NOVE
Nove
Quando saio do escritório naquela tarde, sinto-me toda agitada, como um daqueles globos com neve dentro. Eu estava muito feliz sendo um povoadozinho comum e sem graça na Suíça. Mas agora Harry Potter veio e me sacudiu, e há flocos de neve por toda parte, girando em redemoinhos, sem saber mais o que pensam.
E pedaços de purpurina também. Pedacinhos minúsculos de empolgação brilhante, secreta. Cada vez que capto o olhar ou a voz dele, é como um dardo no peito.
O que é ridículo. Ridículo.
Draco é meu namorado. Draco é o meu futuro. Ele me ama, eu o amo e vou morar com ele. E vamos ter pisos de madeira, janelas com postigos e bancadas de granito. Pronto.
Pronto.
Chego em casa e acho Ginny de joelhos na sala de estar, ajudando Cho a se enfiar no vestido de camurça preto mais justo que eu já vi na vida.
- Uau! – exclamo quando largo a bolsa. – Que incrível!
- Pronto – ofega Ginny, e se senta nos calcanhares. – O zíper está fechado. Você consegue respirar?
Cho não move um músculo. Ginny e eu nos entreolhamos.
- Cho! – insiste Ginny alarmada. – Você consegue respirar?
- Mais ou menos – responde Cho por fim. – Vou ficar bem. – Muito devagar, com o corpo totalmente rígido, ela anda pé ante pé até onde sua bolsa Louis Vuitton está, numa poltrona.
- O que acontece se você precisar ir ao banheiro? – eu a encaro.
- Ou se for para a casa dele? – Ginny deixa escapar um risinho.
- É só o nosso segundo encontro! Eu não vou para a casa dele! – diz Cho horrorizada. – Esse não é o jeito de... – ela luta para respirar. -... colocar uma pedra no dedo.
- Mas e se vocês ficarem cheios de tesão um pelo outro?
- E se ele agarrar você no táxi?
- Ele não é assim – rebate Cho revirando os olhos. – Por acaso ele é o primeiro-subsecretário-assistente do secretário do Tesouro.
Encontro o olhar de Ginny e não consigo evitar, dou um riso fungado.
- Hermione, não ria – pede Ginny na maior cara-de-pau. – Não há nada de errado em ser secretário. Ele pode subir na carreira, conseguir algumas qualificações...
- Ha, ha, ha, muito engraçado – exclama Cho irritada. – Sabem, um dia ele vai ser nomeado cavaleiro. Aí acho que vocês não vão rir.
- Ah, eu espero rir, sim – retorque Ginny. – Mais ainda. – De repente ela se concentra em Cho, que ainda está parada junto à poltrona, tentando pegar a bolsa. – Ah meu Deus! Você nem consegue pegar a bolsa, não é?
- Consigo! – geme Cho, fazendo um último esforço desesperado para dobrar o corpo. – Claro que consigo! Pronto! – Ela prende a alça na ponta de uma de suas unhas de acrílico e joga a bolsa triunfantemente no ombro. – Estão vendo?
- E se ele sugerir dançar? – pergunta Ginny, marota. – O que você vai fazer?
Um olhar de pânico atravessa o rosto de Cho, e depois desaparece.
- Não vai – responde cheia de desprezo. – Os ingleses nunca sugerem dançar.
- Muito bem lembrado. – Ginny ri. – Divirta-se.
Quando Cho desaparece pela porta, eu me afundo pesado no sofá e pego uma revista. Olho para Ginny, mas ela está olhando em frente, com um ar de preocupação.
- Condicional! – exclama ela de súbito. – Claro! Como é que eu pude ser tão idiota?
Ginny procura alguma coisa debaixo do sofá, pega várias palavras cruzadas antigas de jornal, e começa a procurar entre elas.
Honestamente. Como se uma advogada de ponta não usasse capacidade cerebral suficiente, Ginny passa todo o tempo resolvendo palavras cruzadas e charadas que pega com os colegas da sociedade nerd de gente extra-inteligente. (O nome não é esse, claro. É algo do tipo “Mental – para pessoas que gostam de pensar”. E embaixo mencionam casualmente que você precisa ter Qi 600 para fazer parte. Não que eu acredite realmente que a Ginny tenha esse Qi, mas o fato dela ser advogada deve ter facilitado a entrada na sociedade de alguma forma.)
