A Espiral de Ravenclaw



- Isso é ridículo – Rose esbravejou, ainda lutando com Scorpius por seus pulsos. – Isso é uma representação! Pode ser nada mais, nada menos que uma coincidência, Sherlock.


- Não é coincidência, Rose – Ele insistiu, sem fazer força para segurá-la, encarando a tapeçaria. – Você nunca ouviu falar na lenda do diadema de Ravenclaw?


- Diadema de Ravenclaw – Ela repetiu, irônica. – Você se ouviu? Está falando de um anel de Ravenclaw agora? É ridículo sim!


- Scorpius, não faz sentido – Cecília havia recuperado o fôlego.


- É só olhar para o anel!


Parecia ser o mesmo anel, considerando que uma representação em tapeçaria nunca seria verdadeiramente fiel à cena da vida real. Não havia nada comprovando que o anel pertencia a Ravenclaw, além de uma representação escondida no sétimo andar. Cecília encarou demoradamente a cena representada. Pareciam estar se divertindo.


Aqueles eram os fundadores, cada um com seus objetos e animal característico. Slytherin e Gryffindor estavam a um canto com seu medalhão e espada, respectivamente. Do outro lado, HufflePuff e Ravenclaw estavam sentadas na grama, Helga bebendo de sua taça dourada e Ravenclaw com a mão sobre o ombro usando o diadema.


O desenho do anel era legível. A mão de Rowena era magra e pálida. O anel não parecia grande, nem pequeno. Era perfeito para seu dedo magro. A espiral cravejada de pedras brilhantes e a grande safira central estavam devidamente representadas.


Quem garantia que aquele anel que Rose carregava não era uma réplica?


- Pode ser uma réplica – Fez eco aos pensamentos.


- Ok – Scorpius bufou, irônico.


- Scorpius, o diadema tinha o poder de aumentar a inteligência de quem o possuía. – Cecília explicou, como se ele não soubesse. – Se essa sua desconfiança fizer sentido, o anel não deveria ter o mesmo poder? Ele só a faz responder a perguntas objetivas sem se dar conta. – Ela cruzou os braços sobre o peito. – É diferente.


- Se for o anel de Ravenclaw, eu agradeço! – Rose se pronunciou.


Tinha desistido de lutar, agora observava a discussão dos dois.


- Você previu.


- Eu não lembro disso.


- Você nunca se lembra – Ele acusou. – Você disse “Ravenclaw”.


Cecília virou o rosto para a parede além do ombro de Scorpius, de onde surgia a bela fantasma da Corvinal, Dama Cinzenta, distraída lendo um pequeno livro de bolso. Sem se dar conta, ela continuou flutuando e passou por dentro do corpo de scorpius. O garoto urrou pelo frio cortante que o surpreendeu.


- Ora desculpe, menino – A fantasma se desculpou, voltando à leitura.


Scorpius deu de ombros, enquanto ela passava pelo ombro de Cecília.


- Esse é o anel de ravenclaw!


A fantasma se deteve no instante em que ouviu o nome. Como eles sabiam? Ela fechou o livro e o guardou dentro da bolsinha de viajem que carregava na cintura, girando no ar tão rápido que sua capa de viajem caiu de seus ombros.


- Anel de Ravenclaw? – Ela perguntou, muito próxima ao ombro de Cecília.


- É o meu anel – Rose disse, brava.


- Anel? – Ela voltou a perguntar.


- Esse anel – Scorpius ergueu a mão direita de Rose, enquanto ela tentava esconder o dedo em que o anel pendia. – Estou tentando convencê-las de que esse anel pertenceu a Ravenclaw. Elas duvidam. – Ele rolou os olhos. – Da Rose é aceitável, está cega, mas você Cecília?


- Eu disse que é possível que seja uma réplica.


- Não há réplicas do anel de minha mãe – A fantasma soltou, com os olhos fixos na mão de Rose. Seus olhos não irradiavam cor nenhuma, mas pareceram mais iluminados. – Você não deveria usá-lo. É amaldiçoado.


- O que eu estava dizendo há pouco? – Scorpius assentiu, com um tom vitorioso.


- Amaldiçoado como? – Rose parecia ter voltado a si.


Tinha as mãos moles entre as de scorpius e os olhos arregalados. Estava com medo. Era amaldiçoado afinal de contas. Mas, como? Ele era bom com ela. A protegia. Não a deixava sentir cansaço ou fome. Estava sempre ao lado dela. Fazia-lhe companhia constante. Era um amigo.


