De Volta a RavenVille
—Capítulo 15—
De Volta a RavenVille
Os dias de novembro foram passando lentos e parados. Iam de um canto a outro sem passar mais de dois dias em cada lugar, aparentemente sem um destino fixo. Por vezes pareciam estar seguindo alguma pista. Porém, na maioria das vezes, pareciam apenas estar aparatando aleatoriamente em cantos diversos do país.
Vez ou outra, quando paravam em algum grande centro urbano, conseguiam escapar até o mundo bruxo e voltar com alguma noticia. Mas não havia nada de relevante. Por vezes tinham que fugir as pressas, ao sentirem-se perseguidos por alguém estranho, mas, na maioria do tempo, ficavam solitários, sem falar muito.
Dezembro chegou espalhando a neve branca pelo país e intensificando o frio de novembro. Os flocos de neve caiam espiralados e se acumulavam nos parapeitos das janelas, topos das casas. Em toco canto em que pudesse tocar.
Pedro deixava seu olhar perder-se por trás de uma janela. Estavam em uma cidadezinha ao norte, quase na fronteira com a Escócia. O movimento era tranquilo em comparação com o grande alvoroço das metrópoles, mas não deixava de ser agitada. Pessoas iam e vinham, carregando pacotes e mais pacotes, embrulhos coloridos que se acumulavam nos bagageiros dos carros ou nos ombros de seus compradores. Luzes já eram postas na frente das casas e decorando as ruas. Mesmo com aquela névoa constante e o clima de tristeza espalhado pelos dementadores, o natal estava chegando e contagiava todos.
—Pedro? Você tá escutando? —A voz de Sophia trouxe ele de volta à realidade.
—Ahm? Desculpe eu...estava distraído. —Disse o garoto, pigarreando e voltando-se para elas.
—Bem... —Murmurou Sophia, olhando por um instante para o primo antes de voltar a falar. —Nossa comida está acabando. Precisamos comprar mais. Mas não acho que o dinheiro vá dar para comida por mais de um mês.
—Meu dinheiro trouxa ficou todo em casa. —Disse Gillian, encolhendo os ombros. —E não achamos uma boa ideia voltar lá para buscar. Provavelmente deve ter Comensais e Recrutados esperando por nós.
—E Gringotes também não é uma boa ideia, suponho. —Disse Pedro, soltando um suspiro demorado e cansado. Sophia balançou a cabeça positivamente. —Isso está ficando complicado.
—Bem, eu pensei que talvez pudéssemos...voltar para casa e, sei lá...eu poderia pedir algum dinheiro à meus pais. —Disse Sophia, visivelmente contrariada com aquela opção.
Pedro fitou a prima demoradamente, com a testa franzida. Sabia o quanto ela odiava ter que pedir algo aos pais. Não queria forçar o prima à fazer aquilo. Respirou fundo e levantou-se, sorrindo de uma forma confiante.
—Temos dinheiro para um mês ainda, não é? Bem, vamos esperar até o fim desse mês para nos preocuparmos com isso. —Sorriu abertamente para elas, mas não pôde deixar de notar o olhar desconfiado das duas. —Vamos! Pode ser que tudo isso termine antes e não precisaremos nos preocupar!
As garotas trocaram um novo olhar desconfiado, mas ainda assim, sorriram, mesmo que de uma maneira não tão convincente. Pedro sorriu de volta e deu as costas. Ele queria acreditar que tudo estaria terminado em breve, mas não tinha tanta certeza.
—Despistamos eles? —Murmurou Soana, agachada atrás de uma caixa de correios, fingindo amarrar o cadarço do sapato.
—Acho que sim. —Respondeu Morgan, encostada na parede de um Pub, o capuz jogado sobre o rosto. —Podíamos ter dado conta deles facilmente.
—Não podemos chamar tanta atenção. —Disse Soana, levantando e olhando discretamente para os lados. —Seria arriscado. E com certeza tornaria mais fácil os outros nos encontrarem.
