Um doloroso Adeus



 


Um doloroso Adeus


 


Hermione estava em seu apartamento preparando-se para uma nova viagem a Chelsea, iria visitar Liz como havia prometido. Do lado de fora violentos pingos de chuva quase agrediam sua janela, o tempo parecia não querer ajudar. O céu estava torpe, com suas nuvens cinzentas muito carregadas, a chuva era forte e barulhenta. Na televisão os jornais mostravam os vários congestionamentos causados pela chuva forte: “Não acredito que vou me atrasar por causa destes malditos congestionamentos, tinha que chover justo hoje?” – Pensou.  Ela já estava com as malas nas mãos indo em direção à porta quando seu telefone tocou. Hermione hesitou em atender – “não acredito”! Agora? – mas sua ética profissional era alta demais para se recusar a atender.


-Dra. Granger.


- Mione?


Mesmo sem saber o motivo, ouvir a voz do pai, naquela altura do campeonato, trouxe uma sensação de absoluto desespero para ela.


- Pai? Ligue para o meu celular pai, estou saindo, tenho que ir agora senão perco o vôo.


- Não há tempo pra isso minha filha, estamos todos aqui e precisamos só que você dê sua permissão.


O coração dela começou a bater violentamente.


- Permissão pra quê?


- Para desligarmos os aparelhos.


- Não! De jeito nenhum pai. Estou indo para ai, me espera...


- Mione, ela entrou em coma há seis dias, ou seja, desde que você saiu daqui.


- Mas... Por que não me avisou?


- Por que não adiantaria.


- Espere-me, estou indo pra ai.


- Quando Mione? Você não vê TV? Os vôos foram cancelados sem previsão de volta por causa do mau tempo.


- Como você sabe disso? Eu vou até o aeroporto e...


- Hermione, não há vôo, todas as decolagens e pousos foram cancelados. Eu vi na internet e na TV.


- Eu saio amanhã bem cedo, pego o primeiro vôo daqui, eu freto um avião, qualquer coisa pai.


- Hermione, houve morte cerebral – ele frisou a ultima palavra – É irreversível, não há mais nada que possamos fazer por ela.


- Eu não consigo fazer isso pai – Hermione já se encontrava aos prantos. – eu não posso ser a responsável pela morte dela.


- E não vai ser. O câncer é o responsável, minha filha, você só precisa ajudá-la a parar de sofrer. Ela vinha chorando Hermione, todos os dias, os remédios não faziam mais efeito. Você prometeu isto a ela.


- Eu... – Hermione estava imóvel, não sabia o que dizer – pai vão enterrá-la sem mim?


- Não podemos esperar mais. Isto é necessário, minha filha.


- Eu não posso...


- E o que fazemos com ela? Podemos orar pedindo-a que lhe perdoe por ser covarde demais pra cumprir sua promessa? Ou é egoísta demais para permitir que ela descanse desta maldita dor?, não adianta mais nada Hermione.


Doutor César tinha idéia da dor da filha, porém precisava ser duro com ela, ela precisava aceitar o fim, principalmente por que um médico deveria acostumar-se com a morte.


- Não faça isso comigo pai. Não ponha este peso em minhas mãos


- Então deixe nas minhas, mas não me culpe depois. Eu não acredito que todos estes anos na medicina, você ainda não controla suas emoções, temos que pensar com frieza, nós não estamos sentindo as dores, eles estão.


- Ela é como minha mãe – ela gritou – Não minha paciente. Eu não acredito que tenho que fazer isto.


- Mione, eu sei que não é fácil, ou você acha que depois de todos estes anos eu não tenho Liz como se fosse da família? Mas não podemos fazer mais nada, você sabe perfeitamente o que esta doença faz. E então minha filha, qual sua decisão?


- Calma pai, não é tão simples.


- Enquanto você pensa, ela sofre.


César a pressionava, acreditando que fazia o melhor para ela.


- Pai...


- Diga minha filha.


- Diz pra ela, mesmo que ela não esteja ouvindo, mas mesmo assim diz pra ela que eu a amo muito, que me perdoe e que... – Hermione soluçava como uma criança, mal podia falar – eu... Não sei o que vou fazer sem ela, mas... Eu a amo muito mesmo, eu vou... Eu não... Sei o que... Vou fazer sem ela... – ela repetia desesperada.


- Mione, ela sabe de tudo isso. Mas eu direi, eu prometo.


... Hermione emudeceu.


- Mione? Certo?


