Stoneheaven
—Capítulo 13—
Stoneheaven
O ‘crack’ de sua aparatação ecoou pelo local. Antes mesmo que pudesse ter consciência de onde estava e do que estava acontecendo, ouviu um grito agudo que lembrava muito o seu nome e logo um par de braços passando ao redor de seu pescoço, fazendo-o cambalear para trás, batendo na parede. O ferimento na lateral de seu corpo ardeu e latejou dolorosamente, fazendo o garoto gemer de dor.
—Soh... —Murmurou, meio sem força, pondo uma mão nas costas dela.
Afastou o corpo do de sua prima e cambaleou um passo para o lado, levando a mão até o ferimento. Seus dedos gradualmente foram manchando do mesmo sangue que já começava a empapar sua camisa.
—Pedro! —Exclamou Sophia, em pânico. Ainda haviam traços da loira de antes em seu rosto, mas na maioria era plenamente sua prima. —O que aconteceu?! Você disse que viria em seguida! E você está ferido!
Com um ganido de dor, Pedro deu mais um passo para o lado, apoiando-se numa mesinha. O ferimento pulsava como um pequeno coração e doía em pequenos latejos que irradiavam dor por seu corpo. Tentou concentrar um pouco de calor na mão, mas sua energia parecia vacilar a cada pequeno assomo de dor.
—Morgan... —Murmurou sem força, erguendo o olhar. Uma Gillian ainda loira olhava para ele, de longe, aparentemente em choque. —Ela estava lá...
—Por Merlin! —Exclamou Sophia olhando assustada para o primo e, logo em seguida, para o ferimento que parecia verter mais sangue. —Você precisa cuidar disso.
—E-eu vou ficar...bem... —Sussurrou Pedro, fazendo uma careta. A aura alaranjada em sua mão ia e voltava como uma lâmpada prestes à queimar.
—O que vamos fazer agora? —A voz de Gillian chamou a atenção deles. —Digo, o plano falhou. O Rodolphus não estava lá e agora essa tal Morgan está atrás de você e...
—Espera, Morgan... —Murmurou Sophia, levando a mão ao queixo, pensativa. —Não foi assim que aquela Comensal chamou a outra? Que nos atacou?
—Sim... —Murmurou Pedro, ignorando a dor por um instante, deixando a mente vagar em um mar de pensamentos. —Ela mesma. E...também é o nome da...
—Sua irmã... —Completou Sophia, deixando as sobrancelhas erguerem-se de leve. —Por Merlin! Você acha que...?
—Eu não sei... —Disse Pedro, dando mais um passo para o lado e largando-se sobre uma cadeira, a mão ainda sobre o ferimento, a aura laranja já estável. —Algo...algo em mim diz que sim...
—Espera, espera! —Disse Gillian, erguendo as mãos como alguém que pede silêncio. —Desde quando você tem uma irmã?
Pedro olhou para Gillian, mas abaixou o olhar. Agradeceu mentalmente à Sophia por ela ter assumido a explicação de toda a história. O ferimento ainda doía muito, sentia-se fraco e sem a menor vontade de contar toda aquela história. Respirou fundo e abaixou o olhar, esperando o fim.
—Uau. —Disse Gillian, os olhos ligeiramente arregalados. —E agora a irmã que você achou que estava morta está tentando te matar?
—Ao menos eu acho isso. —Murmurou Pedro, o olhar ainda baixo. Afastou a mão do ferimento, fazendo a aura sumir e viu que ele já não vertia sangue. —É. É o melhor que posso fazer agora.
—Temos que descansar um pouco. Foi um dia cheio. —Murmurou Sophia, passando a mão pelos cabelos que ainda tinham alguns fios loiros. —Vamos cuidar do almoço. Deite-se um pouco.
E, sem olhar para o primo, saiu na direção da cozinha em passos rápidos. Gillian ficou olhando para Pedro por um instante, como se esperasse algum tipo de desabafo. Como esse não veio, soltou um suspiro pesado e murmurou um “descanse um pouco” antes de também seguir para a cozinha.
