Declaração




Capítulo 06


 


Declaração


 


Eu me debatia, ouvindo meu nome ainda ser sussurrado, vendo aqueles olhos sem sentimentos me encarando... Outra voz me chamou ao longe, uma voz conhecida, mas eu só queria gritar, me livrar daquele aperto, me esconder...


— Ariadne!


Acordei assustada, sentando em minha cama e empurrando Louise para longe como se eu ainda estivesse naquele sonho. Tudo ainda estava tão real em minha mente que eu pensei que minha amiga fosse aquele homem de olhos roxos que me segurava, me chamava...


— Ari... – Louise sentou perto de mim novamente, acariciando meu braço. – Foi só um pesadelo. Se acalme.


Encarei Louise. O seu tom preocupado e atencioso, em vez de me acalmar, desencadeou uma inexplicável vontade de chorar. E eu não suportava chorar na frente dos outros. Contudo não me segurei. E não me opus quando minha amiga me abraçou, ainda tentando me acalmar.


— Acalme-se. Quer que eu chame alguém? O Prof. Slughorn, Madame Pomfrey?


— Não. – Saí do abraço, passando as mãos no meu rosto para secar as lágrimas que ainda teimavam em cair. – Está tudo bem, Louise. Eu vou me acalmar. Foi só um pesadelo, como você disse.


Olhei para ela, tentando sorrir e falhando miseravelmente. Percebi que Zoe e Iana também me olhavam, curiosas. Pelos olhares daquelas duas, elas pareciam pensar que eu surtaria novamente e a qualquer momento. Fechei os olhos, lamentando minha reação ao pesadelo. Elas teriam muito assunto quando amanhecesse, espalhando para quem pudessem que Ariadne Lakerdos enlouquecia no meio da noite. Elas apenas não sabiam que não era a primeira vez que eu surtava dessa maneira por causa de um pesadelo.


— Você está bem?


Tentei sorrir novamente e consegui. Quando olhei para Louise, foi com segurança que respondi:


— Não muito, mas vou ficar – falei baixo, mas sabia que minhas outras companheiras de dormitório haviam ouvido. – Foi só um pesadelo, Louise. – Repetindo isso, eu queria convencer mais a mim mesma do que ela.


— Tem certeza?


— Tenho. Pode voltar a dormir.


— Tudo bem. Boa noite, Ari.


— Boa noite.


Louise ainda me olhou alguns segundos antes de voltar para sua cama. Já eu fechei o cortinado da minha, conseguindo ouvir um resmungo. Só não sabia se era de Zoe ou Iana.


Não consegui dormir. Além disso, tive que pegar minha varinha e conjurar uma parca luz. Aquela total escuridão brincava com minha mente, trazendo à minha frente os olhos roxos, o rosto pálido... Não sabia se era pior ficar no escuro ou fechar os olhos e tentar dormir, correndo o risco de sonhar com tudo aquilo novamente.


Virei-me de lado na cama. A luminosidade do feitiço começava a me deixar mais calma, permitindo que eu raciocinasse e percebesse que não eram apenas duas pessoas que estiveram no meu sonho, mas três. Havia um casal, homem e mulher lado a lado, os quais possuíam olhos vermelhos, além do homem de olhos roxos. Este último eu não fazia ideia de quem era. Já o casal, reconheci tão logo acordei.


O casal eram os meus pais.


Essa não fora a primeira vez que meus pais apareciam em meus sonhos; também sonhara com eles no verão passado. Um pesadelo que eu não conseguia esquecer e que me perturbava sempre a memória. Mas, diferentemente de hoje, eu não sonhara com a morte deles.


Aquele lugar em que eu estivera no meu sonho, por mais estranho que me parecesse, me fazia pensar no hotel francês onde meus pais foram assassinados. E era exatamente isso que me intrigava, pois eu mal tinha um ano quando o assassinato dos meus pais aconteceu. Além de ter a absoluta certeza de que nenhum hotel que se prezasse possuiria paredes de pedras escuras e arquitetura sombria. Porém eu sentira a morte naquele lugar, assim como vira meus pais.


Minha mãe continuava bonita como eu via em suas fotos espalhadas pela nossa casa, entretanto com um rosto mais pálido e olhos vermelhos – não castanhos. Os cabelos pretos de meu pai destacavam mais ainda sua palidez, embora ele tivesse a pele bronzeada quando vivo. E quando minha mãe me segurou em meus braços, forçando-me a encará-la, eu percebi pelo seu olhar que ela me queria ali com ela.


