um aceno de cabeça, poderia ser um gesto de indiferença, mas tio Válter pareceu entender como um “Não tenho escolha, tenho?” e resmungou algo sobre Harry ser um menino ingrato.

         Depois do café, Harry passou o dia fazendo tarefas domésticas, vendo Duda entrar e sair de casa várias vezes, com sua “gangue”. Sentiu-se tentado a entrar em casa e beber água, estava uma tarde de rachar a cuca, mas, não, não entraria.

         Era mais segurou ficar ali fora, derretendo sobre o sol.

Acorrentado estou

Sem poder voar

Acorrentado estou

Sem precisar

Acorrentado estou

Ouça minha canção

Meus tios dizem que é errado ter imaginação!

         De noite, quando foi deitar no seu colchão, Harry percebeu que seu espaço estava diminuindo cada vez mais, entretanto, agradecia por ser alguém pequeno, pois não caberia ali do contrário.

         Deitou-se e fechou os olhos com força, desejando que seus pais estivessem vivos e isso fosse um sonho estúpido, mas, quando abriu os olhos espantosamente verdes, só tinha o teto de degraus da escada.

         Sonhou com a motocicleta voadora, e, no dia seguinte, fez como sempre, guardou as coisas para ele, inclusive seu sonho e suas perguntas sobre seus pais.

Acorrentado estou

Não posso nem falar

Acorrentado estou

Tampouco perguntar

Pois pros meus tios é errado ter imaginação!

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