E, se não consegue resolver uma palavra, ela não joga o papel fora, dizendo “que jogo estúpido!”, como eu faria. Ela guarda. E uns três meses depois, descobre de repente a resposta. E fica em êxtase! Só porque coloca a última palavra nos quadrados.
Ginny é minha amiga mais antiga, e eu realmente a adoro. Mas algumas vezes realmente não a entendo.
- O que é? – pergunto enquanto ela escreve a resposta. – Alguma palavra cruzada de 1999?
- Há, ha – faz ela distraída. – Então, o que você vai fazer esta noite?
- Eu pensei em ficar calminha em casa – digo folheando a revista. – Na verdade eu poderia dar uma geral nas roupas – acrescento, e meu olhar cai numa matéria intitulada “Arrumação Essencial do Guarda-roupa”.
- Dar o quê?
- Eu pensei em dar uma geral para ver se tem algum botão faltando ou bainha solta – digo, lendo a revista. – E escovar os casacos com uma escova de roupa.
- Você tem escova de roupa?
- Então com uma escova de cabelo.
- Ah, certo. – Ela dá de ombros. – Ah, bem. Porque eu estava pensando se você não queria dar uma saída.
- Aah! – A revista escorre para o chão. – Aonde?
- Adivinha o que eu consegui. – Ela levanta as sobrancelhas me provocando, depois enfia a mão na bolsa. Muito lentamente pega um chaveiro grande e enferrujado, com uma chave Yale nova em folha.
- O que é isso? – falo perplexa, e subitamente percebo. – Não!
- Sim! Eu entrei!
- Ah meu Deus! Ginny!
- Eu sei! – Ginny ri de orelha a orelha. – Não é fabuloso?
A chave que Ginny está segurando é a chave mais maneira do mundo. Ela abre a porta de um clube particular em Clerkenwell, que é completamente chique e impossível de se entrar.
E Ginny conseguiu!
- Ginny, você é a melhor do mundo!
- Não, não sou – exclama ela, satisfeita. – Foi o Jaspers, do meu trabalho. Ele conhece todo mundo do comitê.
- Bem, não importa quem foi. Estou tão impressionada!
Pego a chave e olho, num fascínio, mas não há nada nela. Nem nome, nem endereço, nem logotipo, nem nada. Parece a chave do barracão de ferramentas do meu pai, fico pensando. Mas obviamente muito, muitíssimo mais maneira, acrescento às pressas.
- Então, quem você acha que vai estar lá? – levanto a cabeça. – Você sabe, parece que Madonna é sócia. E David e Victoria Beckham! E aquele ator novo, lindíssimo, de Crepúsculo. Só que todo mundo diz que ele namora a garota do filme...
- Hermione – interrompe Ginny. – Você sabe que não há garantia de celebridades.
- Eu sei! – respondo, meio ofendida.
Honestamente. Quem Ginny acha que eu sou? Sou uma londrina chique e sofisticada. Não fico empolgada com celebridades estúpidas. Eu só estava mencionando, só isso.
- Na verdade – acrescento depois de uma pausa. -, provavelmente estraga a atmosfera quando tem um monte de gente famosa. Puxa, você consegue pensar em alguma coisa pior do que ficar numa mesa tentando ter uma conversa normal enquanto em volta há estrelas de cinema, supermodelos e... cantores famosos...
Há uma pausa enquanto nós duas pensamos nisso.
- Então – sugere Ginny casualmente. – A gente podia ir se arrumando.
- Por que não? – respondo de modo igualmente casual.
Não que vá demorar muito. Bom, eu só vou enfiar um jeans. E talvez lavar rapidamente o cabelo, o que eu ia fazer de qualquer modo.
E talvez uma máscara facial rapidinha.
Uma hora depois Ginny aparece na porta do meu quarto, vestida com jeans, uma blusa preta justa e o sapato alto Berti, que, como sei por acaso, sempre lhe dá uma bolha.
- O que acha? – pergunta ela na mesma voz casual. – Quero dizer, eu realmente não fiz um grande esforço...
- Nem eu – digo, soprando a segunda camada de esmalte de unha. – Puxa, é só uma noitada tranqüila. Eu nem me incomodei com a maquiagem. – Ergo os olhos e encaro Ginny. – Isso aí é cílio postiço?