Estremeci com esse pensamento. Se minha mãe me queria ao lado dela, então eu teria que estar morta.


O que eu ainda não entendia nisso tudo eram os olhos vermelhos de meus pais e a presença de outra pessoa com olhos roxos. O que tudo isso indicava?


Revirei-me novamente na cama, encarando o teto. Dessa vez estava acordada por vontade própria, e não por medo. O medo que eu sentia em sonhar novamente com aquilo foi um ótimo repelente para o meu sono.


Não sei por quanto tempo fiquei acordada. O sol pareceu nascer rapidamente, uma vez que uma fraca iluminação tomou conta de meu quarto, tornando inútil meu feitiço. Obviamente essa claridade não era fornecida pelo sol, uma vez que a Casa de Slytherin ficava sob o lago. Era apenas um feitiço para acordar os alunos. Levantei-me rapidamente da cama e me troquei, não querendo ser alvo da preocupação de Louise mais uma vez.


Quando cheguei ao salão principal, ele estava praticamente vazio. Olhei para o prato de mingau que havia em minha frente e senti meu estômago se revirar. Comer estava fora de cogitação. Bebi apenas um pouco de suco de abóbora. Girei a taça em minhas mãos, distraída por minha mente não querer apagar aquele sonho que me atormentaria por muitos dias, como acontecera há algum tempo...


Quando sonhei com meus pais pela primeira vez, estava em casa, e deixara Arktos muito nervoso e agitado, um espelho de meus sentimentos. Meu irmão tivera de me dar uma poção para o sono sem sonhos. Fora por causa desse sonho que eu me sentia culpada pela morte dos meus pais; uma voz parecia gritar em meu subconsciente de que eu era a culpada pelas mortes, pois eles queriam apenas a mim quando nos atacaram na França. Eu repetira esse pensamento para Arktos, quase desesperada, quando tive o primeiro pesadelo. Claro que ele objetou, dizendo que não havia motivos para isso, uma vez que eu era um bebê na época. Entretanto eu notara o olhar mortiço que ele tentara disfarçar.


Ainda girando a taça de suco em minhas mãos, percebi que começava a chamar atenção de alguns alunos quando ouvi buchichos ao meu redor. Imediatamente saí do salão principal, não querendo ser alvo da curiosidade de alguém.


Quase trombei com Louise quando passava pela porta.


— Ari, eu estava te procurando! Como você está?


Ela estava tão preocupada que me enterneceu.


— Eu não vou surtar, Louise – falei simplesmente. – Foi só um sonho, pelo amor de Deus.


— É que o jeito como você se debatia quando tentei te acordar, e também quando você acordou...


Eu a olhei, um pouco irritada. Preocupação eu aceitava, mas o tom penalizado dela, como se eu fosse uma menininha frágil, fez minhas defesas se erguerem.


— Não fique falando nisso. Foi só um sonho idiota – frisei bem as palavras.


Louise me olhou por alguns segundos, antes de dizer:


— Se você diz – ela suspirou. – Só que o fato de você estar com olheiras horríveis te desmente. Mas não falo mais nada.


Droga. Claro que eu estaria com olheiras. Além de ter chorado, não dormi direito.


— Você viu o Paul? – perguntei, querendo mudar de assunto.


— Ele estava conversando com o Parkinson, quando o vi.


Droga de novo. Eu contava com o Paul para me distrair desses sonhos.


— Ah, seu primo perguntou de você.


— Severus? – me animei. – O que ele queria?


— Não sei. Ele perguntou, mas como eu não sabia onde você estava, ele me virou as costas e voltou para o dormitório dos garotos.


— Tudo bem. Já vou indo.


— Não quer me esperar? Termino em um minuto.


— Não, eu já vou. Quero tirar uma dúvida coma Profª. McGonagall antes de começarmos a aula. E também quero procurar o Severus.


Era mentira, ao menos a parte da dúvida. O que eu queria mesmo era sair da mira dos olhares questionadores. Pelo visto, Zoe e Iana já haviam começado a espalhar meu surto para quem pudessem. E o fato de eu estar com olheiras não ajudava muito a desmenti-las.


