Ganhos e Perdas



Capítulo 25


Ganhos e Perdas


 


Faltavam poucos minutos para meia-noite quando me levantei do sofá. O nervosismo que me acompanhara durante todo o dia havia diminuído, mas o medo continuava presente. Respirei fundo para controlar o leve tremor de minhas mãos e olhei para a porta, como se esperasse que Sebastian entrasse por ela no último minuto para, finalmente, terminar o ritual que havia iniciado dezessete anos atrás.


— Ele não virá — a voz de Alexey soou rouca no momento que o relógio indicou meia-noite. Eu o olhei sem dizer nada. — O ritual de proteção deu certo. Sebastian não poderá entrar por essa porta, não poderá te tocar.


Fui até a janela, contudo não havia sinal de movimento do lado de fora. Um barulho vindo da cozinha chamou minha atenção, porém era apenas Alexey.


Ele havia chegado na tarde do dia anterior e praticamente me obrigara a aceitá-lo em minha casa. No entanto, Alexey dizia que apenas gostaria de ver frustrado o plano de Sebastian, e minha segurança não era sua prioridade. Percebi que ele mentia. Ao menos no que se referia à minha segurança. E por mais que eu dissesse que preferiria estar sozinha para enfrentar Sebastian para não levar comigo mais nenhuma morte, ter Alexey ao meu lado ajudou.


Não conversamos muito, pois a tensão não permitia. Porém, apenas tê-lo ali, pronto para me ajudar no que fosse preciso, além de ele ser o último a me julgar ou odiar caso Sebastian tivesse sucesso em seus planos, ajudou para que eu o aceitasse.


— Por que você não tem comida em casa?


— Eu tenho comida.


— Não gosto de congelados. Parece comida requentada. — Ele colocou na mesinha da sala um prato contendo um sanduíche quente e um copo de leite para mim. — Certo que não é tão nutritivo, mas é a melhor coisa que você tem na geladeira. Além disso, almoçar e jantar a mesma coisa não me agrada.


— Se você diz... — disse, dando de ombros.


— Ficar sem comer não é uma opção, Dina.


O tom mandão de Alexey me fez olhá-lo. Eu nunca gostei que mandassem em mim, qualquer um que me conhece sabe disso. No entanto, quando olhei para Alexey e o vi sentado no sofá desfrutando de seu lanche e me olhando como se me desafiasse a confrontá-lo, não foi meu primo quem vi ali, mas Arktos. Meu irmão sempre implicava comigo quando eu preferia comer guloseimas a ter uma alimentação mais saudável. Então, não pude deixar de sorrir diante daquela situação, mesmo sentindo meu coração se apertar em saudades.


Acabei me sentando e peguei o prato. Ouvi Alexey resmungar algo que me soou como “garota mimada”, mas não lhe dei atenção. Assim que terminei de comer, olhei para o relógio e estiquei minhas costas, sentindo-as doloridas. Já era quase uma hora da manhã.


— Você já pensou no que vai fazer a partir de agora?


— Não. — Suspirei, olhando-o. — Na verdade não pensei muito a respeito.


— Você esperava que ele viesse, não é? Não a culpo — Alexey falou, dando de ombros. Ele tinha o segundo sanduíche em mãos e deu uma generosa mordida. Falou em seguida: — Mas não espere que ele vá te deixarem paz. Eleainda tem a conexão. Provavelmente — ele falou, antes de finalmente engolir — ele fará algo hoje à noite. Você não conseguiu fazer nada quanto a isso?


— Não — suspirei novamente. O cansaço estava me consumindo. — Disseram-me para usar Oclumência. Mas percebi que não é tão fácil quanto pensei. Embora tenha conseguido expulsá-lo de minha mente, uma vez.


Isso não pareceu surpreender Alexey, então ficamos em silêncio de novo até que ele, finalmente, terminou de comer.


— Tem algum quarto aqui para mim?


— Por quê?


— Matei alguém ontem e preciso esconder o corpo. O que você acha?


Com os olhos, acompanhei Alexey andar até a escada, mas ele parou ao meio do caminho. Então se virou para mim e suspirou, demonstrando o mesmo cansaço que eu sentia.