A noite havia caído fria e um tanto quanto silenciosa. Poucos carros passavam do lado de fora e os vizinhos pareciam ter se recolhido à suas casas mais cedo. Até mesmo Sophia e Gillian haviam ido se deitar mais cedo do que de costume. Pedro permanecera deitado, mas com os olhos abertos. Fitava a janela aberta, por onde um vento soprava, balançando a cortina lentamente.
Pensava no que havia acontecido. Pensava no perigo que haviam corrido. Mas principalmente, pensava em Morgan. Pensava em como a irmã estaria nesse exato momento. Mesmo ela querendo arrancar sua cabeça, ele não deixava de se preocupar. Afinal, até dias atrás, ela não fazia a menor idéia de que tinha um irmão.
Incomodado com os pensamentos que rondavam sua mente e com a posição, virou-se na cama lentamente, até estar de frente para a porta. Fechou os olhos por um instante, sentindo um pequeno atino de dor vindo do ferimento em seu tórax, antes de abrir-los novamente.
Uma figura estava parada na porta. Não podia ver seu rosto, apenas divisar sua silhueta. Seus cabelos compridos caiam por seu rosto de expressão feroz e angustiada. Por um instante pensou que era mais uma visão com sua irmã. Porém, mesmo após piscar os olhos, ela permanecia ali, lhe encarando.
—Você não é meu irmão!! —Berrou a garota, erguendo a mão rapidamente. Um jorro de luz verde voou em sua direção.
Arregalando os olhos, Pedro girou rapidamente para o lado, caindo no chão, enquanto o colchão era atingido pelo feitiço da morte, rasgando-se em vários pedaços. Ouviu algo mexer-se logo à frente e viu a silhueta de sua prima sentando-se no colchão apressada.
—Soh! —Berrou o garoto, atirando-se sobre a prima no instante em que Morgan virava-se para ela, errando um feitiço por centímetros.
—Pedro! O que está acontecendo?! —Perguntou Sophia, atordoada, assim que o primo saiu de cima.
—É a Morgan. —Murmurou Pedro, levantando-se lentamente, pondo a mão no bolso da calça e retirando a própria varinha.
—Hey, o que está acontec... —A voz de Gillian veio apressada do corredor. Morgan virou-se rapidamente, já preparando um feitiço.
—Incarcerous! —Gritou Pedro, brandindo a varinha na direção da irmã. Cordas prateadas partiram como cobras rápidas na direção de sua mão. Ela virou-se rapidamente e, com um feitiço simples, fez as cordas se dissolverem.
O olhar da garota, fixo no seu, era carregado de uma angustia terrível, mesclada à um ódio que parecia queimar como fogo em seus olhos castanhos. Uma ligeira vermelhidão, como se a garota estivesse chorando à pouco tempo. Pedro encarou a irmã por um longo instante, a varinha ainda apontada em sua direção, antes de murmurar.
—Soh, sai daqui com a Gillian.
—Eu não vou te deixar sozinho de novo. —Murmurou a garota, levantando-se meio atrapalhada pela pressa, pegando a varinha sobre a escrivaninha de Gillian.
—Soh... —Murmurou Pedro, sem desviar o olhar da prima. —Eu preciso conversar com minha irmã.
—EU NÃO SOU A DROGA DA SUA IRMÃ!! —Berrou Morgan, lançando mais um feitiço na direção dele. Pedro girou a varinha, desviando o feitiço que bateu no teto, fazendo uma chuva de cascalho cair sobre eles.
—Vai Soh! —Gritou o garoto, no mesmo instante em que girava a varinha, disparando um feitiço na direção da Comensal, que foi obrigada a abaixar-se para desviar.
Sophia olhou uma ultima vez para o primo, sentindo uma certa angustia de deixar-lo mais uma vez, antes de correr para o corredor. Agarrou Gillian pelo braço e juntas correram na direção da saída do apartamento.
