Fatos



Capítulo 04


 


Fatos


 


No dia seguinte foi Louise quem me acordou.


— Ariadne, acorde! E ande logo, senão perderá a carruagem para Hogsmeade.


— O quê? – perguntei sonolenta, sentando-me na cama. — Que horas são?


— Hora de acordar, queridinha. A não ser que você tenha se arrependido de sair com Paul – Louise falou, sorrindo em escarninho.


Arregalei os olhos, despertando de uma vez. Atrasar-me era uma coisa fora de cogitação em qualquer situação; perder a carruagem para Hogsmeade seria um total desperdício de domingo.


— Por que você não me chamou antes? – perguntei enquanto me levantava e ia até meu malão.


— Eu me enrolei toda no banheiro, e quando voltei, você ainda dormia. Quer que eu te espere?


Louise usava um espelho de mão para ajeitar os cabelos. Ela já estava praticamente pronta.


— Estou tão atrasada assim? – perguntei com uma careta.


— Depende – Louise deu de ombros. – Se você conseguir se arrumar em uma hora, temos todo o tempo de mundo.


Mordi o interior de minha boca, engolindo uma resposta sarcástica. Sorri e virei meu rosto para meu malão a fim de Louise não notar que a resposta dela havia me acalmado. Era óbvio que eu conseguiria ficar pronta em menos de uma hora. Somente Louise necessitava de três horas para se arrumar.


— Você quem sabe, Lu. A carruagem, eu não vou perder – falei, olhando-a.


— Vou te esperar, então. – Louise sentou-se em sua cama e seus olhos desceram para minhas mãos revirando minhas roupas.


— Tem certeza? – retorqui.


— A-ham.


Dei de ombros e voltei para meu malão, retirando algumas peças. Não estava gostando do que havia ali; precisava renovar minhas roupas.


— Você não vai usar isso, vai? – Eu literalmente pulei quando Louise praticamente gritou em meu ouvido, ultrajada.


— Não precisa me assustar, sua maluca! – Olhei-a, ofendida. – E o que tem demais com minhas roupas?


— O “demais”. Velhas demais, sem-moda demais. Quando foi a última vez que você fez compras, Ariadne?


Fazia quase um ano e meio que eu não comprava nada. Nem uma blusa. Porém não disse isso para Louise. Queria poupar meus ouvidos e também a sensibilidade dela em moda.


— Louise, por que você não sobe para o salão principal e me deixa em paz? – Cruzei meus braços, encarando-a ainda ofendida. – Eu conseguirei arrumar uma roupa digna para você não passar vergonha.


— Ah, é você quem passará vergonha se aparecer na frente do Paul dessa maneira. E garanto que ele também se sentirá envergonhado.


— Oh, agora sim estou preocupada. O que Paul pensará? Oh, Merlin, me ajude! - Louise não gostou nada do meu sarcasmo.


— Merlin não pode te ajudar, Ari, está a sete palmos de terra.


— Há quem diga outras histórias, sabia?


— Mas eu posso te ajudar. Se bem que com esse monte de roupas pretas, não sei como ainda não te batizaram de mortalha – Louise ignorou meu comentário, tratando ela mesma de revirar minhas roupas. – Às vezes não sei por que me preocupo tanto com você.


Percebi que este último comentário de minha amiga foi para ela mesma e não para mim. No entanto não consegui segurar uma resposta.


— Eu sou irresistível. Todos me amam. – E Louise também me adorava. Sorri quando a vi revirar os olhos.


— Sabe, Ari, às vezes você me lembra o... Ah, achei! Vista isso. Eu adoro essa blusa.


— “O” quem? – perguntei enquanto segurava uma blusa verde e o casaco preto com detalhes em verde e marrom que Arktos me dera de Natal. Louise já havia jogado uma calça preta em minha cama.


— Nada. Não quero estragar seu humor. Agora vá se arrumar, pois eu vou subir. Ainda quero comer alguma coisa.


Demorei mais que o normal para me arrumar. Tive que me olhar três vezes no espelho antes de aprovar o rabo de cavalo preso fortemente e o batom claro. Fazia um bom tempo que eu não saía com ninguém, e não sabia se me arrumava como todas as garotas que eu via em Hogsmeade ou me mantinha como eu realmente era. Preferi optar por ser eu mesma. Não achava que Paul – ou qualquer outro garoto – merecesse uma mudança de minha parte.


De qualquer maneira, antes de sair do quarto soltei meu cabelo.


Quando cheguei ao salão principal, Louise estava saindo.


— Quer que te espere?


