O Verdadeiro Corvino
O lago era ameaçador visto daquela distancia. Parecia um quadro pintado por um artista muito talentoso. Em toda a extensão do lago as árvores cobertas pela neve branca eram visíveis. A superfície da água era coberta por uma fina camada de gelo que parecia derreter ao mínimo raio mais forte de sol que batesse ali. Ao fundo, como uma parede meticulosamente desenhada, montanhas imponentes.
Scorpius respirou profundamente, puxando a gola do casaco pesado, apertando os olhos para a visão noturna do lago de Hogwarts que refletia a lua cheia que iluminava o céu manchado por nuvens pesadas. Parecia não haver melhor noite para aquela missão. Parecia que todas as entidades sobrenaturais existentes estivessem conspirando para o encontro do corpo gente do rapaz com a água cortante do lago.
Ele cerrou os olhos por um segundo, apertando o anel entre os dedos. O anel vibrava, como quem tentava repelir um castigo ou uma perda. Chegou a pensar em desistir de entregar o anel e apenas escondê-lo. Admitiu para si mesmo, aos risos, que preferia esperar até o verão para devolvê-lo. Assim, Rose poderia fazer suas provas de N.O.M.s em voz alta, respondendo a perguntas objetivas.
Sacudiu a cabeça, tentando se livrar do resquício de sorriso que ainda morava em seus lábios arroxeados. Sentiu as pernas tremerem ao se aproximar do lago, segurando cada vez mais forte o anel em sua mão. Sentia que as pedras cravejadas no anel poderiam lhe rasgar a pele se fossem mais apertadas.
- Merlin – Ele sussurrou, arfando.
Tirou a varinha do bolso, a largando no chão coberto de neve, fazendo o mesmo com o anel. Levou o olhar à sua mão e nela viu as marcas vermelhas provenientes do aperto. O anel pareceu se alargar ao seu solto. O garoto não tirou os olhos da espiral enquanto retirava rapidamente o casaco grosso e o cachecol de lã escura.
Quanto mais rápido executasse aquela tarefa, mais rápido estaria livre para se enfiar debaixo das cobertas e se esquentar. O frio parecia exatamente como a sensação das unhas de Rose em sua pele. Parecia lhe cortar cada pedaço que ela atingia. Ele tirou os sapatos, os deixando ao lado da varinha e do anel. Tirou também as meias, depositando com cuidado os pés na grama congelada, sentindo sua temperatura cair no mesmo instante.
Tirou a blusa de lã que usava e também o suéter listrado que cobria a camiseta branca. Não hesitou em segurar o anel e a varinha na mesma mão e saltar para dentro do lago, sentindo os dedos dos pés endurecerem em contato com a camada de gelo que cobria a superfície. Era mais resistente do que ele pensava.
- Bombarda – Ele arfou o feitiço, apontando a varinha para o gelo.
Scorpius deixou de sentir seu corpo quando o feitiço teve resultado. O gelo quebrou embaixo de seus pés e cada centímetro de seu corpo parecia ter sido sugado por um buraco negro. Ele não sentia mais nada. Parecia adormecido, anestesiado. Respirou fundo, mantendo o nariz acima da superfície da água, mexendo os pés sem sentir.
Segurou a respiração e mergulhou. A água estava calma, mesmo que não parecesse nada amistosa. Abriu os olhos devagar, buscando a terra que servia de assoalho para o lago, não sendo tão difícil fazê-lo. Desceu buscando se concentrar em sua missão e não no frio ou na falta de ar que começava a lhe assolar.
Ele fechou os olhos, se concentrando em lançar um feitiço que o ajudasse a respirar quando sentiu que o anel despencara de seus dedos. Agitado, virou-se para baixo, buscando a espiral, mas ele encontrara sua sepultura e automaticamente era enterrado, causando um pequeno, mas imponente redemoinho ao seu redor. Scorpius arregalou os olhos, observando enquanto tudo voltava ao normal.
Franziu o cenho, ainda observando. Foi tão fácil assim?
Ele virou-se para voltar à superfície, mas ouviu um pequeno ruído se propagar no vácuo inebriante. O anel estava sendo cuspido pela areia. Nenhum outro redemoinho se formara ao seu redor e nem um toque físico havia acontecido, mas ele estava subindo a superfície com uma facilidade enorme.
Scorpius grunhiu, ganhando alguns bons milímetros de água incrivelmente gelada em sua boca. Não estava com paciência para brincar de devolver o anel ao lago. Observou enquanto a espiral flutuava rumo à superfície em sua frente e a seguiu, a agarrando com a ponta dos dedos ao atingir a atmosfera e conseguir respirar.
Nadou para a margem do lago, carregando o anel vibrante em uma mão e a varinha apontada para ele na outra. O vento gelado e impiedoso da noite de janeiro o atingiu em cheio. Tremeu ao colocar os pés na grama, mas não tinha tempo para isso. Jogou o anel na grama, onde conseguia vê-lo, apontando a varinha certeira para ele.
- Scorpius! – Gritou a voz de Cecília ao longe.