- Ele não é seu amigo, garota – A fantasma disse, como se ouvisse os pensamentos dela. – Ele possui as suas palavras, a obrigando a responder qualquer pergunta objetiva que lhe fizerem. Você deveria tê-lo evitado.


- Não tinha como evitá-lo! – Rose esganiçou-se. – Eu não sabia o que ele era.


- Como você o libertou?


- Ele precisava ser libertado? Eu o encontrei no lago de Hogwarts.


- Claro, o lago – A fantasma refletiu. – Quem o libertou?


- Como eu vou saber?


- Você tem que saber de alguma coisa, se quer se livrar dele – Ela ralhou. – Não vai conseguir nada se não conseguir me responder nada concreto.


- Faça uma pergunta objetiva – Rose ironizou. – E quem disse que quero tirá-lo?


Rose não queria tirá-lo. Os olhos cinzentos da fantasma se estreitaram e vincos apareceram em sua testa. Ela perdeu o foco no olhar por um instante, deixando que sua mente a levasse de volta ao tempo em que sua mãe era viva. O castelo estava em plena construção. Rowena estava em seus aposentos e contara a ela sobre seu medo de ficar entre as pessoas. Medo irracional, a princípio.


- O anel e o diadema eram quase um conjunto para minha mãe – Ela começou, enquanto os três a fitavam. O tédio rolava na cabeça de Rose. – Sua fama de inteligência extrema se deu graças ao uso dos dois objetos. Ela nunca admitiu e sempre escondeu o anel, mas ele sempre esteve com ela. A ajudava a responder as perguntas que lhe faziam, mesmo que em conversas informais. Helga sempre a ajudou. Minha mãe não cogitava a ideia de tirar o anel, mesmo que Helga a incentivasse e a forçasse a isso. Helga sempre perdia.


- Hufflepuff sabia? – Cecília questionou.


- Helga a ajudou em todos os momentos. Inclusive quando ela decidiu se livrar do anel que a prejudicava tanto. Chegou um momento em sua vida que ela resolveu se isolar. As pessoas também pareciam querer que ela se isolasse. Elas se irritavam com a quantidade de respostas que minha mãe dava sem perceber. Nem sempre Helga estava por perto. Ela me chamou certa vez em seus aposentos e me contou sobre o anel.


- A senhorita a ajudou? – Scorpius quis saber.


- Eu a convenci a tirar o anel – A fantasma mordeu o lábio, pensando se revelava outro segredo ou não. Decidiu pela verdade. – Eu desejei aquele anel, assim como o diadema, mas minha mãe se livrou dele antes que eu pudesse possuí-lo.


- Então o anel é uma extensão do diadema? – Scorpius soltou, querendo entender.


- É diferente, mas muito parecido.


- É como se uma parte de sua mãe ainda estivesse nele. – Rose se pronunciou.


- Não – A fantasma corrigiu.


- Sim – Ela insistiu. – Eu vi. Eu tive um sonho em que ela se livrava do anel. E a senhorita vinha acudi-la quando ela caiu desmaiada.


A fantasma ergueu os cantos da boca delicadamente.


- É um objeto maligno, pode muito bem ser capaz disso.


- Como nos livramos disso? – Cecília foi objetiva.


- Eu não quero me livrar disso! – O grito de Rose irrompeu a calmaria.


- Quer sim! – Scorpius a sacudiu, voltando a segurar forte os pulsos já roxos.


- Ele deve ser devolvido ao lar – A fantasma informou. – Minha mãe o trancafiou no fundo do lago, mas alguém o libertou. Somente o verdadeiro corvino poderia ter feito isso. E somente o verdadeiro corvino pode devolvê-lo.


- Como o verdadeiro corvino poderia libertá-lo? – Scorpius franziu a testa.


- Apenas o toque do verdadeiro corvino poderia libertá-lo.


- E para devolvê-lo? Trancafiá-lo?


- Apenas o toque do verdadeiro corvino poderia trancafiá-lo – Ela seguiu.


- Isso me parece simples.


- Simples se você sabe quem é o verdadeiro Corvino.


- Descobriremos. Um dia, talvez. – Ele garantiu, depois mordeu o lábio. – Cecília, você pode tirar o anel do dedo dela? Não posso soltá-la.


- NÃO! – Rose se desesperou ao ver a amiga confirmando com a cabeça e chegando mais próxima a eles. – Por favor, eu prometo que vou me comportar!