Morgan resmungou algo com impaciência antes de começar a andar pela calçada. Soana observou a amiga por um instante antes de seguir em seu encalço, um pouco atrás. Desde que encontrara seu irmão, Morgan parecia impaciente. Bufava com qualquer pequena coisa que acontecesse. Sem contar que, toda oportunidade que tinha, puxava o álbum e começava a folheá-lo. Soana começava a se questionar se havia sido uma boa ideia contar sobre sua origem.
—Onde vamos dormir hoje? —Perguntou Morgan, impaciente, sem olhar para Soana.
—Não sei... —Respondeu Soana, sendo arrancada de supetão pela pergunta de Morgan. —ainda não pensei nisso. Digo, ainda é cedo para pensar em dormir.
Morgan apenas resmungou algo e continuou andando, o rosto tão mal encarado quanto antes. Soana seguiu olhando para as costas da garota antes de seguir seu passo, até emparelhar com ela.
—Você está assim estranha desde que deixamos seu irmão para trás, lá em Hampshire. —Murmurou Soana enquanto passavam por um grupo de turistas.
—Não é nada. —Resumiu-se Morgan.
—Eu sei que está pensando em algo. Conheço você.
Morgan ficou em silêncio. Seu olhar estava baixo e Soana notou que a garota media as palavras em sua mente e parecia escolher bem o que ia dizer. Por fim, com um suspiro derrotado, parou de andar, virando-se para Soana.
—Eu andei pensando nos meus pais. No meu irmão. Em...em tudo o que eu fiquei sabendo... —Parou de falar para olhar os próprios pés, balançando-os incomodada. —e eu pensei em ir até, enfim...minha casa.
—Sua casa? Você diz...?
—É...onde meus pais morreram. —A garota deu de ombros, parecendo constrangida.
Soana olhou demoradamente para a amiga e não deixou de sentir um pouco de pena dela. Respirou fundo e pensou no que falar para consola-la, mas Morgan já havia voltado a falar.
—O problema é que eu não sei onde eles moravam. —Soltou um suspiro demorado e deu um soquinho na caixa de correios ao seu lado. —Devia ter perguntado isso ao Pedro.
Ficaram em silêncio por um longo minuto. O som de carros passando e a conversa sobre as compras de natal passou por entre elas, sem que as duas trocassem uma única palavra. Por fim, Soana esticou a mão e tocou o ombro da garota, apertando de leve, tentando conforta-la. Murmurou um “vamos” antes de virar-se e seguir andando pela rua. Morgan observou as costas da garota por um minuto antes de segui-la, o olhar baixo e a mente distante.
O dia amanheceu com o céu nublado naquela véspera de natal. O vento frio passava pelo local, fazendo o galho das árvores balançarem medonhamente. Pedro estava sentado de frente para uma fogueira, fazendo as chamas balançarem de um lado para o outro com um simples movimento do dedo, parecendo perdido em pensamentos.
—Já está tudo pronto. —Disse Sophia, parando ao lado do primo. Carregava uma mochila nas costas e olheiras ao redor de seus olhos.
Pedro parou de mover o dedo em círculos e olhou por cima do ombro. Odiava ver como sua prima parecia cansada de todas aquelas viagens sem rumo. Não só ela, mas Gillian também. Com pouco dinheiro, preferiam acampar em lugares afastados, geralmente sem nenhum conforto. Apelavam para algum feitiço para livrar-se da neve e do vento, mas nada podiam fazer com o chão duro. Apoiou as mãos no chão e levantou-se com um gemido dolorido. Moveu a mão como se segurasse algo no ar e as chamas apagaram no mesmo instante.
—Vamos. —Disse Pedro, pegando a alça da mochila ao lado e pondo no ombro. Gillian aproximou-se. Os cabelos estavam sujos e não parecia nem um pouco contente. Tentou desculpar-se com o olhar, mas parecia impossível falar qualquer coisa.
As garotas seguraram no braço dele com força. Respirou fundo e girou no ar. Quando o ar voltou aos pulmões, viu-se de frente à um enorme penhasco, de onde podia ver toda a planície coberta de neve e uma teia de estradas que formavam uma pequena cidade ali perto. Rapidamente virou-se para trás.