- Não! Quero dizer... é. Mas você não deveria notar. É chamado de look natural. – Ela vai ao espelho e bate as pálpebras olhando-se preocupada. – É bandeira demais?
- Não! – eu a tranqüilizo, e pego o pincel de blush. Quando levanto os olhos de novo, Ginny está olhando meu ombro.
- O que é isso?
- O quê? – pergunto cheia de inocência, e toco o pequeno coração de strass na omoplata. – Ah, isso. É, é colado. Eu pensei em pôr, só de curtição. – Pego a blusa de frente única, amarro-a e enfio os pés nas botas de camurça pontudas. Comprei numa loja Sue Ryder há um ano, e estão meio usadas, mas no escuro nem dá para ver.
- Você acha que a gente exagerou? – preocupa-se Ginny quando paro ao lado dela, diante do espelho. – E se todo mundo estiver de jeans?
- Nós estamos de jeans!
- Mas e se eles estiverem de pulôver grosso e grande e a gente ficar parecendo umas bobas?
Ginny é sempre totalmente paranóica com o que os outros vão usar. Quando houve a primeira festa de Natal da firma e ela não sabia se Black tie significava vestido longo ou só blusas brilhantes, me obrigou a ir e ficar do lado de fora da porta com umas seis roupas diferentes dentro de bolsas, para poder trocar rapidamente. (Claro que o primeiro vestido que ela havia posto estava ótimo. Eu disse que estaria.)
- Ninguém vai estar de pulôver grosso e grande – asseguro. – Anda, vem.
- Não podemos! – Ginny olha o relógio. – É cedo demais.
- Podemos sim. Podemos agir como se só estivéssemos tomando uma bebida rápida a caminho de outra festa de celebridades.
- Ah, sim. – Ginny se anima. – Legal. Vamos!
Demoramos uns quinze minutos para ir de ônibus de Islington a Clerkenwell. Ginny me guia por uma rua vazia perto do mercado Smithfield, cheio de armazéns e prédios de escritórios vazios. Depois viramos uma esquina, e outra, até estarmos num beco pequeno.
- Certo – Ginny pára sob a luz de um poste e consulta um papelzinho minúsculo. – O negócio fica escondido em algum lugar.
- Tem placa?
- Não. O objetivo é que ninguém, além dos sócios, saiba onde é. Você precisa bater na porta certa e perguntar por Alexander.
- Quem é Alexander?
- Não sei. – Ginny dá de ombros. – É o código secreto deles.
Código secreto! Isso está ficando cada vez mais legal. Enquanto Ginny franze a vista para um interfone na parede, olho preguiçosamente em volta. Esta rua é totalmente comum. Na verdade, é bem fuleira. São filas de portas idênticas e janelas fechadas, e praticamente nenhum sinal de vida. Mas pense só. Escondida atrás desta fachada sem graça está toda a sociedade de celebridades de Londres!
- Oi, Alexander está aí? – diz Ginny nervosa. Há um momento de silêncio. Então, como se por mágica, a porta se abre com um estalo.
Ah meu Deus. Isso é que nem Aladin. Olhando apreensivas uma para a outra, nós seguimos por um corredor iluminado, pulsando com música. Chegamos a uma porta lisa, de aço inoxidável, e Ginny pega sua chave. Quando a porta se abre, dou uma puxada rápida na blusa e ajeito casualmente o cabelo.
- Certo – murmura Ginny. – Não olhe. Não fique encarando. Seja chique.
- Certo – murmuro de volta, e acompanho Ginny para a boate. Quando ela mostra a carteira de sócio para uma garota numa mesa, fico olhando concentrada para suas costas, e ao entrarmos numa sala grande e pouco iluminada mantenho os olhos fixos no carpete bege. Não vou ficar boquiaberta para as celebridades. Não vou encarar. Não vou...
- Cuidado!
Oops. Eu estava tão ocupada olhando para o chão que trombei em Ginny.
- Desculpe. – sussurro. – Onde vamos nos sentar?
Não ouso olhar em volta procurando um lugar vazio, para o caso de ver Madonna e ela achar que eu a estou encarando.
- Aqui – diz Ginny, apontando com um pequeno movimento de cabeça para uma mesa de madeira.