Ela parecia uma criança desmamada. As lágrimas nervosas eram despejadas de seus olhos. Ela estava tremendo com medo. Sabia o que aconteceria se ele saísse de seu dedo. Ela se sentiria fraca. Seu mundo se apagaria. Ela ficaria sozinha. Ficaria frio.


- Por favor, não quero ficar sozinha, não tire!


- Você não está sozinha – Scorpius se aproximou do ouvido dela.


Cecília a tocou e foi como se Rose explodisse em choques. Seu corpo se contorceu e ela chorou mais ainda. Ela gritava que não fizesse nada, que não tirassem o anel. Mas, nem mesmo o sofrimento da amiga fez com que o coração de Cecília enfraquecesse e ela retirou o anel dos dedos de Rose que ainda gritava.


O anel pareceu pegar fogo entre os dedos de Cecília e ela o soltou ao chão, no mesmo instante em que Rose caia desmaiada. As feições dela mudaram imediatamente. Scorpius a largou no chão, se aproximando para ouvir seu coração. Os olhos estavam mais fundos que jamais estiveram.


As roupas estavam muito largas e ela estava mais leve do que antes quando Scorpius a ergueu. Seu rosto estava muito ossudo e sem cor. A Dama Cinzenta levou a mão à boca. Estava estática, mas ao ver Scorpius descer para a enfermaria com a menina no colo, ela os seguiu flutuando com delicadeza.


- O que você vai fazer? – Cecília perguntou, segurando o anel por entre os dedos, correndo atrás de Scorpius. – Temos que encontrar o verdadeiro corvino e nos livrar disso.


- Não antes de deixar a Rose segura! – Ele corrigiu, assentindo com a cabeça.


A enfermaria estava vazia, apenas recheada pela presença silenciosa da srta. Sung que andava com uma bandeja de medicamentos. Ela arregalou os olhos ao vê-los entrar, indicando uma cama próxima a uma iluminada janela. Atrás de Scorpius, Cecília e a Dama Cinzenta. A enfermeira os cumprimentou, ajeitando o travesseiro de Rose.


- O que ela tem? – Cecília perguntou, sentando nos pés da cama, enquanto a enfermeira media temperatura e traços vitais de Rose.


- Ainda não sei, mas um caso profundo de fraqueza – Ela disse, buscando de dentro do avental uma garrafa com um líquido avermelhado. – Como ela chegou a esse ponto?


- Nem queira saber, srta. – Scorpius cortou.


- Ela não comeu e nem bebeu decentemente nos últimos meses. – A dama cinzenta se pronunciou. A mesma coisa acontecera com sua mãe.


A enfermeira assentiu.


- Isso me deixa sabendo com o que trabalho, obrigada.


Scorpius virou-se para a Dama Cinzenta.


- Então, o lar do anel é o lago de Hogwarts? – Ela confirmou. – Como vou saber quem é o verdadeiro corvino? Pode ser qualquer um!


- Qualquer um que tenha tido contato com o lago, provavelmente numa data próxima ao dia em que ela achou o anel.


Scorpius levou a mão ao queixo. Ninguém poderia ter tido contato com o lago de Hogwarts antes de todos os alunos voltarem para Hogwarts. O lago não fora visitado antes que... Ele ergueu os cantos dos lábios. Nenhum aluno tinha tido contato com o lago de Hogwarts antes de Rose e ele naquele primeiro dia de aula.


- Ela vai ficar bem – Cecília o tranqüilizou, chegando mais perto. Seus olhos perderam o foco por um segundo enquanto palavras que pareceram outro tijolo caindo na cabeça dele saíram de sua boca. – Devolva o anel ao lago.


Ela não saberia confirmar que dissera aquilo, porque profetizara mais uma vez. Outra das previsões que deveria se levar a sério. Scorpius sorriu de orelha a orelha enquanto Cecília o observava com as sobrancelhas franzidas. Ele estendeu a mão para ela.


- O verdadeiro corvino vai devolver o anel ao lago – Anunciou.


- Isso é pretensão, Scorpius – Ela duvidou. – E se não for você?


- Você não teria me dito para fazer isso.


Cecília deu um tapinha leve em sua própria testa.


- Pode me dar o anel?


Cecília ergueu a mão e largou a Espiral de Ravenclaw na mão pálida e trêmula de Scorpius. Estava na hora de a maldição voltar ao seu lar. A dama cinzenta ficou observando os passos agitados de Scorpius enquanto ele deixava a enfermaria. Atravessou as portas e o salão principal aos pulos. Se aproximando cada vez mais do lago completamente congelado.

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