A Fera



Uma ruga surgiu entre as sobrancelhas de Lupin. Não podia acreditar que Mary lhe desobedecera. Ele lhe pedira tanto... E como teria ela descoberto o local onde ele iria se esconder?

- O que é que você está fazendo aqui? - Inquiriu, em tom agreste, sem conseguir fitá-la olhos nos olhos.

O sorriso desapareceu dos lábios rosados de Mary, que respondeu com voz firme:

- Eu disse que eu queria conhecer tudo de você. Faço questão...

- Mary! - Lupin a segurou por um braço, fazendo-a se levantar da cama de dossel e quase a levantando no ar. Estava totalmente transtornado. - Pelas barbas de Merlin, Mary Hallow, eu pedi, eu implorei para você não vir aqui! Você devia ter respeitado a minha vontade! Você não sabe o que vai acontecer aqui!

Mary franziu as sobrancelhas e olhou Lupin diretamente:

- Ah, não? Você se esquece que eu também tenho a minha conta de maldição?

Lupin a soltou. Não. Não esquecera... mas um vampiro não tinha o mesmo tipo de transformação de um lobisomem. Era tão diferente... ela não virava bicho! Ela não sofria uma mutação completa... Respirou fundo, até sentir o ar entrar bem dentro dos pulmões e tossiu um pouco, por causa do cheiro a mofo que emanava daquela casa.

- Vá embora, por favor... - Pediu apenas. Contudo, Mary se limitou a olhá-lo com ar de desafio, dizendo:

- A essa hora a lua já deve ter aparecido. Se eu pegar um único raio de luar que seja vou virar vampira e posso atacar alguém. É isso que você quer?

Lupin se sentiu num beco sem saída. É claro que não queria isso. Se dependesse dele, Mary jamais se transformaria de novo, jamais teria que voltar a passar por aquele sofrimento da mutação e tampouco do ataque a seres indefesos.

- Claro que não... - Balbuciou. - Mas...

- Mas nada, Remo! - Concluiu Mary, em tom de triunfo. - Eu estou aqui, sim, e vou tomar conta de você, sim, e agora é tarde para você me impedir.

Lupin a olhou, sem saber o que dizer. Abriu a boca para falar alguma coisa, mas tudo o que saiu foi um ruído estranho, algo parecido com um latido. Instintivamente, olhou para as mãos: as unhas cresciam a uma velocidade apavorante. Eram agora garras. Sentindo os dentes se transformando em presas e todo o seu corpo ficando rígido e sofrendo mutações, ainda conseguiu olhar para Mary.

Era inegável. Ela estava completamente apavorada. O olhava com os olhos esbugalhados de horror. Jamais assistira a um espetáculo tão terrível. Já estava preparada, é claro, e tinha lido muita coisa sobre lobisomens, visto fotografias... mas assim, ao vivo, era terrível.

O pior de tudo era saber que aquela criatura em plena mutação dolorosa era o homem que tanto amava. Mary daria tudo para transferir para si mesma as dores que Remo estava sentindo naquele momento.

Sem saber muito bem como nem porquê, tentou abraçá-lo. Queria senti-lo junto de si, sossegá-lo, minimizar de alguma forma a sua dor, que a dilacerava por dentro muito mais do que o espetáculo pavoroso da transformação. Terna loucura! Amor cego! Lupin era agora uma fera em mutação, meio homem, meio bicho e, com um gesto súbito, fincou as garras no braço de Mary, que soltou um grito de dor e caiu no chão, gemendo e segurando o braço.

Olhou para Lupin. A transformação estava completa. Remo era, agora, um lobo, enorme mas quieto, que fixava os grandes olhos cinzentos nela, com uma expressão de mágoa, como se quisesse lhe pedir desculpa pelo ataque involuntário.

O coração de Mary nunca batera tão rápido, envolvido numa amálgama de sentimentos. Não conseguia desviar os olhos do lobo e pensava em como uma fera podia ser, ao mesmo tempo, tão horrível e tão bonita. Sim, ela achava aquele lobo lindo. Era o coração de Lupin que batia ali dentro... aquele coração que era dela... e isso ela não esquecia de jeito nenhum. Ela via beleza interior de Remo expressa naquele animal selvagem que a olhava com ar triste e acabava de se deitar no chão.

Passado o susto da transformação, Mary começava agora a acalmar. Jamais poderia ter medo do amor da sua vida. Confiava nele, mesmo transformado. O arranhão no seu braço não passara de um acidente e a culpada fora exclusivamente ela.

Deitou-se junto dele, no chão empoeirado, e murmurou:

- Está tudo bem, Remo. O pior já passou. Quando o sol nascer, você vai voltar a ser humano... mas mesmo transformado, você continua sendo o meu Remo.

Enquanto fechava os olhos, disposta a adormecer junto do lobo, teve certeza de ter visto algo aparentemente impossível: de um dos olhos cinzentos da fera escorria uma lágrima...

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