— Não precisa. Combinei de me encontrar com a Lily. – Olhei para dentro do salão e vi a cabeça ruiva de minha amiga gryffindor. Ela ainda estava tomando o café da manhã. – Pode ir aproveitar seu domingo com Etan.


— E é exatamente isso que vou fazer. Nos vemos lá.


Sorri ao ver Louise tão animada.


Não demorou muito para Lily estar ao meu lado; eu havia acabado de comer um pedaço de bolo.


— Terminou?


— De começar – respondi. – Espera eu comer mais um pedaço? – perguntei enquanto me servia.


— Se você não se enrolar... Não quero me atrasar.


— Sem problemas.


Comi rapidamente o segundo pedaço de bolo e bebi toda a taça de suco. Em dois minutos estava de pé.


— Também não precisava comer igual a um trasgo – zombou Lily, ao que eu respondi com uma careta.


— Escuta – falei, reparando na roupa que ela usava –, por que você está tão arrumada, hoje?


— Quis me arrumar melhor, hoje, só isso. – As bochechas de Lily coraram levemente quando ela me respondeu.


— A quem você quer impressionar, Lily? – retorqui.


— Ninguém.


— Você sabe que eu vou descobrir, não sabe?


— Você não vai descobrir coisa alguma, pois não há nada para ser descoberto.


— Sei... E quem você está procurando?


— Alice. Ela disse que seguraria uma carruagem para nós.


— Alice Hopkins? Aquela logo ali? – Eu apontei para uma garota de cabelos lisos e escuros. Não era difícil de reconhecer a amiga de Lily de rosto redondo depois que você fosse apresentada a ela. Alice era uma pessoa legal e de vez em quando estudava comigo, Lily e Clair na biblioteca. Ela era muito boa em feitiços.


Nós nos cumprimentamos assim que alcançamos a carruagem.


— Onde está Frank? – Lily perguntou. Frank Longbottom era amigo de Alice, porém também sabíamos que ela gostava dele mais do que como amigo.


— Já está vindo. Teve problemas com um aluno do terceiro ano que estava sem autorização para ir ao vilarejo.


— E você me apressando, não deixando eu sequer comer devagar – alfinetei Lily.


— Você comeria igual a um trasgo de qualquer maneira.


— Ei! – ofendi-me. – Eu não como igual a um trasgo.


Ela riu.


— Vamos esperar dentro da carruagem? – Alice sugeriu.


Lily e eu concordamos, entrando na carruagem junto de Alice.


Não esperamos muito tempo, pois logo Frank se juntava a nós. Contudo, tanto ele quanto Alice pareciam nervosos. Olhei para Lily, mas ela devolveu o mesmo olhar questionador para mim. De imediato, eu pensei que o nervosismo dos amigos de Lily se devesse ao fato de eles se gostarem. Isso era mais que óbvio, e eu ainda não entendia como nenhum deles dava o primeiro passo para iniciarem logo um namoro.


Quando eu ia perguntar o que estava acontecendo, Lily soltou um muxoxo ao meu lado. Eu logo vi o que a estava incomodando e deixando seus amigos ansiosos.


— Oi, pessoal. Obrigado por esperar.


— E quem estava te esperando, Potter? – Lily perguntou, aborrecida, quando ele sentou-se ao lado dela.


— Frank. – James Potter indicou o amigo com o polegar.


Aquela entrada também me aborreceu. Que eu não gostava do Potter, isso era certo, mas a entrada dele na carruagem me fez prever que outra pessoa também entraria: seu irmão siamês, Sirius Black. Porém, a porta da carruagem foi fechada e ela logo saía do castelo. Soltei um suspiro de alívio. Somente um para atuarmos na viagem.


Preferi encarar a paisagem do lado de fora – que não era lá aquelas coisas –, mas ao menos não olhava para aquele garoto implicante. Não dei muita atenção para a conversa que Potter tentava ter com Lily e nem na troca de olhares nervosos de Frank e Alice – quanto a esses dois, seria melhor cuidar de suas próprias vidas, na próxima vez.


Embora tentasse me abster da conversa de Lily e Potter, mesmo achando engraçada as resposta que minha amiga dava, não consegui ficar quieta por muito tempo. Às vezes era cansativo tê-los no mesmo lugar. Imagine tê-los num lugar pequeno como uma carruagem?


— Ei, Lily – chamei-a para ver se ao menos assim a ajudava com o garoto e, de quebra, dava uma trégua aos meus ouvidos.


— Que foi, Ari?


Segurei um riso quando percebi o alívio desesperado na voz dela.


— Você precisa comprar alguma coisa hoje? – Eu sabia muito bem do que ela precisava, pois na noite anterior a ajudei com uma pequena lista (não era apenas a tinta que faltava no estoque de minha amiga).


