Capítulo 1



O cabo da vassoura estava apontando para cima, fazendo com que a velocidade aumentasse ainda mais. Ela sentia o vento gelado nos seus cabelos, e a velocidade fazia com que lágrimas se formassem nos seus olhos. Ela não sabia quem era a figura que estava controlando a vassoura, mas sabia que confiava plenamente. As mãos dela começaram a suar, e então ela tenta se abraçar na pessoa sentada à sua frente. A figura desaparece como se fosse feita de fumaça, e a garota perde o equilíbrio.

Não consegue gritar, nem pedir por ajuda. Ela não sabe onde deixou a varinha e não vê nenhuma solução. A grama, a tantos metros abaixo, se aproxima perigosamente. Ela fecha os olhos, esperando pelo impacto.

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Anna acordou de um pulo. O avião tinha acabado de aterrissar e a aeromoça pedia que todos permanecessem sentados enquanto taxiavam até o terminal. A garota ainda levou alguns minutos para entender onde estava e o que tinha acontecido com a queda da vassoura.

- Chris. – Ela disse baixinho, acordando a menina que dormia no assento da janela. – Chris, acorda, a gente chegou.

- Hum... – A mais nova gemeu, provavelmente dolorida de ficar sentada na mesma posição durante tantas horas de vôo. – Cadê a tia Sô?

- Chris, acorda! Nós ainda estamos no avião... Nós temos que desembarcar, ainda. – Anna dizia enquanto levantava para pegar as mochilas no compartimento de bagagem. Só então ela sente a terrível dor no pescoço e anseia por uma cama.

As duas desembarcaram e foram para a sala de esteiras, esperar pelas malas enroladas no plástico protetor verde-limão. Elas passam por toda a burocracia de desembarque em um país estrangeiro nas próximas horas. Raios X, apresentação de passaportes, a fila alfandegária, mais uma máquina de raios X, um detector de metais e uma mulher muito mal-humorada.

Anna olhou para o relógio e percebeu que ainda não tinha mudado o fuso. Se em São Paulo, onde ela pegou aquele vôo quinze horas antes, eram cinco horas da manhã, em Londres seriam nove horas. Enquanto ajusta o relógio de pulso, Anna amaldiçoa mentalmente todos os meios de transporte bruxos, por não terem uma forma eficaz de locomoção intercontinental.

- Anna! Chris! Aqui! – Uma mulher acenava preocupada no lado de fora da sala de desembarque.

Anna não lembrava direito da tia. Sophie tinha quase quarenta anos e era muito bonita. O cabelo escuro geralmente ficava preso e os olhos azuis poderiam fazer um inocente confessar um assassinato. Ela estava magra e usava roupas sociais.

Anna e Chris empurraram o carrinho com as malas até onde estava a tia, que as sufocou num abraço assim que elas chegaram perto o bastante.

- Meninas! Que bom que vocês estão bem! – Ela disse assim que soltou as meninas e tomou o controle do carrinho de bagagem. – Eu fiquei tão preocupada com vocês sozinhas nesse vôo... Como foi a viagem, a propósito?

Ela falava um português enferrujado e formal, o que a deixava com um jeito de falar engraçado.

- Foi tranqüilo. – Disse Anna.

- Mas muito desconfortável. – Chris completou, com um bocejo.

- Eu imagino! Coitadas de vocês, naqueles bancos apertados por tanto tempo... Bem, nós já, já chegaremos em casa e então vocês poderão descansar.

Elas pegaram um táxi e, diferente do que tia Sophie dissera, demoraram quarenta minutos para chegar a um pequeno prédio numa das pequenas cidades dos arredores de Londres. O apartamento da tia ficava no terceiro andar e o prédio não tinha elevador, o que as forçou a carregar as malas escada à cima.

- O apartamento não é grande coisa, desculpem. – Disse tia Sophie quando abriu a porta, mostrando um minúsculo apartamento de dois quartos. – Mas é apenas provisório, já estou providenciando para irmos para um maior o mais rápido possível. Agora, venham, deixem-me mostrar tudo para vocês.

A pequena sala servia como cozinha, sala de jantar e sala de estar ao mesmo tempo. O curto corredor tinha o banheiro e a pequena lavanderia à direita e os dois quartos à esquerda. O quarto que as meninas iriam ocupar estava mobiliado com um beliche, um armário e uma escrivaninha junto à janela.. Antes que tia Sophie pudesse se desculpar mais uma vez pela bagunça ou pelo aperto, as meninas desabaram no beliche. Antes de apagar, Anna ouviu alguém dizer um “obrigada”. Não tinha certeza se tinha sido ela ou Chris que o dissera.