- Tchau pai.


- Hermione, por favor, querida.


- Vou desligar.


Depois disso, o telefone ficou mudo.


Hermione permaneceu sentada por um longo tempo na beira da cama, imaginado se tudo aquilo era verdade, o que ela acabara de fazer. Dera uma ordem que tiraria a vida da mulher que ela amava como sua mãe, por mais que soubesse que seu cérebro já havia morrido, mas seu coração ainda batia. Neste curto espaço de tempo ela viu a própria vida estampada no reflexo dos seus olhos, como um filme que estava sendo projetado.


Lembrou-se da infância que só não se tornara um exílio por causa da presença de Liz, as histórias que ela lhe contava pra dormir. Liz passava as noites ao lado dela quando ela estava doente. A adolescência que não se tornara um caos por causa da mão dela e de tudo o que havia conseguido enfrentar tão só e simplesmente por que Liz estava lá. Lembrou-se do desespero de sua primeira menstruação, o sangue lhe escorrendo e ela gritando, mas Liz veio, acalmou-a, explicou tudo o que estava acontecendo cuidadosamente. Lembrou da França, dos passeios juntas, do sorriso dela. Lembrou-se das palavras dela em Lyon: “Eu não posso lhe dizer o que o futuro lhe reserva, mas posso lhe garantir que você vai ser feliz”.


Serei feliz?” Ela perguntou a si mesma. “Como poderei ser feliz se não tenho mais nada?”


- Você me prometeu que eu seria feliz! – Hermione encontrou-se gritando para as paredes do quarto. Levou as mãos ao rosto encharcado de lágrimas num gesto de desespero e arriou da beira da cama para o chão. – Você prometeu! O que eu vou fazer sem você Liz? O que eu vou fazer sozinha aqui?


A dor era insuportável, corroia-lhe o peito, ela não sabia o que fazer. Olhava e não enxergava nada. Tinha vontade de esmurrar tudo.


De repente Hermione viu-se quebrando tudo dentro de seu quarto, num ato de fúria, ela destruiu quase tudo. Gritava, urrava de dor como se tivessem lhe cortando um membro do corpo.


O choro dela era desesperador. Ela nunca havia sentido tanta dor.


Ela gritava mais as paredes não respondiam, nem o eco das próprias palavras ela conseguia ouvir.


Malditas paredes” – ela pensou. – “Qualquer um poderia enlouquecer trancado aqui”. “É... e se eu não sair eu posso enlouquecer também”.


Ela estava claramente transtornada, mas levantou-se subitamente, recolheu as chaves do apartamento e saiu, a pé sem rumo, sem noção do que estava fazendo, sem acreditar em mais nada, “estou morta” – ela pensou – “vou junto com você Mãe”.


A chuva caía forte em toda a cidade de Londres, era um dos invernos mais potentes da ultima década, mas Hermione andava como se nada estivesse acontecendo, os pingos eram cada vez mais violentos, ela encharcou-se de água alguns segundo depois que saiu, mas não aparentava nenhum incomodo, continuou andando, como se estivesse passeado no Green Park, num dia maravilhoso de verão.


Ela não teve noção de quanto tempo andou, apenas com o cansaço ela chegou a conclusão de que devia parar,ainda tentou continuar como se ela precisasse ir a algum lugar, como se ela precisasse cumprir uma meta, mas quando não suportou mais andar ela parou numa rua que não conhecia e sentou-se numa calçada, as lágrimas corriam pelo seu rosto, mas ela não fazia nenhuma força pra isso. Os poucos pedestres que corriam em direção as suas casas tentando desenfreadamente se proteger da chuva reparavam na moça molhada sentada na beira da calçada, mas ninguém se importou em para e lhe acudir, ela também não lhes dava atenção, estava fora de si, não via ninguém, não ouvia nada, estava completamente desnorteada.


 


Gina e Chloe vinham passando, elas esperaram por muito tempo a chuva passar, mas Chloe reclamava de fome, o corpo de Gina reclamava exaustão, então ela conseguiu um pedaço de papelão e protegendo Chloe da chuva voltava para casa.


De longe, a pequena Chloe reconheceu imediatamente Hermione.


- Olha Gi, é aquela doutora que não queria deixar você ir pra casa.


- Não Chloe, não é não... – Gina não reconheceu de imediato, mas olhou de novo e viu que a garota estava certa – espere! É ela mesma. O que será que ela está fazendo aqui em Brixton  sentada nesta chuva?