Com essa pergunta, dei uma desculpa para Lily dirigir-se a mim, praticamente ficando de costas para Potter. E ele viu meu divertimento com a carranca dele.


Quando finalmente chegamos a Hogsmeade, comecei a caminhar com Lily ao meu lado e Alice do lado dela. Frank e Potter estavam bem atrás de nós.


— De quem foi a maravilhosa ideia? – Lily falou tão baixo com Alice, que sua voz irritada pareceu um rosnado. Eu apenas escutei por estar do lado.


Curiosa, olhei para Alice, mas já desconfiava da resposta quando vi suas bochechas corarem levemente.


— James soube que Frank e eu viríamos com vocês – ela disse. – Ele insistiu de uma maneira que não consegui dizer não. E o Frank também apoiou, então achei que não teria problemas.


— Muito obrigada pela consideração, Alice – Lily resmungou.


Vi Alice rolar os olhos. Eu sinceramente não entendia esse apoio que ela dava para o Potter. E essa era uma característica dela que me irritava.


— Ele gosta de você, Lily. De verdade.


A voz de Alice cortou o nosso silêncio, que foi transferido para os garotos atrás de nós. Ela falara um pouco mais alto do que Lily gostaria, que a censurou com o olhar. Olhei para trás e vi o sorriso arrogante do Potter. Idiota.


— Ele gosta – Alice falou mais baixo –, você  aceitando ou não esse sentimento.


— O que ele gosta é de me irritar e testar a si mesmo.


— Concordo plenamente com Lily – falei, mas não tão alto. Não me importava com os sentimentos do Potter, só não queria iniciar uma discussão naquele momento.


— Você não está no salão comunal de Gryffindor como eu estou, Ariadne – Alice falou simplesmente. – E muito menos conversa com James como eu converso. Eu o conheço há muito mais tempo que vocês, nossos pais são amigos. O único problema do James é que ele foi muito mimado, e isso acabou moldando a personalidade dele.


— Alice, por favor. – Ela não gostou do meu tom escarnecedor. – Ele é um idiota, presunçoso e covarde.


— Não nego que o James seja idiota às vezes e também presunçoso. Mas covarde ele não é. Se fosse, não estaria na Gryffindor.


— E como você chama o que ele faz com meu primo? – irritei-me. Por que ela o defendia tanto? – Cavalheirismo? Outra maravilhosa qualidade de Godric Gryffindor.


— Eu chamo de idiotice adolescente.


— Pois eu chamo de covardia. Ele e o Black se merecem nesse quesito. E pessoas assim não merecem crédito. Por isso a Lily não quer nada com ele.


— Vamos parar com isso, sim? – Lily aborreceu-se. – Não vamos discutir por causa dele.


Mas ele já estava ao meu lado.


— E que tipo de pessoa merece crédito, então, Lakerdos?


— Não vem ao caso. O assunto já está terminado, Potter. – Eu realmente não queria brigar, pois se o fizesse, não seria uma boa companhia para Paul, o que estragaria meu domingo.


— Certo... – Potter levou o dedo aos lábios, como se estivesse organizando um raciocínio. – Sendo assim, uma pessoa arrogante por natureza, autossuficiente por um motivo que só Deus sabe e prima de um estrupício coberto de artes das trevas até as raízes oleosas dos cabelos também não merece crédito, não acha?


Eu parei de andar e me virei irritada, encarando Potter. Aquele tom de dúvida, como se sua questão fosse algo discutível em sala de aula, parecia que estragaria meus planos de não-briga.


— Escute aqui, Potter...


— Escute você, Lakerdos – ele me cortou. De todas as nossas discussões, essa era a primeira vez que ele parecia verdadeiramente irritado. – Não ligo que você não gosta de mim, pois também não sou seu maior fã. Mas eu apreciaria muito se você parasse de tentar interferir na minha vida.


— Não estou interferindo em nada, só dizendo a Lily o que penso de você. O que, cá entre nós, é a mesma coisa que ela pensa.


Potter lançou um olhar para Lily. Não sei como minha amiga reagiu àquele olhar. Eu, com certeza, não daria a mínima. Ela já me confessara que achava Potter arrogante, idiota e presunçoso, e até dissera a ele em suas várias discussões nos corredores de Hogwarts. Que novidade havia ali?


Ele então voltou a me encarar.


— A Lily é capaz de pensar por si mesma, Lakerdos, e não precisa de uma cobra se enrolando em seu pescoço e ciciando em seu ouvido como se fosse sua consciência.