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Quando Anna acordou já era o meio da tarde. Tia Sophie estava no quarto e Chris continuava dormindo. Anna tirou os sapatos da irmã menor e foi explorar o pequeno apartamento.

No banheiro, Anna lavou o rosto e encarou a imagem do espelho. Parecia uma pessoa completamente diferente do que ela se lembrava. Seus olhos escuros estavam fundos de olheiras e seu cabelo estava volumoso e bagunçado. Ela parecia doente e cansada.

Foi na cozinha e viu um delicado bilhete colado na porta da geladeira. Ele dizia “Sirva-se”. Anna não iria discutir com o bilhete, e ficou feliz ao ver que a tia tinha deixado uma pizza de queijo a disposição delas, juntamente com algumas latas de refrigerante.

Anna estava na terceira fatia quando uma coruja listrada apareceu na janela da cozinha, trazendo um grosso envelope amarelado no bico. Anna abriu a janela e a coruja soltou o envelope em cima da mesa e voou silenciosamente de volta para o parapeito da janela.

O envelope era de pergaminho e estava lacrado com um selo de cera vermelha. A carta estava toda escrita em inglês e Anna demorou mais que alguns minutos para conseguir entender tudo que estava escrito.


“Senhorita Anna Lyrleck,
Por meio desta carta informamos que o seu pedido de transferência para a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwartas foi aceito e que sua vaga para completar o seu curso de magia já está confirmada. Quando chegar à escola receberá orientações de exames que possam avaliar o seu conhecimento nas áreas mágicas e, desta forma, encaminhá-la para o ano mais adequado. Pedimos que compareça à Estação Kings’ Cross no dia 1º de Setembro, pontualmente às 10 horas da manhã, para o embarque à escola. Segue em anexo a lista de materiais e normas da escola. Pedimos também que confirme sua matrícula até o dia 31 de julho.
Atenciosamente,


Minerva McGonagall
Vice-Diretora”



Anna leu a carta duas vezes mais e ainda tinha a sensação de que não estava entendendo alguma coisa.

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Anna bateu duas vezes na porta do quarto da tia e a abriu antes de receber qualquer resposta. O quarto da tia era relativamente maior e tia Sophie estava sentada numa poltrona lendo um jornal.

- Transferência? – Anna finalmente entendera o que não se encaixava na carta. Ainda tinha a sensação de estar embaixo d’água, como se tudo estivesse muito lento, o que dificultava sua indignação. – Eu não requisitei nenhuma transferência!

Tia Sophie colocou o jornal de lado e pegou a carta que Anna lhe estendia, paciente. Demorou o que pareceu ser mais do que uma era para ler a carta, antes de dizer qualquer coisa.

- E então? – Tia Sophie perguntou, enfim.

- E então? Como assim “e então”? – Anna não sabia por que seu coração batia tão acelerado. – Você requisitou essa transferência! Sem nem falar comigo...

- Anna... – Sophie tentou interromper, mas Anna não tinha mais controle sobre o que estava falando ou o que iria a falar.

- Para isso você consegue tempo! Para ir ao maldito funeral... – Anna andava de um lado para o outro no quarto, já com o rosto manchado de lágrimas. De onde vinha tudo aquilo? Ela realmente não sabia, mas também não conseguia parar. – Quer dizer, ela era sua irmã! E como se isto não bastasse, você nos arrasta para o outro lado do Atlântico sem nem...

- Anna! – Sophie falou com a voz firme, levantando da poltrona e Anna se calou imediatamente. Sophie tinha uma expressão séria e ao mesmo tempo preocupada. Ela tirou os óculos e encarou Anna, que continuava chorando. – Já faz mais uma semana... É a primeira vez que você chora pela morte da sua mãe?

Anna começou a soluçar e Sophie a abraçou. Aquela era a primeira vez que Anna chorava pela mãe, de fato. Ela ficou tremendo nos braços da tia por algum tempo.

- Eu sei o que aconteceu. – Anna disse quando conseguiu voltar a respirar normalmente, e ela pôde sentir o corpo inteiro de tia Sophie se contrair. – Não importa o que digam... Eu vi o clarão verde antes de chegar em casa e eu ouvi alguém aparatando quando eu entrei. A marca não foi para o céu, mas ficou marcada no teto. Eu consegui apagar antes que alguém visse, mas eu vi... Eu vi...

