PRÓLOGO



PRÓLOGO


Ilha de Beannacht, oeste da Irlanda, 1842


 


Três pares de faiscantes olhos verdes estavam fixos na reunião que ocorria na sala de visitas. Três rostos juvenis repousavam sobre as mãos, agarradas ao gradil da escadaria.


— Por que estão rindo? — perguntou Harry, o mais novo. — Não se deve ficar triste quando alguém morre?


— Apenas se você gostar da pessoa que morreu — respondeu Neville, com a autoridade de sua condição de mais velho do trio.


— Eu gostava da vovó. — Harry suspirou.


— Todos gostavam, seu tolo. — Carlos, somente um ano mais novo que Neville, lançou a Harry um olhar fulminante.


— Então, por que todos estão rindo? — Harry indagou pela décima vez em meia hora.


Seus dois irmãos o ignoraram, perdidos na contemplação do encontro.


O ruído de pratos e talheres sobrepôs-se às vozes dos convidados e pontuou a balbúrdia reinante no local. A pior tragédia que os três irmãos Potter haviam enfrentado parecia estar sendo comemorada em grande estilo.


Saindo do posto de observação, eles desceram os degraus. Notaram que a porta da saleta, à direita do saguão, permanecia aberta, como acontecera em todos os dias de suas jovens vidas, à espera de que entrassem.


A um canto, a cadeira de balanço preferida da avó estava recoberta com o xale verde que ela costumava usar, como se fosse testemunha do frio de uma sepultura e da lareira apagada. Eles acenderam as lamparinas e remexeram os carvões na lareira até conseguirem uma débil chama. Procuravam restaurar um pouco de normalidade naquele lugar santificado. Respiraram fundo, reconfortando-se com o aroma de rosas que pairava no ar.


Carlos socou o caixilho da janela.


— "Deixem passar o que for necessário, meus caros. E permitam a entrada do que carece entrar." — Ele recitou conselhos que a avó lhes dava a cada noite, antes de começar a contar histórias.


É sábio o homem que aprende a abrir mão do que não lhe pertence e a aceitar o que lhe é oferecido de graça, ela dizia por vezes, sem ganhar a total compreensão do pequeno Harry.


— Vamos fazê-lo então. — Neville estava sentado diante da lareira.


Fungando como se fosse chorar, Harry mostrou relutância em acomodar-se no chão, mas Carlos virou os olhos, contrariado, e puxou-o para baixo, a fim de que se juntasse aos irmãos. Ele esfregou a luva no nariz e manteve a paz.


— Temos de estar prontos para a bênção dos Potter a qualquer momento. E precisamos dar atenção a ela, porque uma bênção perdida se transforma em maldição. — A voz de Neville ecoou no recinto enquanto os irmãos se aconchegavam entre si.


Ele agora tinha a missão de contar e recontar a história no lugar da avó, com todas as inflexões que a velhinha costumava adotar, sem omitir uma só palavra nem um vislumbre de magia.


— Mas como vamos saber? — Harry indagou, apressado.


Dessa vez, a questão fazia parte do ritual.


— Você saberá — Carlos lhe assegurou.


— Todos saberemos — Neville reforçou a afirmação, olhando para os irmãos. — Haverá um som prolongado que ninguém mais poderá ouvir, uma visão impossível de se esquecer, um sentimento que será para sempre lembrado. Isso está no sangue de todos os Potter. — Desmanchou com os dedos os cabelos negros de Harry. — Você não só saberá, como também terá de fazer uma escolha: desfrutar a bênção ou sofrer a maldição.


O distante trovejar de uma tempestade em alto-mar intensificou o negrume da noite. A fragrância de lavanda era trazida pela brisa que entrava pela janela. Harry arrepiou-se, com os olhos dilatados de deslumbramento, embora ainda vermelhos devido às horas seguidas de pranto.


— Eu preferiria que vovó contasse a história... — disse em tom pesado, em virtude da perda que afetara os três irmãos.


Os três olharam ao mesmo tempo para a cadeira de balanço vazia. Harry soluçou, e Carlos o empurrou, mas seus lábios estavam trêmulos de emoção.


— Chega, Harry. Já prometemos nos lembrar... Não recomece a se lamentar agora.


— Sim — Neville interveio. — E você prometeu à vovó que não choraria feito um bebê.


— Estou tentando... — A resposta de Harry foi seguida de uma torrente de lágrimas. — Sinto falta dela...


O vento forte sacudiu as cortinas, e Neville e Carlos trocaram um olhar. As imagens de uma colina varrida pela tempestade e um túmulo recém-cavado assombraram-lhes a memória. Tudo era tão recente!


Com um suspiro, Neville ajoelhou-se perto de Haryy.


— Todos sentimos falta da vovó, entendeu? Sempre teremos saudades. E ela sabia disso. Por qual outro motivo nos faria prometer recontar a lenda da bênção de nossa família?


— Porque é importante — Harry murmurou.


— Mas também é uma maneira de nos mantermos próximos de nossa avó.—Neville segurou de leve o queixo do irmão mais novo. — Portanto, pare com isso. Não conseguiremos contar a história se você continuar chorando.


Harry enxugou o nariz na manga do casaco e, esboçando um sorriso, jurou que não iria mais chorar. Não muito, fez a ressalva. Antes que um novo desentendimento se iniciasse, Neville acrescentou:


— A bênção faz parte da família Potter há muitas gerações.


— Mas não quer dizer que vá terminar conosco, a nona geração. — A ansiedade de Harry contagiou a atmosfera da sala.


— Não, seu tolo. — Carlos fitou o irmão caçula. — O relato menciona nove sobre nove gerações. Ou seja, oitenta e uma.


— Nove sobre nove — ecoou Neville, ignorando a fúria de Carlos. — Todos os Potter precisam tomar cuidado e ficar em alerta até que recebam um grande dom: uma prova de estima, uma promessa, uma imensa gratidão. — A luz de um relâmpago distorceu as feições solenes do menino. — Por oitenta e uma gerações, os Potter terão de optar entre a alegria e a tristeza, escolhendo a bênção ou a maldição.


Após uma breve pausa, Neville continuou explicando:


— O momento da escolha pode vir com a tempestade ou com as gotas de orvalho. Pode voar até o passado ou dançar no ritmo de uma canção. Saber reconhecer o instante mágico é a nossa tarefa, o resto virá naturalmente.


— Isso mesmo! — Carlos vibrou com a impecável explanação e, respirou fundo. — A alegria em nossos corações, a grandeza de nossas almas, o rumo de nossas vidas, o caminho que escolhermos...


— Uma vez tomada, a decisão não poderá ser mudada — Neville informou perante um Harry atónito com as graves responsabilidades que, de repente, lhe recaíam sobre os ombros.


— A escolha não poderá ser desfeita — Carlos enfatizou a fala do irmão.


— Bênção ou maldição, por todos os tempos — murmurou Harry.


— Por todos os tempos — repetiram os três em uníssono.


As vozes emudeceram, mas o compromisso foi selado pelas lágrimas que, impetuosamente, invadiram três pares de cintilantes olhos verdes.


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TODOS OS CRÉDITOS SÃO DA AUTORA ELIZABETH KEYS!!!

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