—Onde estamos? —Perguntou Sophia ao seu lado, olhando para a planície e logo em seguida para o primo.
—Raven’s Ville. —Murmurou o garoto, deixando o olhar perder-se na paisagem.
Não havia nada além de algumas ruinas. No passado havia sido uma bela vila. Ainda podia ver os restos da fonte, já seca. Metade da estatua no centro da fonte agora jazia no chão, destruída. As casas, em sua maioria, não eram mais do que um entulhado de madeira e pedra. Apenas uma parecia mais intacta. As janelas e a porta estavam destruída e parte do teto havia cedido, mas o resto parecia inteiro. Pedro parou encarando a casa, sentindo um misto de saudade e tristeza.
—Era sua casa? —Perguntou Sophia, olhando na mesma direção do primo.
—É...exatamente aqui... —Murmurou Pedro, mordendo o lábio inferior, antes de começar a andar na direção da casa. —Vamos...ao menos vamos ter um teto essa noite.
Sophia esticou a mão, como se tentasse segurar o primo, mas desistiu no meio do caminho. Trocou um rápido olhar com Gillian, que parecia tão abatida quanto ela, antes de seguir logo atrás dele, em direção à casa abandonada.
A noite caiu lenta sobre Raven’s Ville. O sol logo desapareceu atrás da encosta onde a vila fora construída. Logo o vento frio começou a soprar pelo local e assobiar assustadoramente por cada fresta aberta na casa.
Haviam ido pela tarde ao vilarejo próximo e comprado comida. Haviam muitas luzes na cidade e, apesar do abatimento do grupo, o espirito de natal pareceu levantar um pouco a moral e o animo deles. Gillian usou alguns feitiços que aprendera por diversão para criar algumas bolinhas que pareciam feitas de sabão, mas que flutuavam pelo teto em movimentos circulares, sempre mudando de cor. Pedro acendeu o fogo na lareira e algumas velas e Sophia se encarregou do jantar.
Devia ser mais de onze horas da noite. Gillian aninhou-se em um velho sofá puído pelas traças, encostado na parede, coberta por um cobertor até os ombros. Sophia havia ido até o andar de cima ver se encontrava algo que pudessem levar quando partissem. Pedro estava sentado em um outro sofá, de frente para a lareira. Seguravam em suas mãos a única foto que retirara do álbum que dera à Morgan. Haviam dois bruxos sorridentes que acenavam para a foto. A mulher, de longos cabelos castanhos, seguravam em seus braços um recém nascido embrulhado em uma manta azul e bronze. Mexia as mãos parecendo incomodado, mas logo retornava à tranquilidade.
—Por que escolheu vir justo para cá? —Perguntou Sophia. Pedro olhou por cima do ombro e fitou ela por um instante, antes de voltar-se para a foto.
—Não sei. Pensei que talvez vir aqui me desse alguma pista de onde Rodolphus ou Bellatrix pudessem estar. —Deu de ombros antes de virar-se para ela. —E...eu não sei...tem anos que não passo o natal em casa.
Sophia encarou o primo por alguns segundos, antes de sentar ao seu lado. Pôs a mão em seu ombro e afagou de leve, antes de olhar para a lareira fixamente. Por um instante o silêncio constrangedor abateu-se sobre eles. Então, a morena pigarreou, parecendo limpar a garganta.
—Você...me perguntou algo pessoal...lembra? Para o caso de...ter que perguntar...e...saber se eu sou uma Comensal da Morte.
—Sim, eu lembro. —Disse Pedro, guardando a foto no bolso do casaco e olhando para a prima com interesse, esperando ela continuar.
Sophia ficou no mais completo silêncio. Torcia as mãos e girava os dedos parecendo incomodada. Travava uma luta interna, Pedro podia ver em seus olhos. Por fim, soltou um suspiro demorado e passou a mão pelos cabelos, visivelmente nervosa. Quando falou, sua voz estava embargada e havia um brilho lacrimoso em seu olhar.
—Eu tenho um filho. —Murmurou quase sem voz.