— Dina, ele não virá. Você conseguiu proteger sua casa, e o amuleto também ajuda. Na verdade, como ele funciona? — perguntou, apontando a corrente que pendia em meu pescoço.


Retirei o amuleto de dentro de minha blusa e o olhei. Ele formigava um pouco, denunciando a magia forte que o envolvia.


— Ele me avisa quando há perigo por perto.


— Como?


— De acordo com as anotações de tio Timoh, ele esfria. Fica frio como se pendesse uma pedra de gelo. Mas, quando está tudo bem, ele transmite um calor.


— Calor? Interessante...


— Sim. Quente como um sol que acaba de nascer. Palavras dele.


— Poético. Bem — Alexey continuou, novamente subindo as escadas —, já que está tudo certo, boa noite, Dina.


— Boa noite.


Fiquei sozinha por alguns minutos, mas, assim como Alexey, acabei indo para meu quarto. Fui até a janela para verificar se havia movimento na rua, mas ela continuava quieta; o contrário da árvore perto da minha janela, onde esperava uma coruja. Assim que ela me viu, voou em minha direção. Abri a janela e ela pousou em minha cama. 


— Está ali fora há muito tempo, não está?


A coruja deu um pio de leve e estendeu a pata para que eu retirasse a carta ali contida. Era de Fabian.


 


Olá, Ariadne. Espero que esta carta a encontre bem.


Fiquei sabendo que você voltou há alguns dias e gostaria de saber como você está, se precisa de alguma coisa...


Sei que hoje é seu aniversário, também, e pensei que seria legal sair para comemorar, caso seus amigos não se importem com mais uma pessoa. Vou tentar ir até sua casa hoje, caso o trabalho permita. Isso aqui está um caos, sabia?


Fique bem e se cuide.


Fabian.


 


P.S.: Vim até sua casa, mas não te encontrei. Deve ser o horário. Ou então você está comemorando seu aniversário... Bem, vou deixar a Polly te esperando. Se você demorar, ela vai voltar pra casa, mesmo. Tento te achar amanhã. Feliz aniversário, Ariadne.


F.


 


Foi estranho receber aquela carta de Fabian. No entanto, não me permiti pensar muito. Deixei a janela aberta para a coruja sair e me joguei na cama.


Contudo, tão logo fechei os olhos, vi-me em uma sala escura, cuja lareira ao fundo era a única fonte de luz. Um homem apoiava-se a ela, olhando o fogo crepitar. Seus longos cabelos brancos estavam parcialmente presos e emitiam um brilho estranho ao reflexo do fogo e da camisa que usava. Ele não precisou me olhar com seus orbes arroxeados para eu perceber que se tratava de Sebastian, mostrando-se finalmente para mim.


Ao contrário do que eu esperava, seu rosto não era velho, como os cabelos brancos pareciam dizer. Era um homem de aparência jovem, cerca de trinta anos. Quando ele me olhou, parecia triste, desanimado.


— Você conseguiu me frustrar muito bem, Ariadne. Como o conseguiu?


— Tenho meus truques.


Ele riu.


— Truques? Creio que Alexey está com você, não é? Ele é outro que adora atrapalhar meus planos.


— Alexey é um amigo.


— Alexey é um interesseiro. Nunca duvide disso — ele retorquiu firmemente e então se sentou em uma poltrona. — Mas não fique tão tranquila, devo lhe dizer. Essa foi apenas uma noite.


— Você vai precisar de outra data específica, Sebastian — falei, lembrando-me da conversa que tivera com Alexey durante o dia.


— Sim, isso é verdade. Mas eu tenho paciência.


— Eu não.


— Justo. Mas, antes que você se vá, pois estou percebendo que é isso que quer, saiba que eu a pegarei. E que os teus atos terão consequências.


Por fim acordei, embora sem saber se fora por obra minha ou do próprio Sebastian. E embora meu coração estivesse acelerado, eu não estava tremendo como das outras vezes. Julguei como um bom resultado.


Sorri e me aconcheguei na cama, satisfeita.


Acordei depois do que me pareceu um minuto, com Lily me chacoalhando.


— O quê... Droga, Lily, o que foi? — resmunguei enquanto me virava para o outro lado.


