Josephine Black.
Capítulo dezoito.
Jimmy ainda podia sentir o coração acelerado, por mais que a raiva se esvaísse aos poucos de seu corpo, não conseguia parar de pensar no que havia acabado de acontecer. Olhou com receio para a garota que o puxava pelo pulso, se sentindo mais calmo por sua presença ali, não sabia o que dizer a ela, deveria se desculpar por ter causado aquele tumulto? Deveria pedir pra que não falasse com Chuck? Não... Não tinha esse direito, por mais que seu interior ardesse de vontade de levar Gabrielle pra longe daquele lugar.
Gabrielle havia se mantido quieta por todo o caminho até os jardins, não olhou para trás, sequer olhou para Jimmy, apenas andara rapidamente, querendo chegar logo ao destino sem ter dezenas de pessoas cochichando à sua volta. Por fim pararam na sombra do carvalho favorito de Gabrielle, a menina ainda segurando o pulso do rapaz. Olharam-se por alguns segundos, até que ele abriu a boca:
- Gabrielle eu...
- Não, Jimmy...
Ele mordeu o lábio, olhando pra qualquer coisa menos para o par de olhos castanho-escuro, lhe lembravam duas bolinhas de chocolate derretido, aqueles olhos significavam conforto, a dona deles era a pessoa com quem mais gostava de ficar, conversar, rir. Sentia aqueles olhos em seu rosto, mas não queria olhar de volta, não sabia a coisa certa a se dizer, para ser sincero, nem sabia o que sentia direito. Sentiu a leve brisa chacoalhar seus cabelos pretos, ela ainda estava ali.
- Ele estava indo falar com você; - finalmente ele disse, como se justificasse tudo.
- E você não queria deixar?
Resolveu encará-la, se perguntando o que aquela expressão no rosto da menina significava, não sabia se estava brava com ele por ter feito aquilo, mas pelo tom de voz, possivelmente.
- Não. Não posso deixar. – Jimmy suspirou, balançando a cabeça negativamente, tentando ficar mais relaxado – você não entenderia... Não... Não consigo suportar a forma como ele te olha, como se fosse um objeto, alguma coisa pra provar que ele...
- Jimmy. – interrompeu.
- O quê? – suas duas piscinas azuis piscaram.
- Você ainda não esqueceu a Hannah?
- Não é isso... Claro que já esqueci! Ah... Gabrielle... Esse cara é tão idiota... Ele quer tirar você de mim, quer te usar, quer te deixar triste e...
- Não temos nada, Jimmy.
- Eu sei que não têm... Ainda...
- Somos só amigos ok?
- Não quero te impedir de ter amigos, Gabrielle... Mas achei que depois do que ele fez quando você tentou ajudá-lo não fosse mais querer falar com ele... E eu particularmente aprovo essa decisão... Não vou deixar aquele esnobe te tirar de mim... Quem ele pensa que é pra me privar da única coisa boa que eu tenho? Da única pessoa importante de verdade pra mim? Ele não vai... Não vai fazer joguinhos com você.
- Ei... Jimmy, não aconteceu nada... Eu sei que ele é um cara difícil, mas você não precisa ficar tão preocupado ok? Ele tem uma namorada, e não vai se livrar dela tão fácil... É besteira...
- E você acha que ele se importa? Andando pelos corredores como se fosse o dono do mundo, como se nada e ninguém pudesse... – Jimmy passou a mão nos cabelos pretos, ficando nervoso – ele tem todas as garotas Elle, você não entenderia. Tem alguma coisa nele, esse jeito... As meninas ficam loucas. Ele pode ter quem quiser, e justo você... Quem eu quero de verdade, não é justo!
Gabrielle olhou bem pra Jimmy, o menino estava com uma expressão tensa, profundamente chateada, seus olhos estavam marejados.
- E você aparentemente não se importa com isso... Deve estar achando que eu sou um grande chato atrapalhando vocês dois. Desculpe por isso então, é melhor eu ir embora.
Ele deu outro longo e profundo suspiro, como se estivesse unindo forças para obrigar o corpo a se mover dali.
- É assim que você diz que me quer, James? – ele ouviu a voz da menina ficar séria.
- Eu quero... Você sabe que sim. Mas acho que você não...
- Eu disse alguma coisa? Pelo amor de deus, não seja um boboca.
