Poções



                Entardecia quando o Menino Que Sobreviveu aproximou-se do portal de entrada do templo do conhecimento. O silêncio era perturbador. Ele tocou a maçaneta fria e dourada, usada para abrir a porta de carvalho escuro. Desviou os olhos rapidamente para a janela à sua direita, que exibia um pôr-do-sol de tirar o fôlego, espalhando seus raios avermelhados pelas nuvens perdidas e ralas pelo céu manchado. Suspirou, pensando que naquela noite não veria as suas amadas estrelas, objetos de sua intensa admiração. Sentiria a falta delas. Tomou coragem e encarou o carvalho gelado. Girou a maçaneta, em seguida, e empurrou a porta.


Não houve ruído. A porta se abriu como se suas dobradiças fossem de veludo, sem perturbar a paz e a tranquilidade do lugar. O silêncio ali era sagrado e garantido por regras estritas e rígidas, explícitas ou subentendidas. Ele entrou e fechou a porta às suas costas, o que provocou um ruído surdo. Aquilo pareceu ecoar por entre as estantes, por baixo das mesas, trombar a parede e preencher o espaço entre as escrivaninhas. A sua própria respiração parecia ruidosa demais. Foi quando uma voz rascante surgiu.


- Potter, o que faz por aqui? – questionou Madame Pince, os braços cheios de livros.


- Ahn, quê? – Harry tornou, arrancado de seus devaneios.


- Pensei que fosse uma constante entre os jogadores de quadribol... sabe, a falta de estudo. – tornou Madame Pince, um quê de provocação em sua voz.


- Bem, não quero continuar apanhador a vida toda e preciso de Poções para a Escola de Aurores. – Harry rebateu, igualmente provocador.


- Bom estudo, já que é assim. – ela finalizou, tomando seu caminho.


Harry respirou fundo e dirigiu-se à mesa mais próxima. Irremediavelmente tinha três metros de pergaminho para serem preenchidos com informações sobre as variações da poção do Morto-Vivo, os efeitos e tudo o mais. Se queria uma nota mediana, tinha que se esforçar, ainda mais em se tratando de Snape como professor. Abandonou a bolsa sobre a escrivaninha e se dirigiu a seção de poções da biblioteca, onde encontrou uma quantidade satisfatória de livros. Uma vez munido, retornou para onde estava, sabendo que aquele maldito trabalho lhe renderia algumas horas de isolamento.


“Bom, melhor começar...”, pensou.


Abriu os cinco livros e começou o trabalho. As anotações eram complexas, os ingredientes tinham várias observações e tudo parecia ter subtópicos. Com uma hora e meia, tinha feito um terço do que teria que fazer. A essa altura, seu cabelo já estava plenamente bagunçado pelas mãos ansiosas e impacientes com aquela perda de tempo. Ele passava as unhas pela linha do maxilar com extrema irritação. Foi quando sentiu uma mão quente tocar-lhe o ombro direito...


- Harry?


- Ah, olá Hermione. – Harry disse, sorrindo torto.


- Que faz por aqui? – ela perguntou, retribuindo o sorriso.


- Poções. – respondeu ele, jogando o corpo para trás e espalmando a mão na direção dos livros.


- Uhm, claro. O trabalho quilométrico. – disse ela, brincando. – Está andando bem?


- É, mais ou menos... – ele falou, coçando a sobrancelha direita – Acho que precisarei de uma revisão depois.


- Como sempre, não? – Hermione disse, sorrindo. – Sem problemas.


- Obrigado, se não fosse por você... – Harry agradeceu, cruzando os braços sobre a mesa e afundando a cabeça entre eles.


- Você parece estressado. – ela disse, sentando-se ao lado do melhor amigo.


- Tudo bem, só estou cansado. – ele respondeu, virando a cabeça para poder olhar para ela.


Como ela era linda... E ele não percebera isso por um bom tempo! Havia poucos meses, Harry terminara seu “namoro” com Gina, por encontrar-se perdidamente apaixonado por outra pessoa. Gina desconfiava, e ele negava até a morte. Acontece que pouco tempo antes disso, Harry percebera como seu coração batia mais forte pela última pessoa em toda Hogwarts por quem ele achava que pudesse sentir algo mais. Hermione Granger. Essa era a garota que protagonizava seus sonhos, era o motivo de seus suspiros, a personagem principal de seus devaneios... Ela. Sempre ela. Desde o dia do fim com Gina até aquele momento já haviam se passado sete meses. Ele não conseguia se declarar, esperava a oportunidade certa, o momento perfeito, além da coragem que faltava. Ali, agora, na biblioteca, resumia-se a observar a beleza da menina-mulher que queria ao seu lado para sempre.


- Posso te ajudar já, se quiser. – ela se ofereceu, sempre prestativa.


- Não precisa, Mione... agora não. Posso terminar sozinho. – ele respondeu, não querendo tomar mais ainda o seu tempo.


- Uh, Harry Potter negando ajuda? – Hermione levantou uma sobrancelha e recostou-se no encosto da cadeira. – Desculpe-me, senhor autosuficiente.


- Pois é, Hermione, posso ser muito mais independente do que imagina... – ele respondeu, com um quê de gozação na voz. – ou acha que eu ficaria acorrentado à genialidade de minha melhor amiga para sempre?


- Ai, essa doeu. – ela acompanhou a brincadeira. – Mas confesso que gostei do elogio.


- Uhm, e quem disse que a “melhor amiga” é você? – Harry disse, abaixando a cabeça de novo. –Ah, Hermione, por favor!


- Aaaah, é assim, Potter? – ela levantou-se, com tom falso de ofendida. – Pois bem, deixe estar!


Ele ouviu Hermione retirar-se, até que os passos abafados sumiram. Ouviu uma cadeira ser arrastada mais ao longe, sinal de que ela tinha se sentado para fazer seus afazeres. Obviamente a brincadeira continuaria mais tarde, e Harry estava encantado com a idéia. Repassava os últimos minutos furtivamente em sua cabeça, a fim de não esquecer nenhum detalhe. Por fim, levantou o corpo e voltou sua atenção à redação, mais uma vez.

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