— Pensei que essa fosse a obrigação dos amigos. Abrir os olhos de quem gostamos sobre pessoas que não merecem consideração.


— Sendo assim, por que você continua amiga da Lily? Deveria manter-se à distância, não acha?


Senti ganas de socar aquela cara idiota, principalmente ao ver o sorriso que encheu a cara do Potter por eu ter ficado momentaneamente sem resposta. Como eu disse, eu nunca o vira tão irritado e agressivo comigo. Eu era a mais agressiva em nossas discussões, uma vez que o assunto era sempre o meu primo.


Antes que eu conseguisse responder à altura, nossos amigos resolveram intervir.


— Isso está ficando ridículo – Frank falou, ficando entre nós dois. Seu instinto de monitor finalmente havia entrado em ação.


— Chega de baixarias por hoje, não? – Alice completou.


— Tem razão, Alice. – Potter sorriu para ela; toda a irritação que ele havia dirigido a mim sumiu completamente de suas feições e voz. – Vamos procurar por Sirius, Frank? Combinei de encontrá-lo na Zonko’s. Te vejo depois, Lily. – Ele piscou para Lily e saiu de perto de nós com Frank ao seu lado.


Eu bufei. Como permiti que ele desse a última palavra? Nem percebi que dera um passo na direção de Potter quando senti a mão firme de Lily em meu braço.


— O quê?


— Eu sei que você não gosta do Potter, Ari, mas isso? Vocês pareciam dois moleques!


— Eu estou engasgada com o Potter há um bom tempo, Lily! – respondi, livrando-me dela. – Por mais que eu tente, dizendo que minha reação é irracional, o jeito que ele trata Severus me enfurece! O meu primo nunca fez nada a ele. A todos eles! E o jeito que eles o tratam...


— Então você vai ter uma discussão com o Potter e o Sirius sempre que o virem? Por favor!


— Olha só quem fala! – falei ultrajada. – Você vive discutindo com o Potter, só porque ele te chama para sair. Me poupe, Lily.


— Ari, francamente – ela suspirou, parecendo cansada daquela discussão. Eu também não estava gostando de brigar com minha melhor amiga. – Essa briga que você tem com eles não vai levar a nada, só a mais discussões e dores de cabeça. Deixe que seu primo se entenda com o Potter e o Sirius.


— Tudo bem, Lily. Pode defendê-los. Pelo visto você está ficando amiguinha do Sirius, não é? Normal querer protegê-lo.


— Deixe de ser boba!


— Vou deixar.


Com isso, comecei a andar apressadamente, indo na direção contrária a que Frank havia ido com aquele idiota. Ouvi Lily me chamar, mas ela não me seguiu. Olhei para trás e vi Alice a segurando. Intimamente a agradeci.


Eu sempre me arrependia das discussões que tinha com Lily. Ambas tínhamos personalidade forte, mas era sempre eu quem perdia a razão. Arktos já me dissera que eu seria uma criança mimada eternamente, e nesses momentos eu entendia o que ele queria dizer. Embora não concordasse que defender meus interesses fosse ser mimada.


Fiquei andando pelo povoado até me acalmar. Se eu chegasse ao encontro com Paul parecendo um hipogrifo ensandecido, o coitado sairia correndo. Eu era uma companhia horrível quando irritada. Mas Hogsmeade era um povoado pequeno, e logo eu alcançava o bosque que havia no limite daquele lugar.


Meus olhos se perderam por um momento, não olhando lugar algum especificamente. Percebi que minha irritação já havia passado e no lugar dela havia culpa. Era sempre assim. Sempre que eu discutia com alguém que eu gostava, terminava dessa maneira. Mesmo respirando fundo, tentando me controlar, minha paciência acabava rapidamente. Eu era tão diferente de Arktos...


Suspirei e virei-me para ir ao Três Vassouras. Se eu chegasse mais cedo no encontro, teria tempo para me desculpar com Lily. No entanto, me assustei quando me deparei com Paul me olhando.


— Desculpe, não quis te assustar – ele se desculpou e começou a caminhar em minha direção. Paul tinha um sorriso levemente sem graça, como se fosse uma criança pega em uma traquinagem.


Eu também me sentia assim.


— Há quanto tempo você está aqui? – perguntei.


— Há... Você quer a resposta verdadeira ou uma que te deixe aliviada? – O sorriso de Paul foi genuíno dessa vez; ele riu quando o respondi com uma careta desgostosa. – Não precisa ficar com vergonha, Ariadne. Todos temos nossos momentos de “quero que o mundo inteiro se exploda”.


Eu ri.


