O quadro de Slythetin.



                                            Capítulo dezesseis.


 


 


O dia em Hogwarts não era radiante, o sol não estava brilhando intensamente no céu, mas estava lá impedindo que o vento tomasse conta do clima. Final de semana, uma grande quantidade de alunos se ocupava em preencher o gramado e os jardins, fazendo o que sempre faziam: enchendo o ar de sons e risos. Gabrielle não era um deles. Estava sozinha, sentada embaixo de seu carvalho favorito à uma hora, desenhando uma dupla de calouros que brincavam de pega-pega. Descansou o corpo tenso no tronco, suspirou e fechou os olhos, largando pena e qualquer coisa que pudesse repousar em seu colo. Estava louca pra ficar um pouco sozinha, por isso não chamara nenhum amigo, e procurara sair de fininho entre as pessoas na Sala Comunal. Não demorou muito, ouviu passos.


 
- Elle? Você está bem?


 
Gabrielle abriu os olhos lentamente, desnorteada.


 - Ahm? Alice... Ah, oi. Sim, tô bem sim. Só estava relaxando um pouquinho... Tudo bem?


 Sentiu um alívio por não ter que ficar sozinha aturando os próprios pensamentos, por mais que quisesse um pouco de sossego Alice era uma boa companhia e não incomodava nada ficar perto dela, então abriu um sorriso e a convidou pra sentar-se ali.



 - Tá fazendo o que aqui sozinha? – Alice observava um calouro fugindo descontroladamente de um frisbee dentado.
- Só observando, cansei de estudar. – ela passou a mão pelo cabelo desgrenhado e riu – e você?


- Só coçando mesmo... Mas vi você aqui e me lembrei de uma coisa: quero saber tudo o que aconteceu ontem, tudinho.


 


Aah, esse assunto não, por favor.


 


- Ele foi perfeito, Lice.


 


E depois de contar tudo sobre a noite anterior para Alice, Gabrielle começou a desabafar sobre o que sentia por Jimmy, que não estava apaixonada, e se sentia culpada por isso. Contou sobre sua amizade com Felicia e depois o problema com Chuck, da forma que ele a deixava estressada, mas que o rumor sobre a bebida a deixara preocupada. Contou também sobre os dois na Sala Comunal, e sobre como estava irritada com Wes por não investir em Emily, apesar disso não ter nada a ver com o assunto.


 


- Nossa...
- É eu sei.
- Eu nunca ia imaginar que tudo isso estava acontecendo com você, que droga hein?


 


Gabrielle riu


 


- É uma grande droga...


- Por que você não se afasta um pouco de tudo isso? Tipo não pensar mais nisso, se afastar dessas pessoas... Não ia ser melhor?
- Não tem como... Quem me dera.


- Não fica assim amiga, isso vai passar. Todas as coisas passam, por mais que isso pareça um clichê gigante, é a pura verdade... E quando você menos esperar esse Chuck vai parar de te encher o saco, o que mais ele pode querer, namorando com a gostosona da Felicia?


- Eu não me importo com o Chuck Lice. E o Jimmy?


 


Alice mordeu o lábio inferior e arrancou uma folhinha de grama perto do seu pé, pensando numa maneira de dizer o que pensava.


- Olha, vou ser sincera com você porque é isso o que os amigos fazem, e mais ainda as amigas... Eu acho que se você acha que não vai ser capaz de corresponder... Sabe, nunca corresponder, então eu acho que deveria falar com ele e se desculpar, deixar o menino iludido não é bom... Vai machucar mais. Maaaas se você acha que com o passar do tempo pode ser capaz de sentir o mesmo – porque você sabe que essas coisas com sentimento são complicadas e demoradas – então não vejo porque deixar de investir.


- Você está certa, acho que vou esperar um pouco. Na verdade quem está indo muito rápido é ele.


- Por que você não fala isso pra ele? Diz que ele está indo rápido demais e que você vai chutar aquele traseiro de monitor se ele não desacelerar.


- Ótima eloqüência. O que será que ele diria?


 


As duas riram.


 


- Vamos sair dessa fossa e fazer alguma coisa interessante... – sugeriu Alice, deixando os olhinhos brilharem maliciosamente.


- Tipo o quê?


- Tipo o que a gente fazia quando éramos pequenas... Nossa, nós éramos duas pirralhas endiabradas, o que aconteceu com a gente?


- Crescer é uma porcaria... – Gabrielle revirou os olhos, relembrando das coisas que fazia quando menor.


- Você fala como se fossemos duas velhas corcundas, anda! Sai dessa fossa que não te pertence! Vamos queimar alguma coisa!


- Alice... – um sorriso muito malicioso acabara de surgir no rosto da menina – Faz muito tempo que o quadro de Slytherin não ganha uma visitinha minha...