Tia Sophie relaxou e começou a afagar a cabeça de Anna.

- Eu também sabia, Anna. – Disse a tia num sussurro.

Anna queria perguntar o porquê, mas já sabia. Era o mesmo motivo que havia levado Sarah, sua mãe, a fugir para o Brasil antes de Anna completar um ano. Era o mesmo motivo de elas estarem sempre se mudando e o mesmo motivo de nem Anna e nem Chris terem o sobrenome da família.

Sarah era uma bruxa talentosa e desafiara quem não devia, há muito tempo. Por isso o Lord das Trevas foi à sua procura.

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Anna estava tão nervosa que sentia como se fosse vomitar. Ela chegou à Inglaterra no final de julho. Já estavam no final de agosto e ela estava às vésperas de embarcar para a tão famosa escola britânica.

- Está tudo pronto para o grande dia? – Perguntou tia Sophie, na porta do quarto.

- Não. – Disse Chris, do topo do beliche, entretida com seu novo diário com cadeado mágico. – É a quinta vez que ela arruma a mala. E ela ainda não se lembrou de pegar o pijama.

Anna levantou, robótica, pegou o pijama e tentou encaixá-lo no malão, sem sucesso. Jogou tudo no chão e começou do zero.

- Anna, por que você está tão nervosa? – Tia Sophie tentou perguntar.

- Ela não gosta de mudanças. – Respondeu Chris, deixando o diário de lado. – Você deveria ter visto como ela estava antes de pegar o avião, parecia um zumbi. E ela também não vai responder, se concentrou em alguma coisa e esqueceu do mundo.

- Tem algo que possamos fazer para ajudá-la?

- Não muito, é só deixar passar. Amanhã ela vai estar melhor. – Disse Chris, olhando para a irmã mais velha, que estava colocando suas meias dentro dos sapatos para economizar espaço. – Eu espero.

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Naquela noite, Anna não conseguiu dormir. Já tinha perdido as contas de quantas vezes arrumara e desarrumara o seu malão, mas ele já estava fechado e trancado. Ela pegou o livro que tia Sophie recomendara quando elas foram ao Beco Diagonal comprar os materiais novos, mas por mais tedioso que “Hogwarts: Uma História” fosse, ela não conseguia dormir.

Ela foi para a sala e sentou no sofá de forma que pudesse ver a lua pela janela aberta.  Era o último dia de agosto e a lua estava começando a minguar, mas ainda estava cheia o bastante para banhar a sala em uma sóbria luz prateada. O clima perfeito para devaneios, pensou Anna.

- Anna? – Chris perguntou quando viu a irmã sozinha na sala escura.

- Oi, Chris... Também não conseguiu dormir?

- Não... – Respondeu a mais nova, um tanto ansiosa. – Posso ficar aqui com você um pouquinho?

Anna arrumou uma almofada no seu colo e Chris deitou, apoiando a cabeça na almofada. Ficaram assim, apenas olhando a lua, por muito tempo. Anna mexia nos cachos escuros do cabelo da irmã menor.

- Você não precisa ir, sabe? – Chris falou, depois de muito tempo. – A tia Sô não iria ficar braba nem nada se você não fosse para essa escola amanhã. E ela disse que a casa desse amigo dela é bem grande que não teria problema...

- Por que você diz isso? – Anna perguntou, sem parar de mexer nos cabelos da irmã.

- É que... – Chris hesitou antes de continuar. – Depois do que aconteceu... Você sabe, com a mamãe... Acho que seria melhor se nós ficássemos juntas.

Anna sabia que Chris também sabia o que havia acontecido com Sarah, que não havia sido um simples acidente, mesmo nunca tendo tocado no assunto com a irmã. Cada uma das irmãs teve o seu luto, mas separadas.

Antes de responder, Anna se deixou seduzir pela oportunidade. Seria realmente bom poder ficar em casa, sem precisar estudar, e se perder em tardes preguiçosas e sem compromissos. Mas, se o fizesse, eventualmente a vida de Anna cairia na monotonia e na depressão.
 
- Você vai ficar bem, Chris. A tia Sophie vai cuidar bem de você, você sabe.

- Anna... – Chris interrompeu, olhando para a lua. – Não é comigo que eu estou preocupada. Foi por isso que você ficou muda mais cedo.