A próxima coisa que Jimmy viu foi os braços de Gabrielle em volta de seu pescoço, seu rosto próximo, preocupado. Sentiu uma lágrima quente queimar a pele enquanto descia pelas bochechas.
- Você tá chorando? – ela mal pôde esconder o tom de surpresa na voz, segurando o riso.
- Claro que não, deve ter caído alguma coisa da árvore no meu olho... Árvore estúpida... – Jimmy apressou-se em enxugar os olhos rapidamente, mas mais lágrimas continuavam vindo.
- Nossa, deve ter caído um galho todo de ciscos nos seus olhos.
Ela sorriu, apertando seu corpo contra o de Jimmy, nunca havia tido tanta certeza de que alguém gostava dela, nunca se sentira tão bem perto de alguém. Fechou os olhos por um instante e deitou a cabeça em seu ombro, recebendo perfeitamente bem as mãos do menino, que a apertavam num abraço forte.
- Eu nunca disse que gosto dele... Só não quero que você se prejudique como monitor, você tem que dar bom exemplo, não deixar que ele te tire do sério... – sussurrava docemente em seu ouvido.
- Mas ele ia falar com você...
- Deixe que fale... Não confia em mim? Nada vai acontecer, ok? Eu sou sua.
Silêncio por alguns minutos, apenas carícias nos cabelos.
- Eu te amo. – ela finalmente disse.
- Você tá perdendo a aula do Snape...
- Se dane o Snape.
- Também amo você.
Ela selou seus lábios nos dele.
_____
O dormitório estava vazio, não se ouvia nada além de sua respiração. Encostou a testa na janela manchada de branco pela neve, sentiu o frio tomar conta de todo o seu corpo, de olhos fechados, apertou o frasco prata contra o peito. "Não vou..."
Apertou os olhos, tentando ignorar os pedidos de seu corpo, mesmo sabendo o que viria em seguida. O frasco prateado caíra de sua mão, já vazio.
A mansão dos Black estava quase sem luz no andar de cima, a não ser por um quarto iluminado fracamente. O silêncio pairava como se fosse sólido, e num dos cômodos da casa estava o pequeno Chuck Black. Não devia ter mais de quatro anos, sentado inocentemente em sua cama abraçado com um urso duas vezes maior do que o seu tamanho, tentava dormir, mas o choro de sua irmãzinha não o deixava fechar os olhos.
"Por que Josephine não dorme? Acho que ela quer que eu cante pra ela..."
O casal Black não estava em casa, tinham saído para jantar fora e deixado os dois pequenos filhos, Chuck Black e Josephine Black, aos cuidados de uma babá que atualmente descrevia a sala da casa para seu namorado no telefone, enquanto o pequeno Chuck descia de sua cama.
O garotinho de olhos cinzentos tinha medo do escuro, se perguntava se alguma coisa podia machucá-lo, se algum monstro surgiria das sombras e correria atrás dele... Afastou o pensamento, apertando o passo, segurando o urso gigante perto de si – Josephine precisava dele, não podia deixá-la sozinha, tinha que cuidar da irmã.
O quarto da menina era decorado em rosa claro, cheio de mimos e decorações de extremo bom gosto, e no centro do cômodo era possível ver uma garotinha que chorava dentro do berço de dossel transparente.
Chuck se aproximou, meio desajeitado pelo peso do ursinho, o colocou de lado e sorriu para a irmã.
"Oi irmãzinha... Não precisa mais chorar, estou aqui agora, vim cuidar de você... Olha quem eu trouxe, achei que ficaria feliz se o Sr. Urso viesse fazer companhia..."
A menininha era linda, tinha cabelos delicados de bebê num tom claro de castanho, cabelos que tantas vezes o irmãozinho mais velho penteara, por mais que não fossem maiores do que os dele próprio. "Josephine, você parece uma princesa... Quando eu for grande, vou comprar pra você um castelo, e vou te proteger de todos os monstros malvados"
Chuck ficou triste ao ver que sua irmã continuava chorando muito, não havia nada no mundo que o deixava mais triste do que ver o rostinho de Josephine cheio de lágrimas.
"Josie... O que você quer? Quer que eu cante pra você?" Ele colocou a mãozinha por entre as grades do berço branco e acariciou os cabelos sedosos da irmã, enquanto começava uma música de ninar.
Josephine ainda chorava arduamente. Chuck não estava gostando daquilo, resolveu tentar outra coisa para acalmar... Que tal uma história? Então ele arrastou um banquinho decorado até o berço, ficou de pé ali, lendo os contos de Beedle, o Bardo.
