Iniciado



Capítulo 3 – Iniciado


O céu noturno era um manto negro salpicado de estrelas e constelações. O ar era úmido e frio. Rajadas de vento frequentemente assaltavam duas pessoas que caminhavam pelas ruas do bairro mais perigoso e temido da capital russa.


Um deles tremia compulsivamente, o andar lento e vacilante, os dentes batendo violentos dentro de sua boca. O outro era alheio ao clima ameno de 15 ºC que causava tanto frio ao primeiro.


- Não está tão frio. – informou o segundo.


- Na Inglaterra estava mais de trinta graus, Andrea! – exclamou o primeiro, a voz fraca e deformada pelos dentes que se batiam sem controle – Aqui é inverno o ano inteiro?


- Se você considera isso inverno. – tornou Andrea, virando a esquina e entrando em um beco mal-cheiroso.


Eles cruzaram o beco e entraram em uma rua perpendicular.


- Para onde, diabos, estamos indo?


- Minha casa. – Andrea parou de caminhar e apontou para o outro lado da rua.


Era uma construção de dois andares e em péssimo estado, tal como tudo a sua volta. Era inteira de madeira escura e seu telhado era pontiagudo, como as outras construções a sua volta. A maioria das janelas possuía seus vidros quebrados ou trincados e grossas cortinas de algum tecido pesado e escuro que impedia a visão do interior da casa.


- Escolha qualquer um dos quartos com a porta destrancada no segundo andar. – ordenou a mulher, retirando de dentro do bolso uma chave de ferro enferrujada e entregando ao companheiro – Descanse imediatamente. Nós não ficaremos aqui muito tempo.


Ela deu as costas a ele e entrou novamente no beco.


- Aonde você vai? – perguntou o outro.


- Caçar, Potter. – respondeu ela, virando-se para ele, a aparência completamente vampirica.


No instante seguinte o vazio tomava o lugar dela.


Harry Potter deu um sorriso torto e suspirou, extremamente cansado. Ele atravessou a rua e subiu a pequena escada que conduzia à porta de entrada. Ao cruzar a porta e fechá-la atrás de si, Harry acendeu a varinha e deu um largo sorriso ao notar o estado da casa.


Por dentro, a construção estava imaculadamente intacta. A madeira que formava o assoalho, as paredes e o teto, estava impecavelmente nova.


“Ok, estranho.” – pensou o garoto, dando um longo bocejo em seguida.


Depois de três aparatações acompanhadas e de longa distancia, Harry sentia-se prestes a desmaiar de cansaço. Ele seguiu a orientação da vampira, deixando a vontade de conhecer o resto da casa para quando acordasse.


Ele cruzou o hall e subiu pela escada em forma de caracol. O segundo andar possuía um corredor comprido, com uma única janela no final. Seis portas de madeira ladeavam o corredor. O garoto girou a maçaneta da primeira porta, que abriu. O aposento estava vazio.


Harry seguiu pelo corredor, tentando encontrar alguma porta aberta que revelasse um quarto. Seu objetivo foi alcançado na última porta do lado direito do corredor. Havia uma cama de solteiro e um armário.


- Por que ela não falou que era a última porta?! – murmurou ele, irritado, jogando a mochila no pé da cama.


Harry se jogou na cama e dormiu quase imediatamente.


=.=.=


O sol já estava muito alto quando Harry acordou. A temperatura não era tão amena, o que permitiu ao garoto retirar o sobretudo e deixá-lo sobre a cama. Depois de se espreguiçar, ele saiu do quarto e olhou pela janela. O céu estava limpo e o vento, ocasionalmente, uivava na janela.


“Será que a Andrea já voltou?” – perguntou-se Harry, dando as costas para a janela e cruzando o corredor.


Ao descer para o hall, pela primeira vez, ele o olhou com curiosidade. Havia duas portas, além da de entrada, oposta uma à outra, nas pareces laterais. Ele entrou pela porta à esquerda da escada e viu-se em uma pequena cozinha retangular. O aposento estava consideravelmente limpo, excluindo uma fina camada de poeira que jazia sobre tudo. Havia uma mesa pequena no centro, rodeada por quatro cadeiras de madeira clara. Encostado às paredes havia um jogo de cozinha completo, como na casa dos Dursley, só que muito mais antigo e, apesar disto, com aparência de novo, como se nunca tivesse sido usado. Duas janelas, uma que dava para a rua da frente e outra para o beco lateral, deveriam iluminar o local, se não fosse pelas cortinas negras que as envolviam.


Com uma busca rápida pelos móveis, Harry não encontrou nenhum alimento, o que despertou ainda mais sua fome.


“É meio óbvio, não? Ela é uma vampira, não precisa se alimentar como os humanos.” – ele brigou consigo mesmo enquanto pegava um copo e caminhava até a pia.


Depois de passar água pelo objeto, para retirar a poeira, ele o completou com água e saiu da cozinha, bebericando ocasionalmente. Ao cruzar a outra porta, ele paralisou, espantado.


O aposento era enorme, todas as paredes, do assoalho ao teto, eram revestidas por estantes de madeiras de vários tipos cheias de uma variedade quase incontável de objetos. O assoalho era forrado por tapetes antigos e coloridos. Através do aposento, mesinhas baixas habitavam o meio dos círculos formados por sofás e poltronas de tecidos aveludados e de coloração neutra.


- Uau! – exclamou Harry, recompondo-se e entrando ainda mais no aposento.


Na parede da porta, na oposta, cujas janelas deveriam mostrar a lateral da casa, e na parede frontal, estantes estavam lotadas com livros de todos os tamanhos e tipos de encardenações. Conforme se distanciavam da parede frontal, mais antigos os livros pareciam ser. Na parede do fundo, as estantes estavam cheias de pergaminhos amarelados. Harry teve a impressão que, se simplesmente tocasse-os, eles se transformariam em pó.


O aposento tinha um dobramento. Assim que Harry teve a visão daquele espaço, sua boca se abriu debilmente e seu olhar oscilou através das paredes.


Havia estantes, mesinhas e suportes com uma grande variedade armas antigas. As armas de fogo estavam na parede esquerda, organizadas, aparentemente, de acordo com sua época histórica. Lanças, arcos e fechas preenchiam a parede direita, algumas muito simples e antigas, outras reluzentes e decoradas.


A parede ao fundo refletia em prata a luz que entrava pela janela mais próxima. Espadas de vários tipos e épocas forravam a parede.


Harry se aproximou, deixando o copo quase vazio sobre uma das mesinhas. Todas as espadas possuíam características próprias e uma beleza singular, variando em cumprimento, largura e estilo. O que chamou a atenção de Harry, contudo, foi uma espada de metal cinza escuro, com quase dois metros de cumprimento e a lâmina com um palmo de largura.


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Ele chegou mais perto, admirando a espada. Ela não se parecia com nada que ele já havia visto tanto no mundo bruxo quanto no trouxa. A luz da janela não era refletida pela lâmina, o que a tornava ainda mais sombria e peculiar.


Harry sentiu algo diferente naquela espada. O metal escuro refletia a imagem de seu rosto e, para ele, não parecia o mesmo rosto. Era como se o simples fato de estar perto da espada tivesse alterado a fisionomia de Harry. Seu reflexo estava sereno, mas muito mais sombrio, e seus olhos escurecidos emanavam poder e experiência.


O ímpeto de tocar a espada tomou-o. Ele precisa simplesmente tocá-la, sentir o metal gelado em seus dedos. Harry ergueu a mão e a esticou. Alguns centímetros separavam a mão de Harry da lâmina quando uma mão gelada pousou sobre seu ombro, fazendo-o sobressaltar-se e recolher a mão estendida.


- Andrea. – suspirou ele, fitando a vampira ao seu lado.


Ela o encarou por um tempo, os olhos vazios de qualquer sentimento e a face congelada em uma expressão tão vazia quanto o olhar. Um raio de luz, refletido por alguma lâmina prateada, iluminava seu rosto.


- O sol! – exclamou Harry, surpreso – Não te machuca mais?


A vampira despertou de seu estado e sorriu levemente.


- Aqui na Rússia, tenho à minha disposição a totalidade de meus poderes. – ela pousou o braço sobre os ombros do garoto e os conduziu até a cozinha.


Harry avistou uma sacola plástica sobre a mesa assim que entraram. Ela sorriu e acenou para o objeto.


- Obrigado. – agradeceu ele, desvencilhando-se do braço dela e dirigindo-se até a mesa.


- É o suficiente? – perguntou Andrea, encostando-se ao peitoril da janela mais próxima.


- Para quantos dias? – Harry pegou uma maçã e mordeu, virando-se para a vampira em seguida.


- Até o anoitecer, provavelmente. Tenho que acertar algumas coisas na cidade. – respondeu ela, a voz e expressão entediadas.


- Certo. – o garoto deu outra mordida na fruta e, depois de engolir, perguntou – E o sol?


Andrea olhou para o sol através da janela, iluminando-se ainda mais pelos raios dourados. A luminosidade parecia não incomodá-la como o fazia na Inglaterra.


- O que sabe sobre os vampiros? – perguntou ela, ainda olhando o astro rei.


- Muito pouco, admito. – Harry se sentou em uma das cadeiras e deu outra mordida na fruta – Aquela família de ruivos possui um vampiro no soton.


Andrea soltou um grunhido baixinho e sua expressão ganhou uma mescla de ira.


- Essas gerações me envergonham. Elas sujam a nossa raça com sua existência.


- Gerações? – perguntou Harry, curioso.


- Essa explicação tomaria todo o resto do dia. – Andrea afastou-se da janela e olhou para ele – Vou resolver minhas pendências. Descanse.


Harry assentiu e sorriu.