- Ela está chorando. Olha lá ela está chorando Gi.


Gina encostou Chloe embaixo de um alpendre e correu até o outro lado da calçada:


- Ei! Doutora, o que houve?


Como resposta Hermione apenas levantou a cabeça.


-  Ei! Você está bem? Está me ouvindo?


Sem resposta. Os olhos vagos e perdidos.


Ela chegou mais perto:


- Está com algum problema?


- Não obrigada, eu só quero ficar sozinha. – ela falou baixo.


Gina percebeu o rosto inchado e a expressão vazia da mulher. Olhou para os lados, viu que a rua começava a ficar vazia, ela sabia que precisava ir embora logo. Olhou para Chloe do outro lado da rua e fez sinal para que a menina atravessasse. Tentou mais uma vez persuadir Hermione a ir embora:


- Eu entendo, mas sugiro que fique sozinha em casa, aqui não é muito seguro, principalmente para alguém como você.


- Não me importo com isso, na verdade, não me importo com mais nada.


- O que é isso doutora, quer jogar sua vida fora assim?


- Eu não tenho nada, esta vida maldita que eu levo não faço questão de perder, principalmente agora. Eu não sou nada. Não! Eu sou alguma coisa sim, uma assassina. – ela gritava enlouquecida.


- O que é que você está dizendo?


- Matei minha própria mãe, eu a deixei morrer. – Hermione chorava e soluçava bastante deixando Gina preocupada.


- Escute, este papo está muito confuso, mas já está ficando perigoso até para mim que moro aqui, tenho que insistir que vá para casa, senão vai por em perigo não só sua vida, como a minha e a da minha irmã.


Hermione olhou para Gina e levantou-se, começou a andar, mas caminhava devagar, como se não soubesse onde estava indo.


 


Gina pensou: “ela não está em condições de ficar sozinha” ela adiantou-se alguns passos e segurou Hermione pelo braço:


- Ei! Venha comigo doutora, não vou deixá-la andar sozinha por aí neste estado.


Não houve resposta, então Gina ainda segurando-a pelo braço saiu guiando-a até sua casa.


A casa de tijolos, mas sem o reboco total das paredes. Apesar de ser muito simples, pequena e com poucos móveis, era bem aconchegante e parecia muito bem cuidada.


- Não é chique como deve ser o seu palácio, mas por hoje quebra um galho. Quer alguma coisa?


- Água – ela disse com um suspiro de voz, quase não falava.


Gina adiantou-se até a cozinha para pegar água, a casa era bem pequena, os cômodos eram divididos em partes quase que iguais. Pelo menos Hermione não estava conseguindo distinguir nenhuma diferença entre eles.


Gina pegou a água e voltou para a sala, deu uma toalha a Chloe e mandou que a menina se secasse rápido e trocasse de roupas, depois estendeu uma toalha pra Hermione e disse:


- Você também precisa se secar. Acho que esta roupa cabe em você.  Pelo menos até a sua secar.


Ela não respondeu, apenas pegou a toalha e as roupas.


- Pode se trocar ali. – Gina apontou o banheiro.


Hermione foi até o banheiro. Demorou uns dez minutos pra voltar. Quando voltou já havia trocado de roupas, as roupas de Gina lhe serviram como uma luva, elas pareciam moldes iguais. Hermione estava pálida, parecia uma sombra, um fantasma.


Ela se sentou e permaneceu calada por um longo tempo, apenas encarando a mulher a sua frente. Não sabia de fato o que estava sentindo no momento, mas ver Hermione daquela forma lhe angustiava.


Gina ficou observando-a e depois disse:


- Não sei o que aconteceu doutora...


- Hermione! – ela reagiu com um pouco mais de firmeza na voz.


- O quê? – a ruiva disse confusa.


- Meu nome é Hermione, gostaria que me chamasse assim.


- Desculpe, mas não nos conhecemos muito bem e eu não me sinto a vontade em lhe chamar pelo nome.


- Por que não? Não vejo motivo algum para você me tratar com tanta gentileza e respeito, eu nem mereço. Doutora, hum. Nem sei como tenho este titulo ainda.


Gina podia ver a dor que ela estava sentindo, a expressão dela era de ódio e estava aparente que o ódio era de si mesma, ela tentou então amenizar a dor da outra:


- Certo Hermione. Veja bem, não sei o que houve e sei que não é da minha conta, mas eu não creio que você tenha alguma culpa então se precisar conversar...


