Gina



Gina


 


Mais um dia infernal de trabalho chegou ao fim para Ginevra. Ela recolheu os pratos, retirou o avental, as luvas e guardou os produtos de limpeza. Dirigiu-se até o estoque e abriu a porta.


Lá estava Chloe lendo um gibi, bem entretida, parecia nem se dar conta de que tanto tempo havia passado. Do lado dela tinha um prato com restos de comida e uma pequena garrafa seca.


- Comeu direitinho minha querida? – perguntou docemente


- Comi sim.


- Já terminei, podemos ir pra casa.


- Amanhã eu vou ter que vir pra cá de novo? -  menina parecia chateada com esta possibilidade.


- Sim.


Ela saiu do estoque, observou bem e saiu levando a garotinha pelo braço.


- Beatriz, eu posso sair?


- Pode, sem problemas, ele já foi.


- Até amanhã. E muito obrigado.


- Vai com Deus.


Elas saíram do restaurante pelos fundos sem nenhum problema, como todos os dias.


Ginevra quase não conseguia se manter de pé, não havia conseguido comer de novo, já havia um dia e meio que não se alimentava bem, mas tentava com todas as forças chegar em casa.


Ela era servente de um pequeno restaurante na região sul de Londres, na verdade fazia um pouco de tudo, limpava, ajudava na cozinha e já chegou até a servir.


Tinha apenas 19 anos e uma carga pesadíssima nas costas. Seus pais haviam morrido num acidente dois anos atrás, desde então teve de cuidar de sua irmã menor que estava com apenas seis anos. Talvez pela grande diferença de idade, Ginevra sentia-se mais mãe que irmã e por isso tentava lhe dar o maior conforto possível. Com seu salário baixíssimo, tentava dar menina o melhor padrão de vida que conseguia e fazia tudo para que a garota com dificuldades de aprendizado pudesse se desenvolver melhor.


A vida delas nunca foi fácil, mesmo com os pais vivos, desde cedo Ginevra aprendeu a economizar e aprendeu que trabalhar muito era a única coisa que lhe daria um futuro, mas também estudou, fez questão de terminar os estudos.


Moravam em Brixton, na região sul de Londres, onde havia alto índice de drogas e Violência, conviviam todos os dias com o perigo, com a morte e com o medo.


 


A maioria de seus amigos de infância, tornaram-se traficantes, usuários de drogas, assassinos ou assaltantes antes dos 15 anos.


Gina e Chloe conviviam com a pobreza, com o descaso, com a falta de conforto e de certeza.


Ela teve todas as oportunidades de ingressar como muitos, na convidativa criminalidade. Vendiam drogas na porta da escola onde ela estudava. Seus próprios amigos ofereciam-lhe o que eles viam como “a saída para os seus problemas”. Ela tinha todos os requisitos para se revoltar, saía com seus pais para trabalhar vendendo coisas nos sinais e via adolescentes da sua idade passeando em carrões importados, andando de bicicleta, ela sempre quis ter uma bicicleta, muitas vezes os garotos a humilhavam, mas ela nunca se revoltou, agradecia todos os dias a Deus pelos pais que tinha e os ajudava muito também.


Sabia que seu querido pai, a quem ela tanto amava, era na verdade seu padrasto, mas não se importava com isso.


Anthony Grey conheceu Lauren Miles quando Gina tinha apenas dois anos de idade, criou-a com todo amor que um pai deve dedicar a seu filho.


Amava Gina genuinamente, educou-a e protegeu-a, nunca se importou com o fato dela ser filha de um outro homem, com todo seu esforço tentou dar-lhe tudo o que podia.


Mas Anthony era um homem de pouco estudo e emprego não estava fácil, teve muitos empregos, servente, pedreiro encanador, mas nunca teve uma carteira assinada e segurança para sua família, por este motivo a sua lição principal para Gina sempre foi o trabalho.


Gina adorava o pai, idolatrava-o porquê apesar de ser um homem ignorante de conhecimentos era um pai extremamente amoroso e um marido perfeito.


Amava tanto Gina que nunca fez planos de ter filhos próprios, Chloe veio sem querer, quando Gina tinha 11 anos de idade.


Um ato terrorista fora o responsável por tirar da menina aqueles que ela amava para sempre. Para Gina a morte de seus pais foi sua própria morte.


Ela voltava da escola, era fim de tarde, Chloe estava na casa de D. Kathy, uma vizinha de idade que adorava crianças, como era aposentada cuidava da maioria dos filhos de seus vizinhos que precisavam trabalhar.


Gina chegou, pegou Chloe e levou pra casa, seus pais ainda não haviam voltado.


Duas horas depois dois policiais da Scotland Yard bateram a sua porta.