Por um instante Pedro imaginou que tivesse entendido errado. Lentamente as palavras foram fazendo sentido em sua mente. Então, sentindo um grande constrangimento, virou o olhar mais uma vez para frente e soltou um “ah” meio vago. Sophia olhou-o de canto, como se esperasse mais do que apenas um “ah”, mas respirou fundo e continuou.
—É do Josh. Nasceu depois que ele morreu. Eu...eu era jovem na época. Nasceu quando eu estava em Hogwarts. Papai e mamãe fizeram um acordo com Dumbledore. Ninguém iria saber. Quando a barriga começou a crescer, eu fui para casa. E tive meu filho. Josh Willians Ravenclaw. Meus pais criam como se fosse filho deles. E eu pude...voltar à minha vida.
Mais uma vez o silêncio constrangedor passou por eles. Pedro olhava para a lareira sem ter coragem de encarar a prima. Sentia vergonha de si. Se soubesse que a prima tinha um filho, teria se esforçado mais para que ela não fosse com ele à essa viagem. Por fim, quando já sentia-se desconfortável com aquele silêncio, pigarreou e virou o rosto na direção dela, tentando fixar o olhar na prima.
—Obrigado. Sei que isso deve ser difícil para você...então se está me contando é porque confia em mim. —Disse Pedro, dirigindo um sorriso de canto para a garota. Sophia sorriu de leve e passou a mão pelos olhos, secando algumas lagrimas que caiam. —Hey..não fica assim...vem cá...
Pôs um braço ao redor da prima e puxou-a para um abraço. A garota passou os braços pela cintura dele e aninhou-se sobre o peito do primo, deixando o cabelo cair sobre seu rosto, cobrindo-o. Por longos minutos ficaram ali, Pedro acariciando o cabelo dela, sem falar nada.
—A proposito... —Murmurou Pedro, quebrando o silêncio. Esticou o braço e olhou o relógio, antes de voltar a falar. —Feliz Natal, Soh...
—Feliz Natal, Peh... —Murmurou a garota, fechando os olhos até adormecer.
Os primeiros raios da manhã nem bem furavam a camada de nuvens quando acordaram no dia seguinte. Gillian e Sophia terminavam de retirar os enfeites da casa, enquanto Pedro gastava o tempo terminando de fazer o café da manhã. Já haviam terminado de arrumar a bagagem mais uma vez e se preparavam para partir.
—Por que vamos partir tão cedo? —Perguntou Gillian, esticando os braços para cima. —O sofá é terrível, mas ainda foi melhor do que dormir no chão.
—Não tem nada que me ajude aqui. Só...lembranças ruins... —Disse Pedro enquanto terminava de revirar a travessa com ovos mexidos, pondo em três pratos. Fez um aceno com a varinha e os três foram voando até a mesa.
—Estamos há meses rodando atrás de um lugar que te ajude em algo. —Resmungou Gillian, fazendo desaparecer as ultimas bolas coloridas que flutuavam pelo teto.
Pedro pigarrou e abaixou o olhar. Sentia-se novamente impotente e envergonhado, principalmente por arrastar as duas por aquela viagem, sem nenhum destino fixo. Sem a ajuda de Quim não tinha pistas de onde encontrar Rodolphus ou Bellatrix. E não podia simplesmente procurar o QG dos Comensais. Sozinho nunca seria capaz de enfrentar todos eles e o próprio Voldemort. Mas ainda assim, sentia-se frustrado por não conseguir nem uma informação.
—Já está tudo pronto. —Disse Sophia, descendo a escada com a mochila nas costas. —Tinham alguns lençóis lá em cima. Achei que, bem...seria bom levar...por precaução, por causa do frio...se não se importar, claro.
Lançou a Pedro um olhar hesitante, como se tivesse medo que o primo não aprovasse sua decisão. O garoto olhou para ela por um instante antes de lançar um longo olhar na direção da mochila. Por fim, voltou a olhar para a travessa vazia, mexendo com a ponta do dedo em um pedaço do ovo que ficou grudado.
—Está bem. Ninguém vai usa-los...nem sentir falta. Você está certa.
