Capítulo 2



 Assim que entrou no trem escarlate, foi levada com mais uma dúzia de alunos transferidos para um vagão especial. Um aluno do último ano dava instruções e informações sobre a escola sem entusiasmo. Tão monótono que Anna acabou caindo no sono. Acordou instantes antes de a orientação terminar e foi para uma cabine qualquer com pessoas que estavam com medo demais para falar umas com as outras.


 Ela e os outros alunos transferidos haviam sido instruídos a ficarem com os primeiro-anistas. Ou pelo menos foi o que Anna supôs, vendo todos os estrangeiros seguirem para onde os primeiro-anistas eram chamados. Eles foram conduzidos a beira de um lago que deveriam atravessar a bote. Anna dividiu seu bote com uma garota japonesa que não falava inglês muito bem, o que reduziu a conversa.


 Quando o castelo se tornou visível, todos os alunos soltaram uma exclamação. Para Anna o mais fascinante não era o tamanho ou a beleza do prédio de pedra, era a forte energia mágica que ele mostrava. Era quase como se ela pudesse ver uma aura azul-elétrica fluindo do castelo.


 Antes de entrarem no Salão Principal eles deveriam passar por uma seleção, pelo que Anna conseguiu ouvir das outras conversas. Os demais alunos não prestavam muita atenção na adolescente que, discreta e silenciosamente, ouvia cada uma das palavras que eles diziam.


 - Ouvi dizer que eles nos mandam fazer um feitiço... Quem não conseguir, é expulso da escola e tem a memória apagada! – Disse um menino sardento para os outros alunos do primeiro ano.


 - Besteira. – Uma garota loira respondeu, mas sem muita certeza.


 - Meu irmão me disse que eles aplicam um trote, como jogar ovos...


 - Não, eles fazem você cantar o Hino Nacional de trás para frente.


 - Acho que deve ser algum rito de iniciação, como beber sangue de uma caveira.


 E diversas outras versões que não faziam sentido. Anna soltou um bocejo quando uma professora abriu a porta e os fez entrar no Salão Principal.


 O teto do salão fora enfeitiçado para refletir o céu. A lua estava escondida atrás de uma nuvem, mas, fora isso, o céu estava bastante estrelado. Incontáveis velas flutuavam a alguns metros do chão, dando ao lugar um forte cheiro de parafina e uma iluminação trêmula. Quatro longas mesas decoradas de cores diferentes se estendiam por todo o salão, apinhadas de alunos. Na parede oposta a porta de entrada, uma mesa um tanto menor abrigava os professores e funcionários da escola. Ainda atrás da mesa, um grande vitral mostrava a representação de quatro animais: um corvo; um texugo; uma serpente e; um leão.


 Anna, por mais maravilhada que estivesse, não conseguiu conter outro bocejo. A professora pegou um longo pergaminho e começou a chamar os alunos, que deveriam sentar-se em um banquinho de três pernas e vestir um chapéu.


 A cada nome que a professora chamava e colocava o chapéu na cabeça, o chapéu retrucava com um nome. Aos poucos Anna entendeu que os alunos estavam sendo selecionados. A mesa vermelha, a do leão, se chamava Grifinória. A amarela, Lufa-Lufa. Verde, Sonserina e azul era Corvinal.


 Os alunos do primeiro ano acabaram rapidamente, deixando apenas os transferidos. Anna pode, então, contá-los. Eram vinte e três alunos transferidos, a maioria com traços orientais ou hispânicos.


 - Muito bem. – A professora anunciou com a sua voz aguda. – Como os senhores podem ver, tivemos uma grande quantidade de alunos transferidos esse ano. Resolvemos selecioná-los da mesma forma que os ingressantes. Da mesma forma, chamarei seus nomes e lhes vestirei o chapéu, que lhes dirá qual a casa mais adequada para cada um. Amanhã, como já sabem, vocês serão avaliados e, então, freqüentarão as aulas do ano que seus conhecimentos mais se adequarem.