De algum modo conseguimos sentar, guardar as bolsas e pegar a lista de bebidas, o tempo todo olhando rigidamente uma para a outra.
- Você viu alguém? – murmuro.
- Não. E você?
- Não. – Abro o cardápio de bebidas e passo os olhos. Meu Deus, isso é uma tensão. Meus olhos estão começando a doer. Quero olhar em volta. Quero ver o lugar.
- Ginny – falo. – Vou dar uma olhada em volta.
- Verdade? – Ginny me encara ansiosa, como se eu fosse Steve McQueen anunciando que vai passar pela cerca de arame farpado. – Bem... certo. Mas tenha cuidado. Seja discreta.
- Vou ser. Vou ser chique.
Certo. Lá vamos nós. Uma varredura rápida, sem ficar boquiaberta. Recosto-me na cadeira, respiro fundo e permito que os olhos percorram o salão, captando o máximo de detalhes o mais rápido possível. Luz fraca... um monte de sofás e poltronas roxas... dois caras de camiseta... três garotas de jeans e pulôver grosso, meu Deus, Ginny vai pirar... um casal sussurrando... um cara barbudo lendo Private Eye... e só.
Não pode ser.
Não pode estar certo. Onde está Robbie Williams? Onde estão Victoria e David Beckham? Onde estão as supermodelos?
- Quem você viu? – sibila Ginny, ainda olhando o cardápio de bebidas.
- Não sei – sussurro insegura. – Talvez aquele cara barbudo seja algum ator famoso, não é?
Casualmente Ginny se vira na cadeira e olha.
- Não acho – responde finalmente, virando-se de novo.
- Bem, e o cara de camiseta cinza? – proponho, e aponto esperançosa. – Não é de uma banda adolescente?
- Hmm... não. Acho que não.
Há silêncio enquanto nos entreolhamos.
- Tem alguém famoso aqui? – pergunto por fim.
- Não há garantia de celebridades! – Ginny fica na defensiva.
- Eu sei! Mas você não acha...
- Oi! – uma voz nos interrompe e as duas olhamos em volta. Duas das garotas de jeans estão se aproximando da nossa mesa. Uma delas sorri nervosa para mim. – Espero que você não se incomode, mas minhas amigas e eu estávamos imaginando... você não é aquela que entrou agora no seriado True Blood?
Ah, pelo amor de Deus!
Enfim. Não me importo. Nós não viemos aqui para ver celebridades metidas a besta cheirando coca e se mostrando. Só viemos tomar uma bebidinha juntas.
Pedimos daiquiris de morango e castanhas mistas de luxo (4,50 libras por uma tigelinha. Nem pergunte quanto custa a bebida). E, tenho de admitir, estou um pouquinho mais relaxada agora que sei que não há ninguém famoso para impressionar.
- Como vai o seu trabalho? – pergunto, tomando um gole.
- Ah, tudo bem – Ginny dá vagamente de ombros. – Hoje eu vi o Fraudador de Jersey.
O Fraudador de Jersey é um cliente de Ginny que vive sendo acusado de fraude e apelando e – como Ginny é tão brilhante – sempre se saindo numa boa. Num minuto está usando algemas, no outro vestido com ternos feitos sob medida e levando-a para almoçar no Ritz.
- Ele tentou comprar um broche de diamante para mim – revela Ginny, revirando os olhos. – Estava com um catálogo da Asprey e ficou dizendo: “Este aqui é realmente supimpa”. E eu: “Humphrey, você está na prisão! Concentre-se!” – Ela balança a cabeça, toma um gole de sua bebida e levanta os olhos. – E... o seu homem?
Sei imediatamente que ela está falando de Harry, mas não quero admitir que foi para aí que minha mente saltou, por isso tento um olhar vazio e digo:
- Quem, Draco?
- Não, sua tonta! O seu estranho do avião. O que sabe tudo sobre você.
- Ah, ele. – Sinto um rubor vindo ao rosto e olho para meu descanso de copo, feito de papel gravado em relevo.
- É, ele! Você conseguiu evitá-lo?
- Não. Ele não me deixa em paz, droga.
Paro quando um garçom coloca outros daiquiris de morango na mesa. Quando ele se afasta, Ginny me dá um olhar atento.
- Hermione, você está a fim desse cara?