Sophia deu um sorriso tímido para o primo antes de colocar a mochila abarrotada sobre o sofá. Foi até a mesa de jantar, circular e um tanto quanto estragada pelo tempo, e começou a comer o café da manhã. Não demorou muito até Gillian sentar-se ao lado dela. Pedro terminou de lavar tudo e secava as mãos quando um estalo alto chamou sua atenção. Largou o pano com que secava os pratos de lado e puxou a varinha do bolso. Gillian e Sophia fizeram o mesmo, ameaçando levantar. Pedro fez um sinal para permanecerem paradas e com um dedo em riste em frente aos lábios, fez sinal para ficarem caladas.
—Tem alguém aqui?! —Perguntava uma voz embargada e apavorada. Seus passos eram desconexos como se não soubesse para onde ir. —Pedro! Sophia!
—É a Jinx! —Exclamou Sophia, levantando rapidamente e correndo na direção da saída.
—Soh! Espera! —Pedro esticou o braço e tentou segurar a prima, mas ela já se precipitava para o lado de fora da casa. Com um resmungo baixo, acompanhou seus passos.
Sophia estava parada ao lado da casa. Parecia estarrecida. Olhou um instante para a prima antes de desviar o olhar na direção que a morena olhava.
—Jinx... —A palavra escapou de seus lábios como um lamento baixo.
A irmã gêmea de Sophia estava parada ali diante deles. Seu rosto estava sujo de terra e fuligem e seus cabelos desgrenhados. Havia um leve inchaço arroxeado próximo à seus lábios e um filete de sangue escorrendo por sua testa. Suas roupas estavam igualmente sujas e rasgadas em algumas partes. Tremia, mas não apenas pelo frio. Seu olhar transmitia um pânico fora do comum.
—Jinx! —Exclamou Sophia, vencendo os últimos metros e abraçando a irmã com força. —Jinx! Oh, Merlin! O que fizeram com você?!
—Vamos entrar. —Disse Pedro, indo até as primas, pondo uma mão no ombro de Jinx. Separou Sophia com cuidado e conduziu as duas para o lado de dentro.
Gillian esperava os três à porta, a varinha ainda em mãos. Olhou para Pedro e para Sophia e logo em seguida para Jinx, com uma interrogação muda em seus olhos. Pedro murmurou algo como “explico depois” antes de entrar na casa. Ajudou Jinx a sentar num sofá e puxou um banco velho, com uma das pernas balançando perigosamente. Sophia sentou ao lado da irmã e Gillian parou atrás delas, sentada no encosto do sofá.
—Jinx, o que aconteceu com você?
—Oh Soh, foi horrível. Foi horrível. —Dizia a garota, enquanto as lagrimas caiam por seu rosto sujo. —Eles...eles invadiram a Mansão pela noite...eles...eles...
—Eles quem? —Perguntou Gillian, franzindo a testa de leve. —Os Comensais da Morte?
—Nã-não...os...os sequestradores...só...só tinha um...um Comensal...um alto...forte...co-com a cara estranha...marido daquela...daquela Lestrange. —Disse Jinx, fechando os olhos com força, como se tentasse não reviver toda aquela noite.
—Rodolphus Lestrange. —Murmurou Pedro, abaixando as sobrancelhas.
—I-isso...eles...eles invadiram a mansão de noite...disseram que estavam procurando por...por vocês...Papai ficou furioso...amea...ameaçou mandar uma coruja ao Ministro, mas...mas eles só ficaram ali, rindo... —As palavras saiam entrecortadas e misturadas com soluços. Jinx tremia cada vez mais, como se estivesse mergulhada no lago de Hogwarts em pleno inverno. —E...e então...o...o Lestrange...ele...ele disse que se nã-não contássemos, ele iria matar to-todo mundo...
—E o que fizeram? —Perguntou Sophia, parecendo ficar aterrorizada com o final daquela história.