- O que você quer dizer? – franziu o cenho.


 


_________


 


 


As duas amigas se empoleiravam na virada do corredor, olhavam nervosamente para os lados para ver se Snape ou algum aluno espreitava por ali. Nada, tudo completamente silencioso.


 


- Você nunca me contou que fazia isso... – Alice sentiu um arrepio subir pela espinha, aquele corredor de pedra era frio, sombrio e assustador.


- Nunca contei pra ninguém... – riu a menina, se adiantando pelo corredor – anda, não podemos demorar muito, Snape vive vagando por aqui, a sala dele é ali na frente.


 


Gabrielle puxou Alice pela mão, levando a amiga até um quadro grande de moldura prateada.


 


- Olá querido Salazar, sentiu minha falta? – mordeu o lábio inferior.


- Ah não... Você outra vez? – Ele tentava disfarçar o nervosismo na voz, mas olhava para os lados pelo canto dos olhos – você vai ver só... Como ousa? Eu sou um nobre, de sangue azul, como umazinha como você ousa simplesmente olhar para mim? Mantenha suas mãos imundas longe de Salazar Slytherin!


 


O quadro de Slytherin era muito bonito, uma pintura Acadêmica perfeitamente executada. Onde Salazar Slytherin aparecia com toda sua beleza na casa dos trinta anos, os olhos acinzentados que de tão frios lembravam gelo, os cabelos loiros lisos na altura das orelhas, a pele clara, o nariz arrebitado, sem falar que a barba aparada mantinha nele um ar másculo e maduro. O fundo do quadro era decorado com panos verde e prata, e um emblema da Sonserina pairava ao lado de Salazar, brilhando em toda sua perfeição. A boca de Alice se abriu ao ver Gabrielle rir e tirar do bolso das vestes uma caneta preta.


 


- Alice, você sabe que as canetas dos trouxas são muito melhores no quesito rabiscar obras de arte. – Slytherin engoliu a seco – Quer ir primeiro?


- Discórdia! Discórdia! Como ousa? Amaldiçôo sua família traidora do sangue! Quem lhe deu o direito de profanar a mais nobre obra de Hogwarts?


- Cala a boca – Gabrielle desenhou um zíper na boca de Slytherin – é, é. Blábláblá todos nós sabemos que você é muito bom e sangue puro. Fique quieto.


- Hum! Hum! Hum! Hum! Hum! – Salazar protestava, sacudindo o dedo para as duas meninas, decidido.


- Alice, o que você acha de um bigode bem aqui?


- Parece perfeito... – Alice chegou mais perto, se divertindo.


- Um pouco de batom também é legal... Uma monocelha, uns pelos nas axilas, uma faixa de Miss Verão.


 


As duas choravam de rir enquanto Slytherin resmungava sem poder fazer nada.


 


- Olha só que pitchuca! Vamos ter que tomar cuidado com essa aqui, Elle... Vai roubar nossos namorados se não nos cuidarmos!


 


Slytherin estava furioso, fazendo gestos muito obscenos pra quem tem sangue azul com os dedos.


 


- É bom ver que nem todos os alunos apreciam um dia longe das masmorras... Afinal, preferem vir aqui e violar as obras de arte feitas por artistas de verdade... Mas vocês não entendem isso, entendem? Tsc tsc... Sei que é pedir demais pra cabecinha desmiolada de vocês duas. É um conceito muito além de mentes incapacitadas. Mas fico feliz que apreciam o ambiente das masmorras, pois irão passar o final de semana aqui. Cem pontos a menos para a Grifinória, cinquenta por cada uma.


 


Snape se esgueirara pelo corredor silenciosamente, e seus olhos frios e negros fuzilavam as duas. Alice prendeu a respiração e apertou forte a mão de Gabrielle. Snape não estava sozinho, Chuck Black estava parado em seus calcanhares, estava sério, o cabelo desgrenhado, mas suas roupas estavam impecáveis como sempre. Gabrielle retribuiu o olhar do menino quando sentiu que Chuck a olhava.


 


- É realmente uma pena ver o futuro dos alunos hoje em dia... Principalmente os da Grifinória – e crispando os lábios, deu um sorriso malicioso – Vocês três já deram grande prejuízo à amada casa de vocês, principalmente o senhor Black aqui. Detenção, os três. Agora.


 


Alice olhou para Gabrielle com cara de quem ia desmaiar, mas depois ficou séria, seguindo o professor até sua sala.


 


- Como sei que gostam bastante de sujeira, vocês atrevidos, então é com sujeira que vão ficar, que é o lugar a onde pertencem. Naquelas prateleiras temos vísceras de bode, quero que a coloquem em diferentes vidros, na mesma quantidade em cada, sem ajuda de magia, ou seja, com as próprias mãos.