— O que foi digo eu! Você disse que iria à minha casa esta tarde para dizer se deu tudo certo, mas você não apareceu!


Uma claridade repentina tomou o quarto. Xinguei baixo e coloquei o travesseiro em meu rosto. 


— Tem ideia do quanto fiquei preocupada?


— Que horas são?


— Quase sete horas.


Finalmente retirei o travesseiro do rosto e me sentei na cama. Disse a Lily para me esperar, pois iria ao banheiro para ficar mais apresentável.


Não era realmente surpreendente ter Lily em minha casa, pois, por ter participado do Feitiço de Proteção que a envolvia, ela poderia entrar e sair quando quisesse – assim como qualquer pessoa que eu autorizasse. Era muito mais eficiente que qualquer feitiço de proteção, já que a pessoa autorizada não poderia trazer ninguém junto de si. 


— Não precisava ter vindo aqui — falei quando voltei. Olhei para minha amiga, esperando resposta, mas a hesitação de Lily, mista ao seu rubor, despertou minha curiosidade. — O que foi?


— Eu não quis ser intrusa. Não entenda isso. — Ela estendeu a carta de Fabian, que estava levemente amassada. — Eu fui arrumar sua cama e percebi essa carta. Peguei apenas para colocá-la em cima da mesa, mas vi a assinatura.


— É só uma carta, Lily — disse enquanto colocava a carta em cima do criado-mudo.


— Eu não sabia que vocês se correspondiam.


— Fabian e eu não nos correspondemos. Esta é a segunda carta que recebo de Fabian em toda minha vida.


— Ele pareceu bem íntimo e... — Ergui as sobrancelhas, instigando-a quando hesitou. — Ele perguntou de você algumas vezes, no tempo que você ficou fora. 


— Perguntou quando?


— Ele também faz parte da Ordem.


— Ordem? — retorqui, mas logo me lembrei do que se tratava. — Ah, sim... Dumbledore.


— Sim. Ele e o irmão, Gideon, fazem parte. E você, tão logo decida.


Sorri para Lily. Porém, em vez de repetir o que eu havia lhe dito no último dia que estávamos em Hogwarts – de que eu deveria partir –, continuei a perguntar sobre Fabian.


— E o que ele queria saber de mim?


— Onde você estava, quando voltava...


Dei de ombros.


— Arktos o fez prometer que cuidaria de mim se algo lhe ocorresse.


— Pois saiba que eu não vi nada fraterno nas perguntas de Fabian. Principalmente quando ele soube que você e Sirius tinham terminado. Ele me pareceu bem satisfeito.


Ao menos alguém tem que ficar, pensei.


— Vamos deixar o Fabian de lado, sim? — falei. Sentei-me na cama para colocar um par de sandálias e perguntei: — Por que você me acordou quando percebeu que eu estava bem? Não poderia ter me deixado dormir?


— Você sabe que combinamos de ir a algum lugar, hoje.


— Claro... Temos que comemorar meu aniversário. Oba, oba...


— Deixe de ser estraga-prazer e termine de se arrumar para eu te cumprimentar.


Minutos depois saíamos da casa. Lily e eu começamos a descer a rua, mas alguém me chamou. Era Fabian. Quando se aproximou, cumprimentou Lily com um aceno amigável e se virou para mim, sorrindo.


— Quase não te pego de novo.


— Pois é, eu vou sair com a Lily.


— Recebeu minha carta?


— Sim. Ontem eu não fiquei em casa o dia todo, então por isso que não o respondi, desculpe.


— Tudo bem. Comemorando o aniversário, não é?


— Na verdade, estávamos indo agora.


— Então te cumprimentar agora não será indelicado, certo? — Fabian questionou, sorrindo mais ainda.


— Não — ri.


— Sendo assim...


Somente neste momento percebi que Fabian segurava algo atrás de si. Era uma pequena caixa que ele me entregou, a qual continha um colar com um delicado pingente no formato de flor com seis pétalas.


— Olhe atrás — Fabian disse, ansioso.


Atrás da flor estava gravada a data de meu aniversário.


— Fabian, eu...


— Não diga que não pode aceitar. Ficarei ofendido.


— Obrigada.


— Quer que eu te ajude a colocar? — Fabian retorquiu quando fiz menção de guardar o presente.