- E não chegue perto das minhas armas novamente. – sussurrou a vampira, de repente ameaçadora, uma das mãos puxando a cabeça dele para trás pelos cabelos, o rosto muito próximo do dele.


- Perfeitamente. – a voz de Harry saiu ligeiramente deformada pela curvatura de seu pescoço.


A vampira sorriu e o soltou, acariciando sua face com os dedos gelados.


- A Arte da Guerra. Estante número dez. Quinta prateleira. Leia!


Harry não teve tempo de responder ou reagir com um simples sorriso. Andrea partiu sem esperar.


- Sim senhora. – ele riu consigo mesmo.


Depois de comer algumas frutas e lançar um feitiço sobre as outras para que ficassem preservadas e frescas até a refeição seguinte, ele voltou para a sala e olhou para a primeira estante ao lado da porta. O número um estava entalhado na madeira lateral do móvel.


A estante número dez era a penúltima das que ladeavam a parede lateral. Nela, Harry encontrou vários objetos muito antigos. A metade inferior do móvel estava lotada de pergaminhos, como a estante seguinte.


“Isso daqui deve ser mesmo muito velho.” – pensou ele.


O número das prateleiras também estava entalhado na madeira. A quinta era a última antes dos pergaminhos.


“Eu já ouvi esse nome... A arte da guerra.”


Ele procurou pelas plaquetas de identificação até encontrar a que queria. Com muito cuidado, retirou o objeto identificado como A Arte da Guerra – Século XVIII.


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- É de bambu! – exclamou ele, surpreso.


Harry caminhou até a mesinha mais próxima e depositou o livro sobre ela. Depois de puxar uma almofada, ele se sentou à frente do livro e lançou-lhe um olhar crítico.


- Maldição, ta em chinês! – esbravejou ele – Supondo que isto seja chinês!


“Mas que desgraça Andrea! Você quer que eu aprenda a lutar ou a falar chinês?!” – ele xingou durante alguns minutos, enquanto pensava em uma solução.


- Pensa Harry, pensa! – sussurrou ele, mirando o livro de bambu.


Harry sacou a varinha e passou-a sobre o objeto.


- Será possível traduzir por magia? – perguntou-se o garoto – Mesmo que sim, eu não conheço esse tipo de feitiço. Merda!


Ele jogou a varinha sobre a mesinha e inclinou-se pra trás, usando os braços como apoio.


“Andrea... você não me mandaria fazer algo impossível. Qual a lição disso? Se é que existe uma!”


Harry suspirou e voltou-se para o livro, pousando o cotovelo na mesa e apoiando o rosto na palma da mão. Ele começou a virar as folhas, os olhos correndo pelas letras chinesas que ele não compreendia. Ao chegar ao final, fechou o livro e o suspirou, entediado.


Depois de algum tempo, Harry se lembrou de uma conversa que tivera com Hermione.


“Hermione, Hermione... estou certo em lembrar que não era possível traduzir runas por magia, por isto você aprendia a traduzir manualmente?” – perguntou Harry, divertido, para a lembrança de sua amiga – “E você também disse... um feitiço de tradução que usava em livros franceses. Qual é mesmo?”


Ele riu, orgulhoso de si mesmo por ter se lembrado do feitiço, pegou a varinha e a passou pelas páginas do livro enquanto murmurava o feitiço repetidas vezes. Ao terminar, sentiu-se cansado.


“Esqueci-me de quão cansativo é esse feitiço. Traduzir um livro inteiro de uma língua tão diferente do inglês é muito mais difícil do que traduzir livros franceses.” – pensou ele, sentindo-se mais poderoso que Hermione.


Depois de depositar a varinha ao lado do livro e respirar fundo algumas vezes, ele lançou um olhar curioso para a primeira página de bambus. Um largo sorriso se formou em seus lábios. As letras desenhadas da China estavam substituídas por uma caligrafia bela e ornamentada.


“Foi você quem escreveu, Andrea?” – perguntou ele, curioso.


- Tudo bem... vamos à guerra!


Ele deu uma risada divertida antes de depositar toda a sua atenção ao livro.


=.=.=


A casa do velho Gaunt permanecia em silêncio apesar da presença de três homens.


Na cozinha encontrava-se Draco Malfoy, sentado à mesa, beliscando ocasionalmente um pedaço de pão que jazia sobre um prato. Seu corpo, mesmo tenso, abrigava uma mente distraída, que não se focava em nada por muito tempo. Seus pensamentos vagavam entre o passado e o presente, enquanto, ocasionalmente, tentava presumir e imaginar seu futuro.


Na sala, Lorde Voldemort e Severo Snape conversavam, em tom baixo, assuntos secretos que regiam os Comensais da Morte.


- Sobre o Caçador, - interveio o Lorde – assim que encontrá-lo, quero que me avise.


- Como quer que seja feito? – perguntou Snape, o tom servil.


- Pela Marca Negra, obviamente. – respondeu Voldemort, irritado – É o meio mais rápido e seguro.


- Perdão, milorde, mas creio que não seja a melhor opção. – contrapôs Snape.


- Por que não? – os olhos vermelhos e em fendas brilharam de ira.


- Se permite que eu expresse minha opinião. – Snape aguardou que o Lorde assentisse com a cabeça – Assim que eu tocar minha Marca, todos os outros Comensais da Morte a sentirão queimar e entenderão que é um chamado vosso. Será desastroso para as relações entre o senhor e o Caçador se todos os Comensais da Morte aparatarem em torno dele. Creio que ele se sentirá em uma emboscada, ou coisa pior. – concluiu Snape, convicto.


Voldemort analisou a face do outro por algum tempo sem alterar seu semblante irritado. Por fim, acenou desdenhosamente com a mão e desviou o olhar.


- Mande-me seu patrono.


- Será feito conforme vosso desejo. – Snape inclinou a cabeça em reverência.


Eles retomaram outros assuntos, consumindo um longo período de tempo. O aposento estava cheio de sombras quando Voldemort encerrou a conversa e uniu as mãos.


- MALFOY! – berrou ele.


O ruído de Draco caindo de sua cadeira chegou até os presentes na sala, arrancando sorrisos escárnios de ambos.


- Sim, milorde? – falou Draco, fazendo uma reverência sob o batente da porta recém-aberta, que conduzia à cozinha.


- Acenda as velas. – ordenou o Lorde, fitando o garoto com diversão.


A face de Draco contraiu-se em uma meia careta de indignação e voltou ao semblante servil em seguida. Ele entrou na cozinha e, depois de poucos minutos, retornou à sala com uma caixinha de fósforos na mão. Depois de acender todas as velas do aposento, ele guardou a caixa de fósforos no bolso e virou-se para Voldemort.


- Deseja mais algo, milorde? – perguntou Draco, engolindo em seco ao perceber o olhar frio que o outro lhe dirigia.


- Não. Saia! – ordenou o Lorde, o tom cortante.


O loiro fez uma reverência e voltou para a cozinha, a porta se fechando às suas costas.


Snape, que fitava seu mestre desde que o garoto fora chamado, percebera como o semblante do Lorde se tornara frio e colérico.


- Milorde?


Voldemort se ergueu, cruzando os braços em suas costas, e caminhou até a janela mais próxima. Snape acompanhou-o com o olhar, sem mover-se sequer um centímetro.


- Você deve ensinar ao fedelho Malfoy seu devido lugar, Snape. Não serei mais benevolente se ele mostrar-se indignado perante minhas ordens novamente. – a voz do Lorde era fria e dura, como seu semblante refletido pelo vidro encardido.


- Certamente, milorde. Contudo, peço-lhe, humildemente, que procure entender o fator que gerou a indignação do garoto.


- Ajude-me com isto, Snape, pois não encontro motivos fortes o suficiente para que um dos meus comensais sinta-se indignado perante minhas ordens. – a expressão de Voldemort pintou-se desdenhosamente no reflexo.


- O fator, milorde, é o motivo mais forte possível. – iniciou Snape, a voz tão serena quanto sua expressão – Um dos legados de Salazar Slytherin.


Voldemort virou-se para ele, o semblante perigosamente sombrio.


- Slytherin?


- Sim, milorde. – confirmou Snape sem se alterar pela mudança do outro – Todos os sonserinos, os verdadeiros, possuem o destino de serem líderes e lordes, como o senhor. Este é um dos legados de Slytherin, o poder de comandar, de liderar. A linhagem Malfoy perpetuou este legado por todas as suas gerações, culminando no jovem Draco com a união dos Malfoys e Blacks, duas famílias fiéis à Slytherin desde o início.


- Está me dizendo, Snape, que o fedelho Malfoy possui o destino de comandar? De ser um Lorde, como eu? – tudo em Voldemort, semblante, voz e movimentos, deixavam explícita sua ira.


- Eis o destino de todos os verdadeiros sonserinos. – sustentou Snape - No entanto, o mesmo batalha contra outro destino sonserino, que atinge todos, sejam verdadeiramente ligados à existência de Slytherin ou não. Este destino é o único, contra o qual, os sonserinos não podem se rebelar. Este é o segundo legado de Salazar Slytherin: seguir o senhor, milorde, Herdeiro de Slytherin. – terminou ele, sério.


Eles se encararam por um tempo, a expressão de Snape ainda séria e serena e a de Voldemort agressiva.


- E qual o seu destino, Snape? Você que é considerado, por muitos, um sonserino completo, um verdadeiro sonserino. Qual legado você segue? – perguntou o Lorde, a voz controlada, as palavras medidas.


- O meu destino é diferente do que regue os outros sonserinos. Ele não existe, não é pré-determinado. Isto é resultado da minha escolha, do legado que eu decidi seguir. Meu destino, milorde, é formado pelas suas decisões, pelos seus desejos. Meu destino, meu legado, é servir ao senhor. – respondeu Snape, a cabeça inclinada em reverencia.