—Eles...eles torturaram a ma-mamãe...e então...o papai ficou furioso...e...e tentou atacar...e eles torturaram ele também...ah, Soh, foi horrível... —As lagrimas caiam cada vez mais intensas por seu rosto, formando uma trilha em meio a sujeira. Seu corpo tremia tanto que parecia estar em meio a um terremoto. Engoliu seco e quando voltou a falar, berrava em meio ao choro. —Eles...ELES MATARAM O PAPAI E A MAMÃE, SOH! ELES...ELES MATARAM ELES!
Automaticamente Sophia levou as mãos até a boca, cobrindo-a, as lagrimas formando-se em seus olhos e caindo pelos cantos. Pedro sentiu um aperto na boca do estomago e não conseguiu olhar para as duas. Em algum lugar no fundo sabia que tudo aquilo era culpa sua.
—E...e o Josh? —Perguntou Sophia, chamando a atenção para si.
O silêncio de Jinx foi pior do que uma resposta. Sophia murmurou um “não” tão baixo que foi surpreendente que sua voz saísse. A irmã abaixou o olhar e murmurou um “sinto muito”, enquanto mais lagrimas caiam de seus olhos até seus joelhos.
O silêncio mórbido do local foi quebrado quando Sophia levantou-se bruscamente. Seu rosto estava pálido e manchado pelas lagrimas. Seus olhos pareciam alucinados. Apertava a varinha com força na mão. Sem falar nada, deu as costas e, em passos duros e rápidos, foi na direção da saída da casa.
—Soh... —Tentou chamar Jinx, mas a irmã não respondeu.
—Eu vou falar com ela. Gil, cuide da Jinx. —Disse Pedro, levantando e seguindo os passos da prima.
Sophia já avançava pela neve, deixando para trás suas pegadas. Parecia seguir sem destino fixo. Apenas queria seguir em frente.
—Soh...Sophia... —Chamou Pedro, apressando o passo até chegar à prima. Pôs a mão em seu ombro para que ela parasse, mas a morena fez um movimento brusco, afastando o ombro do primo.
—Me deixa! — Disse ela, com certa agressividade.
—Não. Não vou te deixar. Olha, eu sei o que você está sentindo e...
—Não, você NÃO SABE, Pedro! —Exclamou a garota, virando-se bruscamente, fazendo algumas fagulhas voarem de sua varinha inconscientemente. Seu rosto estava banhado de lagrimas e parecia não ter limite do quanto ela poderia chorar no momento. —Era...é o meu filho!
—Soh... —Murmurou Pedro, quase num lamento. —Acredite, eu sei o que está sentindo. Dor, tristeza...uma vontade imensa de sair atrás deles, mas principalmente...uma vontade de se arriscar como se nada mais valesse a pena.
—É...realmente...você sabe...eu esqueci que estamos andando esses meses todos sem nenhum destino por SUA causa! —Exclamou a garota, parecendo cada vez mais furiosa. —Se sabe como eu me sinto...se você sente exatamente o mesmo...por que está me impedindo?
—Porque eu vivi quinze anos da minha vida assim...tornou-se um propósito...não quero que você se torne como eu... —Disse Pedro, abaixando as sobrancelhas e logo em seguida o olhar. —Eu não vou tentar te impedir...ou...nada parecido...só peço que espere...vamos cuidar da Jinx...e então iremos atrás de Rodolphus e quem mais tiver ido até sua casa...é uma promessa...
A garota relaxou um pouco o rosto. Logo em seguida deixou os braços caírem moles para o lado e o olhar perder-se em seus pés. Aproximou lentamente do primo e encostou a testa em seu peito, recomeçando a chorar. Sem jeito, Pedro levou a mão até seus cabelos e tentou afaga-los enquanto murmurava palavras que nem sele acreditava.
—Vai ficar tudo bem...
O dia acabara sendo movimentado e triste. A atmosfera na casa era pesada. Sophia pouco falava e na maioria do tempo estava encostada em algum tanto, chorando silenciosamente. Gillian emprestou algumas roupas para Jinx que tomou um banho e adormeceu no quarto que havia sido de Diego e Selena. Pedro perambulava pelo vilarejo, andando por entre os escombros das casas, da velha praça e da fonte. Seu olhar estava mais distante do que antes e carregado de uma tristeza mais profunda.