Gina assustou-se ao ver os dois policiais do lado de fora, eles não eram bem vindos no local e não era muito comum vê-los por lá.


A presença de policiais significava problemas. Só quando acontecia algo muito grave eles ocupavam o local por alguns dias e o inferno começava. Tiroteios, confusão e como sempre inocentes mortos, a grande maioria por bala perdida. Era quase impossível sair, tinham os que se arriscavam, mas a maioria das pessoas se trancava em casa e rezava para tudo aquilo acabar.


Ela demorou a abrir, teve medo, seus pais não estavam em casa, mas a ordem era clara, ela nunca devia dizer nada: “Se os policiais vierem, minha filha, diga que não sabe de nada, diga que você não viu nada” – Recomendavam os pais.


É isso, se eles me perguntarem algo eu digo que não sei de nada” – Ela pensou, respirou fundo e foi abrir a porta.


- Boa noite garota! – disse um dos policiais, ele era magro, estava aparentemente abatido, era mais alto que o outro.


- Boa noite – respondeu Gina apreensiva. – O que está havendo?


- A gente pode entrar? – O outro policial, parecia mais jovem, era mais baixo e mais forte que o outro.


- Entrar pra que?


- Não fique assustada, trazemos algumas noticias...


- Que noticias? Podem falar ai mesmo.


- Tudo bem menina, tenha calma. Precisamos que nos acompanhe.


- Pra que? Meus pais não estão em casa. Eu estou com minha irmã menor e não posso sair...


- Escute garota. Vou ser direto, aconteceu um... Acidente causou algumas vitimas inclusive seus pais. – o homem foi rápido, claro e seco.


O baque.


- O que! – Ela quase gritou.


- Calma, precisamos que venha conosco, pode trazer a garotinha se quiser. – Eles falavam calmamente, pareciam não ter qualquer idéia do que isso significava na vida daquelas meninas.


- Vocês devem estar enganados, meus pais... Estão trabalhando...


O policial mais baixo, adiantou-se e colocou a mão no ombro dela:


- Tenha calma, nós precisamos que venha. Não tenha medo.


Gina não pensou muito, poderia até ser uma cilada, ela nem sabia se os dois homens eram mesmo policiais, mas ela foi e infelizmente não era mentira, não era uma cilada.


O que veio depois foi um ritual macabro e dilacerante, reconhecimento dos corpos, papelada, liberação dos corpos, velório e enterro. Parecia não ter final, foram os dois dias mais longos e sofridos da vida dela. Gina surpreendentemente cuidou de tudo com uma força e uma garra que nem ela mesma sabia que tinha, estava completamente dizimada pela dor, mas olhava para Chloe, tão indefesa e sabia que tinha que enfrentar por ela todo aquele pesadelo. Contou com a ajuda dos vizinhos, foi poupada de consolar Chloe, pois D. Kathy cuidou disso.


O velório foi curto, o enterro mais rápido ainda, Gina agüentou firmemente cada minuto daquele martírio. Não chorou em nenhum momento do enterro até o velório, mas quando chegou ao fim ela desabou nos braços da compreensiva D. Kathy.


Gina só não entrou em depressão por que precisava ficar firme por Chloe, dona Kathy lhe explicou que se o juizado de menores a considerasse incapaz, eles levariam Chloe pra sempre. Ela não podia deixar que a levassem, ela era tudo o que lhe restava agora. Cuidou de Chloe de maneira ilegal por um ano, até que pudesse reclamar-lhe a guarda, por incrível que pareça, não foi tão difícil manter o segredo, eram pobres, ninguém procurou saber.


À noite após o enterro Gina chorou, chorou todas as lágrimas que tinha, ela se contorceu na cama, esmurrou as paredes, gritou consigo mesma. Xingou Deus, depois lhe pediu perdão.


Ela fez tudo o que tinha de fazer, pois sabia que no outro dia ela precisava ser forte.


Gina acordou ainda de madrugada, ficou olhando as paredes da casa, que seu próprio pai ergueu, olhou as fotos, os móveis, cada canto daquela casa tinha um pedaço de seus pais, uma lembrança feliz. Lembrou de quando ajudou seu pai a construir o balancinho de Chloe, o berço, o cavalinho de pau. Ela andou por horas dentro de casa, depois de se dar conta de que não era apenas um pesadelo o jeito foi tocar a vida, trabalhar duro e cuidar da irmã.


D. Kathy conseguiu para ela o emprego no restaurante, nas horas vagas, Gina vendia água, refrigerantes e sucos nos sinais. Nos fins de semana, ajudava um senhor a vender frutas e verduras na feira de manhãzinha, depois aproveitava os dias de sol para vender coisas nas áreas de maior circulação de turistas . O dinheiro era suficiente só para pagar as contas e comprar comida e os remédios de Chloe, nunca sobrava nada para ela, mas ela não se importava. Podia cuidar da irmã, era suficiente.