O choro não parava, cada vez mais agudo. Deixava Chuck tonto, preocupado, o desespero pelo choro da irmã ardendo dentro dele. Estaria sentindo dor? Medo? Se sentia sozinha?
Viu as cortinas farfalhando levemente: Talvez fosse o vento que a estivesse deixando com medo. Fechou as janelas, mas o rostinho de Josephine ainda estava vermelho, se contorcendo num choro desesperado. Colocou o Sr. Urso com dificuldade para dentro do berço na esperança de que a agradasse, mas só pareceu piorar.
Olhou para o Hall escuro da casa, franzindo o cenho. Correu para seu quarto para pegar a espada que costumava usar para lutar contra dragões antes de dormir e mais uma vez desafiou o escuro da mansão.
Chuck desceu as escadas e correu para a babá largada no sofá, enrolando o fio do telefone nos dedos – o telefone que seus pais usavam para emergências trouxas – e rindo loucamente de alguma gracinha do namorado.
"Mary... Josie está chorando, preciso da sua ajuda..."
Mary, a babá, revirou os olhos, muito incomodada em largar o telefone por alguns minutos.
"Espere um pouco amor, é o pirralho dos Black" ela afastou o telefone da orelha "E daí? Bebês choram, fazem isso o tempo todo..."
"Não... Já vi Josie chorando antes, o rostinho dela nunca fica vermelho... E acho que ela não consegue respirar... Me ajuda Mary..."
"Já vou. Espere um minuto." Disse ela de má vontade, retomando o papo com o namorado como se não tivesse sido interrompida. "Era só uma bobagem com a irmã chorona dele... Provavelmente não é nada."
Chuck apertou o punho em volta da espada, imaginando Mary como um grande dragão ossudo e magrelo, e desejou lutar com ele. Bufou o saiu correndo de volta pro quarto da irmãzinha, ainda na agonia do choro.
"Estou aqui... Não precisa chorar, vou cuidar de você pra sempre, eu prometi, não se lembra?"
O menino subiu no banquinho e abaixou a grade do berço com esforço, pegou na mãozinha minúscula de sua irmã, apertou carinhosamente enquanto depositava um beijinho no topo de sua cabeça e a abraçou, mas isso não foi o suficiente para cessar o choro. Mary não vinha, já fazia vinte minutos... Talvez se Chuck levasse Josie até ela, Mary poderia ver o que tinha de errado com a bebê...
Abraçou o corpinho de Josephine com cuidado, puxando a irmã consigo. Subiu no banquinho com a bebê, sentindo seus bracinhos se chacoalharem por causa do choro, e seu rostinho vermelho se contorcendo... Sua voz aguda perfurando os tímpanos do irmão.
A apertou mais forte contra si e olhou para o chão, tentando descer sem cair. A histeria da irmã agora extrema, se chacoalhando, gritando, puxando os cabelos do irmão com as pequenas mãozinhas... Ele perdeu o equilíbrio.
Chuck acordou alguns minutos depois, demorou mais alguns minutos para se lembrar porque estava deitado no chão do quarto da irmã, e se lembrava de tentar tirá–la do berço... Onde estava Josephine, afinal? Sentiu algo molhado conforme mexeu seu braço, um líquido vermelho sujava sua roupa, um líquido abundante, vindo de uma poça... O que seria aquilo?
Sangue. Muito sangue.
A irmã não chorava mais.
"Josie?"
Ele olhava para o corpo inerte de sua pequena princesa. Os bracinhos estendidos ao seu lado, como se estendidos para receber a morte. Os pequenos olhos vidrados, uma última careta da dor que a levara pra sempre, a poça de sangue já extensa ao lado da cabecinha de sua irmã.
A morte a levara, era tudo culpa dele... Como podia ter derrubado Josie?
Não conseguia respirar, não falava, só ficou ali deitado, olhando. Não conseguiu chorar nem gritar, esperando que o líquido vermelho desaparecesse e sua irmãzinha piscasse os lindos olhos e sorrisse.
Mas nada daquilo aconteceu, no fundo ele sabia que nunca mais veria os olhos dela, não pentearia seu cabelo, não lhe compraria um castelo ou a protegeria de monstro algum, Josephine estava morta, e a culpa era sua, e seus pais fizeram questão de acentuar sua culpa através dos anos, culpando–o por não ter chamado a babá.
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