— Mas comigo isso parece acontecer com mais frequência – falei, encarando-o. Mesmo não gostando de ser observada sem meu escudo de indiferença, senti que podia confiar em Paul. E também essa situação não precisava ser o fim do mundo. – Além disso, não era bem o mundo que eu queria que se explodisse. Não gosto de desperdícios.


— Claro – Paul sorriu. – Vamos dar uma volta?


Respondi apenas acenando com a cabeça.


Enfiei minhas mãos nos bolsos do meu casaco. Não que estivesse frio – na verdade estava começando a esquentar –, mas eu não sabia direito como agir e também não queria sentir minhas mãos estranhamente pesadas ao lado do meu corpo. Como minhas amigas bem me lembraram, eu não saía com um garoto há pouco mais de um ano, e Paul era o terceiro com quem eu saía. Eu não fazia o tipo de garota que recebia vários convites para sair, essa qualidade cabia mais em Louise. Eu era a garota facilmente irritável e que transparecia autossuficiência (como o idiota do Potter bem me alfinetara); essas qualidades eram ótimos repelentes para encontros.


Tudo isso me deixava um pouco perdida de como agir naquele primeiro momento. Deixar minhas mãos nos bolsos ou mantê-las fora, como um convite?


Porém Paul pareceu resolver muito bem esse impasse. Embora tenha se mostrado um pouco tímido de início, à medida que conversávamos, ele foi se mostrando mais à vontade. As mãos dele estavam livres e gesticulavam enquanto ele falava. O vi passar as mãos pelos cabelos umas três vezes, por causa do vento.


Isso me chamou atenção. O meu também não deveria estar tão arrumado. Quando tirei minha mão do bolso a fim de ajeitar meus cabelos, não voltei a guardá-la, entretanto. Paul entendeu esse gesto como um convite que eu não fiz objeção. Até gostei do contato. Mesmo sendo batedor do nosso time, a mão dele não era áspera. Era macia e quente.


Nós almoçamos no Três Vassouras e eu vi que Lily estava lá com Alice e Frank. Sorri para ela e deixei que a culpa que eu sentia transparecesse em minhas feições. Ela sorriu de volta e acenou com a cabeça. Eu conhecia aquele gesto, pois ele sempre acompanhava uma determinada frase: “você não tem jeito, Ari”. Ela havia me desculpado. Francamente, às vezes eu me perguntava como Lily era tão complacente comigo. A bondade de minha amiga era realmente imensa.


Foi fácil passar a tarde com Paul. Nunca pensei que poderia ter assunto em comum com alguém que eu nunca trocara mais do que duas frases. Claro que no começo passamos por terrenos seguros, como quadribol e o campeonato intercasas – que dificilmente não seria nosso esse ano –, mas depois os assuntos foram evoluindo, e eu percebi que Paul era bem engraçado e sincero.


Depois do almoço, e aproveitando que o dia estava quente, fomos andar mais um pouco pelo povoado. Minutos mais tarde, percebi que íamos em direção à Casa dos Gritos, uma região de Hogsmeade que nem todos gostavam de ir.


— Casa dos Gritos? – o questionei, encarando-o divertida.


— Não sou muito fã de multidões – Paul me respondeu. Se não fosse o fato de ele estar segurando minha mão, o meio sorriso que ele me deu não deixaria a frase tão esclarecedora.


— Então acho que estamos indo para o lugar certo.


— Você não tem medo?


— E por que eu teria? Ela é só uma casa.


— Eu sei, mas tem gente que nem chega perto daqui.


— Não entendo como alguém pode ter medo de uma casa dita assombrada, sendo que há fantasmas em Hogwarts – zombei.


Paul riu.


— Bem, eu não me assusto com isso. Embora ache que o que assusta a todos não é a fama dos fantasmas, e sim os uivos que há lá de vez em quando. Fora o barulho de coisas sendo quebradas.


— Paul, se eu não o conhecesse, pensaria que você tem medo sim – o provoquei, mais com a intenção de tentar tirar a atenção dele daquela casa do que provocá-lo propriamente.


— Ah, Merlin! Você descobriu! – ele falou fingindo espanto. Paramos de andar, mas a minha mão ainda estava segura na dele.


— Não acredito que aceitei sair com um medroso – falei rindo e meneando a cabeça, mostrando desconsolação.


— E estamos tão perto dessa casa...e sozinhos...


— Caso você queira sair correndo, prometo não contar a ninguém. – Soltei minha mão da dele e vi Paul franzir levemente a testa com isso. Reação interessante. – Aproveite que não há ninguém por perto para não passar vergonha.


Ele olhou ao redor e fez uma careta com os lábios, como se estivesse analisando algo difícil.