—Você deveria parar de contar tantas mentiras. —Disse Morgan, aparentemente sem importar-se com o fato das duas terem fugido. —Eu não sou sua irmã. Eu não tenho família.
—Isso não é verdade, Morgan. —Murmurou Pedro, olhando diretamente nos olhos da irmã, mantendo a varinha firmemente segura na mão. —Eu sei que você é minha irmã. A mentira é o que te fizeram viver até hoje.
—CHEGA! —Gritou novamente, arregalando os olhos antes de lançar mais uma maldição da morte na direção dele. Pedro abaixou-se a tempo, ouvindo o som do vidro da janela estilhaçando-se ao ser atingido. —CHEGA! Você não é meu irmão! Você é meu alvo!
—Você sabe que é verdade. —Murmurou Pedro, apoiando a mão no joelho para levantar-se. —E você está com medo disso.
—Eu não tenho medo de nada!! Eu não fui criada para ter medo! —E, com um movimento rápido da mão, lançou outro feitiço na direção do garoto. Pedro virou o rosto para desviar, mas uma linha quente de sangue logo correu seu rosto.
—Você foi tirada da nossa família, na noite em que nossos pais foram mortos. —Murmurou Pedro, levando a mão até a bochecha e limpando o sangue que escorria. —Você não é só Morgan. Você é Morgan Ravenclaw...minha irmã.
—Isso é mentira. —Murmurou a garota, mas com um tom mais confuso do que irritado. Deixou a varinha cair no chão e levou as mãos até os lados do rosto, os olhos novamente vermelhos. —Isso é mentira! Isso não é verdade!
E, rapidamente, abaixou as mãos e puxou a espada da bainha. Pedro arregalou os olhos e saltou para trás, por cima da cama, a tempo de desviar da lâmina que desceu quebrando a estrutura de madeira da cama. Caiu agachado e olhou rapidamente na direção de sua mochila. A Espada de Ravenclaw estava escorada ali, ao lado. Mordeu o lábio inferior e levantou-se, saltando por sobre os restos da cama e rolando para o lado assim que caiu, pegando a espada e pondo-a na frente à tempo de deter um golpe certeiro em direção à sua cabeça.
—Chega Morgan! —Disse Pedro, entre os dentes, puxando a espada da bainha e usando a mesma para empurrar a irmã para trás, levantando-se e posicionando a espada. —Eu não quero te machucar!
—Não me venha com essa baboseira! Eu não sou sua irmãzinha! Vamos, lute! —Esbravejou Morgan, sacodindo a espada na direção dele. —Lute! Deixe de ser tão covard...
Sua voz sumiu antes de terminar a frase. Seus olhos reviraram para cima e seu corpo amoleceu. A espada caiu no chão com um som alto. Os joelhos da morena cederam e ela caiu no chão, os cabelos cobrindo seu rosto.
Atrás de onde Morgan estava, agora era possível ver a outra comensal que estivera naquela alameda em seu primeiro encontro. Seus cabelos encaracolados caiam livremente, formando quase uma cortina sobre seu rosto. Seus olhos negros e frios encaravam o garoto por trás da cortina de cabelo, mas não fez menção em atacar-lo. Abaixou-se e pegou Morgan por um braço, passando pelo próprio pescoço, levantando o corpo inerte da garota.
—O que veio fazer aqui? —Perguntou Pedro, assim que a garota de cabelos encaracolados começou a dar as costas para ele. —Para onde vai levar ela?
—Para um lugar seguro. —Murmurou a Comensal de cabelos encaracolados. Com a mão livre pegou a espada no chão e usou-a de apoio para levantar o próprio corpo. —Saber que é sua irmã não foi seguro para ela. Nem para você. Se for inteligente, vai sair daqui antes que o local esteja infestado de Comensais da Morte.
—Espere! —Bradou mais uma vez, assim que ela tornou a andar. —Quem é você? O que você e a Morgan são?
—Me encontre em dois meses em Hampshire, num Pub chamado The Alliance, nos fundos da estação central de trem. Eu vou explicar tudo. —Murmurou a garota, antes de aparatar, com um estalo no ar.