 A professora (que Anna supôs ser a tal Minerva McGonagall pela semelhança da escrita da carta com a forma da professora falar) seguiu chamando os alunos, tendo dificuldade em falar vários nomes.


 - Lyrleck, Anna, por favor. – A professora chamou a certa altura.


 Enquanto Anna dava os quarenta passos necessários para chegar ao banco do chapéu, ela se deu conta que estava faminta. Seu estômago roncou e ela torceu para que ninguém tivesse ouvido.


 “Você... há tempos que não vem ninguém de onde você vem” alguém sussurrou no ouvido de Anna. Ela deu um ligeiro pulo antes de se dar conta que era o chapéu que falava na sua cabeça. “O que seria isso que eu vejo aqui?” continuou o chapéu “Seria coragem ou covardia, menina?”.


 Anna não conseguiu evitar pensar “Coragem e covardia não são opostos? Como podem ser confundidos?” e o chapéu lhe respondeu imediatamente.


 “A coragem deveria existir apenas quando superamos nossos medos, mas também saber quando evitá-los. A covardia nos faz evitar qualquer contato com nossos medos, que nos consumem.”


 Anna não entendeu, mas sentiu-se ofendida por um chapéu a chamar de covarde.


 “Nem sempre a coragem é o melhor caminho, no entanto. Talvez você aprenda que ser covarde, às vezes, é a atitude que exige maior coragem.”


 As últimas palavras do chapéu apenas deixaram a menina mais confusa ainda. Um longo segundo de silêncio se manteve antes que o chapéu berrasse “Grifinória” para todos do salão. Infelizmente, para Anna, ela estava próxima demais do chapéu falante e sentiu a reverberação em seu tímpano.


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 Mais tarde, na mesma noite, deitada em sua cama e observando o dossel vermelho, Anna tentava contar quantas palavras havia dito naquele dia, depois que se despedira de tia Sophie e Chris. Pensar nas duas lhe dava um aperto no estômago, uma sensação de saudade por vir.


 Durante o jantar, diversos alunos tentaram conversar com Anna. Ela sempre respondia monossilábica, com um “sim” ou um “não” ríspido. Não era proposital, de qualquer forma. A cabeça de Anna estava leve de tanto que ela se esforçava para entender o que todos diziam e decifrar aquele sotaque britânico pontudo. No entanto, os outros alunos não perderam tempo em espalhar que a garota não sabia falar inglês e estava ali para tentar difundir técnicas mágicas indígenas, pelo que Anna pôde entender. Normalmente ela teria azarado quem disse aquilo, mas só conseguiu decifrar a frase por inteiro depois de alguns minutos.


 Anna fechou os olhos e tentou esquecer a dor de cabeça para conseguir dormir.


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 Anna acordou na hora certa, mas jogou o despertador do outro lado do dormitório e voltou a dormir. Quando acordou novamente, o dormitório estava vazio e ela estava quase atrasada.


 Com a prática de quem sempre se atrasa, Anna tirou o pijama e se enfiou em uma calça jeans num piscar de olhos. Em cinco minutos ela já estava passando pelo quadro da mulher de rosa enquanto amarrava o cabelo em um rabo-de-cavalo.


 Buscou no canto anestesiado de seu cérebro que remetia à noite passada para onde ela deveria ir. Não daria tempo de tomar café da manhã, precisava ir à sala de Poções o mais rápido possível. Enquanto conferia na bolsa se tinha tudo o que precisava, seus pés desciam rapidamente pelos degraus da escadaria encantada. Isso funcionou perfeitamente por três lances de escada, quando ela esbarrou em alguém e caiu sentada em um degrau.


 - Olha por onde anda, idiota. – Disse um menino loiro de trajes negros. Anna olhou melhor e pode ver um brasão com uma cobra bordado em seu peito.


 - Ahn... Eu... – Anna estava juntando os poucos papéis que tinham caído de sua pasta enquanto tentava se desculpar.