Quando consegui alcançar o segundo andar, entrei no banheiro que havia ali, aproveitando que ele era raramente usado. O que o deixava deserto era que havia o fantasma de uma garota que ninguém suportava. Murta parecia fazer questão de gemer em nossos ouvidos, queixando-se por ser um fantasma. Era um teste incrível de paciência.


Não a vi quando entrei no banheiro. Porém, quando me olhei no espelho e soltei um gemido involuntário ao verificar como estavam minhas olheiras, lá estava ela rindo às minhas costas.


— Apanhou de alguém, queridinha? – ela zombou.


— Claro...


Lancei meu olhar mais feio para Murta. Ela apenas deu mais uma risadinha e flutuou para ficar de frente para mim, observando.


Analisando minha figura no espelho, não era mesmo difícil pensar que eu apanhara. Abaixo dos meus olhos estava um arroxeado horrível, como se curasse de um hematoma há alguns dias. Quanto tempo eu ficara acordada? Achei que tivesse sido apenas uma hora, no máximo. Pelo visto fora mais tempo. Suspirei quando passei meus dedos sob os olhos. Olhei então para  Murta e dei um sorriso maldoso.


— Sabe, Murta? Pelo menos sou sólida o bastante para poder apanhar. Já você...


Pela expressão daquela fantasma, achei que eu fosse ser ofendida. Contudo, Murta apenas guinchou e se enfiou em um vaso sanitário, espalhando água para todos os lados


Assim que cheguei ao corredor da sala de Transfiguração, já havia alguns alunos esperando pela professora. Para meu desgosto, Zoe estava também. O sorriso malicioso que ela lançou me preveniu dois segundos antes de iniciar a provocação.


— E aí, Lakerdos, quer que chame seu irmãozinho para te consolar? – ela zombou.


— Não vá ficar chorando pelos cantos, hein, Lakerdos? – falou Evan Rosier. Sim, esse também me “amava”. Acho que eu ter azarado aquele infeliz em nosso quarto ano facilitou esse sentimento.


— Não há por que eu ficar chorando, Rosier, já que não tenho essa sua cara azeda – respondi sarcasticamente.


— Vamos, Lakerdos, conte para nós – rebateu Rabastan Lestrange, outro alienado às Artes das Trevas. – O que realmente faz você chorar?


— Olhar para essa sua cara logo cedo. Isso sim me faz querer chorar. É muita desgraça para um mundo só.


Embora tenha sorrido, ele não gostou da minha resposta. Talvez eles não me esperassem tão agressiva. Zoe deve ter contado tudo com detalhes.


— É só descobrirmos quem é esse tal de “mitéra”, Rabastan – falou Zoe. Eu a olhei, surpresa. – Se descobrirmos isso, saberemos o que a faz chorar. Ela gritou isso o tempo todo.


Então eu também havia chamado por minha mãe. Se eles descobrissem que mitéra era mãe em grego, eu estaria acabada. Eles nunca me deixariam em paz.


Antes que eu desse outra resposta, alguém apareceu ao meu lado.


— Acho melhor vocês cuidarem de suas vidas. – Era Severus. Ouvi-lo me fez sorrir, principalmente por ele estar enfretando seus amigos.


Há um ano, Severus andava para cima e para baixo com o grupinho de Evan Rosier, que também englobava Parkinson e outros três garotos slytherins que eu conhecia somente pelo sobrenome: Avery, Mulciber e Wilkes.


Por mais incrível que pudesse parecer, Severus foi obedecido, e logo aqueles imbecis começaram a conversar entre si, esquecendo-se de mim.


— Você sabe que não precisava ter feito isso, não sabe? – falei com um pequeno sorriso. Ao contrário de Black, Severus me defender era algo natural para mim.


— É que me meter em brigas alheias é algo que aprendi com você. Não pude evitar – ele respondeu com ironia. Contudo, qualquer simpatia que existia nele sumiu quando Paul parou ao nosso lado e colocou a mão em minha cintura. – Te vejo depois.


— Severus – o chamei, mas ele já entrava na sala de aula.


— Algum problema? – Paul perguntou.


— Não sei... Vamos entrar?


— Espere um pouco – ele disse, me impedindo de andar. Pela cara de Paul, imaginei que ele fosse perguntar como eu estava me sentindo.