— Claro.


Olhei para Lily quando me virei. Ela moveu os lábios sutilmente, mas entendi o que ela havia dito: “eu te disse”.


— Ficou bonito — Fabian falou quando o olhei novamente.


— Sim. Obrigada de novo.


— Sem problemas.


— Desculpe, Fabian, mas temos que ir.


— Claro. — Ele não pareceu gostar muito de eu tê-lo dispensado.


— Eu gostaria muito de te convidar, mas será uma noite só de garotas — disse, meio que me desculpando. Não queria deixá-lo chateado, afinal, Fabian apenas estava agindo a pedido de Arktos. Ao menos era o que eu esperava.  


— Tudo bem. — Ele me deu um beijo na bochecha. — Feliz aniversário, Ariadne. A gente se vê.


Lily e eu descemos a rua de casa, enquanto Fabian ia para o outro lado. Assim que chegamos a um lugar discreto, aparatamos diretamente em uma praça, perto de bares trouxas.


— Eu te disse que não era nada fraternal — Lily falou enquanto andávamos no parque em direção ao bar que Louise e Clair estariam nos esperando.


— Percebi. Mas não quero falar sobre isso. Não tem motivo.


— James queria ter vindo.


— Seria uma noite memorável — falei com sarcasmo, mesmo estranhando a mudança repentina de assunto. — O que ele me daria de presente?


— Ele não traria presente — Lily retorquiu, parecendo indiferente. — Ele traria o Sirius.


— Seria a perfeição, então.


— Também penso assim. Uma vida sem mentiras ou omissões. Perfeição pura.


— Já conversamos sobre isso, Lily — meu tom era de aviso.


— Eu sei que já, mas é que... — Ela parou, claramente frustrada. Já eu suspirei, parando também, mas sem olhá-la. — Desde que você e o Sirius terminaram, ele não é o mesmo, Ari, e muito menos você. Não acha que deve fazer alguma coisa a respeito?


— Não há nada a ser feito — disse entre os dentes.


— Isso é ridículo! — Lily exaltou-se. Eu a olhei. — Não entendo como você consegue ser tão cabeça-dura! Entendo que você queira protegê-lo de toda essa coisa que envolve Sebastian, mas o Sirius não é nenhuma criança indefesa.


— Mas ele também não é um especialista — repliquei firmemente. — Sebastian tem me observado desde que nasci, e se preparou para concluir o ritual para me transformar no que ele é. O dia de ontem foi apenas uma batalha vencida. Nada ficará entre nós dois, Lily. E se Sirius souber o que pode acontecer, você acha que ele ficará parado, apenas esperando a decisão de Sebastian? Claro que não! Além disso — continuei, não permitindo que ela me interrompesse como era sua intenção —, quanto menos gente souber, melhor. Ninguém interfere, ninguém sai ferido, ninguém é morto. Lutar contra Sebastian, sozinha, é a melhor opção.


— Desde quando ficar sozinha é melhor? Pelo amor de Deus, Ariadne!


Respirei fundo, tentando me acalmar, embora minha vontade fosse lançar um feitiço estuporante em Lily e voltar para minha casa.


— Você não faz a menor ideia do que Sebastian é capaz, Lily.


— Ele é um assassino. O que mais tem para saber?


Olhando bem para minha amiga, percebi que ela estava firme em seu objetivo. Ela faria qualquer coisa para que eu e Sirius voltássemos. Mas o medo de Sirius não me aceitar ainda era latente. Eu ainda poderia me tornar o monstro que Sebastian queria, e ver quem eu amava me olhar com repúdio e desprezo, e até mesmo medo, não seria uma opção. Eu tinha que estar sozinha. Portanto, eu deveria apelar para o coração de Lily, uma vez que a razão era impossível de ser quebrada.


Respirei fundo, finalmente me acalmando.


— Sebastian me ameaçou — disse, por fim. — Se alguém se interpuser, morre. E, Lily, ele já matou meus pais e meu irmão. Se ele matar um de vocês, se ele matar o Sirius, eu... Eu não sei se aguentaria continuar lutando, entende? E eu preciso continuar lutando.


Lily se desarmou de imediato.


— Mas deve ter algo que possamos fazer.