Ele não ergueu o rosto para vê-la, mas sabia que ela tinha as bochechas vermelhas e a falta de fôlego de sempre. Ela correu até ele numa velocidade dobrada ao seu normal. As palavras saíram em fila e sem nenhuma ordem, enquanto ela colocava a mão sobre o peito e tentava respirar fundo.
- Rose. Bem. McGonnagal. Sabe.
- Ok – Ele disse, entendo a mensagem. – Ele não quer voltar.
Cecília franziu o cenho, recuperando parte do fôlego.
- Como não?
- Vou destruí-lo – Ele tinha os olhos grudados no anel, tremendo de frio.
- Não pode!
- Como não? – Scorpius se exaltou. – Ele é do mal, Cecília! Ele domina a mente das pessoas. Não devia estar trancafiado, deveria ser destruído!
- Fale com a Dama Cinz...
- Eu vou destruí-lo! – Ele gritou, a cortando.
Antes que Cecília pudesse dizer mais qualquer coisa, ele agitou a varinha no ar, soltando um feitiço que nunca antes havia usado. Sabia que se os aplicasse em uma pessoa seria expulso e talvez até sofreria algum processo, mas lhe parecia ser a única maneira de acabar com aquilo. Ele cuspiu as palavras, fazendo os olhos da menina saltarem.
- Avada Kedrava!
O anel se desfez em pedaços, que aos poucos se dissolveram por entre a grama congelada. Os pedaços que derretiam aos poucos se transformaram em pequenas fontes de fumaça. Scorpius sorriu satisfeito, imaginando que, agora, Rose poderia respirar aliviada.
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Rose agitou-se na cama frágil demais na enfermaria, abrindo os olhos com dificuldade. Senti-se estranha. Parecia estar mais fina, mais cansada do que o normal. Piscou para a claridade pouco familiar e cobriu-se até o pescoço com o cobertor grosso, enquanto tentava enxergar além das cortinas de lágrimas que cobriam seus olhos.
Esticou a mão direita por baixo das cobertas e a tocou com a esquerda, abrindo um sorriso que não abria há muito tempo. Parecia que a antiga Rose tinha voltado. Conseguira cumprir o pedido de seu pai. Respirou fundo, cerrando os olhos novamente. Fingiu dormir quando notou passos apressados no corredor. Ninguém precisava saber que ela estava acordada. Na realidade queria dormir mais um pouco.
- Ela não vai acordar? – Perguntou a voz de Cecília, impaciente.
- Ela tem que descansar, menina. – Scorpius ralhou, andando pesadamente no chão, se aproximando da cama e tocando de leve o rosto de Rose. Ela tremeu pela saudade do toque familiar.
- Ela está dormindo há dois dias! – Cecília agitou-se.
- Ela não dormia há semanas! – Scorpius a lembrou, baixando o rosto e tocando de leve a orelha de Rose com os lábios. – Eu protejo você. - Ele sussurrou, beijando de leve a bochecha dela.
Rose se mexeu na cama, fingindo estar acordando naquele momento. Scorpius se afastou devagar, colocando-se ao lado de Cecília, que exibia um sorriso. Scorpius a seguiu e sorriu também, como se os dois fossem filhotes de cão na fila de adoção.
- Que recepção! – Rose disse, com a voz rouca.
- Bem vinda de volta, Srta. Adoro-problemas – Brincou Cecília.
- Srta. Eu-atraio-problemas – Rose brincou, corrigindo a amiga.
- Sentimos sua falta – Scorpius confidenciou, se aproximando da cama e tocando o rosto dela novamente. Em seus olhos, a preocupação se fazia visível.
- Desculpe dormir por dois dias – Ela pediu, sorrindo.
- Não me referi ao tempo pelo qual você dormiu.
Rose sorriu, cerrando os olhos, sentindo a mão dele acariciar seu rosto com a delicadeza de sempre. Apesar de se sentir fraca e de querer dormir por mais tempo do que poderia aguentar, ela sentiu uma vontade quase irresistível de puxá-lo para aquela cama frágil de enfermaria e nunca mais soltá-lo. Sacudiu a cabeça, afastando o pensamento de leve, enquanto ouvia vozes conhecidas no corredor.
Scorpius manteve a mão em seu rosto, até que ouviu a voz de Hermione clamando pela filha. Rony vinha logo atrás dela, seguido pela procissão de seus primos freqüentadores de Hogwarts. Hermione carregava uma bolsa quadrada em seu braço esquerdo que foi jogada ao marido para que ela pudesse correr e abraçar a filha.
Scorpius correu para o lado de Cecília, se afastando.
- Rose! – Hermione berrou. – Ela acordou, Rony! Ela acordou!
Rose estava sendo esmagada pelos braços nervosos da mãe. Os primos riam, comentando entre si em vozes tão baixas que era difícil acreditar que eles estavam comentando alguma coisa. Vários dos olhares dele se dirigiam a Scorpius. Hermione começara a chorar, ainda apertando a filha quando a Srta. Sung ralhou.
- Não pode agarrá-la assim, senhora!
- É minha filha – Hermione endureceu.