— Eu estou bem – falei logo, não querendo mais olhares preocupados sobre mim. – Foi só um pesadelo bobo. Aquelas garotas que têm uma língua que não cabe na boca. Podemos entrar agora? – perguntei, sorrindo.


Paul respondeu ao meu sorriso.


— Que bom que foi apenas fofoca – ele falou enquanto tirava, desnecessariamente, uma mecha que estava em meu rosto. – Então eu posso fazer uma coisa sem parecer insensível.


Quando Paul me beijou, me permiti relaxar da angústia que sentia e retribui o beijo. Mas o cortei rapidamente.


Paul não questionou minhas olheiras. Também não questionou o fato de eu ficar quase o dia todo quieta, perdida em pensamentos. E quando Lily e Clair foram conversar comigo, querendo saber o quanto as fofocas de Zoe eram verdadeiras, ele não ficou por perto. Não consegui interpretar essas reações. Ele parecia me conhecer, levando em consideração o fato de não ficar perguntando sobre algo que me perturbava; ou simplesmente não prestava atenção em mim. Não sabia qual situação me aborrecia mais.


Assim que tive a última aula livre, falei para Paul que iria dar uma volta perto do lago, mas que iria sozinha. Ele não gostou muito, pois me disse que tinha planos de passarmos o resto da tarde juntos, porém eu não estava com cabeça para dar a atenção que ele queria.


Procurei um lugar mais afastado, escondida atrás de um carvalho que havia às margens do lago.


Passar um tempo sozinha sempre me fez bem. E ultimamente era o que eu sempre fazia quando percebia meu humor intragável. Severus me encontrou depois de um tempo. Ele se sentou ao meu lado, mas não disse nada. Meu primo, sim, me conhecia. E eu não me importava com isso. Muito pelo contrário: me sentia segura com Severus.


Sentei mais perto dele e apoiei minha cabeça em seu ombro; ele correspondeu meu gesto me abraçando. Ficamos assim durante um bom tempo, até que ele cortou o silêncio.


— Fiquei sabendo do que aconteceu à noite. Como você está?


Eu respirei fundo, continuando a olhar para o lago.


— Mais ou menos.


— Foi igual ao primeiro?


Senti-me incomodada com aquele interrogatório. Não que eu não quisesse conversar com Severus. Na verdade, aquela curiosidade preocupada que ele me dirigia era muito bem-vinda, pois de Severus eu não sentia necessidade de erguer meu muro protetor. A questão era que me lembrar do pesadelo me angustiava.


Respondi, mesmo assim.


— O lugar do sonho foi o mesmo. Mas não vi os flashes, sabe? – falei baixo, olhando para Severus. Ele entendeu o que quis dizer.


— E como foi esse?


— Mais perturbador. Só de lembrar...  – Eu desviei o olhar novamente para o lago, sentindo-me estremecer.


— Esses sonhos são muito estranhos.


— E você vem falar isso para mim? – retruquei com azedume, me levantando.


— Vai contar ao seu irmão?


— Não sei. Arktos ficaria muito preocupado, e ele já tem problemas demais no trabalho.


— E se você sonhar de novo?


Não respondi. Se eu chegasse a ter novamente esses pesadelos, acho que ficaria maluca.


Voltamos para o castelo, uma vez que eu ainda tinha que jantar para depois cumprir minha detenção. Eu pretendia cumpri-la sem maiores problemas, porém havia me esquecido de Sirius Black. Ele já estava esperando por Madame Pince, recostado em uma mesa e com os braços cruzados. Não demorei mais do que três segundos olhando-o. E se ele não fosse um filho da mãe idiota, eu até demoraria uns segundos mais.


Ah, que ótimo! Agora eu estava tendo pensamentos insanos sobre Sirius Black. Agora, sim, Zoe poderia me chamar de louca que eu não teria como responder-lhe à altura.


Black notou minha presença e sorriu para mim como se me ver ali fosse a melhor coisa de seu dia. Preferi começar a decorar os títulos que havia na prateleira à minha frente enquanto esperava por Madame Pince. Ela demorou quase dez minutos, e nesse meio tempo tive que utilizar todo meu autocontrole para não mandar o Black às favas por não parar de me encarar.


Seguimos a bibliotecária até o fundo da biblioteca, onde vários livros estavam aglomerados.