— Não há. Ao menos por enquanto. Tudo o que eu poderia ter feito, já fiz, que é a proteção da minha casa e o amuleto. Se Sebastian se aproximar, eu saberei.


— E do que adianta apenas mantê-lo afastado?


— É o bastante, até que eu descubra uma maneira de derrotá-lo definitivamente.


Ficamos em silêncio, como se Lily esperasse que eu dissesse algo mais; algo que poderia modificar toda a situação que me envolvia. Contudo, não havia mais nada a ser dito sobre Sebastian ou Sirius.


— Isso tudo é uma droga.


— Eu sei. — Suspirei, olhando para os bares a poucos metros de nós. — Vamos logo. Louise e Clair já devem estar nos esperando.


— Eu chamei Alice também.


— Sério?


— Sim. Ela também faz parte da Ordem.


— O disco vai riscar, Lily.


Ela apenas sorriu. Entramos no bar, mas apenas Louise e Alice estavam ali.  Cumprimentei minhas amigas, feliz em vê-las depois de quase dois meses longe. Alice se desculpou por aparecer sem ter sido convidada por mim, no entanto eu lhe disse que, embora fosse meu aniversário, havia sido Lily quem combinara tudo. Além disso, eu senti falta dela.


O garçom havia acabado de sair com os pedidos de nossas bebidas quando Clair chegou. Ela parecia agitada e, quando se aproximou, pude ver que suas mãos estavam tremendo.


— O que aconteceu? — Alice perguntou


— Um esquadrão do Ministério estava a algumas quadras daqui. Um esquadrão para serviço de limpeza.


Pelo ar taciturno que se seguiu ao que Clair dissera, todas entenderam o que ela havia dito, menos eu.


— Quando há um ataque de comensais — Alice explicou quando perguntei o que Clair queria dizer —, o Ministério manda um grupo para organizar a situação, acalmar os moradores e, se for em um bairro trouxa, manda obliviadores. Ou seja, eles fazem uma limpeza no lugar.


— Isso está aumentando — Clair falou.


— Ataque a trouxas? — perguntei. — Mas já tinha certa frequência, não tinha? Arktos me disse que houve desaparecimentos, mortes...


— Não com trouxas. Não com essa frequência. Era habitual entre bruxos que iam contra ele ou nascidos-trouxa.


A mesa ficou em silêncio por um momento, esperando que o garçom se afastasse depois de entregar os pedidos.


— Onde foi o ataque? — Lily perguntou quando ficamos sozinhos.


— A uns vinte quarteirões. — Clair suspirou e eu vi seus olhos encherem-se de lágrima. — Uma família inteira. Três crianças. E seus rostos...


— Tente não pensar muito nisso — disse Alice, tentando acalmá-la.


Mudamos o tema da conversa, o que facilitou para melhorar o clima da mesa. O assunto divergia, e por fim já falávamos do novo trabalho de Louise no Profeta Diário e de sua indignação por eu não ter ido a Paris enquanto estive na casa de minha tia.


— Como assim você não foi um dia sequer em Paris? Você tem noção do quão ultrajante é deixar de ver aquela cidade, Ariadne? Tudo o que ela tem a oferecer com suas luzes, e praças, e museus, e...


— Minha prima bem queria ir até lá, mas preferi ficar em casa.


— E eu pensando que você me daria detalhes da noite parisiense. Não faz mal, Ethan prometeu que me levaria, na próxima primavera.


— E como ele está? — perguntei.


Louise revirou os olhos, aborrecida.


— Trabalhando. Aquele pai trouxa dele o faz trabalhar na empresa da família sem descanso, desde Hogwarts. É um desperdício, na minha opinião. O Ethan deveria estar no Ministério, tentando uma vaga no Departamento de Execução das Leis da Magia, e não cuidando de leis comerciais idiotas.


Olhei para Lily, surpresa com a revolta de Louise. Preferimos mudar de assunto, algo que não pudesse relacionar Ethan ou trouxas.


A noite passou divertida entre taças de vinho – e Louise dizendo que o vinho dos elfos eram muito melhores – e conversas que não chegavam nem perto da guerra que acontecia.


Por fim, decidimos ir para o parque. Clair disse que precisava ir embora, assim como Alice, então precisaríamos de discrição.