— Realmente não há ninguém aqui, a não ser nós dois.


— Então é melhor aproveitar – repeti, rindo.


— Você vai me impedir? – A voz dele estava baixa e não havia mais traço algum de humor. A casa havia sido esquecida. Instintivamente engoli a seco quando o vi dar um passo em minha direção, mas tentei sorrir.


— Quem sou eu para impedir alguma coisa? – perguntei retoricamente. Eu estava nervosa, sabendo o que estava prestes a acontecer, porém gostei que minha voz não denunciasse todo o meu nervosismo. Apenas o necessário.


— Sendo assim, vou aproveitar a minha sorte.


— Uma boa decisão, devo assegurar.


Paul sorriu. Senti minha pele se arrepiar quando ele levou sua mão esquerda à minha cintura e me puxou para mais perto. E quando ele tocou meu rosto suavemente com sua outra mão, aproximando nossos rostos, percebi que a respiração dele estava tão acelerada quanto a minha. No entanto, apenas meu rosto estava corado levemente.


— Aqui está algo que não se vê todo dia – ele falou, olhando para minhas bochechas, e sorrindo. – Ariadne Lakerdos corada.


Eu respirei fundo, tentando controlar minhas reações. Dei de ombros, mostrando certa indiferença.


— Para tudo há uma primeira vez. E eu realmente espero que essa seja a primeira.


Ele sorriu com meu tom sarcástico.


— Mas eu realmente espero que não.


Antes que eu pudesse retorquir, os lábios de Paul já estavam nos meus. Eu não resisti, afinal por que o faria? Portanto, aproveitei a sensação de ser beijada por Paul.


Os lábios dele eram gentis e eu pensei que o que Louise me dissera não era bem verdade. Se Paul realmente gostasse de mim, ele não esperaria tanto para me beijar, e quando o fizesse, não seria tão devagar. Porém, eu gostei daquele beijo, embora tivesse certeza de que, quando contasse a Louise sobre ele, ela me esganaria. Para minha amiga, um beijo só era realmente bom caso você fosse praticamente engolida pelo garoto que te beijasse.


Paul separou-se de mim depois de um tempo, mas ainda me mantinha em seus braços como se não quisesse se afastar de verdade. Sua mão direita estava em meu rosto e eu sentia a respiração dele em meus lábios. Quando abri meus olhos, o vi à minha frente com os dele ainda fechados, e sorrindo.


— Bem – ele disse, encarando-me finalmente –, não sei se fico contente ou me preocupo com o que acabei de constatar.


— Como?


Paul riu de leve, como se minha confusão pelo que ele dissera fosse uma coisa que não deveria acontecer.


— Digamos que algumas coisas passaram por minha cabeça enquanto nos beijávamos.


— E eu devo me preocupar com isso? – perguntei com um sorriso, tentando disfarçar meu nervosismo. O olhar de Paul estava intenso demais.


— Sinceramente, não sei – ele riu.


Eu não disse nada depois disso. Porém, eu sabia que, naquele momento, as palavras de Louise começavam finalmente a fazer sentido. Só que eu ainda não entendia a dúvida de Paul.


— Você vai me dizer o que estava pensando? – perguntei, tentando não colocar um tom mandão em minha voz.


— Eu honestamente prefiro não dizer agora.


— Posso saber por quê? – Não gostei de ele ter aguçado minha curiosidade e depois ter jogado um balde de água gelada.


Paul riu de leve quando me viu afastar-me dele e cruzar os braços.


— Eu só prefiro estudar a situação um pouco. Se você permitir, é claro. – Ele indicou meus braços.


— Certo. – Eu relaxei. – Mas eu ao menos posso saber como será esse “estudo”?


Paul deu um meio sorriso e desviou seu olhar do meu. Notei-o sem graça, mas ele recobrou-se rapidamente.


— Digamos que sou covarde demais para me atirar de cabeça em algumas situações. – Ele então riu. – E, cá entre nós, você não é nada fácil, Ariadne.


— Oh... – Eu finalmente percebi que o que Louise me dissera era realmente verdade. – Tudo bem, acho que dessa vez descubro como está minha paciência.


Paul ergueu as sobrancelhas com meu comentário, mas também sorriu. Não que eu estivesse sendo boazinha, apenas achei que não perderia nada em deixar Paul me conquistar. Afinal de contas, ele era legal, bonito, não era burro feito um trasgo...


— Sendo assim – ele cortou meus pensamentos –, vou começar meu estudo.


Depois de ouvir isso, só tive tempo de sorrir, pois logo era beijada novamente. Paul realmente sabia o que queria.