— Esses livros chegaram ontem, foram uma doação. Vocês terão que separá-los por tema e depois por autores em ordem alfabética. Não é um trabalho difícil, mas tomem cuidado com os livros. Não quero nenhum dano.


Ela virou-se para sair, mas pareceu lembrar-se de algo.


— Ah, sim, suas varinhas.


Madame Pince ergueu a mão em nossa direção e eu quase não consegui segurar meu riso. Eu nunca havia me separado de minha varinha, e com certeza não faria isso agora. Black livrou-se da dele sem se importar.


— Srta. Lakerdos?


— Não precisa pegar minha varinha para ter certeza que não usarei magia, Madame Pince – falei, dando de ombros. Como resposta, ela esticou mais a mão, ao que eu bufei, exasperada. Black riu atrás de mim. – Não se confia mais em ninguém, ultimamente? – retorqui, entregando minha varinha.


Quando ela nos deixou, fui logo começando meu trabalho. Nem sequer olhei para o Black.  Eu estava determinada a ignorá-lo a noite toda, porém me pareceu impossível depois de um tempo, quando percebi que ele parecia determinado a me encarar. Seus olhares me irritavam. E me constrangiam.


Ele estava fazendo justamente o que me prometera no dia anterior: me observando.


Coloquei pesadamente um livro particularmente grosso na mesa, fazendo certo barulho. Ouvi um “xi” de Madame Pince chegar até nós ao mesmo tempo que o Black ria da minha reação.


— Você tem algum problema? – perguntei, encarando-o. Não falei mais alto que um sussurro para que a bibliotecária não ralhasse comigo novamente.


— Nenhum – Black me respondeu, sorrindo, como se minha pergunta e irritação fossem as coisas mais frívolas do mundo.


— Então eu devo estar realmente estranha, já que você não para de me encarar – retorqui, cruzando os braços e tentando parecer ameaçadora.


— Você não está estranha – ele falou, dando de ombros e ainda sorrindo. Parecia achar graça da minha reação enquanto procurava o local certo para colocar o livro que ele tinha nas mãos. – Não que você seja normal, também.


— Não sei por que dou assunto para você – resmunguei, voltando ao trabalho.


— Ou talvez saiba.


— Pois é... Talvez eu tenha surtado de vez.


Ele não falou nada. Estranhando, olhei para Black disfarçadamente e o vi me olhando, parecendo curioso. Depois ele voltou sua atenção para os livros. Nosso silêncio durou apenas o tempo necessário para eu ter falsas esperanças de que Black não me perturbaria mais.


— Me responda uma coisa. Qual foi realmente o problema por eu ter defendido você, ontem?


— Como é? – Eu estava de queixo caído pela pergunta dele.


— Ontem, na sala do Donne, eu te defendi e você...


— Sim, eu sei do que você está falando – o interrompi. – Acho que te expliquei o bastante ontem, não?


— Não, você gritou comigo. O que foi bem grosseiro, vale ressaltar. Mas a questão é que eu pensei que você não gostasse de ser defendida, só que não é assim. O problema foi eu ter te defendido. Por que você foi tão agressiva comigo, sendo que eu nunca fiz nada a você?


— Você quer mesmo saber? – perguntei, querendo rir. A pergunta dele fora tão óbvia que chegava a ser ridícula.


— Se não quisesse, não teria perguntado, não acha? – ele falou, simplesmente. Dei de ombros.


— Tudo bem. – Coloquei um livro sobre Feitiços na pilha certa antes de continuar. – Ante de tudo, você é um idiota. Vive procurando problemas, se exibindo como se fosse a pessoa mais importante do mundo. Mas isso não é o mais importante.


— Ah, não? E o que é mais importante, além dessas ofensas? – ele perguntou com sarcasmo.


Eu o encarei.


— Você e o imbecil do Potter ficarem humilhando meu primo sem motivo algum.


— Isso é o que você acha.


— Isso é o que acontece, Black. Se o que você faz ao Severus não é o suficiente para eu não te suportar, nem querer coisa alguma que venha de você, mesmo que seja uma defesa, então não sei em qual mundo você vive.