Porém a carga de ser mãe, pai e irmã, era pesada demais desde então Gina quase vegetava.


Ela era uma jovem como as outras. Era linda, porém, mal cuidada pela falta de dinheiro, muito mais magra do que devia pela falta de comida, mas era linda assim mesmo. De personalidade forte e sem “papas na língua” raramente se continha em dizer o que pensava e essa franqueza não era bem vista por muitos.


Tinha os cabelos ruivos e muito lisos e olhos azuis que herdara da mãe. Um rostinho de menina que não lhe dava a aparência de sua real idade, agora estava marcado pela dor da perda e o fardo da vida.


Tinha a estatura alta da mãe e a altivez e talvez até mesmo a prepotência do pai.  Gina não tinha medo de enfrentar a vida, há muito o medo havia lhe abandonado.


Elas só tinham uma à outra, Gina se desdobrava para trabalhar e cuidar de sua irmã, mas não deixava que ela trabalhasse, “Você vai Ter uma vida melhor que a minha Chloe, vai sim”.


O ritual de todos os dias era levantar as cinco da manha, preparar o café, levar Chloe para a escola e depois ir trabalhar, ao meio dia, ela aproveitava a hora do almoço e ia buscar Chloe, as vezes quando chegava ainda comia alguma coisa, mas na maioria das vezes não dava tempo. Com a ajuda de alguns funcionários que a adoravam, Gina conseguia esconder Chloe num almoxarifado velho. Lá tinha uma pequena TV em preto e branco de 5 polegadas, mas servia para a menina não ficar impaciente.


Depois que ela terminava todo o serviço, levava Chloe para casa.


Gina e Chloe estavam atravessando a rua, ela não conseguia nem falar direito e nem prestou atenção quando o sinal abriu. Ela estava com muita fome, seu estomago doía muito, era um vazio horrível, como se tivessem lhe arrancado um dos seus órgãos.


A visão estava meio turva e ela não estava conseguindo ouvir nada com clareza.


Hermione que estava no volante com o pensamento distante também não viu as duas garotas.


O carro de Hermione avançou sobre as duas irmãs e num súbito reflexo, Gina conseguiu livrar Chloe do alcance do veículo, mas foi atingida por ele.


 


- Gin!  - gritou a menina desesperada ao ver sua irmã desacordada.


- Meu Deus! – tomando consciência do que tinha acontecido, Hermione desceu do carro, trêmula.


- Você matou minha irmã!


Hermione abaixou-se ao lado da garota estendida no chão e observou sua pulsação.


- Não, não matei, ela está viva. – Ela falou nervosamente. – Não se preocupe, eu sou médica e vou cuidar dela.


- Você matou minha irmã!


- Calma criança, ela está viva. – uma senhora que estava próxima tentou confortar Chloe e a afastou de Gina permitindo que Hermione a examinasse melhor.


Uma multidão se formou ao redor das duas.


Hermione pegou o telefone e solicitou uma ambulância.


Pouco tempo depois, a ambulância chegou.


Chloe seguiu com a irmã e Hermione, muito nervosa.


Os enfermeiros tentavam estancar o sangue que saía da cabeça e dos braços dela. Ao chegar ao hospital, Gina foi imediatamente levada para U.T. I.


- Por favor, providenciem tomografias do tórax e da face e o tipo de sangue dela, rápido! A paciente está por minha conta. Amélia leve a garotinha e acalme ela, por favor.


- Não se preocupe doutora, vou levar esta menina linda para conhecer os bebês do berçário.


Nenhuma operação foi necessária, Gina tinha sofrido apenas escoriações, levou alguns pontos na cabeça e precisava ficar de repouso.


Hermione estava muito nervosa na cantina do hospital.


- O que aconteceu doutora? – Perguntou o doutor Digg.


- Eu nem sei direito doutor, só lembro de estar no sinal, ele abriu, eu dei a partida e segundos depois esta moça estava estirada na dianteira do meu carro. – ela tremia, jamais fora imprudente no trânsito.


- Você está muito nervosa com tudo o que está lhe acontecendo Hermione, precisa descansar.


- Eu preciso achar uma forma de salvar a Liz.


- Hermione... – ele tentou.


- Não me diga que não posso doutor, deixe-me ao menos tentar. – ela disse nervosa


Doutor Digg concordou com um gesto e disse:


- Vamos ver se ela acordou, precisamos levar a irmã dela para vê-la. A garotinha está muito ansiosa.