Esse beijo era diferente do primeiro. Não era muito gentil. Eu senti Paul me apertar em seus braços, e parecia que apenas agora ele me daria um beijo de verdade. Percebendo que não me opunha, ele deslizou suavemente sua língua sobre meus lábios, ao que eu os entreabri. Ali estava uma coisa que eu não poderia negar: Paul sabia beijar.


Quando cheguei a Hogwarts, Louise iniciou um bombardeio de perguntas.


— Ele beija bem? Como foi? Ele se declarou? Me conte tudo, Ari!


Tive que rir. Ela havia me puxado para o quarto e feito eu me sentar em sua cama assim que deixara o banheiro.


— Eu posso ao menos respirar?


— Eu vi vocês entrando de mãos dadas e o beijo que vocês trocaram no salão comunal.


— Não foi bem um beijo.


— Para quem não tinha nada antes, um simples beijo nos lábios é algo a se considerar.


— Foi bom – falei por fim, não querendo torturar minha amiga. – E ele beija bem.


— Mas ele...


— Não, não se declarou – a interrompi, rindo. – Acho que ele não quis ser precipitado. Disse que vai estudar a situação ainda, me estudar.


— Como assim?


— Ele disse que não quer cair de cabeça antes de estudar a situação. Palavras dele – completei quando vi a feição desentendida de Louise. – A situação, no caso, sou eu. E ele pensou em algumas coisas quando nos beijamos na primeira vez, e a conclusão que tirou não foi feliz nem infeliz. Apenas para ser estudada.


— Você virou um livro, então? E, pelo visto, um livro em alto relevo. – Louise apertou minha cintura, brincando.


— Boba. – Livrei-me dela, rindo. Levantei-me e ajeitei a roupa suja que os elfos cuidariam assim que eu adormecesse. – Se ele quiser me estudar dessa maneira, fique sabendo que a leitura será lenta.


— Depois eu sou a boba?


— E não se esqueça de depravada.


— Sei... – Louise riu. – Vamos ver até quando você vai aturar a alfabetização.


Meneei a cabeça. Essas analogias de Louise sempre me pareciam loucas demais.


— Você vai subir? – perguntei. – Estou faminta.


— Paul a fez gastar suas energias?


— Posso saber por que você está tão animada? – perguntei, saindo do quarto com Louise ao meu lado. – O que você e o Etan fizeram?


— Nada muito depravado, como você com certeza está pensando. Apesar de te provocar, e contar certa vantagem sobre o que eu gostaria de fazer com Etan, não sou tão desavergonhada assim.


— Se você diz.


— Nós conversamos. E ele deu a entender que quer me namorar.


O enorme sorriso de Louise me mostrou que animação era pouco para o que ela sentia.


— Mas, só deu a entender?


— Pois é... Foi quando ele me deixou no caminho para o nosso salão comunal. Eu não o pressionei, sabe como os garotos são... – ela falou aborrecida. – Mas estou pensando seriamente em pegar uma detenção com ele.


— Você é maluca, Louise.


— Acho que estou ficando mesmo. Maluca pelo Etan.


Nós duas rimos. Estávamos alcançando o salão principal, faltando apenas alguns corredores, quando quase trombamos com alguém. Sirius Black.


— Ah, olá, garotas.


— Olá, Black – Louise o cumprimentou, sorrindo.


— Impressão minha, ou vocês estão bem animadas? – ele perguntou, recostando-se na parede. – Eram vocês que estavam rindo agora pouco?


— Coisas de garotas, Black – Louise respondeu, ainda animada.


Ao contrário de mim, ela não tinha problema algum com Sirius Black. E ao contrário de minha amiga, minha animação havia terminado assim que eu o vira.


— Você não parece estar tão animada, Lakerdos.


— É o que parece, Black – respondi, indiferente.


— Ela estava bem animadinha, minutos atrás, sabe? – Louise alfinetou. Eu a olhei, fuzilando-a com o olhar.


— Mesmo? Fiquei sabendo que você saiu com o Johnson.


Eu o encarei.


— Você não foi o único.


— Como?


— Que ficou sabendo – expliquei. – Afinal de contas, saímos em Hogsmeade.


— É, é... Eu os vi por lá. Mas não o estou vendo agora.


— Eu não tenho que ficar com Paul o tempo todo.


— Mas eu vou ficar com o Etan – Louise falou e eu a olhei, sem entender. – Quero dizer, ele está me chamando. Com licença.


Quis amaldiçoar Louise por me deixar sozinha com Black.


— Fiquei sabendo que você também discutiu com o James, hoje – ele falou, sério.


Ergui as sobrancelhas.