 - Já sei, você deve ser aquela brasileira estúpida que não fala a nossa língua! – Ele constatou, enquanto Anna ia ficando vermelha. – Por que não volta para dançar naquele seu baile de máscaras e sair do meu caminho?


 - Pulro traxis! – Anna urrou, com o rosto vermelho, assim que conseguiu alcançar a varinha. O garoto loiro foi arremessado até seu corpo bater numa parede, onde ele ficou sem poder se mexer, com os pés a alguns centímetros do chão.


 Respirando pesado, Anna deu alguns passos até onde o garoto estava preso, olhando assustado para ela. Ainda estava com a varinha erguida, mantendo o feitiço.


 - Quem sabe você cresce e deixa de ser um bundinha. Eu falo essa maldita língua melhor do que você, sem dúvida. Se eu quero ficar quieta no meu canto... não dá pra me deixar em paz?! – Anna gritou, sem ter certeza se havia usado o termo “bundinha” corretamente. Baixou a varinha e o garoto caiu pesadamente no chão, ainda encarando a garota. – E não é baile de máscaras, é Carn...


- Srta. Lyrleck! – Disse a mesma professora que conduzira a seleção, vendo o garoto loiro caído e Anna com a varinha em punho na frente dele. – O que você está fazendo?


- Ela atacou o Draco, professora! – Disse uma menina que estava perto, com o cabelo negro em um corte Chanel, apontando um dedo acusador para Anna.


- O quê? – Anna disse para a menina enquanto a professora dizia o mesmo para ela própria.


- Não sei como eram as regras na sua antiga escola, Srta. Lyrleck. – Disse a professora. – Mas em Hogwarts nós não atacamos estudantes nos corredores. Após as suas provas, a senhorita virá a minha sala para uma Detenção.


- O quê? – Anna perguntou de novo.


- Você me ouviu. Não incentivamos o combate, senhorita. – A professora disse seca, já começando a dar meia volta e ir embora.


- Mas... – Anna tentou começar a protestar, mas a professora já estava longe.


- Então ela fala... – Disse o garoto loiro, Draco, enquanto levantava do chão e batia nas vestes para tirar a sujeira do chão. – Divirta-se na Detenção com a McGonagall.


Ele deu as costas e foi embora. Anna deu um chute no corrimão da escada, imaginando ser a cabeça do garoto. Levou mais alguns segundos para lembrar que já deveria estar fazendo a prova de Poções e, então, desceu a escada correndo, rumo aonde ela lembrava ser a sala de aula.


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A masmorra já estava cheia com os outros alunos transferidos. Anna tentou ser o mais discreta possível. Assim que ela encontrou um lugar vago, percebeu que alguma coisa estava errada. Todos os alunos usavam as vestes do uniforme, negras como o breu e com o símbolo de suas respectivas casas bordados no peito. Na pressa de acordar, Anna se esquecera completamente do uniforme, e usava uma calça jeans simples e uma camisa branca.


- Senhorita...? – O professor, de vestes também negras e cabelo escorrido perguntou.


- Anh... Lyrleck. Professor. Anna Lyrleck. – Anna falou, atordoada.


- Tem um bom motivo para chegar atrasada e não estar usando o uniforme? – Ele perguntou, com uma voz gélida, sem tirar os olhos da prancheta da chamada.


Anna ficou em silêncio. Já estava rubra pelo incidente na escada, por correr para chegar na aula e pelo comentário do professor. Sentou-se em uma das classes do fundo, se escondendo atrás de um caldeirão.


A prova de Poções era relativamente simples. Cada aluno deveria fazer duas poções com diferentes níveis de dificuldade e responder uma pequena prova escrita. Mesmo chegando tarde, Anna foi uma das primeiras a terminar. Saiu das masmorras como um raio e correu para a torre da Grifinória, trocar de roupa, antes de ir para a prova de Feitiços.


O professor Filtriwck, um gnomo, fez uma prova completamente prática. Com uma pronúncia melhor que a maioria dos alunos, os feitiços de Anna eram geralmente mais fortes, mas ela teve dificuldade em executar alguns deles. Mesmo assim, o professor a elogiou e disse que ela teve um ótimo resultado, deixando-a feliz ao sair da sala.