Ficamos em silêncio novamente, trabalhando. Black parara de sorrir e de me olhar, o que eu agradeci. Essa reação fez com que o trabalho fluísse mais rapidamente, e, à medida que a biblioteca se esvaziava, empilhávamos os livros por ordem de autores como fôramos instruídos. Somente quando organizávamos a última pilha, juntos, que ele falou de novo.


— Eu me importo com você.


Eu estaquei.


— O quê?


— Isso mesmo que você ouviu – ele falou, indiferente. Pegou o livro das minhas mãos e colocou onde deveria.


— Como assim? Por quê? – Eu queria ter dado uma resposta mais coerente e arrogante, mas eu realmente havia ficado surpresa.


— Porque sim. Foi por isso que disse aquelas coisas ao Prof. Donne e perguntei à Evans como você estava.


— O que você perguntou à Lily? – falei devagar. Eu confiava em minha amiga, só que mesmo assim não consegui deixar de sentir certo receio.


— Por que você estava tão abatida, hoje cedo.


— E o que ela disse?


— Para perguntar a você.


Respirei aliviada. Nem reparara que havia prendido a respiração.


— E então? – Black me perguntou, olhando-me seriamente.


— Então o quê? – essa conversa estava me deixando maluca. Não estava entendendo mais nada. E me lembrar do pesadelo só me deixava mais nervosa.


— O que você tinha hoje cedo que obrigou o Ranhoso a te defender?


Eu ainda estava disposta a mandar o Black às favas de maneira educada, mas ouvi-lo chamar meu primo daquela maneira me tirou do sério.


— O que acontece comigo, Black, é problema único e exclusivamente meu. Cuide da sua vida e me deixe em paz!


— Então aconteceu algo – ele falou, franzindo o cenho.


— E se aconteceu? Eu não vou lhe dizer o que foi!


— Eu nunca vi você daquela maneira – ele falou, dando de ombros. – O pesadelo deve ter sido horrível.


— Dá para você parar com isso? – explodi, vendo mais uma vez a imagem de meus pais com olhos vermelhos à minha frente, a voz sem sentimentos me chamando, os olhos roxos me encarando friamente...


— OK, vocês dois, já chega! – Madame Pince havia voltado e seu surto fez com que minha razão retornasse.


— Já estamos terminando – consegui responder, finalizando a última pilha.


— Sim, estou vendo como vocês estão acabando com meus livros – ela resmungou. – Deixem que agora eu termino, vão para suas Casas.


Eu não discuti. Praticamente arranquei minha varinha das mãos de Madame Pince e saí dali. Andei o mais rápido que consegui, minha irritação transformando-se em frustração.


Por que aquele Black imbecil fizera eu me lembrar de meus pais? O que ele queria? Me deixar pior do que eu estivera de manhã? Mais magoada e apreensiva de que esses pesadelos voltassem a me atormentar?


— Idiota – disse entre os dentes.


— Ariadne!


— Vá para o inferno, Sirius Black! – gritei de volta sem me virar.


— Talvez eu vá, mas não hoje.


— E por que não? Poderia fazer esse favor à humanidade.


Senti Black me segurando pelo braço, forçando-me a ficar parada. Livrei-me dele com um safanão, encarando-o.


— O que você quer, pelo amor de Deus?!


— Minha varinha – ele disse com o rosto sério e me estendendo a mão.


Eu olhei para minha mão e notei que a varinha que eu havia pegado com Madame Pince não era a minha. Xinguei alto e troquei as varinhas de uma maneira um tanto grosseira. Intentei ir embora, mas ele me segurou novamente.


— Black, honestamente, não estou com paciência hoje.


— Eu sei. Olha, eu não te perguntei aquelas coisas para te aborrecer ou te magoar. Eu só... – Ele me soltou, parecendo sem graça. – Sei lá, fiquei curioso, ou preocupado. Nunca havia te visto daquela maneira, tão abatida.


Aquilo tudo parecia um absurdo para mim. E era tão estranho que não conseguia mais sentir a irritação de antes. Era mais descrença pelo que estava ouvindo naquele momento.


— Escuta, Black, eu não preciso que você se preocupe comigo, ’tá legal? Já tenho gente o bastante para esse cargo, com meu irmão encabeçando a lista. Não preciso de mais um.


— E quem disse que eu tenho a intenção de ser mais  um? Minha intenção é totalmente diferente. E vou te provar isso, Ariadne.


Fiz uma careta ao ouvir meu nome.


