Despedidas



As grossas gotas de chuva se misturavam com as pequeninas lágrimas que rolavam serelepes pelo rosto de Sophie Clifford e, embora ela estivesse encharcada e morrendo de frio, continuava parada, ignorando as fortes rajadas de vento que açoitavam todo o seu corpo. Havia terminado de subir um pequeno monte, de onde podia avistar a propriedade onde morara desde que nascera.


 


Correu seus olhos pela casa de três andares, os tijolos vermelhos de tamanhos variados, as grandes janelas redondas, cada qual contendo um pequeno canteirinho com flores amarelas que, em noites claras, brilhavam com inúmeras fadinhas multicoloridas... Sim, fadinhas. Porque Sophie Clifford era uma pequena bruxa de 10 anos, bem como seu pai, Vincent, e sua mãe, Freda, e toda a sua família, cuja árvore genealógica alcançava os tempos idos da Idade das Trevas.


 


- Sophie, onde você está? – ouviu a voz de sua mãe chamar, no momento em que sua cabeça aparecia de uma janela aberta no primeiro andar. – Venha, querida, você precisa terminar de arrumar suas coisas!


 


Sophie pensou por um momento em se esconder atrás do imenso e solitário carvalho que habitava o morro onde se encontrava. Mas não pôde acalentar esperanças de fugir por muito tempo, porque sua mãe já a vira, e vinha andando na sua direção sem, contudo, molhar um fio de cabelo sequer do elegante coque banana. Um imenso guarda-chuva florido e sem cabo flutuava uns centímetros acima de sua cabeça, se ajustando conforme a direção que a chuva tomava, impedindo-a do contato com a água gelada. Seu longo vestido vinho de gola alta, porém, estava com a barra encharcada.


 


- O que você pensa que está fazendo, parada aí debaixo dessa chuva?


 


- Estou me despedindo. Sabe... Dando uma última olhada na casa antes de partirmos...


 


Freda lançou-lhe um olhar de pena, passou uma das mãos pelas costas de filha e, com a outra, fez um aceno com a varinha e o já grande guarda-chuva florido duplicou de tamanho, passando a abrigar as duas.


 


 Ficaram ali por uns momentos, até que uma coruja passou veloz por elas, indo em direção à casa. Sophie saiu desembestada atrás da coruja, desejando que não houvesse espaço, ah, por favor, esteja lotado, esteja lotado...


 


Largou as botas de borracha amarelas de qualquer jeito na soleira da porta, e entrou sem se preocupar com a água que escorria das suas roupas pro chão da casa. Parou derrapando na frente sofá azul turquesa com pequenas estrelinhas amarelas que mudavam de lugar, encarando, ansiosa, o homem que estava à sua frente, abrindo um grosso envelope, de onde caíram três pequeninos bilhetes roxos.


 


  - Conseguimos – disse ele, eufórico. – Há lugar pra nós no último navio pro Brasil!


 


A expressão de Sophie murchou. Embora estivesse quase tudo certo para a partida da família Clifford, ela não podia deixar de acalentar esperanças de que alguma coisa iria acontecer no último momento, e eles teriam de continuar vivendo no pequeno povoado nas proximidades de Londres.


 


O Sr. Clifford olhou pra ela.


 


- Querida, eu sei que é difícil pra você, é difícil pra mim também. Mas Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado voltou, e não posso correr o risco de perder vocês... Tenho certeza de que ele Ele irá querer que nossa família se torne aliada, e eu não quero isso, mas também não vejo meios de recusar! Não podemos entrar em guerra declarada!


 


- Pois devíamos! – Retrucou ela, emburrada. – Não podemos abandonar todos os


nossos amigos aqui, não agora. Harry Potter está em algum lugar do país, devíamos ajudá-lo... E eu ia entrar pra Hogwarts esse ano, papai! Eu quero ir pra Hogwarts! Como vou poder freqüentar a escola no Brasil? Eu nem ao menos falo espanhol!


 


- É português, Sophie, no Brasil falam português! E tenho certeza de que lá você vai receber sua carta de admissão, há uma Escola de Magia lá.


 


Freda entrou na sala, com os olhos apertados, a irritação era evidente.


 


- Sophie! Você está molhando a casa inteira!


 


- Ora, não se preocupe meu bem. Dou um jeito nisso num instante. Sophie, suba e vá terminar de arrumar suas coisas. Partiremos amanhã, às nove.


 


E, com um aceno de varinha, toda a água do chão sumiu, e Sophie, sequíssima, pisou no primeiro degrau da escada em caracol, que rapidamente a levou pra cima, como se fosse uma escada rolante que não emitia barulho algum.


 


A escada parou no segundo andar, diante de um longo corredor, cujas paredes estavam adornadas com inúmeros quadros, espelhos e castiçais com fogo azul.


 


- Criança, vocês já estão indo? – Perguntou uma voz idosa. Sophie se virou pro quadro mais próximo, onde o busto de uma senhora de longos cabelos prateados estava pintado, e seu rosto enrugado olhava com bondade para a menina.


 


- Não, vovó. Só iremos amanhã. A senhora vai com a gente, não vai?


 


- Não, não posso. Seu avô passou cola permanente em todos os quadros, portanto teremos de ficar aqui.


 


Sophie fez cara de choro, mas se controlou e virou para subir em outro degrau da continuação da escada, deixando-se levar pro terceiro andar.


 


Parou novamente em frente a um corredor, mas esse era estreito, e só havia uma imensa porta branca na parede sem adornos.


 


- Abra!


 


E a porta se escancarou, revelando um enorme quarto, onde Sophie entrou. A cama de dossel com diáfanas cortinas brancas estava bagunçada, e a colcha de bolinhas que mudavam de cor num piscar de olhos cobria parcialmente a mesinha-de-cabeceira, de onde brotava uma pequena árvore com um tronco cor-de-rosa que emitia uma luz fraca. A um canto, um gato malhado dormia descansadamente sobre uma pilha de livros encadernados em couro. Imediatamente ao lado dos livros, se erguia uma pequena penteadeira branca, atulhada de objetos flamejantes e coloridos, sacos vazios de balas, desenhos que se mexiam no papel, penas mergulhadas em tinteiros azuis, amarelos, rosas... E uma máquina de escrever abóbora que, ao invés de letras, tinha estranhos signos gravados nas teclas.


 


Sophie tirou de debaixo da cama um malão de couro e começou a arrumar os seus pertences dentro, amontoando-os de qualquer jeito. Depois, se jogou na cama, mas acabou incomodada por alguma coisa que estava embolada na colcha... Remexeu um pouco, e por fim conseguiu ver o que era, uma pequena caixinha de música em forma de piano com detalhes dourados, cujas teclas eram feitas de pequeninas madrepérolas brilhantes. Ela assoprou o pianinho, e este começou a emitir uma suave melodia, ao som da qual Sophie adormeceu num sono sem sonhos.    

Compartilhe!

anúncio

Comentários (1)

  • youonlyliveonce

    MEU DEUS! VOCÊ TEM UM DOM INCRIVEL!! ME APIXONEI SÓ DE LER O PRIMEIRO CAPITULO!! OBRIGADA :)

    2011-06-29
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.