Nessa altura do dia, o feitiço que Anna jogara no tal Draco já havia se tornado público, fazendo com que muitos alunos sussurrassem e dessem risadinhas quando Anna passava. O estômago de Anna, privado do café da manhã, rosnava contrariado, pedindo comida.


O Salão Principal não estava tão lotado quanto na noite anterior, mas ainda havia muitas pessoas por lá. A comida parecia deliciosa e, apenas com o cheiro, o estômago de Anna protestou novamente. Ela serviu seu prato com batatas cozidas, rosbife e outras comidas que Anna não conhecia, mas pareciam ser deliciosas.


- Seria essa a Caçadora de Dragões? – Disse um menino ruivo, acompanhado de outro idêntico. Cada um deles se sentou de um lado de Anna.


- É o que estão dizendo por aí, Jorge... Você ficou sabendo da outra façanha que ela fez? No mesmo dia? – Perguntou o da esquerda, ignorando Anna por completo.


- Não, Fred. O que ela fez? – O outro respondeu com uma surpresa forçada quase cômica.


- Conseguiu uma façanha apenas realizada por nós. – Respondeu Fred. – E nós conseguimos fazer isso apenas uma vez também.


- Ela conseguiu uma Detenção no primeiro dia de aula? – Jorge forçava a surpresa novamente.


- Acho que deveríamos nos apresentar... Olá, meu nome é Fred Weasley. – Disse Fred, estendendo a mão para Anna, que engolia uma garfada de batata assada. – Esse é meu parceiro Jorge.


- Anna. – Ela disse, apertando a mão do ruivo. – Anna Lyrleck.


- O que o bafo-de-cobra fez para você? – Jorge perguntou.


- Você não acreditaria nos boatos... – Fred falou e começou a enumerar alguns. – Alguns dizem que você descobriu que ele é secretamente um palhaço que perdeu a memória e veio parar aqui. É claro que é verdade, mas você não teria como saber.


- É sempre assim tão tagarela, Anna?


- Nem sempre... Só até me sentir a vontade, depois eu calo a boca um pouco. – Anna brincou, rindo.


- Já sabe como vai ser a sua detenção com a tia Mimi? – Perguntou Fred. Ou poderia ter sido Jorge, Anna não lembrava mais quem era quem.


- Não. – Ela admitiu. – São muito pesadas?


- Nem. – Respondeu o outro gêmeo. – Ela só quer dar lição... São leves, mas com um grande senso comunitário.


- Fred! Olha lá... – Disse Jorge, apontando com a cabeça para um menino do segundo ano que desenvolvera pintas vermelhas no rosto.


- Uh! Droga. – Ele exclamou quando viu o menino cair no chão. – Desculpe, dama. São os negócios.


- Sério, Anna. – Jorge falou pomposo enquanto Fred ia até o menino. – Você já é uma heroína por ter derrubado o bafo-de-cobra. Nós te admiramos. E somos admirados por muitos aqui.


Com uma última risada, Anna ficou sozinha enquanto os gêmeos iam até o garoto.

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NOTA DA MARI BO

Gostei desse cap. Ficou num ritmo bem rápido, não quero perder tempo explicando as coisas que vocês já conhecem de Hogwarts ao mesmo tempo que eu sei que a Anna tá meio perdidinha.
Foi muito forçado o feitiço da Anna? Peguei algumas palavras aleatórias em latim para inventar o feitiço...
Adoro o Fred e o Jorge e acho que eles são os melhores personagens. O Draco é meio, como eu digo, 'vaco' as vezes, mas gosto tanto dele que tenho dificuldade em fazer ele ser irritante. Ops.
Digam se o ritmo ficou muito rápido, se está cansativo de ler ou se os caps estão muito compridos, ok?
Até o próximo comentário! Ou capítulo... Enfim, a próxima vez que eu vier aqui. Hehe. 

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