— Seu amiguinho já foi chorar no seu ombro?


Ele riu.


— Sabe, o dia que o James chorar no meu ombro porque discutiu com alguém, vai chover sapos. Ele me contou sim, mas foi de maneira irritada, não triste.


— Sei.


— Eu não entendo por que você não deixa ele conquistar a Lily.


Ergui as sobrancelhas mais uma vez. Ceticamente, agora.


— ’Tá brincando, né? A Lily não o atura.


— Então a deixe resolver isso. – Ele deu um passo, aproximando-se um pouco mais. Seus olhos fixaram-se nos meus de uma maneira intensa que me desnorteou. – Por que você não resolve seus próprios problemas? Garanto que você vai ter muito que pensar, se bem a conheço.


Ele não dissera isso como se quisesse me colocar em meu lugar e deixar o amigo dele em paz. O tom de voz de Sirius Black foi... desconcertante. Como se ele soubesse de algo que me perturbava. Contudo, o que me perturbava era aquele olhar. Aquele rosto tão perto do meu. O que ele pensava que estava fazendo?


— Pode deixar que da minha vida eu sei cuidar, Black – falei petulantemente e cruzando meus braços. Não dei nenhum passo para trás; percebi que era isso que ele queria. – Quanto ao seu amigo, ele que faça o que bem quiser, pois sei que será impossível mudar a cabeça de Lily.


Ele riu e abaixou o seu olhar. Ele estava olhando para minha boca? Ah, Merlin! Ele havia enlouquecido!


— Nada é impossível. Basta apenas ser insistente que se consegue tudo. Você, por exemplo.


— O que tem?


Ele me encarou e sorriu.


— Pode querer mostrar para os outros, mas sei que não é inatingível, Ariadne.


— Você só deve estar maluco. Que raio de conversa é essa?


— Só levantando uns fatos.


Ele continuou me olhando, sério, e por um estranho motivo, eu não desviei o olhar. Então ele sorriu de novo.


— Fato número um: nem sempre a aparência é confiável. Fato número dois: às vezes, e mesmo mostrando claramente, as coisas não podem ser vista integralmente. E fato número três: leões e cobras podem se dar muito bem.


E com uma piscadela, ele me deixou sozinha no corredor.


Sirius Black esquecera-se do fato número quatro: ele era irremediavelmente maluco. E parecia querer me deixar tão louca quanto ele.




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N/B: Fácil, fácil ser beta da Liv, ela não dá trabalho nenhum. Sem contar que essa fic é uma delícia! Eu já gostei dela desde que soube da ideia. E depois que dei uma bisbilhotada em algumas coisas sobre ela, então. Humm. Mal posso esperar pelos próximos, e vem coisas fantásticas neles. Liv, muito obrigada, pela oportunidade. Foi uma honra e um prazer. Beijos, te amo. E sucesso!!   


 


N/A: Desculpem-me pela demora, mas é que estive realmente cansada essas semanas por causa do trabalho. Uma companheira teve que se afastar, então estou cobrindo a lacuna que ela deixou – e que não é nada pequena –, além de ter que fazer o trabalho pelo qual realmente sou paga...


Mas eis o capítulo! Com um final esperado por muitos, me atrevo a dizer..rsrsrs.. Os próximos, eu tenho certeza que agradarão aos que gostaram do ship Ariadne/Sirius.


Beijos e mais beijos para minha querida amiga Priscila Louredo, que por causa da pós que está fazendo, se afastará da betagem de Lembranças.


Porém, como ainda continuo com minha “chiquesa”, Kelly, minha querida amiga paulista, se encarregará de me auxiliar com essa fic! Tenho certeza que fiz uma excelente escolha. Beijo imenso, amada! Obrigada!!! Também amo você!!! ♥


Para Diana W. Black, meu carinho! Sim, querida, a cantada do Sirius foi louca, mas o que achou desse diálogo, agora? Estamos melhorando? E o James realmente será um pouco diferente do seu James. Isso se deve ao fato de tudo estar sendo narrado pelo ponto de vista da Ari, né. E ela não é nada imparcial com esses marotos. Mas tudo tem motivo e para tudo há esperança. =D ’Tindeu? Beijo, maninha Warren.


Lue Broekhart, desculpe pela demora! Mas foi por uma causa maior (oh, desculpa boa!rsrs). Porém, agora sem faculdade, o que melhora o meu tempo, pretendo atualizar mais rapidamente. Obrigada por me acompanhar!! ♥ Beijos pra ti.


Aos demais que acompanham: beijos para todos! E deixem comentário para eu saber o que estão pensando! =D


Até mais,


Livinha

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