Contudo, assim que saímos do restaurante, Clair olhou na direção que havia acontecido o ataque que ela havia visto. A tristeza voltou ao seu rosto, o que nos preocupou. Eu sabia que minha amiga era uma pessoa forte e que conseguia lidar com qualquer tipo de sentimento. Mas Clair também tinha uma humanidade e um coração que poderia atrapalhá-la. Quando você é bom, ultrapassando todos os sentidos da lógica e do bom senso, as coisas não podem acabar bem. E de todas as pessoas que eu conheci em minha vida, ela era a melhor e mais pura das criaturas. Eu chegava até a pensar que ela não odiava Voldemort como muitos, mas sentia uma pena por ele portar tantos sentimentos e pensamentos ruins.


— Eu estou bem — ela disse, suspirando. — É que tudo isso é tão... Inacreditável, sabem? O que o motiva? Por que Voldemort é tão cruel ao ponto de matar crianças indefesas? Por que para ele é tão importante assim que nosso sangue seja puro? E por que todas essas pessoas o seguem?


— Não dá para entender uma mente perturbada, Clair — Louise disse.


— E alguns só querem um pouco do poder que ele tem — completei.


— Poder... Grande poder este, matando e torturando quem não pode se defender.


Clair respirou fundo, tentando se acalmar. Então olhou para todos e, por fim, para mim, dando então um meio sorriso.


— Desculpe estragar seu aniversário, Ari. Não foi minha intenção.


— Não tem problema. Acho que é até egoísmo de minha parte celebrar quando tudo isso está acontecendo.


— Claro que não — ela retorquiu, apressada. — Não há nada de errado em celebrar a vida.


Continuamos a caminhar, em silêncio por alguns segundos, até Clair se despedir, assim como Alice.


— Tem algo que preciso saber — Louise falou depois.


— O quê? — perguntei.


— Como você terminará seu aniversário?


— Dormindo?


— Você pode fazer melhor, Ari. E a Lily pode te ajudar. — Vi seu olhar sugestivo, mas não entendi o que ela queria dizer. — Lily, seu namorado está junto do Sirius, não?


— Nós terminamos, você sabe disso — disse sem permitir que Lily respondesse.


— A única coisa que sei, queridinha, é que você é uma sonsa. E infeliz. Ou você pensa que eu não sei que você ainda gosta dele?


— Isso não vem ao caso, Lou.


— O que vem ao caso — falou uma mulher atrás de nós, a voz zombeteira —, é que a ruiva faz parte do grupinho do Dumbledore.


Tudo aconteceu muito rápido.


Lily puxou-me pelo braço enquanto eu alcançava minha varinha e a mulher a nossa frente apontava-nos a dela, de onde saiu um feitiço que não consegui identificar. O feitiço atingiu um galho da árvore atrás de nós.


— O que três garotas estão fazendo em um parque escuro, a uma hora dessas, e sozinhas? Pode ser perigoso, sabiam? — a mulher falou. Alguém riu, uma voz rouca e masculina. Senti Lily tremer ao meu lado quando outro comensal saiu de trás das árvores.


Olhei ao redor, procurando Louise, mas não a encontrei. O parque estava vazio.


— Ou têm muita coragem ou são incrivelmente burras — o homem falou. — Voto por burras.


— Esta aqui estava tentando fugir.


Foi com assombro que vi outro comensal aparecer, agarrando Louise pelos cabelos. Avancei dois passos em sua direção, mas Lily me segurou.


— Solte-a! — disse entre os dentes e me soltando de Lily. O homem apenas puxou mais ainda os cabelos de Louise, trazendo-a mais perto de si. As lágrimas escorriam pelos olhos dela e o medo que Louise estampava me agoniou.


— Façamos um acordo, então — a mulher falou. — Diga-me, ruiva, onde é o esconderijo de Dumbledore. E eu deixarei sua amiga ir.


— E se eu não disser? — Lily retorquiu.


Crucio — a voz do comensal que mantinha Louise saiu tão calma que pensei que o feitiço não daria certo. Porém, logo Louise gritava, contorcendo-se no chão.


— Parem com isso! Lily! — olhei para ela, exigindo que minha amiga dissesse o que a mulher pedia.