- Que o jovem Malfoy compartilhe deste mesmo destino. Que minhas ordens e desejos comandem suas vidas. – sentenciou Lorde Voldemort, a expressão branda.


- Assim será, milorde.


Sorrisos desenharam-se nos lábios finos, sorrisos que ninguém viu.


=.=.=


As luzes da sala estavam acesas. Sob a mesma almofada encontrava-se Harry Potter, os olhos fixos e atentos ao livro de bambu posto na mesinha à sua frente. Suas roupas estavam trocadas, os cabelos molhados denunciavam a ducha recente que tomara no banheiro do segundo andar. Sobre um prato estavam os restos das últimas frutas que Andrea trouxera. A mochila jazia sobre o sofá mais próximo.


Ele foi arrancado da leitura por uma voz fria, mesmo sedutora, falando algo que ele não entendeu, obrigando-o a erguer os olhos para fitar sua interlocutora. Andrea entrava na sala com passos lentos e proporcionais e um sorriso no rosto. Ela repetiu sua fala na mesma língua estranha.


- Deixe-me adivinhar, chinês? – perguntou Harry, divertido, quando ela parou de falar e se ajoelhou do outro lado da mesa.


- Wei. – disse ela sorridente, confirmando com a cabeça.


- Então, “wei” é sim?


Ela apenas repetiu a palavra, risonha.


- O que achou do livro? – a voz de Andrea estava diferente quando ela tornou a falar, um forte sotaque deixava sua fala mais apressada e meio entrecortada.


Harry a encarou, impressionado.


- Sua voz!


Andrea apenas sorriu e apontou para o livro, pedindo, com o movimento, a resposta para sua pergunta.


- Interessante, para dizer o mínimo. Foi mesmo escrito no século XVIII?


- Sim. Sun-Tsu, grande mestre.


- Você o conheceu? – perguntou Harry, surpreso e curioso.


Andrea assentiu, mirando o livro com um olhar que beirava a admiração. Harry fitou-a durante todo o silêncio que se seguiu. A beleza dela estava mais aflorada, o rosto quase que imperceptivelmente menos pálido, os lábios já sem o tom sangrento de antes, tingindo-se de um vermelho sereno, e os olhos surgiam mais intensos, o tom castanho mais cremoso, como chocolate.


- Está me constrangendo, Potter. – disse Andrea, erguendo o olhar, o semblante divertido.


- Vampiros sentem-se constrangidos? – perguntou Harry, rindo para esconder seu próprio constrangimento.


- Não! – Andrea riu uma risada fria e cristalina.


Ela se ergueu, ainda rindo e se dirigiu à porta. Quando a diversão acabou, ela se virou, séria, e disse:


- Restaure o idioma original e se apronte. Partiremos em cinco minutos.


Harry assentiu e ela desapareceu pela porta. Com sua varinha, o garoto cancelou o feitiço de tradução e, depois de conferir todas as páginas, encontrando-as sem um único termo em inglês, fechou o livro e guardou-o em seu devido lugar.


Andrea reapareceu pouco depois, envolvida em um manto de pele de animal cinzento, que a cobria até as canelas, e com botas de couro escuro.


- Está com frio, Andrea? – perguntou Harry, divertido.


- Vista isto. – ela jogou para ele um manto semelhante ao dela, ignorando a brincadeira com o semblante sério.


- Pra quê tudo isto? – perguntou ele, sentindo a grossura do manto.


- Se não vestir vai congelar com a primeira rajada de vento. – respondeu ela, o tom cortante.


Harry colocou o manto e voltou até o sofá para pegar sua mochila.


- Miniaturize. – ordenou a vampira, sendo prontamente atendida.


Ela os conduziu para fora da casa e trancou a porta com a chave enferrujada.


- Para aonde? – perguntou Harry, enquanto cruzavam a rua e entravam no beco.


- Monte Everest. – respondeu ela, estendendo o braço para ele.


Durante algum tempo ele a encarou, esperando que ela risse para, então, revelar o verdadeiro local de aparato.


- Ficou surdo? – perguntou Andrea, segurando-o pela gola do manto, a voz rouca e perigosa, os olhos brilhando de ira.


- Não. – respondeu ele – Só achei que fosse brincadeira.


O estalo de um tapa ecoou pelo beco. Andrea soltou o garoto e manteve o braço estendido, como se nada tivesse acontecido. Ele tossiu e cuspiu o sangue que possuía dentro da boca para o lado. Depois de limpar os lábios com a manga da camisa, Harry segurou o braço estendido da vampira.


=.=.=


A neve caía com força, as rajadas de vento arremessando-a para todas as direções com brutalidade. Suas pessoas surgiram no meio da tempestade, o estampido de sua aparatação ecoando em meio ao uivo do vento. Eles ficaram parados e silenciosos.


Os mantos pesados balançavam violentos sobre seus corpos e os cabelos eram arremessados para várias direções.


- O que estamos esperando? – gritou Harry, tentando fazer-se ouvir sobre o barulho do vento.


Andrea colocou o dedo indicador sobre seus lábios, os olhos procurando algo através da tempestade. O garoto bufou e cruzou os braços para tentar apaziguar o frio que sentia, apesar do manto que usava. Ele manteve seus olhos fixos na vampira, que olhava em volta com atenção.


- Mas que diabos, Andrea! O que você está procurando no meio da tempestade?! – explodiu Harry, depois de alguns minutos naquela situação.


Ela se virou para ele com o semblante sério e o olhar perigoso. Quando ela abriu a boca para responder, porém, não teve tempo. Um homem vestido com um manto branco surgiu ao lado deles, empunhando uma lança.


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Andrea empurrou Harry, jogando-o para longe e protegendo-o de um ataque certeiro. O homem virou a lança e atacou a vampira na horizontal. Ela se jogou para trás e, depois que a lâmina cruzou o ar, apoiou-se nas mãos e chutou o homem na altura do rosto. Ele, porém, foi mais rápido e ergueu o braço, defendendo-se, enquanto manejava a lança com a outra mão e atacava novamente na horizontal.


A vampira tomou impulso e jogou seu corpo por cima da lâmina, esquivando-se. Antes mesmo que seus pés tocassem a neve, seu punho já ia na direção do oponente que, mais uma vez, foi mais rápido e girou o corpo, conduzindo a lâmina de encontro a ela, desviando e atacando ao mesmo tempo.


Ao contrario do que se esperava, Andrea deu um tapa na lateral da lâmina, jogando-a para baixo. O desnível da arma fez o homem perder seu equilíbrio, o que rendeu à vampira um único segundo de vantagem.


- Acabou. – sussurrou ela no ouvido do homem, segurando ambas as mãos em suas costas e cruzando seu pescoço com uma chave de braço.


A lança caiu no chão ao mesmo instante em que Harry se levantava. Toda a luta não durara mais de quinze segundos.


- Andrea? – perguntou ele, vendo a companheira segurando o homem com dificuldade devido à tempestade.


Harry se aproximou com dificuldade, pois o vento estava mais forte. Ele ficou perto o suficiente para ver o rosto de Andrea, cujos os olhos fixos no homem que segurava.


O homem falou em uma língua que Harry não conseguiu compreender, embora tenha captado um tom de aviso nela. A vampira replicou séria, naquela língua desconhecida. Alguns segundos se passaram, o vento uivando em seus ouvidos e a neve sendo jogada contra seus corpos. Então o homem riu baixo e controlado, seu semblante tornando-se suave. Para surpresa de Harry, Andrea soltou o homem e acompanhou sua risada controlada.


- Hey! – exclamou Harry, a varinha erguida contra o homem, o olhar variando entre este e a vampira – Ele nos ataca e, então, você o solta?!


- Abaixe a varinha, Potter. Era ele quem estávamos esperando. – explicou Andrea a voz carregada de um sotaque muito parecido com o de sua fala pós-chinês.


- Mas... – o garoto tentou retrucar, mas o olhar que a vampira lhe deu fez reacender a lembrança de seu rosto marcado.


- Ainda habilidoso com a alabarda, Yo Ba. – expôs Andrea, pegando a lança do chão e estendendo para o homem, que a recolheu e se limitou a sorrir.


O homem olhou para Harry pela primeira vez. O garoto sentiu não somente seu corpo, mas também sua mente e alma sendo estudados pelos olhos azuis escuros do outro. Depois de alguns segundos, que pareceram horas para Harry, o homem se aproximou dele e segurou seu rosto com a mão vazia, virando-o com a intenção de olhar algo específico. Depois de uma risada desdenhosa, o homem comentou algo para Andrea, que apenas sorriu sadicamente.


- Solte-me. – ralhou Harry, afastando-se um passo do homem.


- Calma, Potter. – disse Andrea, aproximando-se dele – Yo Ba nos levará ao nosso destino. – e, virando-se para o outro, perguntou – Certo, Yo Ba?


O homem apenas concordou com a cabeça. Ele ergueu a alabarda e bateu a base de madeira no solo, enterrando-a na neve.


No segundo seguinte, eles estavam dentro de uma caverna. A tempestade podia ser ouvida através da entrada não muito distante. Harry acendeu a varinha e olhou em volta, surpreso.


- Venha. – chamou-o Andrea, já distante alguns passos, seguindo Yo Ba, que ia a alguns metros à frente.


O garoto assentiu e correu até alcançá-la.


Eles caminharam caverna adentro em silêncio, os únicos sons eram o de seus passos ecoando na pedra e o do uivo do vento, que foi morrendo aos poucos.


- Andrea... – sussurrou Harry, os olhos desconfiados fixos em Yo Ba.


- Depois Potter, depois. – cortou-o ela, colocando o dedo indicador sobre seus lábios.


Depois de alguns minutos de caminhada, a caverna começou a expandir em altura e largura. Então, de repente, um horizonte se abriu além da caverna, que se revelou o topo de uma montanha coberta de neve.