- Não, claro que eu não estou a fim dele – respondo, acalorada. – Ele só... me desconcerta, só isso. É uma reação completamente natural. Você sentiria o mesmo. De qualquer modo, está tudo bem. Eu só tenho de agüentar até sexta. Depois ele vai embora.
- E então você vai morar com o Draco. – Ginny toma um gole de seu daiquiri e se inclina para a frente. – Sabe, acho que ele vai pedir você em casamento!
Sinto uma pequena reviravolta no estômago, talvez seja só a bebida descendo, ou sei lá o quê.
- Você tem muita sorte – comenta Ginny, pensativa. – Sabe, ele colocou aquelas prateleiras no meu quarto no outro dia, sem que eu pedisse! Quantos homens fariam isso?
- Sei. Ele é simplesmente... fantástico. – Há uma pausa, e começo a picar meu descanso de copo em pedacinhos minúsculos. – Acho que a única coisinha é que ele não é mais tão romântico.
- Não se pode esperar que haja romantismo para sempre – fala Ginny. – As coisas mudam. É natural tudo ficar um pouco mais estável.
- Ah, eu sei! Nós somos duas pessoas maduras e sensatas, e temos um relacionamento amoroso e estável. O que, você sabe, é exatamente o que eu quero da vida. Só que... – pigarreio sem jeito. – Nós não temos mais sexo com tanta freqüência...
- Esse é um problema comum nos relacionamentos de longo prazo – argumenta Ginny com jeito de quem sabe das coisas. – Você precisa colocar um tempero.
- Como o quê?
- Já tentou algemas?
- Não! Você já? – encaro Ginny, fascinada.
- Há muito tempo – diz ela dando de ombros como se isso não fosse importante. – Não foi tão... Hmm... por que não tentar fazer em algum lugar diferente? Tente no trabalho!
No trabalho! Bom, essa é uma boa idéia. Ginny é inteligente demais.
- Certo! Vou tentar isso.
Pego minha bolsa, tiro uma caneta e escrevo “transa/trabalho” na mão, perto de onde escrevi “querido”.
De repente estou cheia de entusiasmo. Este é um plano brilhante. Vou trepar com Draco no trabalho amanhã, e vai ser a melhor transa que nós já tivemos, e a fagulha vai voltar, e vamos estar loucamente apaixonados de novo. Fácil. E isso vai mostrar a Harry Potter.
Não. Isso não tem nada a ver com Harry Potter. Não sei por que isso me escapou.
Há somente um problema para o meu plano. Não é tão fácil transar com o namorado no trabalho como a gente acha. Eu não tinha avaliado direito como tudo é aberto no nosso escritório. E quantas divisórias de vidro existem. E quantas pessoas, andando por ali o tempo todo.
Às onze horas da manhã seguinte ainda não consegui estabelecer uma estratégia. Acho que tinha meio visualizado transar atrás de algum vaso de planta. Mas quando olho para eles, os vasos de plantas são minúsculos! E todas as plantas tem a copa alta. Não há como Draco e eu nos escondermos atrás de um, quanto mais arriscarmos algum... movimento.
Não pode ser nos banheiros. Os banheiros femininos sempre têm gente dentro, fazendo fofoca e ajeitando a maquiagem, e os dos homens... argh. De jeito nenhum.
Não podemos fazer na sala de Draco porque as paredes são de vidro e não há cortinas nem nada. Além disso, as pessoas sempre ficam entrando e saindo para pegar coisas no arquivo dele.
Ah, isso é ridículo. As pessoas que têm casos devem fazer sexo no trabalho o tempo todo. Será que existe alguma sala secreta para trepadas, que eu não conheço?
Não posso passar um e-mail para Draco e pedir sugestões, porque é crucial surpreendê-lo. O elemento surpresa vai funcionar como um gigantesco estímulo, vai injetar tesão e romance na situação. Além disso, corro um pequeno risco: se eu avisá-lo, ele pode partir para a defesa da corporação e insistir que temos de tirar uma hora de licença sem vencimentos para transar, ou sei lá o quê.
Estou imaginando se podemos nos esgueirar para a escada de incêndio, quando Zach sai da sala de Paul comentando alguma coisa sobre margens.
Minha cabeça se levanta bruscamente e eu sinto uma pontada de apreensão. Venho tentando juntar coragem para dizer a ele um negócio desde aquela grande reunião de ontem.