— Eu não posso dizer — Lily falou, e a mulher apontou sua varinha para Louise. — Não posso, pois é protegido pelo feitiço Fiel do Segredo!


— Pena. Avada Kedavra.


Louise parou de se contorcer e uma última lágrima escorreu de seus olhos sem vida. Senti o ar me faltar e as pernas fraquejarem. Algo me apertava o braço, contudo não dava muita atenção. Eu apenas tinha noção de Louise, morta, olhando-me como se me acusasse de não ter feito nada para impedir. Mas o que quer me machucava parou. Eu não ouvia mais nada e nem sentia a dor em meu braço. Sentia apenas o ódio pela comensal que matara Louise como se ela não fosse nada, apenas um ser dispensável que não prestava para sua barganha. A única realidade que eu tinha era que Louise estava morta e que a varinha em minha mão queimava para ser usada.


Proferi o primeiro feitiço que me veio à mente, mas a comensal se desviou, rindo de meu erro. Ela era rápida e eu tive que me desviar algumas vezes por não ter tempo de utilizar um feitiço escudo. Mas eu revidava. E com todo o ódio que sentia por aquela mulher. Senti um prazer surreal quando meu feitiço a acertou, tempo depois, jogando-a contra uma árvore. Com passos firmes, aproximei-me. Contudo, antes que eu a matasse – pois este era meu intento, eu sabia, eu queria! – a comensal desaparatou.


Olhei ao redor, percebendo que os outros dois comensais também haviam partido. Apertei a varinha mais fortemente em minha mão e o ódio pareceu aumentar.


— Ari?


A voz de Sirius veio de longe. Virei-me para ele, notando seu andar cauteloso. Ele olhava de meu rosto para a varinha que, percebi segundos depois, eu lhe apontava. Baixei-a, constrangida.


— Você está bem?


Apenas acenei afirmativamente. Sirius aproximou-se de mim, colocando atrás de minhas orelhas alguns fios de cabelo que haviam se soltado e levantou meu rosto para olhá-lo.


Quando vi seus olhos cheios de compaixão e receio, foi como se eu saísse de um transe. O ódio se foi, ficando apenas a dor por Louise.


— Louise...


— Eu sei. Sinto muito.


Senti meus olhos encherem-se de lágrimas e o coração se apertar. Sirius me abraçou e estar em seus braços foi um alento.


As vozes nos alcançaram um tempo depois. Era Lily, que se aproximava com James.


— Ela está bem? — ele perguntou. Senti Sirius acenar com a cabeça, afirmando. — Os Aurores estão aqui. Dumbledore também. Ele disse que avisará aos pais de Louise o que aconteceu. 


— Preciso dizer a Ethan — falei, afastando-me de Sirius.


— Eu vou com você — ele retorquiu, segurando minha mão.


— Não precisa.


— Eu insisto.


Olhei para Lily, buscando apoio, mas ela apenas acenou, insistindo com Sirius. Como eu estava sem forças para discutir qualquer coisa naquele momento, concordei.


Sirius e eu aparatamos no bairro trouxa que Ethan morava com a família. Demoraram para nos atender, pois já era tarde e todos estavam dormindo. Os senhores Bornwick ficaram irritados com nossa chegada, mas quando Ethan apareceu e eu pedi para conversar, ele pareceu entender o que estava acontecendo. Foi difícil contar a ele. Eu nunca havia visto Ethan se alterar, e a irmã precisou intervir para que ele não saísse porta afora ou quebrasse qualquer coisa. 


Depois que ela tirou o irmão da sala, eu disse à Sra. Bornwick sobre o velório de Louise. Ela agradeceu. Sirius e eu saímos e desaparatamos em frente à minha casa.


Mais uma vez, olhei para aquele imenso casarão e não tive vontade de entrar. Não sozinha. A morte de Louise trazia mais dor do que eu poderia assumir e suportar. Trazia a lembrança de Arktos, de meus pais, do vazio que suas ausências significavam.


Sem dizer nada, ergui minha mão para Sirius, que a pegou sem questionar. Caminhamos em silêncio até meu quarto. Eu sentia que ele tinha perguntas, dúvidas, mas eu não o olhava para não encorajá-lo. Àquela noite eu não queria esclarecer ou responder. Eu queria apenas que ele me abraçasse e me fizesse sentir protegida e com a esperança de que a morte não nos alcançaria.