- Wow! – exclamou Harry.


Uma orla de montanhas tão altas quanto aquela onde eles estavam criava um imenso e belíssimo vale. Nele, havia uma floresta de um verde brilhante cortada ocasionalmente por rios. O som de cachoeiras trazia ainda mais serenidade e beleza ao lugar. O céu estava limpo e as estrelas brilhavam mais do que a lua cheia, iluminando o vale.


- Lindo, não é? – perguntou Andrea, sorridente.


- Que lugar é esse? – questionou Harry, maravilhado.


- Este, criança, é o Reino de Shambhala. – respondeu Yo Ba, para surpresa do garoto – Este é Shangri-la.


Harry encarou o homem com uma das sobrancelhas arqueadas. Yo Ba revirou os olhos e comentou algo com Andrea, seu tom dividido em desdém e acusação. A vampira limitou-se a dar de ombros.


- Chame-o, Yo Ba. – pediu Andrea.


O homem negou com a cabeça e respondeu em sua língua estranha. Andrea bufou e ele sorriu, divertido, comentando algo com gozação. A vampira abanou uma das mãos com descaso.


- Leve-nos, então, até o primeiro posto. Potter precisa descansar. – disse ela.


- Não preciso não! – retrucou Harry, irritado por não conseguir entender o que o homem dizia e o que, ocasionalmente, Andrea respondia.


Novamente o olhar que a vampira lhe lançou foi o suficiente para calá-lo e quietá-lo. Yo Ba concordou com a cabeça e começou a descer a montanha. Andrea e Harry o seguiram em silêncio. Depois de alguns minutos de descida, uma tenda pôde ser vista à vários metros de distância. Ao chegarem a ela Yo Ba puxou o tecido, abrindo caminho, e indicou o interior para eles, que entraram em silêncio. Ele comentou algo e continuou a descer a montanha.


Andrea ficou na entrada da tenda até que Yo Ba saiu de seu campo de visão.


- Andrea, será que você pode me explicar o que está acontecendo aqui? – perguntou Harry, os braços cruzados e o semblante sério.


- Vamos ajeitar as coisas para descansarmos. Enquanto você come algo eu lhe explicarei tudo. – respondeu ela, afastando-se da entrada e despindo o manto.


- Eu não trouxe comida. – assinalou Harry, retirando o manto também.


A vampira apontou para o interior da tenda, que ele ainda não havia analisado. O chão estava limpo de neve, apresentando um aspecto rochoso. No centro havia marcas de fogueiras recentes e, circulando-a, esteiras de bambo. No fundo havia um pequeno armário de madeira.


Eles depositaram os mantos sobre esteiras diferentes. Andrea dirigiu-se ao armário e Harry sentou-se sobre seu manto, retirando a mochila de dentro do bolso do sobretudo e restaurando seu tamanho original. Colocou-a na extremidade da esteira, onde, certamente, deitaria a cabeça.


- Acenda uma fogueira. – ordenou Andrea, retirando de dentro do armário uma pequena embalagem.


Com um aceno da varinha, Harry conjurou alguns gravetos sobre o local da fogueira e ateou fogo sobre eles. Andrea cravou algumas batatas, retiradas da embalagem, em pequenas varetas e as colocou ao lado do fogo para assarem. Ela se sentou sobre seu próprio manto, na esteira oposta à de Harry, e olhou-o com um sorriso.


- Pergunte. – disse ela.


- Que lugar é esse? – questionou Harry.


- Shambhala. Para os budistas é o centro da paz plena e a morada de sábios iluminados. Os não-budistas conhecem este lugar por meio da lenda de Shangri-la, um codinome para Shambhala. – respondeu Andrea.


- Aquele homem, o Yo Ba, ele me disse os dois nomes e comentou algo com você. Eu não entendi uma palavra sequer, mas seu tom era muito desdenhoso pro meu gosto. – assinalou Harry, fechando a cara.


Andrea deu uma risada suave.


- Ele te chamou de “ignorante” e me perguntou como eu tinha coragem de trazer alguém como você para cá. – explicou ela ainda risonha.


- Ignorante?! Só por que não conheço uma lenda trouxa? – retrucou Harry irritado.


- Acalme-se Potter. – ordenou Andrea, séria – Este local é, de fato, cheio de paz e sabedoria. Não se altere ou seremos expulsos daqui e, se isto acontecer, você não poderá ter o treinamento que merece.


- Está bem. - bufou Harry, respirando fundo em seguida e acalmando-se.


A vampira mexeu nas varetas, ajeitando as batatas.


- Você já veio aqui antes?


- Já. – respondeu Andrea, o tom entediado – Há quatro décadas mais ou menos, bebi o sangue de um monge tibetano. Eu posso escolher absorver lembranças com o sangue, você já sabe disso, e eu o fiz. Suguei todas as memórias do monge. Depois de assimilá-las, me senti diferente. Foi algo muito, mas muito estranho mesmo.


- E? – perguntou Harry, curioso.


- Segui minha viagem, dirigindo-me à Cordilheira do Himalaia para entrar na China, meio que ignorando o que sentia. – ela deu um sorriso divertido – Eu já havia feito aquele caminho inúmeras vezes e nunca me perdera pelas montanhas, não importando a tempestade que as afligisse. Porém, aquela sensação estranha foi aumentando conforme eu entrava na cordilheira. Eu me senti muitíssimo bem com aquilo e desejei que a sensação aumentasse ainda mais.


- Isso está confuso. – confessou Harry, aturdido.


- Vai fazer sentido logo. Eu mudei de direção, sai do meu trajeto original, e rumei na direção que deixava a sensação mais forte. Ela atingiu o ápice quando eu cheguei ao topo do Monte Everest. Lá, Yo Ba me esperava. Ele me trouxe para cá sem me dirigir uma única palavra. Eu também fiquei em silencio. É estranho, mas eu sabia que devia segui-lo. – continuou Andrea, um sorriso tímido nos lábios.


- Você entrou em um reino de paz e sabedoria, onde apenas os iluminados podem entrar, porque bebeu o sangue de um monge tibetano?! – perguntou Harry, seu tom era mesclado de incredulidade.


- Isso eu explicou depois, quando você conhecer O Mestre. – respondeu Andrea, sorrindo misteriosamente.


- Andrea! – exclamou Harry, chateado.


A vampira levantou a mão, ordenando que ele se calasse. Ela retirou as batatas do fogo e as estendeu para que Harry comesse. Ele bufou e segurou a vareta, mordendo um pedaço pequeno da batata.


- Se tivesse sal estaria ótima. – falou ele, arrancando outro pedaço da batata.


Andrea deu uma risadinha e deitou-se, cruzando os braços abaixo da cabeça.


- Aquele homem, o tal do Yo Ba, ele segurou meu rosto e te disse algo. O que era? – perguntou Harry.


- Ele comentou que eu continuo violenta. – respondeu ela – Seu rosto está marcado pelo tapa que te dei e seu lábio levemente inchado e vermelho. Yo Ba é muito detalhista e não deixou escapar a oportunidade de brincar comigo e te desprezar.


- Não gostei dele. – assinalou Harry, tirando outro naco da batata.


- Não me importa. E a ele também não. – rebateu Andrea.


Depois de alguns minutos, Harry jogou a vareta vazia na fogueira e suspirou, saciado, colocando a mão sobre a barriga.


- Esse O Mestre que você disse, foi ele que você pediu para Yo Ba chamar?


- Foi. – respondeu ela.


- E o que ele comentou depois? – questionou Harry.


- Algo sobre as regras daqui e blá blá blá. Um monte de bobagens, mas que devemos respeitar se quisermos ficar aqui. – respondeu Andrea irritada – Agora deite e durma.


- Estou sem sono. – rebateu ele imediatamente.


- Então apenas deite! – rosnou ela sem se mover.


- Ok. – assentiu Harry, deitando-se sobre seu manto e pousando a cabeça sobre a mochila.


As chamas da fogueira crepitavam baixinho e criavam sombras no topo da tenda. O garoto ficou olhando para as ondulações de luz e sombra em silêncio. Aos poucos, o sono se aproximou sordidamente. Instantes depois, ele virou para o lago, completamente adormecido.


Andrea apenas sorriu e fechou os olhos.


=.=.=


O sol já havia se posto há algum tempo e a noite era completamente escura pela falta de lua no céu. O casebre também estava imerso naquela escuridão profunda, seus ocupantes silenciosos.


Depois de um longo período de espera, Lorde Voldemort abriu os olhos e fez um movimento complexo e rápido com sua varinha. No centro do aposento escuro abriu-se uma cratera. Com outro movimento da varinha um pequeno frasco flutuou de dentro do buraco. O Lorde tomou o frasco com sua mão e executou outro movimento complexo e rápido, fechando a cratera e restaurando o assoalho.


No segundo seguinte a lareira e as velas se iluminaram com chamas, espalhando luz pela sala. Draco e Snape se aproximaram do Lorde depois de um aceno dele.


- Eis o que usará, Snape. – disse Voldemort estendendo o frasco.


Snape olhou para o objeto. Um líquido verde doentio o enchia por completo.


- Isto é uma poção que eu criei durante minhas viagens há muitos anos. – explicou o Lorde quando o outro pegou o item de sua mão – Na época, fiquei iludido pela ideia de ser jovem novamente. – ele deu as costas para seus subordinados e caminhou até a janela – Ilusão. Do que adianta ser jovem se permanece mortal? – perguntou ele retoricamente, o tom mais baixo e sombrio.


- Então é isto, milorde? Uma poção rejuvenescedora? – perguntou Snape, incrédulo.