 


Chuck olhou pro monte ensangüentado com dificuldade, parecia tonto. Riu baixo e se apoiou na mesa do professor.


 


- Não vou por minhas mãos aí. Nem que você me pague pra fazer isso.


- Ah vai sim, Sr. Black. E vai fazer isso com o maior sorriso nos lábios.


 


Snape acenou com a varinha, de repete Chuck estava sorrindo contra a vontade e se dirigindo para as vísceras.


 


- Irão por bem ou por mal, senhoritas? – Snape sorria de forma doentia.


 


As duas horas seguidas foram um pesadelo. Snape os fizera trabalhar com as vísceras, e depois rotular os vidros sem conversarem entre si, sem ao menos olhar uns para os outros. Quando estava acabado, Snape anunciou com a voz baixa e perigosa:


 


- Espero que tenham gostado, e terei prazer em revê-los novamente. Pra vocês duas senhoritas insolentes foi só por hoje, mas você, Black, mais uma semana em minha sala durante o mesmo horário.


 


Os três correram para o banheiro mais próximo limpar as mãos. Alice estava em estado de choque.


 


- Lice... Desculpe, eu não deveria ter te trazido comigo... – Gabrielle observava o rosto da amiga com preocupação.


- Tudo bem, eu quis vir – deu de ombros.


- Foi culpa minha de certa forma... Você passar por tudo isso, ai meu deus, onde eu estava com a cabeça? Não sou mais uma caloura... – Bateu com a mão limpa e perfumada na testa.


- Não...Eu... Eu não ligo pra todo aquele sangue, o que me deixou puta foi a quantidade de pontos que ele tirou da Grifinória... Meu deus Elle... Estamos ferradas! – Alice cerrou os dentes de raiva de Snape, seus olhos faiscando.


- Sabe o que eu acho daquele Snape? – sorriu.


 


E Gabrielle desatou a declarar todas as palavras sujas que conhecia, e quando acabaram, começou a inventar várias. Saíram do banheiro menos tensas e dando boas risadas, mas seus sorrisos se desmancharam assim que viram Chuck Black caído e desacordado, com as costas apoiadas na parede.


 


- Chuck? – Gabrielle se ajoelhou ao lado dele – CHUCK? - deu-lhe um tapinha no rosto.


- ELLE ELE MORREU?


- Não grita pelo amor de deus, se Snape pega a gente assim, estamos mais ferrados!


- O que a gente vai fazer? Vamos chamar a Madame Pomfrey!


 


Gabrielle tentou pensar no que fazer, mas acabou por assentir, olhando para uma Alice muito nervosa que no momento tremia tanto que seus dentes até batiam.


 


- O que tem de errado com ele?


- Deve ter bebido muito... Simplesmente apagou...


- Meu deus... Quer ficar aqui enquanto eu chamo a Madame Pomfrey? – ofereceu Alice


- Tudo bem, esperamos você aqui... Não demore por favor...


 


Sua mão tremia enquanto apertava a de Chuck, por mais que não gostasse muito daquilo, se preocupava com o que ele andava fazendo a si mesmo.


 


- Nada de Madame Pomfrey... – ele sussurrou, os olhos abertos em pequenas fendas cinzentas – Só me ajudem a me levantar pelo amor de deus.


- Você vai pra Madame Pomfrey, Chuck! – Alice colocara as duas mãos nos quadris, olhando pra ele com desaprovação – quer morrer?


- Você está louco? Primeiro você bebe até quase bater as botas, leva uma detenção e depois não quer saber de enfermaria? – Gabrielle colocou a mão na testa do rapaz.


- Elle – sua voz estava mais forte agora, e sua mão apertou o pulso da menina com força enquanto seus olhos intensos procuravam os dela – Eu não posso ir pra enfermaria, está ouvindo? Vou me lascar.


- Então é exatamente pra lá que eu deveria te levar, se tem alguém que merece se lascar nesse momento é você!


- Olha só quem fala, a santinha. – ele achou forças pra sorrir debochadamente – vai, me ajuda a levantar de uma vez.


 


Gabrielle cerrou os dentes e suspirou. Puxando Chuck pra cima com a ajuda de Alice.


 


- Pra onde o senhor quer ser levado, realeza? – os braço de Chuck estavam apoiados um em cada garota, e Gabrielle estava se segurava pra não socar aquela cara presunçosa.


- Pro dormitório masculino, obrigado. E quem é você, meu amor? – Chuck finalmente percebera a beleza de Alice, lançando-lhe um sorriso particularmente intimidador.


 


Alice corou violentamente e deu uma risadinha nervosa. Gabrielle revirou os olhos.


 


- Como eu nunca te vi antes? Você é da grifinória...


- Pelo amor de deus, estamos no meio de um coma alcoólico aqui! – ela beliscou Chuck com força na cintura.