- Chris, eu... – Anna começou, mas não sabia como terminar. Respirou fundo e continuou. – Hogwarts é um dos lugares mais seguros do mundo, maninha, senão o mais seguro. Eu fiquei preocupada porque... porque eu não queria mudar de escola, passar por tudo aquilo de novo.

- Promete? – Chris perguntou, já quase dormindo no colo da irmã.

- Prometo. – Anna mentiu num sussurro.

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Na manhã seguinte, quando tia Sophie descobriu as duas irmãs dormindo na sala, ela já estava com o telefone na orelha chamando um táxi e carregando uma das três malas.

- Eu não acredito – Ela disse assim que desligou o telefone, acordando as meninas. – Que eu passei por tudo que eu passei para conseguir dois colchões extremamente confortáveis para que vocês dormissem nesse sofá horrível.

Chris esfregou os olhos e levantou. Anna desabou no sofá, tendo aquela familiar sensação que tinha acabado de fechar os olhos para dormir.

- Que diabo de horas são? – Anna perguntou.

- São oito e meia, Anna, nós precisamos ir. – Tia Sophie disse, arrancando a almofada debaixo da cabeça de Anna.

- Naquela carta dizia dez horas. Ainda tem tempo. – Anna disse se preparando para voltar a dormir.

- Anna... – Sophie fez mais uma tentativa de tirar a garota do sofá. – Você pode ter nascido em Londres, mas foi criada em vários lugares do Brasil. Se um brasileiro marca um compromisso para as dez, ele chega às onze e trinta. Se um britânico marca um compromisso para as dez, ele chega as nove e quarenta e cinco.

Com um movimento rápido de pulso, tia Sophie puxou a manta que cobria o sofá. Anna rolou no sentido contrário e acabou caindo no chão.

- Vamos, então? – Tia Sophie voltou a estender a manta no sofá.

- Bruta. – Anna xingou enquanto levantava do chão. – E não tem como ir de pó-de-flu ou alguma coisa do tipo? Precisa ser de táxi?

- Não dá pra levar as malas pela rede de pó-de-flu. – Quem respondia era Chris, que voltara do banheiro.

- Exatamente. – Tia Sophie concordou. – Agora, Anna... Zap! Precisamos ir!

Quarenta e cinco minutos depois, Anna, Chris e tia Sophie estavam em um táxi amarelo que andava pacientemente pela estrada congestionada que ligava o apartamento de Sophie com o centro de Londres, e Anna ainda estava com um tremendo mau-humor.

Depois de passarem por uma série de pontos turísticos e de um homem com uma máquina fotográfica pendurada no pescoço perguntar para o taxista para que lado ficavam os Jardins de St. Garden, o carro estacionou em frente à um McDonnald´s, alegando que a estação ficava do outro lado.

Tia Sophie entregou uma nota de vinte libras para o homem barrigudo e elas desembarcaram. Anna lembrou-se de quando tinha chego pelo aeroporto. Era basicamente a mesma coisa.
 
- Ali. – Tia Sophie apontou para o pilar que separava as plataformas 9 e 10. – Nós só não iremos entrar com você, Anna. Uma vez que você atravessa o portal, não tem como errar, é o único trem lá dentro.

Anna engoliu em seco. Já sabia que tia Sophie não entraria com ela, muito menos Chirs, mas esperava que elas mudassem de idéia. Deu um abraço apertado e um cascudo em Chris e foi despedir-se de tia Sophie em seguida, que lhe deu apenas um abraço frouxo.

- E também quero que você fique com isso, Anna. – Disse tia Sophie, lhe entregando um embrulho de papel pardo.

- Obrigada. – Disse Anna, enquanto colocava o embrulho em um bolso da mochila. Ela não sabia como se despedir. – Então... Eu vou indo. Hum. Tchau. E escrevam.

Anna impulsionou o carrinho para o pilar de pedra, que era tão sólido como um holograma. Toda a estação despareceu ao seu redor, a media da que uma outra se materializava.

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NOTA DA MARI BO

Ok, eu sei que eu tinha prometido para mim mesma que não ia ter mais edições de capítulos... Mas os outros tinham ficado tão tediosos que eu não aguentei! Tive que re-escrever, e esse aqui ficou mais natural. Não queria deixar a Chris de fora da conversa, mas não teve jeito...

Ainda estou à procura de uma capa decente, desculpem a demora por isso. ;P

Próximo cap só depois dos comentários!!! Ou não... eu sou temperamental! Mas avisem se gostaram, se odiaram e etc. 

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