- É minha paciente e está com problemas sérios de fraqueza – A srta. Sung não se importou com as afrontas de Hermione. – Pode abraçá-la sem quebrar os ossos que estão frágeis e sem apertar os pulmões que também estão fracos?
Hermione a largou, secando as lágrimas contra gosto e ajeitando-se sentada na cadeira ao lado da cama, enquanto o marido passava por ela e se dirigia à cama da filha. Rony foi mais delicado ao abraçá-la. O olhar da srta. Sung estava grudado na força que ele usaria para executar aquela tarefa.
- O que aconteceu? – Rony perguntou, sentando-se na cama ao lado.
- Lá vem história – Tiago anunciou. – Depois a Rose conta só para nós, não?
Rose balançou a cabeça positivamente e ele liderou a fila dos netos Weasley para fora da enfermaria, deixando um espaço menor entre os pais de Rose e Scorpius e Cecília. Hermione olhava de esguelha para Scorpius, torcendo as sobrancelhas. Cecília colocou-se ao lado de Rony, sorrindo desajeitada.
- Eles me ajudaram – Rose apontou para Scorpius e Cecília, sentando-se na cama.
- Pois agradecemos aos seus amigos – Rony se pronunciou, sorrindo para os dois. – Tem amigos dos quais se orgulhar, amizades assim são difíceis de encontrar.
- Eles trouxeram sua filha de volta – Rose murmurou, alto o suficiente.
- Agradeço aos seus amigos, novamente.
Scorpius e aproximava aos poucos da cama de Rose, sentando-se aos pés, virado para Hermione e Rony, tentando parecer o mais natural possível. Hermione não o olhava diretamente. Ela sabia o que acontecia entre os dois, não era preciso mais explicações. Mesmo assim, ela parecia acreditar que o que achava era uma mentira e que a filha lhe apresentaria um namorado melhor do que aquele algum dia.
- Minha amiga e – Rose hesitou, encarando fundo o rosto fino de Scorpius. Ele não olhava para ela e sim para seus pés. – e meu namorado Scorpius. – Rose encarou as mãos que se remexiam nervosamente por sobre o cobertor, antes de encarar a mãe e o pai. Ela ergueu a cabeça para o silêncio monasterial e não conseguiu mantê-lo. – Desculpe não falar antes, mas eu sabia que nenhum de vocês iria gostar e tem toda aquela história com – Ela assumiu um tom agourento. – Malfoys e tudo mais.
- Tudo bem – Rony a cortou, esticando a mão para Scorpius. – Lamento termos que nos conhecer nessas condições.
- Mãe – Rose sussurrou, enquanto via a mãe se aproximar dela.
- Porque nunca conversamos sobre ele?
- Talvez porque você nunca me deu abertura. – Rose atiçou.
- Precisava?
- Mãe – Rose ralhou, observando Hermione esticar a mão para o menino, que sorria sem jeito. – Queria agradecer, Scorpius.
- A Rose é importante para mim, tanto quanto para vocês. – Scorpius argumentou. – Eu nunca deixaria que ela definhasse sem fazer nada. Sei que é difícil aceitar um Malfoy, acredite, aceitar uma Weasley pode ser bem difícil também para a minha família, mas eu gosto da Rose, de verdade.
- Posso entender.
- Eu não estava definhando! – Rose bradou.
- Você emagreceu uns quilos – Cecília chegou mais perto da amiga, lhe abraçado.
Hermione e Rony voltaram a se sentar para ouvir o que Scorpius e Cecília tinham a dizer. Não havia como pular parte alguma daquela história, assim os pais de Rose saberiam das omissões que a filha fizera quanto ao namoro escondido e a mediunidade de Cecília. Eles não disseram nada até que os amigos dessem por concluído. Rose sentiu sua barriga roncar, desejando comer um enorme hambúrguer e batatas fritas.
- Quando posso voltar para as aulas? – Rose perguntou para a srta. Sung.
- Em breve – Foi a resposta mal dada.
- Podemos pedir uma licença para McGonnagal – Rony sugeriu.
- Eu quero ficar aqui, pai. Preciso recuperar algum tempo perdido de estudo.
- Estou vendo uma versão 2.0 de Hermione? – Ele brincou.
- Não quer mesmo, filha? – Hermione perguntou, depois de lançar uma careta ao marido por baixo das sobrancelhas finas e castanhas. – Tudo bem que estudar é importante, mas você precisaria de umas férias desse lugar.
- Hogwarts é um lar, mãe – Rose disse, sem pensar muito. – Não se pode tirar férias do seu lar, pode?
- Poder, pode – Cecília intrometeu-se. – Basta querer. E você não quer.
- Isso foi uma previsão?
- Uma constatação – Cecília orgulhou-se. – Tenho que me controlar.
- Isso já excedeu meu estoque de sobrenaturalidade, Cecília. – Scorpius brincou.
- Não será o último mistério – A menina perdeu o foco no olhar.
Rose e Scorpius se entreolharam, sabendo do que se tratava.
Comentários (12)
Adorei sua fic. Muito mesmo!
2011-07-08muiiitoo booom ameei
2011-05-14