Sentou-se no que restou de um banco da praça e deixou seu olhar perder-se no horizonte. Havia sentado ali tantas vezes para ver o pôr do sol sempre tão bonito, que coloria de vermelho as pedras brancas da praça. O som de risadas, o cheiro de jantares sendo preparados. Tudo invadia sua mente numa torrente de lembranças.
Então gritos, fachos verdes misturados com o fogo alaranjado, recortando o negro da noite. A risada de Bellatrix e o corpo de seus pais tombando. Quando abriu os olhos, sentiu lagrimas escorrendo pelos lados. Limpou-as com as costas das mãos e seguiu olhando para o céu cinzento.
—Quando é que eu vou poder vir aqui, sem ter mortes me acompanhando? —Murmurou, passando a mão pelos cabelos, com uma expressão cansada.
A noite caiu silenciosa. Apenas o grasnar de alguma ave noturna cortava aquele silêncio sepulcral. Alguém havia acendido o fogo da lareira, porque uma luz tremulava na janela. Olhou brevemente para o vidro quebrado da janela e soltou um suspiro demorado.
—Isso te traz lembranças, né? —Perguntou Gillian, aproximando-se dele. As mão estavam enfiadas no bolso dos casacos e tentava se aquecer encolhendo os ombros.
—Sim. —Murmurou Pedro, olhando para a ruiva pelo canto dos olhos antes de voltar a olhar para o céu de poucas estrelas.
—Isso é legal. Digo, sei que são lembranças tristes. Mas são lembranças. Ter um passado. —Disse Gillian, com um ar distante que não combinava com a ruiva. —Já eu...não tenho família, nem uma história. Talvez por isso eu valorize tudo o que tenho...
—Eu sinto muito, Gil... —Murmurou Pedro, esticando a mão para o lado e apertando de leve o ombro da prima.
—Naaah, bobagem... —Disse a garota, fazendo um gesto com a mão, como se mandasse deixar para lá. —E daí se meus pais sumiram? E daí que a ultima noticia que eu tive deles é que eles são Comensais da Morte? Eu realmente queria saber quem eles são, mas isso não vai afetar quem eu sou.
O garoto riu de leve e admirou a força de vontade da amiga. Empurrou ela de leve com o ombro e recebeu em troca um soquinho de leve no ombro. Voltaram a olhar para frente e ficaram no mais completo silêncio, apenas admirando a noite.
—Olha... —Disse Gillian, quebrando mais uma vez o silêncio. —tem alguém ali...
—Impossível...não dá para chegar aqui andando. —Disse Pedro, franzindo a testa de leve.
Mas, de fato, havia uma silhueta que se recortava contra o negro da noite. Era baixa e aparentemente encurvada. Andava em passos lentos e vacilantes. Pedro levantou-se rapidamente e sacou a varinha. Gillian olhou para o amigo antes de imita-lo, atrapalhando-se um pouco para sacar a varinha do bolso.
—Quem está aí?! —Perguntou Pedro, alto para ser escutado.
Não houve resposta. A figura foi aproximando-se lentamente, seus pés esmagando a neve a cada passo. Quando chegou mais perto, a tênue luz da lua ajudou a reconhecer.
Era um velho senhor de rosto enrugado e cabeça quase totalmente desprovida de cabelos. Era baixo e encurvado e suas mãos de dedos nodosos seguravam com força uma bengala. Usava uma roupa negra que espalhava pelo chão, como se ele fosse liquido.
—É um velhinho... —Murmurou Gillian, abaixando a varinha.
—Não abaixe a guarda, Gil. Não sabemos quem ele é. —Murmurou Pedro, franzindo a testa de leve.
—Esperto, Ravenclaw. —Disse o velhinho, com uma risada maldosa. —Muito esperto. Mas vai descobrir que não vai adiantar de nada.
—Como...como me conhece? —Perguntou Pedro, fazendo força para não arregalar os olhos. —E o que quer dizer com isso?
—Não interessa como te conheço... —Disse o velho, numa voz tão maldosa quanto a risada. —E o que eu quero dizer com isso é...Voldemort!
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