Fui até meu closet, onde troquei as roupas que usava por um pijama. Quando voltei, Sirius estava do mesmo jeito que eu o havia deixado: em pé, ao lado da porta. Fui até ele e o puxei em direção à cama, mas ele continuou ali, parado.


— Quando Clair apareceu, dizendo que havia comensais onde vocês estavam, eu só pensava em você. Não pensei nas pessoas ali desprotegidas, não pensei em Lily, não pensei em Louise... Eu só queria ter a certeza de que não chegaria tarde, que você ainda estaria lá, esperando por mim. Eu não poderia ter perder, Ari. Eu não posso.


Havia angústia em sua voz. E uma pressa que nada tinha a ver com o desespero. Era apenas o medo de se mostrar egoísta, de parecer que não se importava com nada a não ser eu. Eu sabia que era assim que Sirius se sentia. De uma maneira que eu não sabia explicar naquele momento, eu sabia exatamente o que se passava pela mente e pelo coração dele. E essa certeza não estava conectada ao meu amor ou como eu o conhecia. Era uma certeza diferente. Entretanto, eu não queria saber de onde ela vinha. Não naquele momento.


O que eu queria era esquecer. Mais nada.


Portanto, aproximei-me de Sirius, fazendo o mesmo que ele fizera comigo horas antes. Tirei-lhe a franja que lhe cobria os olhos e fiz com que ele me olhasse. O medo de ser injusto e o amor que ele sentia por mim estavam ali, e ver que ele ainda me amava como antes fez meu corpo doer. Por fim, eu o beijei. Beijei com toda a saudade e dor que sentia; com toda a angústia que eu sabia que viria quando nos separássemos. Beijei-o para que a dor da morte se desvanecesse, tanto a minha quanto a dele.


Quando interrompi o beijo, ele não me soltou.


— Você não vai me perder, Sirius. Mesmo que não estejamos juntos, você nunca vai me perder.


— Eu disse que aceitaria nossa distância, que a ajudaria a nos manter separados enquanto fosse preciso. Mas eu não consigo cumprir minha promessa.


— Mas você precisa. É o melhor para nós dois.


— Então por que você me trouxe aqui? — havia mágoa em sua voz. — Por que nos coloca nessa posição? Por que me beijou?


Porque sou egoísta, pensei. Porque perdi alguém que amo e preciso de conforto.


No entanto, não disse nada. Sirius soltou-se de mim, afastando-se. Sem dizer palavra alguma, saiu do quarto.


Não fui atrás dele. Era melhor assim. Eu o havia feito prometer que não nos aproximaríamos mais, que tudo estava terminado, que não poderíamos ficar juntos até terminar tudo o que precisava. E em vez de ajudá-lo a cumprir esta promessa, eu fazia de tudo para nos fazer sofrer, forçando uma aproximação que não teria o resultado que gostaríamos.


Fiz, portanto, a única coisa que me cabia. Deitei-me na cama e chorei sozinha pela morte de Louise.


 


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NB: Merlin amado! Você matou a Louise. Ou melhor, a comensal matou... Mas foi você quem escreveu... Ah, deixa pra lá. To chocada. Mas sei que era necessário. Agora tenho que confessar que achei que o Sirius ia passar a noite com a Ari :P Você é muito má, sabia? Fazer o que, se eu te amo desse jeito... BEIJOSSSSSS
 


NA: Nesta fase da fic, com a guerra contra Voldemort atingindo seu apogeu, as mortes acontecem, mesmo. A de Louise foi necessária por alguns fatores que se mostrarão nos próximos capítulos.


Outra coisa que gostaria de dizer – embora ache que poucos lerão, mas anyway..rs – esta fic, se for seguir meus planos iniciais, ainda terão cerca de 10 capítulos até terminar. Sei que é muito, mas ela acabou se desenvolvendo mais do que eu previa – e queria. Vou tentar deixá-la o mais curta possível sem perder o fio da meada ou deixá-la corrida. Prometo.


Espero que tenham gostado.


Beijos.


Lívia.


 


 

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