— Que seja. Boa noite, Black.


Dessa vez ele não me segurou, o que me deixou aliviada.


Quando cheguei ao meu salão comunal, Paul me esperava. Por mais que eu não sentisse o mesmo que ele sentia por mim, era reconfortante ter Paul por perto. Às vezes a maneira com que ele se portava comigo, preocupado, me aborrecia, mas eu não poderia negar que também me sentia contente. Gostava da atenção que ele destinava para mim. Eu sorri quando o vi.


— Pelo visto a detenção não foi tão ruim assim – ele falou, levantando-se do sofá.


Minha expressão se fechou instantaneamente e eu me joguei no sofá, sem cumprimentá-lo.


— Pergunta errada? – ele me perguntou um pouco inseguro.


— Não é isso. A detenção não foi o problema, só tive que organizar alguns livros. A companhia é que foi o problema.


Paul ergueu as sobrancelhas diante de minha irritação, depois fez uma careta.


— O que o Black fez?


— Foi ele mesmo. Um completo idiota que queria se meter em minha vida. Talvez a dele esteja muito infeliz.


— Como assim?


Eu suspirei, recostando-me cansada.


— Nem eu entendi direito. Ele primeiro ficou me olhando feito um idiota, depois me perguntou se o pesadelo que eu tive era verdade, se foi realmente tudo o que a Zoe ficou espalhando... Depois quis dar um de amigo... Eu realmente não o entendi.


Ouvi Paul resmungar.


— Eu percebi o Black te encarando, hoje. Não sabia que ele se preocupava tanto com você.


— Ele não se preocupa – zombei, olhando Paul. — Ele só quer encher minha paciência como faz com meu primo. Mas se Lily contar alguma coisa a ele...


— Lily?


— Lily Evans.


— O que ela contaria a ele?


Abri a boca para responder, mas o interrogatório de Paul começava a me aborrecer. Ele mais parecia um namorado ciumento. Sério demais, para mim.


— Não faço a mínima ideia, se quer saber. Lily não sabe nada de minha vida que seja interessante ao Black, disso eu tenho certeza. E ficar falando dele está me aborrecendo, também. – Sorri para Paul e me virei para ficarmos frente a frente. — Achei que você tivesse me esperado por outro motivo.


Ele também sorriu para mim.


— É que você começou a falar e...


— E você deveria ter me interrompido – retorqui sorrindo, maliciosa.


— E como eu deveria ter feito isso? Você se importa em me dizer?


— Se você não sabe como – falei fingindo decepção –, então acho que eu deveria ir para o meu quarto e dormir. Boa noite, Paul.


Antes que eu me levantasse, Paul já me segurava pela nuca e deixava seus lábios a milímetros do meu.


— Eu sei muito bem como te interromper, Ariadne – ele falou, enlaçando minha cintura. — É que, às vezes, quando você começa a falar, é difícil impor minha vontade, sabe?


— Você diz como se eu fosse uma pessoa difícil.


— Fácil você não é.


E antes que eu fizesse algum comentário prepotente, Paul me beijou. Eu gostava quando ele me beijava. Fazia com que eu não me importasse mais com meus problemas do dia-a-dia. Os aborrecimentos de Louise sobre minha relação com ele eram esquecidos, os olhares que alguns me lançavam por saberem do meu pesadelo ou simplesmente por não gostarem muito de mim, o fato de ter metros de pergaminho me esperando para finalizar um trabalho de Feitiços e outro de Poções...


Senti a mão de Paul descer pelo meu braço e passar levemente onde eu não queria naquele momento. Empurrei-o um pouco.


— Mais devagar, sim?


— É um pouco difícil me segurar. – Ele encostou sua testa na minha e apertou minha cintura com a mão que abandonara minha nuca.


— Faça o possível, se não quiser que eu te lance uma azaração – falei em tom de riso, mas ele entendeu o recado.


— Justo – ele concordou para depois voltar a me beijar.


Os beijos dele deixavam meu corpo cada vez mais quente, querendo algo mais, porém eu não queria que esse “algo mais” fosse com Paul em cima do sofá do salão comunal. Na verdade, quando as coisas esquentavam entre nós, eu nem sabia por que me permitia esquentar com Paul. Eu realmente gostava quando ele me beijava daquela maneira que parecia que somente eu existia em sua vida, somente eu era importante. Contudo, algumas vezes eu sentia algo estranho, como se estivesse fazendo algo errado. Um sentimento de culpa.