- Sim, Snape. – respondeu Voldemort, virando-se para ele – Esta poção te tornará mais jovem. Ela rejuvenesce em média quinze anos. Com essa idade subtraída da sua atual, você será tão novo que poderá se passar por um irmão mais velho do jovem Malfoy.


Ambos olharam para Draco, que mantinha um semblante surpreso pelo que Voldemort falava. Depois de revirar os olhos pela reação do garoto, Snape destampou o frasco para bebê-lo.


- Não se deve ingeri-lo. – interveio Lorde Voldemort, parando o movimento do outro – Para ter o efeito desejado, é preciso injetá-lo na corrente sanguínea.


Snape pareceu surpreso. No entanto, moveu a varinha habilmente e transfigurou o frasco em uma seringa.


- Saia. – ordenou Voldemort para Draco.


O garoto assentiu e fez uma reverencia antes de sair. Snape fitou o mestre de forma humildemente interrogativa.


- Não é algo belo de se ver e o jovem Malfoy precisa dormir bem para que vocês sigam viagem amanhã de manhã. – explicou Voldemort – Mas não tema, Snape, o desconforto é breve.


- Não temo, milorde. Eu confio no senhor e faço o que o senhor ordena. – replicou Snape, inclinando a cabeça educadamente.


- Prossiga então. – ordenou o Lorde, sentando-se na poltrona.


Snape estendeu o braço esquerdo e puxou a manga até acima do cotovelo. Com um aceno da varinha, um pedaço de borracha surgiu em torno do braço, amarrando-o firmemente. Ele abriu e fechou o punho várias vezes até que as veias ficassem visíveis na dobra do cotovelo.


Voldemort acompanhou os movimentos do outro com cuidado, um sorriso sutil brotando no canto dos lábios quando Snape perfurou seu braço com a agulha e injetou o líquido. Durante os segundos que se seguiram após a retirada da seringa vazia de perto do braço de Snape, apenas as respirações tranquilas dos dois bruxos eram ouvidas.


Então, de repente, Snape caiu de joelhos, arfando. Voldemort moveu a varinha, tornando os sons da sala inaudíveis fora dela. Snape possuía em seu rosto uma expressão de dor intensa, seus olhos estavam arregalados e sua boca escancarada. Ele sentia todo seu corpo queimando por dentro como se um ácido estivesse penetrando suas células e as destruindo.


Com o lento passar dos segundos, a sensação se espalhou por todo o corpo de Snape. Cada fibra transmitia ao cérebro a dor que captava, todas juntas devastando Snape como um furacão. Ele começou a gritar, tombando no chão, quando se sentiu derreter. Ele se contorcia mais brutalmente do que qualquer um sob o efeito da pior Maldição Cruciatus já conjurada.


Lorde Voldemort mantinha-se impassível sobre a poltrona. Os olhos em fendas estudando cada movimento brusco do homem ao chão e os ouvidos captando os berros apavorantes como se tudo isto fosse natural.


Snape sentia sua pele derreter como ferro líquido e ardente. Não somente a pele, mas todos os tecidos e nervos, órgãos e sistemas, até mesmo seus ossos. Era como se todo ele fosse uma massa de ferro incandescente, transformando-se em líquido aos poucos.


Depois de algum tempo, Snape passou a se contorcer menos e a gritar mais baixo e rouco. Voldemort se ergueu quando o outro silenciou e paralisou. O Lorde caminhou até seu servo e estudou sua face com curiosidade.


- Parabéns, Snape. Você está irreconhecível. – disse Voldemort, a voz mesclada de prazer.


O Lorde estendeu a mão para seu fiel seguidor. Snape engoliu em seco e tomou a mão do mestre, erguendo-se com o auxílio dele.


- Obrigado, milorde. – agradeceu ele, a voz muito fraca e rouca.


- Agora, Snape, quero que você se apresse para partir com o jovem Malfoy. – ordenou Voldemort, sentando-se novamente.


- Claro, senhor. – assentiu Snape, arfando.


- Pode se retirar. – disse o Lorde com um sorriso cordial.


Snape inclinou a cabeça, sua expressão ganhando uma mescla de dor, e saiu. Voldemort olhou para as velas espalhadas pela sala, a mente vagando em um prazer insano.


=.=.=


O espelho mostrava uma imagem do passado, a imagem de um jovem professor. Os cabelos continuavam compridos como na figura do homem de trinta e sete anos e os olhos ainda eram tão vazios e frios.


- Snape? – perguntou uma voz um pouco afastada.


Draco aproximou-se do foco da luz do banheiro sujo, encarando o outro.


- É você mesmo? – perguntou o garoto, aturdido.


Snape puxou a varinha e apontou para os próprios cabelos. As mechas negras caíram no chão e sobre a pia imunda. Quando ele terminou, seus cabelos estavam curtos como nunca antes e seu rosto juvenil ganhou um ar aristocrático.


- Então a tal poção realmente funciona. – assimilou Draco quando Snape passou por ele para entrar no quarto mal iluminado.


- Amanhã bem cedo nós partimos. – informou Snape, a voz sem apresentar nenhuma alteração.


O garoto assentiu com a cabeça e cancelou o feitiço que iluminava o banheiro.


- Para onde vamos? – perguntou ele, aproximando-se de sua cama.


Snape caminhou para perto da janela e cruzou os braços nas costas. Draco o fitou por todo o silencio que se seguiu, não muito certo se Snape olhava para além da janela ou para seu reflexo jovem.


- Para a Escola Celta de Luta e Magia.


=.=.=


- Potter... Potter... Acorda Potter!


Harry sentou-se, a respiração muito descompassada e profunda. Todo o corpo dele estava molhado de suor e tremia de frio. Ele encarou Andrea por um único segundo antes de erguer a mão e tocar a cicatriz que ardia.


- Qual o problema Potter? – perguntou a vampira.


- Entrei na mente de Voldemort enquanto dormia. – respondeu o garoto, a voz baixa e dolorida – É a segunda vez essa semana.


Aos poucos a dor na cicatriz apaziguou e Harry começou a respirar tranquilamente, os olhos fechados e a mão ainda na testa.


- O que você viu? – questionou Andrea, curiosa.


O garoto abriu os olhos e fitou a vampira, que retornara à sua esteira coberta pelo próprio manto. Conforme ele se lembrava, ele relatou.


Seu sonho iniciara enquanto Voldemort se concentrava para retirar o frasco de poção rejuvenescedora do subsolo da casa. Voldemort havia se concentrado em sua energia maligna, em uma extensão dela, como se parte de si mesmo estivesse enterrado abaixo do casebre.


Harry sentiu receio, antes de descobrir o que era o conteúdo desejado, que Voldemort buscasse o anel de seu antepassado, o mesmo anel que transformara em horcruxe e que Dumbledore havia destruído no ano anterior.


Conforme Voldemort explicava aos seus subordinados o que era aquilo em sua mão, Harry vira a verdade através das palavras. Ele sentiu tanto prazer quanto Voldemort, o que o outro planejava era uma punição perfeita para Snape. Houve um momento, enquanto Voldemort ainda falava, que imagens das horcruxes se materializaram na mente dele, o diário, o anel escondido ali mesmo naquele casebre, o medalhão. As imagens que viriam aparecer foram quebradas pela pergunta de Snape.


Mais uma vez Harry teve raiva do ex-professor, que eliminara talvez a única chance que ele teria para descobrir todas as horcruxes de Voldemort. Descobrir a sexta e a sétima que Dumbledore desconhecia.


Descobrir que Snape ficaria tão jovem quanto ele o surpreendeu. Provavelmente sua aparência seria tão modificada que ninguém conseguiria reconhecê-lo, dificultando a ação dos aurores e de qualquer outro que viesse a persegui-lo.


Enquanto Snape se preparava para injetar a poção, Voldemort e, consequentemente, Harry sentiram um prazer delirante. Harry só foi compreender amplamente a causa daquele sentimento quando Snape caiu de joelhos e começou a gritar e se contorcer. Ele estava sofrendo como nunca antes e isto concedeu à Harry ainda mais alegria e prazer, ainda mais vontade de permanecer na mente de Voldemort.


Em um momento de lucidez, Harry tentou imaginar porque Voldemort estava fazendo aquilo com seu seguidor mais fiel, o homem que liquidara Dumbledore. O prazer de Voldemort era algo completamente incompreensível para o garoto. Cada movimento brusco, cada berro de dor, cada sinal de que Snape estava sofrendo era como deleite para Voldemort. Sem conseguir entender os sentimentos de Voldemort, Harry se entregou à mente e aos mesmo sentimentos do outro, deliciando-se com o sofrimento do homem que tanto odiava.


Quando os gritos e a dor pararam, Voldemort se ergueu e analisou a nova face de seu servo. Harry sentiu a surpresa de seu inimigo como se fosse sua. Snape estava incrivelmente mais novo, como Voldemort prometera. Seu rosto era juvenil e, apesar da expressão de dor e do suor brilhando em sua pele, possuía traços firmes que lhe davam um ar aristocrático.


Depois que Snape saiu, Voldemort encarou as velas, revivendo as imagens que acabara de presenciar, os gritos e o prazer em ouvi-los. Então ele começou a rir, rir dentro de si mesmo e para si, sem que seu corpo ou expressão revelassem isto. Ele permaneceu frio e parado, mas ardia em prazer por dentro.


- Foi por isso que te acordei. – disse Andrea – Você estava rindo insanamente, não parecia você mesmo.


- Obrigado. – Harry sorriu para a vampira – Já estava na hora de eu sair de lá. Acho que mais um pouco e ele me notava.


Andrea assentiu e guiou os olhos para a fogueira, que estava perto do fim. As chamas estavam fracas e a madeira já queimada ardia em algumas partes devido à brasa.


- É melhor você se secar com algum feitiço ou vai ficar resfriado. – aconselhou ela, pegando um graveto e atiçando o fogo.