Pedro ficou paralisado no mesmo lugar de antes, a mão ainda esticada na direção de Morgan e da Comensal de cabelos encaracolados. Por um instante o garoto deixou as palavras dela ecoarem em sua mente, antes de lembrar-se do alerta. Embainhou a espada e prendeu-a na cintura, começando rapidamente a vasculhar o quarto.
—Pedro! O que aconteceu?! Ela te feriu? —Perguntou Sophia assim que ele chegou ao patamar inferior onde ela e Gillian estavam. A ruiva aproximou-se rapidamente com o olhar atônito.
—Não...eu estou bem... —Murmurou Pedro, olhando brevemente para ela antes de olhar para a pequena janela na escada de emergência. —Ela....foi embora...
—Como foi embora? Ela chega, te ataca e vai embora do nada?! —Perguntou Gillian, arregalando os olhos de leve.
—Não foi bem assim. —Disse Pedro, com impaciência. —Temos que sair daqui.
—Por quê? —Perguntou Sophia, erguendo as sobrancelhas depois de conferir se não faltava nenhum pedaço no primo. —Você não está recuperado ainda!
—É, mas já nos encontraram aqui. Não é bom arriscar duas vezes. Talvez não tenhamos tanta sorte. —Murmurou Pedro, dando um passo para trás e sentando-se num degrau, apoiando a cabeça entre as mãos. —Arrumem as coisas o mais rápido possível.
—Você não vai pegar suas coisas? —Perguntou Gillian, observando o amigo com um ar de curiosidade.
—Minhas coisas já estão guardadas. É a mochila no corredor. —Disse Pedro, apontando para o alto da escada com uma mão, apesar da cabeça permanecer baixa.
Por um instante, sentiu que elas ainda estavam paradas ali à sua frente. Podia até imaginar elas trocando um olhar confuso. Então, pelo canto do olho, viu quando um par de pernas passou ao seu lado, subindo as escadas. Sentiu uma mão passar por seu cabelo antes que o segundo par de pernas passarem rumo aos andares de cima.
Assim que ficou sozinho em silêncio, deixou a mente vagar novamente até tudo o que tinha acontecido. A chegada inesperada de Morgan. Sua surpresa e raiva em saber que era sua irmã. E, principalmente, o encontro marcado com Soana. Deixou o rosto deslizar por suas mãos até estar encarando novamente a parede à sua frente.
A enorme planície se encheu com um “crack” sonoro que ecoou pelo ar. A raposa que espreitava silenciosa próxima à um ninho de pássaros ganiu assustada e saiu em disparada em meio à grama alta.
—Onde estamos? —Murmurou Gillian, com um tom de voz sonolento.
Pedro deu dois passos para o lado, observando a paisagem. O grande gramado alto seguia-se à perder de vista, banhado por uma luz fria, vinda de uma linha rosa e fraca que surgia no horizonte, atrás das nuvens. Ao fundo ouviam o que parecia ser o som do mar batendo contra um rochedo. O vento soprava com certa força e de forma cortante.
—Stoneheaven... —Murmurou Pedro, ajeitando a mochila nos ombros, os cabelos açoitando seu rosto de lado pelo vento seco e arisco do local.
—E o que estamos fazendo aqui? —Perguntou Sophia, o mesmo tom cansado de Gillian presente em sua voz.
—Eu não sei... —Disse Pedro, o olhar ainda perdido na paisagem. —Vamos dormir um pouco.
Apesar de estar de costas, Pedro quase pôde ver Sophia e Gillian trocando um olhar pesaroso. Ignorando aquele sentimento confuso de impotência, tirou o saco de dormir da mochila, jogando-o no chão e logo em seguida deitando sobre ele, torcendo para ter uma noite tranquila.
O sol já estava no alto quando acordou. O céu estava branco perolado por conta das nuvens que acumulavam em frente ao sol. Porém, agora, com mais claridade, podia ver melhor o local. Estavam no topo de uma encosta que terminava numa imensa falésia rochosa. O mar, lá em baixo, quebrava furioso no paredão e nas pedras pontiagudas que pareciam ameaçadoras. Haviam poucas árvores mas muita grama. E, ao longe, era possível ver uma construção disforme e impossível de distinguir o que era.