Eu o afastei novamente.


— Paul, acho melhor eu ir dormir – falei ofegante.


— Não... – ele retorquiu molemente, beijando meu pescoço. — Vamos ficar aqui só mais um pouco, hum? Não está bom?


— Está sim. Mas já está tarde.


— Ari – ele falou, me encarando. Algo em mim não gostou dele me chamando pelo apelido. — Não tem ninguém aqui, e com certeza ninguém entrará nesse salão comunal. A gente nunca consegue se curtir direito.


— É que estamos nos conhecendo, Paul – falei, óbvia. — Eu não vou sair por aí me agarrando com você, fazendo tudo o que tenho ou não direito, logo no começo.


— Eu sei que nós não combinamos nada, a não ser nos conhecermos melhor, Ariadne. Mas eu não sinto que essas semanas foram pouca coisa. Eu percebi que – ele hesitou, desviando o olhar.


— Paul – eu comecei, tentando dizer a ele que aquele não era o momento de conversarmos; que eu não estava a fim de ter aquela conversa.


Todavia ele não me deu atenção. Usando toda a dignidade que possuía, ele se afastou de mim e me encarou.


— Eu percebi que gosto de você. De verdade. Que me importo com você, que não quero ficar apenas te conhecendo. Quero andar com você de mãos dadas pelo colégio, sentar com você no jardim, beijar você quando sentir vontade e em qualquer lugar. Partilhar seus problemas e tentar te ajudar. Não quero ser só mais um em sua vida, Ariadne, quero ser alguém que você pode contar, alguém importante.


Eu mordi meu lábio, nervosa. Paul se declarar para mim já era esperado – Louise bem me advertira anteriormente. No entanto, o discurso dele me fez lembrar o que Black dissera durante e após a detenção: que ele se importava comigo e não queria ser mais um em minha vida. Havia naqueles dois discursos alguma coisa em comum? Não, não poderia, pois seria absurdo! Idiotice. Uma coisa totalmente sem nexo! Paul era apaixonado por mim, já Sirius Black era um total imbecil.


— Estou apressando as coisas, não estou? – Paul perguntou, compreendendo erroneamente meu silêncio.


— Não é isso, Paul, é que... – Eu respirei fundo. Ele merecia uma resposta sincera de minha parte, mas também não queria magoá-lo. — Olha, essas semanas também não foram pouca coisa para mim. A questão é que eu não sei o que pensar sobre nós, ainda. Para você, nós não estamos nos apressando, mas para mim... Eu não quero te magoar, Paul.


Paul deu um sorriso derrotado.


— Certo. Prometo não apressar as coisas para você.


— Obrigada.


Somente depois eu percebi que meu agradecimento só o deixou mais triste. Porém também fiquei aliviada por ele perceber que eu não sentia o mesmo por ele. Eu não estava sendo egoísta, estava apenas sendo sincera.


— Acho melhor irmos dormir, não acha? Amanhã conversamos.


— É melhor – eu sorri.


Ele me levou até a bifurcação que dividia os corredores em direção aos nossos dormitórios.


— Boa noite, Ariadne.


— Boa noite.


Despedimo-nos então com um beijo. Minha cabeça pipocando com nossa conversa e pensamentos insanos. Custei dormir àquela noite.


 
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N/B: Show!!! Eu estava com saudades dessa história, mas dessa vez consegui reservar um tempo só para ela. Liv, você foi, no mínimo, primorosa em cada detalhe desse capítulo. Parabéns. Não vejo a hora da Ariadne perceber o que está bem à frente dela!!! Bjsssssssssss.


 


N/A: Embora eu esteja sempre escrevendo essa fic (os dois próximos capítulos já estão estão no caderno), ela sempre me dá um sorriso no rosto quando escrevo. E agora, ao ler esse comentário da minha Betona Pri, só faz com que eu goste ainda mais! E aumentar meu ego daquele jeito! Afinal, receber um elogio desses de alguém que eu AMO “ler” é incrível.


Obrigada por ter reservado um tempo para mim e para a Ari, amore!


Beijos pra você!


E um especial para a Kelly, que sempre me auxilia!


Sem mais...


Até o próximo.


Livinha.

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