Harry consentiu e, com um movimento rápido da varinha, secou seu suor e limpou-se o máximo que podia.


 - Ainda vou precisar de um banho. – disse ele.


- Não se preocupe. É costume aqui em Shangri-la tomarmos um ótimo banho purificador antes de entrarmos no templo do Mestre. – retrucou a vampira não muito concentrada no que dizia.


- Você não vai me dizer quem é esse Mestre, não é? – perguntou Harry, sério.


Andrea o encarou com seriedade.


- Sempre que você entrar na mente de Lorde Voldemort, eu devo permitir? – perguntou ela.


Harry ficou desconcertado. Nunca havia pensado naquilo. Ele encarou as brasas e as fracas chamas. Desde que Voldemort retornara, suas visitas à mente dele não foram muito prazerosas ou benéficas. Porém, as últimas visitas lhe permitiram obter informações únicas. Ele era o único além de Voldemort e Draco Malfoy que conheciam a atual aparência de Snape.


Era ariscado continuar aquela empreitada. Harry retornou sua atenção para a vampira. Talvez fosse muito mais arriscado seguir uma vampira, entregar-lhe sua vida e destino. O garoto deu um largo sorriso, Voldemort não era tão ruim assim.


- Deve permitir. – respondeu ele, por fim – Acorde-me caso eu saia do controle. Se eu não agir ou me expressar como eu mesmo, se eu me tornar outra pessoa, acorde-me imediatamente.


Andrea concordou com um maneio da cabeça e deu um sorriso orgulhoso.


- Está assumindo os riscos Potter. Você analisou a situação antes de decidir, meu parabéns. Talvez, veja bem – apenas talvez, essa sua escolha foi a escolha certa a se fazer. – disse a vampira, a voz profunda e serena.


Harry deu um sorriso de agradecimento embora todo o seu corpo estivesse arrepiado. Ele se deitou e respirou fundo antes de fechar os olhos.


- Durma. – ordenou Andrea – Em poucas horas você, definitivamente, entrará no Reino de Shambhala.


=.=.=


Harry abriu os olhos. Ele conseguia ver a bola que o sol formava no teto da tenda. Ao se sentar, o garoto percebeu que estava sozinho. Andrea não estava sentada em sua esteira de bambo e seu manto havia desaparecido.


“Para onde será...” – Harry iniciou o pensamento enquanto se colocava de pé.


- Finalmente. – disse Andrea, entrando pela abertura do tecido e assustando o garoto.


- Onde você...


- Apresse-se. – ordenou a vampira, cortando-o – Yo Ba está aqui e nós temos permissão para descer.


- Ok. – concordou Harry, movendo-se o mais rápido que podia.


Ele pegou a varinha e encolheu a mochila, guardando-a no bolso do sobretudo. Ao virar-se para pegar o manto, Andrea já o segurava, deixando-o pronto para que o garoto o vestisse.


- Obrigado. – agradeceu ele.


- Cala a boca e vem logo! – ralhou a vampira, saindo da tenta em um piscada de olhos.


Harry girou os olhos enquanto terminava de vestir o manto. Ao sair da tenta, a luz do sol refletida pela neve à sua volta ofuscou seus olhos, obrigando-o à fechá-los e erguer o braço esquerdo para tentar protegê-los.


- Ande logo, Potter! – ordenou Andrea, sua voz mais distante do que Harry esperava.


Demorou alguns segundos para que os olhos de Harry se adaptassem à iluminação excessiva. Quando pôde enxergar corretamente, viu Andrea e Yo Ba, que usava um bastão como bengala, descendo a montanha, vários metros afastados.


O garoto correu ao encontro do monge e da vampira, que caminhavam em silêncio. Ao alcançá-los, Harry permaneceu em silêncio, seguindo o exemplo deles. Depois de recuperar o compasso da respiração, ele permitiu a si mesmo uma boa olhada no vale à sua frente.


O verde da floresta estava ainda mais vivo e radiante. O som distante das inúmeras cachoeiras criava uma sinfonia única, harmoniosa e serena. Conforme o pé da montanha se aproximava, a neve começou a rarear e o solo rochoso passou a surgir.


Eles entraram na floresta assim que a neve se dissolveu por completo. As árvores eram de troncos grossos e muito marrons, apenas ao lado delas Harry teve a exata noção de quão altas eram e passou a estipular suas idades. Entre as imensas árvores havia várias outras, menores, cheias de flores ou frutos, enchendo todo espaço com seus aromas variados.


Enquanto caminhavam o garoto sentiu algo diferente de tudo o que sentira nos últimos dias, nas últimas semanas. Ele respirou fundo e soltou o ar muito devagar, sentindo todos os seus músculos relaxarem. Algo, porém, impediu-o de aproveitar ainda mais aquela sensação. Andrea havia contraído seus músculos e bufado ao seu lado.


- O que foi? – perguntou Harry em voz muito baixa.


A vampira resmungou algo que o garoto não compreendeu. Outro som chamou a atenção de Harry. Seus olhos voaram para a nuca de Yo Ba, que os guiava à poucos metros de distância.


“Ele riu ou foi impressão minha?” – pensou o moreno, confuso.


Uma olhada para o semblante de Andrea, contudo, o fez ter certeza de que não fora impressão.


Eles caminharam por mais algum tempo em silêncio. Por mais que Harry olhasse em volta e se regozijasse pelo ambiente, aquela sensação não retornou. Ele sentia como se houvesse uma barreira em torno dele, uma bolha de vidro que não permitia que nada entrasse e o tocasse.


Depois de algum tempo, a floresta abriu-se do lado direito revelando uma pequena plantação de arroz. Monges com vestes mais simples que as de Yo Ba trabalhavam na lavoura e entre eles haviam também pessoas sem vestes ou características de monges. Harry olhou nas faces dessas pessoas enquanto passavam pela estrada que cortava a plantação.


“Civis... pessoas comuns, iluminadas.” – concluiu o garoto com espanto.


A floresta continuava idêntica do lado esquerdo da estranha e voltava a fechar-se de ambos os lados na estrada a alguns metros de distância. Antes de reentrar na mata, Yo Ba parou e saiu do caminho, aproximando-se de um monge que carregava um cesto de palha nas costas. O monge, ao ver o primeiro se aproximar, desceu o cesto das costas e juntou as mãos, reverenciando-se em seguida. Yo Ba tocou o ombro do monge, que se ergueu.


Andrea e Harry permaneceram parados na estrada, aguardando. Enquanto isto, o garoto permitiu-se dar uma olhava mais crítica à sua volta, no ambiente novo dentro da bela floresta. A plantação era como as típicas plantações chinesas que ele vira em filmes trouxas. Havia vários níveis, que subiam de acordo com o relevo do solo, que se preparava para erguer-se em uma montanha não muito distante.


Todas aquelas pessoas, monges e civis, trabalhavam com movimentos lentos e suaves. Apesar do trabalho duro que realizavam, Harry não conseguiu ver em seus rostos sinais de fadiga ou sequer suor em suas roupas. Pelo contrário, seus rostos eram calmos e sorrisos brincavam em seus lábios ocasionalmente. Todos trabalhavam em silêncio, mesmo os que trabalhavam juntos não trocavam palavras. Era o silêncio da paz, da compreensão sem necessitar de palavras.


Perceber isto fez Harry conseguir furar a bola de vidro que o envolvia. O cheiro e a sensação da umidade excessiva no ar foram as primeiras coisas que ele assimilou. Em seguida os sons dos instrumentos que os lavradores utilizavam, batidas e ceifadas suaves e harmoniosas.


“Até mesmo isto é ritmado, melodioso como música!” – pensou o garoto confuso e maravilhado.


- É belo, não é? – disse uma voz rouca e calma no ouvido de Harry.


O moreno deu um pulo de susto, virando-se para o dono da voz e não encontrando ninguém. Não havia ninguém ali exceto ele, Andrea e Yo Ba com o monge à poucos metros de distância.


- O que foi? – perguntou a vampira, a voz rude e baixa.


Harry balançou a cabeça e esfregou os olhos com as mãos, dando mais uma boa olhada à sua volta e não encontrando nenhuma diferença.


- Potter?! – chamou Andrea, impaciente.


- Não foi nada. – respondeu ele, tão firme em sua resposta que convencera a si mesmo.


Porém, quando os olhos verdes saíram da imagem da vampira e fixaram-se em Yo Ba, os olhos azuis escuros o encaravam profundamente. Harry sentiu-se analisado novamente, sua mente e alma expostos sob o olhar do monge. Mais rápido que um relâmpago foi um sorriso nos lábios do monge, um sorriso que de tão rápido que surgira e desaparecera fez Harry duvidar de sua existência.


Yo Ba fez uma reverencia com a cabeça para o monge que conversava, recebendo uma reverencia longa e formal, e retornou para a estrada. Ele fez sinal com a mão, apontando para a continuação do caminho, o semblante sério como antes.


Eles retomaram a caminhada. Antes de reentrar na floresta, Harry lançou um último olhar para a plantação às suas costas. Sua cabeça retornou para a frente no mesmo instante, seu semblante duro como gelo pelo choque do que vira.


Todas as pessoas da plantação, monges e civis, haviam parado seus afazeres e se virado para eles. Todos, sem uma única exceção, reverenciavam-se profundamente.


=.=.=


O templo principal era gigantesco.


A floresta se abrira de repente em um planalto com gramado vivo e tão brilhante quanto às folhas das árvores da mata. Apenas a alguns metros da saída da floresta estavam os primeiros degraus que conduziam ao templo.