Gina nem terminara de falar e foi interrompida:


- O que você acha de mim?


A pergunta a pegou muito de surpresa, ela hesitou um tempo antes de começar a falar:


- É uma pergunta interessante, não lhe conheço bem, mas, acho você inteligente e bonita...


- Vou lhe dizer o que sou. Sou uma inútil, uma droga de médica e uma assassina, é isso que eu sou.


Gina sentiu algo que ela poderia classificar como pena, mas não sabia se esta era a palavra certa.


- Por que esta com tanto ódio de si mesma Hermione?


- Minha melhor amiga, quer dizer, a minha única amiga, a mulher que cuidou de mim desde que eu era um bebê morreu de câncer, eu não consegui detectar a tempo, eu nem notei, nem desconfiei, não fiz nada por ela e ainda dei ordens para desligar os aparelhos, eu a amava tanto... – ela não pôde continuar.


Ela parecia fraca demais e Gina adiantou-se em abraçá-la.


- Tenha calma, acho que não deve se culpar tem tantos pacientes.


- Ela era como minha mãe. – Hermione chorava como uma criança. Gina lembrou-se dos terríveis dias que ela e sua irmã haviam vivido no episódio da morte dos pais:


- A vida continua Hermione, amanhã você estará se sentindo bem melhor. Perdi meus pais e estou viva, falo por experiência própria.


- Você tem sua irmã Gina, você pode cuidar dela. Você tem alguém com quem se preocupar agora e alguém que vai se preocupar com você mais tarde.


A solidão era a maior inimiga de Hermione naquele momento, era a maior responsável por toda aquela dor e insegurança que ela sentia.


- Isso é verdade, ela é tudo pra mim, mas você também deve ter pessoas que se preocupam com você.


- Tenho, tenho sim, tenho pessoas que vão me consolar via fax, ou e-mail. Quem sabe eles encontrem um tempo pra me consolar pelo telefone.


Gina procurou as palavras mais não sabia o que dizer então se limitou a gesticular com a cabeça.


- Você se sente feliz em cuidar dela não é? Quer dizer, você deve se sentir gratificada quando cuida da sua irmã.


Gina deu um sorriso fraco e quase sem vida:


- É eu me sentia-me feliz em poder dar a ela um pouquinho do que eu não pude Ter.


- Sentia? No passado? – Ela demonstrou interesse.


- É, infelizmente agora não sei mais se posso fazer algo por ela. Fui demitida?


Hermione agora lhe dedicava toda a atenção:


- Verdade? Por causa do acidente?


- Não, foi outra coisa, mas deixa pra lá, vamos cuidar de você agora, hoje eu serei a médica, sua psicóloga, me conta tudo. Vou tentar te ajudar.


Hermione riu pela primeira vez naquele dia e nem hesitou em começar a falar, falou sobre a doença da sua querida Liz, o quanto sentia por não Ter ido ao velório, o peso que sentia por ter dado a permissão para desligar os aparelhos e foi mais além.


Falou de sua família, de sua infância infeliz e solitária. Não era a primeira vez que ela se sentia tão à vontade perto daquela estranha.


Contou sua vida em Lyon com detalhes, sobre sua avó, os maravilhosos passeios e momentos com Liz pelo condado, falou sobre Jeffrey e Sâmara Burns, a faculdade, sua vida em Londres, voltou a falar sobre Ronald Weasley e daí em diante.


Depois foi a vez de Gina contar sua vida, mas Hermione adormeceu no sofá enquanto ouvia.


Gina a olhou com um carinho quase fraternal, observou-a dormir e sentiu-se mais aliviada por ter proporcionado um pouco de conforto a mulher.


Mandou que Chloe cobrisse Hermione e depois foi dormir.


Quando a morena acordou, não se deu conta de onde estava e aos poucos foi lembrando o que havia acontecido.


Seguindo os ruídos que vinham da cozinha ela acabou por encontrar Gina e Chloe, elas estavam preparando o café da manhã.


- Bom dia! Está melhor? – Gina exibia um sorriso cativante.


- Estou sim, obrigada, desculpe o trabalho que lhe dei ontem... – ela disse envergonhada.


- Não foi trabalho nenhum, vem cá, senta. Fiz um café da manhã para você, tenho certeza de que está acostumada com algo mais sofisticado, mas fiz o melhor que pude. – havia pão, manteiga, ovos, e algumas frutas.


- Não seja boba, está ótimo, comia isso todo dia em Lyon sabia?