- Ai!... Ei.


- Mas Elle, nós não podemos entrar no dormitório masculino, como é que vamos ajudar Chuck a entrar lá? Ele não tem condições de subir aquela escada sozinho, olha só pra ele.


- Nós podemos entrar no dormitório masculino, os meninos é que não podem entrar no nosso, Lice.


- O que é uma grande injustiça. – Chuck ria alegremente, claramente sobre o efeito da bebida – Porque poderíamos fazer grandes festas se eu pudesse, não acham?


- Eu acho é que você é um bêbado idiota.


 


Ele parou de andar de repente e apoiou mais seu peso nas duas enquanto fechava os olhos.


 


- Você está bem? – Gabrielle perguntou.


 


Chuck balançou a cabeça negativamente, e quando abriu os olhos, ela pôde ver duas lágrimas saindo dos olhos dele.


 


Ai meu deus. Pensou.


 


  _________


 


- Alice, obrigada pela ajuda... Obrigada mesmo... Mas daqui pra frente eu assumo com ele. Precisamos conversar.


- Tem certeza? Não precisa de ajuda? Elle... Ele vai ficar bem? – a menina lançou um olhar nervoso para Chuck.


- Vai sim, obrigada Lice... – e Gabrielle abraçou a amiga com força – quando eu voltar pro dormitório te conto ok?


 


Alice assentiu e saiu correndo, deixando Gabrielle e Chuck a sós. Os colegas de Chuck não estavam ali, e Gabrielle pensou em como essa coincidência havia sido ótima, poderiam conversar em paz. Olhou pro rapaz deitado confortavelmente na cama de dossel e suspirou, como queria dar outro soco nele... Mas sem o soco ele já estava bastante mal, respirava fraco, suava frio. Sentou-se ao seu lado na cama.


 


- Ok Chuck, o que está acontecendo? Por que você está desse jeito?


- Eu estou ótimo...


- Por que está bebendo tanto?


- Não... Não quero falar nisso ok? Agora da pra parar de insistir?


- Não, não dá. Olha só pra você. Não gosto de te ver assim e quero dar um fim nisso.


 


Ele riu, passando a mão pelo cabelo que começava a grudar na testa.


 


- Acredite em mim meu amor... Não há nada que você possa fazer.


- Vai, me conta, quem sabe?


- Você não pode.


 


Ela suspirou, ia ser mais difícil do que pensava.


 


- Por que está bebendo desse jeito Chuck?


 


Gabrielle estava nervosa, e o cinismo dele não estava ajudando. Não gostava do que via, ele estava começando a suar frio, tinha ajudado ele a tirar o casaco pesado, mas mesmo assim, ele não tinha melhorado. Chuck desabotoou os três primeiros botões da blusa social branca e afrouxou a gravata vermelha e dourada.


 


- O negócio é o seguinte – ele de esforçou pra dizer enquanto tentava se sentar com dificuldade – Eu não vou dizer, porque não é da sua conta. Dá pra me deixar em paz?


 


Você está sendo boazinha novamente, sua idiota, e olha como as pessoas tratam você. É isso o que você quer? Pro resto da vida? Talvez você mereça cada coisa que acontece. Perdedora idiota.


 


- Não é da minha conta te impedir de se matar? – tentou ignorar a vozinha dentro de sua cabeça, aquilo era uma exceção: ele estava passando mal de verdade.


- Não, não é. A vida é minha, entendeu? Agora me faça um favor e volte pro seu dormitório e finja que não me viu hoje, vou ter o prazer de fazer o mesmo.


 


Seu queixo caiu, como ele podia ser tão ingrato? Ela devia ter entregado esse babaca à Madame Pomfrey, e Dumbledore ia ficar sabendo o que tinha acontecido, e ele seria expulso e todos ficariam felizes, inclusive ela, que nunca mais teria que olhar pra ele novamente. Ferraria a vida dele e a de Felicia, que ficaria absolutamente desolada. Sentiu algo fervilhando por dentro e subindo, cerrou o punho e fechou os olhos, se concentrando para acalmar a raiva, para ignorar novamente as palavras cortantes.


 


 É tão típico de você... Por que não se ajoelha aos pés dele e oferece uma massagem?


 


- Que foi? Vai chorar? – ele arqueara as sobrancelhas e a olhava.


 


PAF. Uma mão acertando um rosto. Um tapa. Uma cabeça virada pelo impacto. Um garoto passando a mão de leve no local com a marca vermelha da mão da menina.


 


- Você... – ela ouviu a própria voz sair num sussurro ameaçador – é o ser mais desprezível que jamais conheci em toda minha vida...


 


Gabrielle se levantou bruscamente, sentindo as lágrimas quentes queimarem seu rosto conforme desciam. E Então ela deixou o dormitório.

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