Yo Ba virou-se para Andrea com um sorriso enigmático nos lábios, mas Harry viu o brilho de alegria em seus olhos. O monge estendeu o braço para a direita do templo. Andrea apenas virou-se e seguiu na direção que ele sinalizara. Quando ela desapareceu na mata, percorrendo uma estrada mais estreita do que a que eles haviam usado, Yo Ba virou-se para Harry, sério como antes e sem o brilho de alegria nos olhos.


- Por aqui. – disse o monge, estendendo o braço para a escadaria.


Pela primeira vez Harry prestou atenção na voz do monge. Ela era suave, pausada e melodiosa, aparentava estar conectada com todo o Reino de Shambhala, harmoniosa e leve como tudo o que Harry vira até aquele momento.


Yo Ba virou-se e começou o caminho até a lateral das escadarias, enquanto o seguia, Harry lançou seu olhar para o ponto onde Andrea havia retornado à floresta.


- Por que Andrea seguiu outro caminho? – perguntou ele.


- Dejanira é uma vampira, sua purificação é ainda mais profunda que a que aplicaremos em você. – respondeu o monge, sua voz perfeitamente serena.


Na parede lateral das escadarias havia uma porta simples, por onde Yo Ba entrou. Enquanto seguia o monge, Harry teve a impressão de ouvir um grito de dor ecoando pela floresta. Contudo, ele não pôde verificar o que era. A porta já estava fechada às suas costas e tudo o que ele via era uma imensidão branca.


=.=.=


O salão principal era imenso. A arquitetura era ao mesmo tempo grandiosa e singela, detalhada e simples. Ao contrário da maioria dos templos, aquele não possuía suas paredes tingidas de vermelho, mas de azul escuro, como o céu noturno do próprio Reino de Shambhala. Detalhes dourados e prateados salpicavam a parede e o teto, este pintado do mais puro branco. O chão era revestido de pedra, um mármore muito cinza e brilhante, que refletia tudo à sua volta. Os pilares que sustentavam o teto muito elevado eram circulares e grossos, pintados e entalhados como as paredes laterais.


Havia muitos monges ali, todos vestindo vestes brancas e cinzas. Alguns andavam devagar e com movimentos suaves; outros formavam pequenos grupos e pareciam conversar; a maioria, porém, estava sentada em pequenos tapetes dourados, as pernas cruzadas e as mãos unidas, os olhos fechados e seus semblantes muito tranquilos. Eles meditavam.


Harry viu tudo isto assim que entrou pela porta principal. Ele vestia calça e camisa brancas, um tecido fino verde escuro o envolvia, como as roupas dos monges, cruzando seu peito e circulando sua cintura. Seus pés estavam descalços, mas isto não lhe causou desconforto ao pisar na pedra gelada. Harry sorria por dentro, uma paz e alegria que não sentia desde muito antes da morte de Dumbledore.


Andrea estava ao lado dele, um longo vestido branco e de mangas compridas cobria seu belo corpo e um tecido vermelho a envolvia da mesma maneira que ao garoto. Em seus pés havia sapatilhas de tecido branco, cujas faixas de pano cruzavam em seu tornozelo.


À frente dos dois seguia Yo Ba, os trajes de monge agora expostos pela retirada de seu manto branco. Suas vestes eram como as dos demais monges ali presentes, mas a faixa que o envolvia era única em todo o salão, dourada e reluzente como o sol.


Os três caminhavam com passos calmos, passando por pilares e monges, que os seguiam com o olhar por alguns segundos e depois retomavam suas atividades. Ao chegarem no fundo do salão, Yo Ba fez sinal para que parassem. Andrea imediatamente fez uma longa reverencia e permaneceu nela. Harry olhou para sua companheira e se ajoelhou sobre um dos joelhos e inclinou a cabeça.


O monge seguiu em frente, subindo uma pequena escadaria que conduzia ao Mestre. Assim que completou sua subida, ele ajoelhou-se e inclinou todo o corpo para a frente, tocando o tapete com a testa. Yo Ba ergueu-se quando sentiu uma mão quente tocar sua cabeça.


- Eles estão aqui. – disse o monge em voz muito baixa.


O Mestre apenas assentiu com um sorriso. Os dois viraram-se para a escadaria e desceram-na.


- Andrea Dejanira. – disse o Mestre ao parar na frente da vampira, os braços abertos e um sorriso delicado nos lábios.


A mulher ergueu-se com um largo sorriso nos lábios, iluminando seu belo rosto.


Harry, ainda ajoelhado e com a cabeça inclinada, arregalou os olhos, surpreso.


- Mestre. – falou a vampira, sua voz muito suave e sem qualquer resquício de ira ou frieza.


- O vermelho, não é? – perguntou o Mestre, tocando a ponta do tecido da mulher, sua voz triste.


O sorriso de Andrea alterou-se, por um único segundo, voltando a ser aquele frio e cruel de sempre.


- Serei sempre assim, Mestre. Eu não sou humana, não posso alterar-me tão profundamente. – respondeu a vampira, o tom idêntico ao anterior, a expressão tão suave quanto.


O Mestre assentiu com a cabeça, compreensivo.


- Aguardei o seu retorno com muita esperança de que você mudasse ao menos um pouco. – admitiu ele, a voz tornando-se ainda mais rouca pelo tom mais baixo.


Andrea balançou a cabeça com um sorriso divertido.


- Admita Mestre, o senhor não ficou tão ansioso para me ver, mas para quem eu traria aqui. – disse ela, o tom um pouco ousado.


O Mestre encarou-a com o semblante sério e calmo. Por fim, ele deu um sorriso e se virou para Harry, que permanecia ajoelhado e com a cabeça inclinada, os olhos arregalados e a mente acelerada.


- Erga-se, meu jovem. – orientou o Mestre, a voz rouca e calma.


Harry obedeceu e fitou o homem à sua frente, o homem que havia dito coisas em seu ouvido na plantação de arroz. O Mestre, tal como os outros monges que ele vira, era careca, embora fosse possível distinguir a diferença entre ele e os outros. Yo Ba, por exemplo, parecia ser naturalmente calvo, enquanto o Mestre possuía características de corte recente nos cabelos. Seu rosto era de traços fortes e até rudes, se não houvesse sua expressão serena e carinhosa. Os olhos eram negros como uma noite sem fim, apesar de existir o brilho misterioso das estrelas.


- Interessante, muito interessante. – disse o Mestre, os olhos fixos na faixa que contornava o corpo do garoto.


- Desculpe-me, senhor, mas o que é interessante? – perguntou Harry.


O Mestre virou-se para Yo Ba, que permanecia parado ao lado de Andrea. Ele perguntou algo para o monge naquela língua que Harry não conhecia, o monge deu um sorriso largo e respondeu, seu tom não agradou o garoto. O Mestre concordou com a cabeça, um sorriso sutil em seus lábios.


- Venham, vamos tomar um chá. – disse ele, virando-se para a escadaria e subindo-a.


Os outros o seguiram. A plataforma que as escadas formavam, era recoberta por um grande tapete todo decorado com o desenho de uma floresta de um verde tão brilhante quanto o da própria floresta do reino, cheia de animais selvagens e fios dourados e prateados faziam desenhos nas bordas do tapete. Sobre ele existiam algumas almofadas brancas e douradas, além de uma mesinha pequena e muito baixa, que sustentava um bule de chá e quatro pequenas tigelas de barro cozido.


O Mestre sentou-se sobre o tapete, ao lado da mesinha, e cruzou as pernas. Ele apontou para a sua frente e Andrea e Harry sentaram-se como ele a um metro de distancia. Yo Ba contornou-os, sentou-se ao lado do Mestre, mas um pouco para trás do mesmo, e deitou o bastão que carregava ao seu lado.


O Mestre serviu chá nas quatro tigelas e estendeu-as para os outros, guardando uma para si. Andrea e Yo Ba bebericaram do chá imediatamente, ambas as mãos sendo usadas para segurar a tigela. Harry fitou o líquido caramelo claro e aspirou fundo seu vapor. O cheiro era doce e muito suave, bastou apenas isto para relaxá-lo ainda mais. Ele bebeu o chá quente, sentindo-o queimar levemente sua garganta.


- Como foi sua jornada, Andrea? – perguntou o Mestre após recolocar sua tigela vazia sobre a mesinha.


- Tranquila, mestre. – respondeu a vampira, pousando a tigela sobre suas pernas.


- E seus objetivos?


- Inalcançados. – disse ela e, ao lançar um olhar rápido a Harry, continuou – Consegui concretizar apenas um e ainda não completamente.


O garoto retribuiu o olhar da vampira, curioso. O Mestre assentiu compreensivo e se virou para Yo Ba. Ele ordenou algo ao monge, que apenas concordou com a cabeça e lhe devolveu a tigela de barro, erguendo-se em seguida.


Ao mesmo tempo, Andrea pôs-se de pé e fez uma longa reverencia para O Mestre. Quando Harry assimilou as ações à sua volta, começou a se erguer também.


- Não, Potter. – disse-lhe a vampira, o tom um pouco mais duro – Você fica. O Mestre deseja lhe falar a sós.


O garoto concordou e voltou a se sentar.


Andrea e Yo Ba desceram as escadas e desapareceram da vista de Harry. Ele virou-se para o Mestre, que o estudava profundamente. O garoto teve a estranha sensação de ter sua alma mapeada e analisada, era um desconforto ainda maior do que o que sentira na presença de Yo Ba.


- Você sabe por que está aqui? – perguntou o Mestre, a voz rouca muito séria.


- Para aprender. – respondeu Harry, a paz que sentia salvando-o da insegurança que o rondava.


- Eu não perguntei para que, mas sim por que. – falou o Mestre mais para si próprio, suspirando decepcionado.


- Senhor! – chamou Harry, a paz regredindo um pouco pelo misto de curiosidade e raiva que passou a sentir – Eu ouvi sua voz, na plantação de arroz.