- Sei, sei... Agora quer me convencer de que vocês ricaços tomam café da manhã de pobre, sei bem que vocês vivem comendo Caviar e Scargot – Hermione fez uma careta, mas Gina logo completou – nem me olhe com essa cara que eu aprendi isso no restaurante.


- Tá bom, mas só quem comia Caviar era minha avó, e eu nem sei como ela colocava aquilo na boca, bom pelo menos ela não gostava de Scargot. Como alguém pode gostar de lesma?


- Nossa, você não é tão cheia de frescura como eu pensei. – Gina fingiu-se de espantada.


- Então você pensou isso de mim? Bem normal.


- Claro, rica, médica. O que você queria?


Foi uma das melhores manhãs da vida de Hermione, ela se divertiu muito com uma simples conversa. Uma sensação de bem estar e paz invadiu o coração dela como jamais havia acontecido, algo mudou na vida dela e mudaria muito mais daquele dia em diante.


Hermione ainda falava baixo, sua cabeça doía muito, mas ela conseguiu esboçar uns sorrisos, e realmente seu coração lhe doía menos.


- Vai trabalhar hoje?


- Vou.


- Está em condições?- Gina preocupou-se. Pareciam duas amigas de longa data conversando.


- Não sei, mas se não for vou terminar enlouquecendo.


- Acho que deveria ir pra casa e descansar.


- Não, não posso parar pra pensar no que aconteceu, preciso me distrair.


- Eu tenho que ir à escola da Chloe resolver aquele problema com a professora.


- Ela tratou você mal Chloe? –Hermione virou-se para a garotinha voltando no assunto que Gina lhe contara no dia anterior.


A menina tinha só oito anos, mas parecia ter mais, falava bem, era muito inteligente.


- Qualquer coisa que acontece ela põe a culpa em mim, e às vezes uns garotos dizem que eu sou pobre e não devia estudar lá, ai eu reclamo e ela finge que não ouve Uma vez ela disse assim: “se não estudarem acabarão puxando carroça” e olhou pra mim. Eu sou pequena, mas não sou burra, sei que ela estava falando de mim, e divulgaram a lista dos alunos que fazem parte do almoço grátis no refeitório, depois disso, todos da sala ficam me apontando por que meu nome tá lá e ela não diz nada.


- Chloe não come mais na escola com vergonha, ela se recusa. – disse Gina.


- Eu não acredito nisso! Como uma professora pode dizer isso com um aluno? É inconcebível que uma educadora fale assim com qualquer criança, seja ela de qualquer classe social.


- É a vida Hermione, somos pobres, passamos por muitas humilhações.


- Mas vocês não têm que aceitar isso.


- E vamos fazer o que? Este colégio é o único perto do trabalho, não posso me dar ao luxo de escolher..


Hermione levantou-se:


- Vou com vocês até a escola.


- Não precisa se preocupar com isso doutora, vá trabalhar eu cuido disso.


- Primeiro, se me chamar de doutora outra vez eu juro que te obrigo a tomam três injeções daquelas bem dolorosas e passo a pior dieta de hospital que você já comeu. E quanto a isso, eu faço questão, conheço a diretora do colégio, ela é minha paciente.


Gina ainda tentou questionar, mas Hermione estava muito decidida e não foi persuadida.


Hermione foi até a escola de Chloe com Gina e encaminhou-se até a sala da diretora.


- Bom dia D. Emília.


- Doutora Hermione! Que surpresa boa. A que devo a honra desta visita?- a mulher a saudou satisfeita.


- Infelizmente não é um assunto muito agradável senhora.


Ela percebeu a expressão no rosto de Hermione:


- Aconteceu alguma coisa? – em seguida ela desviou os olhos para Chloe e Gina que estavam no canto da sala apenas observando-as. – um minuto e já lhe atendo. – disse com rispidez e secura.


- Não será preciso elas estão comigo. E foi justamente por causa delas que eu vim até aqui.


- Não estou entendo doutora. – D. Emília parecia surpresa.


- Vou lhe fazer entender D. Emília. Chloe é aluna da sua escola não é?


- Sim é, mas eu não sei o que...


- Ela alega estar sofrendo preconceito dentro da escola, por parte de alunos, pais de alunos e professores e eu vim tirar esta história a limpo.


- Olhe eu não sei o que está acontecendo e entendo menos ainda por que você doutora está vindo tirar satisfações pela senhorita Grey.