- Ei, Zach – chamo quando ele passa pela minha mesa. – As Barras Panther são um produto seu, não é?
- Se é que são um produto – rebate ele, revirando os olhos.
- Eles vão cancelar?
- É mais do que provável.
- Bem, escuta – começo. – Posso pegar um tiquinho de nada do orçamento de marketing e colocar um cupom numa revista?
Zach coloca as mãos nos quadris e me encara.
- Fazer o quê?
- Colocar um anúncio. Não vai ser muito caro, prometo. Ninguém nem vai notar.
- Onde?
- Na Revista do Boliche – respondo, ruborizando ligeiramente. – Meu avô assina.
- Revista do quê?
- Por favor! Olha, você não tem de fazer nada. Eu resolvo tudo. Vai ser uma gota no oceano comparada a todos os anúncios que você publica. – Olho-o cheia de súplica. – Por favor... por favor...
- Ah, certo! – cede ele, impaciente. – O produto está morto, mesmo.
- Obrigada! – rio de orelha a orelha. Depois, quando ele se afasta, pego o telefone e disco para o número de vovô.
- Ei, vovô! – exclamo depois do bipe da secretária eletrônica. – Eu vou colocar um cupom de desconto para as Barras Panther na Revista do Boliche. Pode contar para os seus amigos! Vocês podem fazer um estoque pagando barato. A gente se vê, ok?
- Hermione? – De repente a voz de vovô explode no meu ouvido. – Eu estou aqui! Só quero fazer triagem das ligações.
- Triagem? – ecôo, tentando não parecer surpresa demais. Vovô faz triagem das ligações?
- É o meu novo passatempo. Nunca ouviu falar? Você ouve os amigos deixando recado e morre de rir deles. Muito divertido. Bom, Hermione, eu estava pensando em ligar para você. Vi uma notícia alarmante ontem, sobre assaltos com violência no centro de Londres.
De novo não.
- Vovô...
- Prometa que não vai andar de transporte público em Londres, Hermione.
- Eu, é... prometo – digo, cruzando os dedos. – Vovô eu tenho de desligar, verdade. Mas ligo de novo logo, logo. Amo você.
- Eu amo você também, querida.
Quando desligo o telefone sinto um pequeno calor de satisfação. Uma coisa está feita. Mas e Draco?
- Vou ter de pegar no arquivo – ouço Padma do outro lado da sala, e minha cabeça se levanta bruscamente.
A sala do arquivo. Claro. Claro! Ninguém vai à sala do arquivo a não ser em último caso. É lá no porão, e é toda escura, sem janelas, com montes de livros e revistas, e a gente acaba tendo de se arrastar no chão para achar o que quer.
Perfeito.
- Eu vou – ofereço, tentando parecer casual. – Se você quiser. O que você precisa achar?
- Você faz isso? – agradece Padma. – Obrigada, Hermione. É um velho anúncio numa revista defunta. A referência é esta... – Ela me entrega um pedaço de papel e eu sinto um arrepio de empolgação. Quando ela se afasta, seguro discretamente o telefone e ligo para Draco.
- Ei, Draco – minha voz está baixa e rouca. – Encontre-se comigo na sala do arquivo. Tenho uma coisa que quero mostrar.
- O que é?
- Lá eu mostro – digo, me sentindo a própria Sharon Stone.
Rá! Trepada no trabalho, lá vou eu!
Vou pelo corredor o mais rápido que posso, mas quando passo pela Administração sou parada por Wendy Smith, que quer saber se eu gostaria de jogar no time de netball da empresa. Por isso, demoro alguns minutos para chegar ao porão, e quando abro a porta Draco está ali parado, olhando o relógio.
Isso é irritante. Eu tinha planejado esperar por ele. Estria sentada numa pilha de livros que teria construído rapidamente; com uma perna cruzada em cima da outra e a saia levantada de modo sedutor.
Ah, tudo bem.
- Oi – digo na mesma voz rouca.
- Oi – responde Draco franzindo a testa. – Hermione, o que foi? Eu estou superocupado hoje.
- Eu só queria ver você. Ver você todinho. – Fecho a porta com um gesto abandonado e passo o dedo pelo seu peito, como num comercial de loção após-barba. – A gente nunca mais faz amor espontaneamente.
- O quê? – Draco me encara.