- Ah, sim. – concordou o Mestre, um largo sorriso de aprovação em seus lábios – Achei que não fosse comentar isto. De fato, eu falei contigo enquanto estava na plantação. O sentimento que te inundou aquela hora foi tão forte que chegou até mim. Eu, é claro, não deixei isto passar em branco, não desperdicei a oportunidade de ter meu primeiro contato contigo.


Harry ergueu uma sobrancelha, descrente.


- Como aconteceu? – perguntou ele.


- Pergunta interessante, jovem, muito interessante. – respondeu o Mestre, coçando o queixo – Eu falei contigo pelo vento, pelo solo, pelas pessoas que te circulavam, por toda a natureza presente naquele espaço. Compreende?


Harry fitou os olhos negros, imóvel e em silêncio. O Mestre suspirou e balançou a cabeça, desamparado.


- Com o tempo, meu jovem, você entenderá tudo isto. As tuas duvidas serão sanadas, suas perguntas respondidas e seus sentimentos compreendidos. – disse o Mestre, a voz lenta e serena.


O garoto assentiu com um leve sorriso de desculpas.


- Durante toda a minha vida eu vivi preso, mestre. – falou ele, o tom mais triste do que gostaria – Preso à uma casa e à uma família que sempre me odiaram. Preso ao medo de perder meus amigos e minha vida a cada ano que se passava. Preso à raiva que sentia, e ainda sinto, por aqueles que me menosprezavam e me humilhavam. Porém, hoje estou livre. Abandonei a casa e a família que sempre me negaram e que eu mesmo nunca quis. Não tenho mais amigos para temer perdê-los e sei que, com Andrea, não preciso temer perigo algum, a não ser o que ela própria me representa. Mas, principalmente, estou liberto da raiva. Hoje não sou mais prisioneiro dela, eu mesmo a escravizei para meus propósitos, hoje ela não é nada alem de uma arma e um meio para que eu consiga o que eu quero.


O Mestre encarou os olhos verdes de Harry, que haviam se tornado opacos. Segundos depois o brilho voltou ao esmeralda e Harry balançou a cabeça, como se tivesse saído de um transe. Ele olhou para o homem à sua frente, o semblante assustado.


- Acalme-se, meu jovem. – pediu o Mestre, erguendo uma das mãos ao ver que Harry iria falar algo – Aqui em Shambhala os nossos sentimentos e pensamentos mais profundos veem à tona. Isso faz parte do processo de purificação, expor seus segredos, seus medos, seus pensamentos e sentimentos malignos. O que você disse está dentro de seu coração, embora você mesmo não a tenha percebido antes de proferi-la.


Harry abaixou o olhar, envergonhado. O Mestre deu um largo sorriso.


- Agora a pouco você perguntou o que era interessante, não é mesmo? – perguntou o homem, a voz mais viva.


- Sim! – respondeu Harry, erguendo o olhar e fitando o semblante encorajador do outro.


- A cor da sua faixa me causou espanto e curiosidade, rapaz. – o Mestre apontou para o garoto, a sinceridade estampada em sua face.


- Por que, senhor? – perguntou Harry, curioso.


- Cada faixa tem um significado próprio. A de Yo Ba é dourada, o ouro da riqueza, não material, mas intelectual e física. Creio que você já percebeu a função do monge. – explicou o Mestre, fazendo uma pausa para que o garoto falasse.


- Ele é o guarda. – disse Harry, direto.


- Quase isso. – falou o Mestre, ainda sorrindo – Ele é o guardião de várias coisas. Ele protege a entrada do reino, os iluminados e os monges e, o mais importante de tudo, ele guarda as habilidades de luta que os outros guardiões precisam obter com total perfeição.


Harry ficou espantado, os olhos arregalados.


- Incrível. – falou ele sem conseguir refrear-se.


O Mestre concordou, sorrindo do modo como o garoto tentara impedir o elogio.


- O que é o verde? – perguntou o Harry, ansioso por mudar de assunto e por sanar sua curiosidade.


- O verde escuro. – corrigiu o Mestre – Ele é muito incomum, sabia? Tanto quanto o vermelho.


- O que é o vermelho? – a pergunta saiu muito rápida, ansiosa demais.


- Acalme-se, jovem. – pediu o Mestre, a expressão abrandando e as mãos erguidas em contensão – O vermelho é a paixão, não a comum, mas a pelo prazer próprio e sofrimento alheio. Você ficou tempo o suficiente com Andrea para notar isso, não é? – perguntou ele ao ver nos olhos do garoto a semelhança.


- Ah... é. – confirmou Harry, o rosto corando e a voz muito sem graça.


- Agora, o verde escuro. – a voz do Mestre foi mais ansiosa do que ele próprio esperava – Muito, muito raro mesmo.


Os olhos negros fixaram-se na faixa em torno de Harry, que sentiu que o homem se distanciava, sua mente viajando para algum outro lugar, alguma lembrança.


- Mestre. – chamou o garoto, o tom baixo.


O homem ergueu a cabeça e fitou os olhos verdes vivos do garoto.


- A bênção. – falou o Mestre, simplesmente.


- Bênção? – repetiu Harry, sem conseguir entender.


- A bênção da vida. – explicou o Mestre, recompondo seus modos serenos – Você foi abençoado com a vida.


O garoto assimilou aquilo e mais perguntas se formaram em sua mente.


- Por causa de minha mãe? Que deu a vida para me proteger? – questionou ele.


- Hum. – resmungou o Mestre, coçando o queixo, pensativo – É, pode ter sido por isto. – respondeu ele, por fim.


Harry ainda o encarou com ansiedade, pois sentia que aquilo não era o término da resposta e da explicação do homem. Antes, porém, que o garoto pudesse questionar, Yo Ba surgiu ao seu lado e o Mestre assentiu com um maneio da cabeça.


- Acompanhe Yo Ba, rapaz. Ele lhe mostrará seus aposentos. Veremos-nos em breve. – disse o Mestre com um sorriso caloroso.


Harry se ergueu, fez uma reverencia e acompanhou o monge, que já descia as escadas.


=.=.=


Andrea andava de um lado para o outro no pequeno quarto. Assim que a porta se abriu ela parou seu movimento e dirigiu seu olhar e sua total atenção ao garoto que a cruzava. Harry entrou, sorrindo para a vampira. Yo Ba permaneceu à porta, o olhar fixo na mulher e um sorriso muito zombeteiro nos lábios.


- Com medo, criança? – perguntou ele, risonho.


Harry virou-se para o monge, achando que o mesmo falava consigo. Antes que o garoto pudesse questionar, um rosnado baixo e fraco partiu dos lábios de Andrea.


- Cale-se. – bradou a vampira, o tom de seus olhos oscilando muito rápido entre o chocolate cremoso e um barro avermelhado, como se alguma outra tonalidade lutasse para tomar toda a sua íris.


Yo Ba lançou um olhar profundo em Harry, que sentiu o mistério e o segredo tomarem forma no aposento e sua curiosidade fazer-lhes companhia. O monge virou-se e desapareceu pelo corredor. Andando muito depressa, Andrea fechou a porta e resmungou algo que Harry não entendeu.


- Qual o problema? – perguntou ele.


- O que Ajala te falou? – retrucou a vampira, a voz dura e trêmula.


- Quem?


- O Mestre! – explicou Andrea, exaltada.


- Esse é o nome dele?! – questionou Harry, quase aos risos.


- O que ele te falou? – perguntou novamente a vampira, segurando o garoto pela gola da camiseta branca.


A risada morreu antes de se formar na garganta do moreno. Ele encarou os olhos de Andrea, agora fixos no chocolate, embora ele conseguisse ver, lá no fundo, uma batalha violenta entre dois lados da vampira que disputavam pelo controle naquele momento.


- Ele apenas me explicou algumas coisas sobre purificação e eliminação de segredos e maus pensamentos e sentimentos. – respondeu Harry – E o que significava a cor da minha faixa.


- O que ele te disse sobre a faixa? – a voz de Andrea foi muito fraca, o aperto na gola do garoto afrouxou um pouco e os olhos perderam ligeiramente o brilho.


- Que ela representa a benção da vida, que eu ganhei de minha mãe quando ela deu a vida dela para me proteger. – respondeu o garoto, a sua mente formulando a imagem da vampira desmaiando devido aos sinais que ela lhe dava.


Andrea soltou-o e se afastou, mal havia dado dois passos e desabou sobre a cama confortável que havia ali. Seus olhos ficaram fechados e sua respiração era profunda e continua.


Harry ficou encarando-a, preocupado. Demorou algum tempo para que ela se sentasse e o olhasse novamente.


- Ansioso? – perguntou ela, o tom curioso e os olhos brilhando divertidos.


- Não sei o que virá agora. – retrucou o garoto, sentando-se na cama ao lado.


- Agora você vai aprender a lutar, a controlar seus pensamentos e sentimentos, a fechar sua mente. – respondeu a vampira, o tom sério e sombrio – Você vai iniciar a jornada pela qual todos os guardiões do reino passam. Você vai se tornar um guerreiro de Shambhala.


Harry deu um largo sorriso, mas não era aquele sereno que dera ao entrar no grande salão, era sombrio e cheio de prazer. Ele se virou e avistou seu reflexo em um grande espelho que tomava toda a parede do quarto.


- Então tudo começou. – disse ele, aproximando-se do espelho, seus olhos fixos nos verdes refletidos – Snape e Draco na Irlanda, Voldemort na Inglaterra e eu aqui. Nós quatro seguiremos caminhos diferentes durante um tempo, mas eu tenho certeza que os encontrarei.


Os olhos do garoto ficaram opacos, sem vida, sem nenhuma batalha, como ocorrera à Andrea.


- Meu destino Andrea... – ele a encarou pelo reflexo – Está iniciado.

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