—Bom dia... —Saudou Sophia. Estava sentada na grama, a varinha em punho, mantendo uma chama acesa na ponta, esquentando uma panela com água. —Estou preparando o café!
—Bom dia... —Murmurou Pedro, sonolento, coçando os olhos. —E a Gil? Onde está?
—Dormindo. Ela estava bem cansada. —Disse Sophia, abrindo a mochila e retirando um pacote de salsichas que despejou dentro da panela.
Em silêncio, Pedro acompanhou água que borbulhava e fervia na panela, as salsichas flutuando no liquido revolto. O som do mar ao longe. Por um momento permitiu-se imaginar que estavam ali apenas para um acampamento. Apenas três amigos que decidiram se aventurar na vida ao ar livre e se divertir. Erguer uma barraca próxima ao mar, fazer salsichas ou marshmellows ao ar livre. Nada mais do que isso.
Mas como uma daquelas ondas que quebravam próximos ao paredão onde estavam acampados, as lembranças dos últimos tempos invadiram sua mente. Rabastan, seus amigos, Voldemort, Bellatrix e...Morgan. Em especial sua irmã. Desde o ultimo encontro, não conseguia deixar de pensar nela. Nem na outra Comensal, Soana, que havia levado ela na noite anterior.
“Saber que é sua irmã não foi seguro para ela. Nem para você. Se for inteligente, vai sair daqui antes que o local esteja infestado de Comensais da Morte.”
Fechou as mãos ao redor dos joelhos com mais força, apoiando o queixo sobre eles. Então colocara a vida de Morgan em risco? Havia prejudicado a irmã de alguma forma? O sentimento de culpa cresceu em seu peito, junto com o de impotência. Havia saído numa vingança impensada e agora estava sozinho. Não tinha mais a ajuda de Shacklebolt e nem podia entrar em contato com seus amigos. Havia conseguido achar apenas o primeiro elo daquela corrente, mas não fazia ideia de como alcançar os outros. Procurar pelos outros dois, com Voldemort no comando do Ministério, era como procurar agulha num palheiro. Rangendo os dentes com força, Pedro deixou que as primeiras lágrimas caíssem, sem que a prima visse.
A tarde já começava quando decidiram levantar acampamento. Sem muito perguntar, Sophia e Gillian seguiram Pedro pela planície, na direção da construção irregular que crescia ao norte. Seguiram em silêncio. Não havia muito o que falar. Pedro sentia que Sophia e Gillian estavam desanimadas e cansadas. Começava a sentir-se culpado também em arrastá-las naquilo. Sophia QUIS acompanha-lo. Mas Gillian só estava naquilo porque quis ajuda-los.
O sol já começava a baixar quando chegaram aos muros da propriedade. Era grande, porém não extensa. Seu portão duplo estava bastante corroído, um deles pendurado apenas em uma das dobradiças. Prédio da mansão parecia à muito abandonado. O jardim, que aparentava ter sido bem cuidado, agora estava com a grama alta e mal cuidada, repleta de ervas daninhas. As árvores ornamentais pareciam um gato cujo pelo não é aparado à muito tempo. Até mesmo as estatuas que decoravam a propriedade estavam deterioradas pelo tempo.
—Onde estamos? —Perguntou Sophia, olhando cautelosa para a construção de dois andares, repleta de janelas, muitas das quais em péssimo estado.
—A Mansão dos Rockwood. —Murmurou Pedro, o olhar um tanto apático.
—Ahm?! Mas porque viemos justo para a casa de um Comensal?! —Perguntou Gillian, sobressaltada.
—Eles não vivem mais aqui à anos. —Disse Pedro, empurrando o portão e entrando lentamente na propriedade.
—Como você pode ter tanta certeza? —Perguntou Gillian, ainda desconfiada, mas ainda assim seguindo o amigo.