- Anda. – Começo a desabotoar sua camisa com uma expressão ardente. – Vamos fazer. Aqui, agora.
- Está maluca? – exclama Draco tirando meus dedos da frente e abotoando de novo a camisa. – Hermione, nós estamos no trabalho!
- E daí? Somos jovens, apaixonados... – Desço a mão ainda mais, e os olhos de Draco se arregalam.
- Pára! – ele sibila. – Pára agora mesmo! Hermione, você está bêbada?
- Eu só quero fazer sexo! É pedir muito?
- É pedir muito que a gente faça como pessoas normais?
- Mas a gente não faz nem na cama! Quero dizer, quase nunca!
Há um silêncio cortante.
- Hermione – diz Draco finalmente. – Este não é o lugar nem a hora...
- É sim! Pode ser! É assim que a gente vai reacender a chama. Ginny falou...
- Você discutiu nossa vida sexual com Ginny? – Draco está aparvalhado.
- Obviamente eu não falei de nós – recuo depressa. – Nós só estávamos conversando sobre... casais em geral, e ela disse que transar no trabalho pode ser... sensual! Anda Draco!
Eu me remexo perto dele e enfio sua mão no meu sutiã.
– Você não acha excitante? Só de pensar que pode ter alguém andando no corredor agora mesmo... – Paro quando ouço um som.
Acho que alguém está andando pelo corredor agora mesmo.
Ah, merda.
- Estou ouvindo passos! – sussurra Draco, afastando-se rapidamente, mas sua mão fica exatamente onde está, dentro do meu sutiã. Ele a encara horrorizado. – Eu estou preso! A porcaria do relógio prendeu no seu pulôver! – Ele puxa a mão com força. – Porra! Não consigo mexer o braço!
- Puxa!
- Eu estou puxando! – Ele olha freneticamente em volta. – Onde tem uma tesoura?
- Você não vai cortar meu pulôver – digo horrorizada.
- Você tem alguma outra sugestão? – Ele puxa de novo com força, e eu dou um grito abafado.
- Ai! Pára com isso! Você vai estragar o pulôver.
- Ah, eu estrago mesmo! E essa é a sua maior preocupação, não é?
- Eu sempre odiei esse relógio! Se você usasse o que eu dei...
Paro. Definitivamente há passos se aproximando. Estão quase do lado de fora da porta.
- Porra! – Draco está olhando em volta, atordoado. – Porra... porra...
- Calma! Vamos nos esconder no canto – sussurro. – De qualquer modo, talvez a pessoa nem entre.
- Foi uma ótima idéia, Hermione – murmura ele furioso enquanto atravessamos a sala depressa, desajeitadamente. – Realmente ótima.
- Não me culpe! Eu só queria trazer um pouco de paixão de volta ao nosso... – Congelo quando a porta se abre.
Não. Meu Deus. Não.
Estou tonta de choque.
Harry Potter está parado na porta, segurando uma enorme pilha de revistas velhas.
Lentamente seu olhar passa sobre nós, captando a expressão furiosa de Draco, sua mão dentro do meu sutiã, meu rosto agoniado.
- Sr. Potter – Draco começa a gaguejar. – Eu sinto muito, muitíssimo. Nós... nós não... – Ele pigarreia. – Será que posso dizer como estou mortificado... como nós estamos...
- Tenho certeza de que estão – interrompe Harry. Seu rosto está vazio e ilegível; a voz rouca como sempre. – Será que vocês poderiam ajeitar a roupa antes de voltar ao trabalho?
A porta se fecha atrás dele, e ficamos imóveis, como estátuas de cera.
- Olha, pode tirar a porcaria dessa mão de dentro da minha blusa? – digo enfim, sentindo-me irritada demais com Draco. Todo o meu desejo desapareceu. Estou completamente furiosa comigo. E com Draco. E com todo mundo.
N/A: Que flagra foi esse do Harry nos dois??? E aí, como as coisas ficam agora??? Calma, que ainda tem hj o capítulo 10! Agradecimentos nele! :D
N/A2: Eu tomei a liberdade de trocar o nome das celebridades e do seriado citados no capítulo, e adequá-los as situações. Fiz isso porque o livro foi escrito em 2004 mais ou menos, então as pessoas citadas seriam desconhecidas para vocês. Ok? :D
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