- Por que, D. Emília, ela é minha prima. E eu não gostei nem um pouco do que eu ouvi. – Hermione começava a levantar a voz.


- Sua prima? – O tom de questionamento dela foi enfático demais.


- Por que a surpresa? Por que ela é pobre?


- Não é que, eu nunca soube...


- A garota corresponde as expectativas da escola em questão de desempenho e comportamento?


- Sim ela...


- Mudou algo na lei que tire dela o direito de estudar aqui?


- Não eu...


- Pois então eu exijo que ela seja tratada da mesma forma que os outros alunos.


- Minha escola é um modelo doutora, eu jamais deixaria que uma aluna sofresse tal agressão.


- Então já que a senhora desconhece o caso eu quero falar com a professora dela.- Hermione soava fria e perigosa.


- Não é necessário, tomarei todas as providências...


- Faço questão. – um clima pesado se instaurou na sala enquanto aguardavam a chegada da professora, Gina permanecia calada sem saber o que fazer.


- Doutora Hermione, esta é D. Silvia, professora de Chloe.


- Prazer em conhecê-la professora. Sabe o motivo de estar aqui?


- Fui informada. – a professora falava grosseiramente tentando impor medo.


- Pois então serei breve. Espero que esta escola e todos os funcionários dêem a minha prima toda assistência necessária para que ela freqüente as aulas sem mais problemas, já que ela esta acobertada pelos direitos universais da criança e do adolescente e também pela lei deste pais, me corrija se eu estiver errada, como todos os outros aqui. – ela fez uma pausa e esperou alguma das duas se pronunciar, vendo que nenhuma delas falou, ela continuou – Se eu sequer sonhar que ela está sendo maltratada, não hesitarei em tomar todas as providencias para punir os responsáveis, todo o dinheiro e a influencia que o nome de minha família tiver eu usarei para isso. Quero lembrá-las que preconceito, qualquer que seja, é crime e dá cadeia. – ela então deu um sorriso cínico – É só. Até mais D. Emília. – Em seguida ela virou-se para Chloe. – Vá para a sala Chloe, mais tarde a Gina vem buscar você.


Hermione e Gina saíram da sala. No corredor Gina ainda não estava acreditando no que acabara de presenciar.


- Apenas sou justa.


- Nunca me diverti tanto vendo a cara de idiota de alguém, nem quando chamei meu chefe de cara de bode com dor de barriga e outras coisinhas mais.


- Você disse isso a seu chefe? Depois eu sou maluca?


- Mas ele mereceu.


- Gina procure saber se elas maltrataram a Chloe de novo, qualquer coisa, me avise.


- Tá, mas eu acho que depois dessa elas não vão fazer nada contra a Chloe.


Elas saíram rindo e se divertindo com aquela situação como duas crianças que são cúmplices uma travessura. Por um momento Hermione se esqueceu da dor. Depois as duas seguiram caminhos diferentes. Novamente prometeram se ver, sem acreditarem que o cumpririam.


 


Hermione foi pra casa, tomou um longo banho, trocou de roupas e foi para o hospital. Ao chegar lá Subitamente tomou uma decisão e foi falar com Dr. Digg.


- Oi doutor. Eu queria pedir um favor.


- Diga Hermione.


- Gostaria que assumisse um paciente meu para que o hospital não o perca.


- Quem?


- D. Emília Medeiros.


- Você nunca dispensou um paciente antes, qual é o problema?


- É pessoal.


- Hermione, você fez um juramento, não deve misturar as coisas.


- Tenho consciência disso, mas também sei que o caso dela não é grave. É estético senhor, não estou causando mal nenhum a ela.


- Hermione, eu conheço você desde que nasceu, sei quem você é e sei também que não iria fazer isso se não fosse sério. Tudo bem, assumirei sua paciente.


- Obrigada doutor, sabia que me entenderia.


Hermione não conseguiu descobrir se tinha motivos suficientes para dispensar sua paciente, várias vezes naquele dia ela tentou se justificar dizendo a si mesma que não suportava gente preconceituosa, ou que ficou com pena da menina, mas no fim das contas ela sabia que não era isso, ela só conseguia admitir que se sentiu livre, desde que conheceu Gina ela estava se libertando aos poucos de convenções que ela odiava, da solidão que ela sentia e das dores que sofrera.


Ela começou a se perguntar o quanto e por que aquelas duas estranhas entraram na sua vida tão facilmente, por que criaram um laço tão forte em tão pouco tempo.


 


 


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