—Uma amiga...é descendente direta deles. —Olhou por cima do ombro para melhor olhar para Gillian, antes de seguir o caminho. —Não se preocupe. Está vazia. E é só por um tempo.
Gillian observou as costas do amigo por um instante, como se fosse falar algo, mas decidiu ficar calada. Seguiram mais uma vez em silêncio pelo jardim abandonado e logo estavam diante das grandes portas da mansão. Abriram sem dificuldade, mostrando que não estavam trancadas. Por dentro o local parecia mais bem conservado do que seu interior. Apesar da camada de poeira que se acumulada, das cortinas comidas pela traça e dos quadros envelhecidos pelo tempo, no mais tudo estava em ordem. Os sofás ainda estavam ali, servindo de abrigo para muitos insetos, assim como o canto das paredes.
Uma grande escada levava ao andar superior, onde tudo parecia escuro. Pedro largou a mochila sobre um dos sofás e esticou os braços para cima, como se quisesse estalar as juntas do corpo.
—Não vai ser por muito tempo. Eu só preciso pensar para onde vou. As coisas começaram a ficar complicadas. Não posso contar com a ajuda do Shacklebolt, nem entrar em contato com meus amigos. E estamos sendo procurados pelos Comensais agora.
—Não é um panorama muito animador, não é? —Perguntou Gillian, com um sorriso meio forçado. Pedro olhou para a amiga por um tempo, antes de responder, desanimado.
—Não.
O som daquela gota d’água caindo já começava a lhe irritar, até que finalmente tirou seu sono. A garota sentou-se um pouco dolorida, as costas parecendo travadas.
—Finalmente acordou. —Murmurou alguém, ao seu lado.
—Ahm? Soana? —Perguntou Morgan, coçando os olhos para poder desembaçar a vista.
—Sim.
—Onde estamos? O que aconteceu? Ond-... —E arregalou os olhos, correndo a mão rapidamente para o lado, tentando achar sua espada. —Onde está ele?!
—Seu irmão não está aqui. —Respondeu Soana, abaixando o olhar. Estava sentada ao lado de Morgan, abraçando as pernas e apoiando o queixo no joelho.
—E onde ele está? O que aquele maldito fez?! E ele não é meu irmã-
—Ele não fez nada. Fui eu quem te trouxe aqui. —Disse Soana, erguendo o olhar até fixa-lo em Morgan. —Quando você saiu como louca do quartel, o Comandante ordenou que eu fosse atrás de você, para lhe matar. Quando eu perguntei porque, ele disse que você sabia de mais.
“Quando aparatei naquele prédio, você estava lutando com o cara que deveríamos matar. Eu fiquei à espreita, esperando um instante. E então ele falou...sobre você ser irmã dele. E então, tudo começou a fazer sentido. Era isso o que você sabia de mais. Ele era sua família”.
Por um tempo que Morgan não soube dizer quanto, ficaram em silêncio. As palavras de Soana ainda ecoavam em sua cabeça, como se ela tivesse gritado em uma caverna. Fechou as mãos com força, até que o nó de seus dedos ficassem brancos. Então, relaxou o corpo. Começou a rir baixinho, como que contendo a risada.
—Você quase me enganou, Soana. Isso foi realmente engraçad-
—Isso não é uma piada. —Murmurou Soana, num tom mais arisco do que antes. —Eu estou arriscando minha vida. Acha realmente que eu faria uma piada disso?
—É que...não pode ser...simplesmente não pode ser! —Disse Morgan, mais para si do que para Soana. —Nossa vida inteira fomos ensinadas que não temos famílias. Que tudo o que existe é a nossa organização e tudo o que somos, nossa existência, deve-se à Lord Voldemort!
—Tudo mentira. —Murmurou Soana, olhando para Morgan pelo canto do olho. —Contaram isso apenas para que não tivéssemos sentimentos ou esperança. Para que tudo o que nos importasse fosse destruir e nada mais.
Morgan olhou para Soana, como se esperasse que ela falasse que tudo não passava de uma mentira. Mas ela nada falou. Voltou a olhar para frente e levou as mãos até a cabeça, segurando-a com força, como se sentisse dor. Com um suspiro demorado, Soana levantou-se, batendo o pó das vestes.
—Essa caverna vai nos servir até amanhã. Depois procuraremos outro lugar. Não é seguro ficar no mesmo lugar por muito tempo. —Olhou para a fresta no teto, onde podia ver a lua, antes de voltar a falar. —Em dois meses eu vou encontrar seu irmão, para explicar tudo o que eu puder. Até lá, decida se vai querer vê-lo ou não.
Morgan ergueu o olhar mais uma vez e fitou Soana, parecendo confusa. Gostaria que a colega lhe desse alguma dica. Ou uma ordem. Algo que fizesse sentido. Porque, no momento, nada parecia fazer.
—Vou ficar de guarda lá fora. Qualquer coisa, é só chamar.
E saiu, deixando Morgan sozinha, com a cabeça fervilhando.
Setembro conheceu seu fim mais rápido do que ele esperava e logo outubro também passou. A folhagem das árvores já havia caído quase por completo e o vento frio anunciava que logo chegaria o inverno.
Não pretendia ficar tanto tempo naquela casa, mas não lhe ocorria melhor lugar para ficar. Não tinha a mínima noção de para onde ir ou onde encontrar Rodolphus ou Belatrix. E não podia obrigar Sophia e Gillian a continuarem rodando pela Grã-Bretanha sem rumo, dormindo em sacos de dormir ao relento. Ali, apesar de tudo, tinham uma lareira que podiam acender e colchões que, mesmo puídos e gastos pelo tempo, eram mais confortáveis que a grama dura.
Não tinham noticias do mundo bruxo. Não haviam vilarejos bruxos por perto e nenhum sinal da comunidade bruxa na região, além daquela mansão. Vez por outra saiam até a cidade que ficava ao sul, próxima à encosta, para comprar comida e tentar pescar alguma noticia. Duas vezes Pedro teve a impressão de ser seguido, mas, estando ou não, conseguiu despistar.
Porém, no momento, nada daquilo parecia importar para ele. Estava sentado no sofá da sala, o fogo da lareira iluminando aquela ultima noite de outubro. O vento soprava forte do lado de fora e sacodia as janelas com força. Vez por outra era obrigado à recorrer à algum feitiço para parar o assobio insistente do vento passando por alguma fresta nos vidros.
Havia um álbum aberto em seu colo. Fotos manchadas pelo tempo mostravam bruxos alegras, sorridentes, acenando. Dois pareciam sempre presentes. O homem e a mulher que povoavam seus pesadelos nos últimos anos. Seu pai e sua mãe.
Olhava para uma em especial. Seu pai estava abaixado, com ele, criança, nos ombros, sorrindo para a câmera enquanto sua versão anos mais nova parecia bater palmas. Sua mãe estava em pé, quase encostada na beira da foto, segurando nos braços um pequeno embrulho que ele sabia ser Morgan. Era a única foto em que os quatro estavam juntos.
—Não se preocupe. —Disse alguém à suas costas. Pedro fechou o álbum e olhou para a prima, que observava ele com uma dose de piedade. —Vai dar tudo certo.
—Eu espero. —Disse Pedro, olhando para a capa do álbum, antes de voltar a olhar para ela. —Eu só quero entender o que aconteceu. E, de alguma forma, ajudar a Morgan.
—Você vai conseguir. —Disse Sophia, com um sorriso de leve, afagando os cabelos do primo. Pedro relaxou um pouco e fechou os olhos, antes de levantar-se.
—É melhor dormirmos. Logo cedo vamos partir para Hampshire. Não quero me atrasar.
Sophia concordou e olhou para o primo mais uma vez. O garoto acenou com a cabeça e despediu-se dela, antes de subir a escada que levava ao próximo andar. Sophia ficou parada, olhando o primo subir. Não podia negar, sentia pena dele.
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