Hermione foi até a ala infantil e pegou Chloe, os três foram ver Gina.


Ela abriu a porta calmamente receando que Gina ainda estivesse dormindo, mas a encontrou acordada e impaciente.


- Oi, como você está se sentindo?


- Ah. Como se um carro tivesse batido em mim. – ela disse rolando os olhos - Quem é você?


- Meu nome é Hermione Granger sou sua médica e também... Fui eu quem bateu em você.


- Nossa doutora, que ironia não é?


- Ainda bem que você tem senso de humor. – ambas riram


- Onde está minha irmã?


- Ela está aqui fora, vou pedir que ela entre.


Hermione fez com que Chloe entrasse. A menina correu e abraçou forte a irmã. Gina fez uma careta de dor.


- Vá com calma querida – disse Hermione – Sua irmã ainda está um pouco dolorida.


- Doutora, eu preciso das minhas roupas, eu tenho que ir.


- Ir? Pra onde? – Gina disse de súbito e Hermione espantou-se


- Ora, pra casa.


- De maneira alguma, você levou alguns pontos na cabeça e precisa ficar de repouso, vai ficar de observação por 48 horas.


- Muito obrigada pela preocupação, mas eu já estou bem e realmente preciso ir, amanhã pego cedo no trabalho...


- Você não pode ir trabalhar amanhã?


- O que? – Ela exasperou-se - E depois como pago minhas contas? Além disso, não posso pagar este hospital e nem tenho com quem deixar minha irmã, ela tem que ir pra escola...


- Primeiro: você está aqui por minha conta afinal, eu te atropelei, segundo: sua irmã também ficará aqui temos ótimas acomodações, quanto ao trabalho e a escola, você me dá os telefones e eu entro em contato pessoalmente e explico a situação. Posso trazer uma cama pra cá se quiser assim sua irmã fica perto de você.


- Doutora eu não posso...


- Não há o que discutir, sou sua médica e estou dizendo que você não pode ir agora.


- Sou prisioneira?


- Não, é minha paciente, agora descanse, eu vou mandar algo pra vocês comerem.


Hermione saiu.


- Que mulher folgada! – ela disse rindo.


- Ela cuidou de mim. – Chloe falou marota


- Foi? Ela Te tratou bem?


- Tratou, me deu comida também e eu vi os bebês.


As duas continuaram uma conversa animada.


Hermione voltou à noite para ver a paciente. Chloe estava dormindo numa cama improvisada ao lado de Gina.


A ruiva olhava um ponto fixo na parede que lhe parecia muito interessante.


Hermione deu umas batidas leves na porta e entrou.


- Boa noite. Mais tranqüila agora?


- Estou, mas doutora, eu realmente preciso ir...


- Você tem que entender que precisa desta observação, pode não ser tão simples, depois vai ser difícil de tratar.


- Você é que não entender – ela pareceu nervosa - eu posso perder meu emprego, preciso levar minha irmã pra casa. Ela está assustada.


- Eu sei, mas eu não posso colocar sua saúde em risco.


- E eu não posso colocar nossa sobrevivência em risco. – Gina disse cruzando os braços em frente o peito e emburrando cara, atitude que fez Hermione lembrar de algo familiar, mas que na hora não lhe ocorreu o eu de fato fosse - Olha doutora eu entendo a sua preocupação e até agradeço, mas você não sabe a realidade em que eu vivo, eu preciso deste emprego mais que qualquer outra coisa, não posso me dar ao luxo de perdê-lo.


Hermione arqueou a sobrancelha.


- Eu estou tentando compreender você, se não fosse estritamente necessário eu não pediria que se arriscasse, mas você tem que entender que eu posso não compreender sua realidade, mas compreendo a medicina e sei o que estou falando. A propósito, tentei encontrar seus parentes, mas sua irmã disse que não há ninguém...


- Nós não temos família, meus pais morreram o resto só Deus é quem sabe.


- Eu sinto muito.


- Não sinta, não foi você quem matou. – as ultimas palavras saíram secas e cheias de rancor.


- O que aconteceu?


- Eles estavam trabalhando, vendiam coisas no sinal, estava tudo bem e de repente aquele maldito ônibus virou e... – os olhos dela encheram-se de lágrimas e ela parou abruptamente – eu... Não quero falar sobre isso.


- Eu compreendo que não deve ser fácil, eu sei como é ruim estar sozinha, eu também não tenho ninguém, pelo menos não na prática.


- Como assim?


- Não vejo meus pais há quase dois anos.


- Você é rica doutora, tem o quer. – Ela falou com um ar presunçoso eu lembrou a Hermione claramente Doutor César, quando queria ter razão em tudo.


- Você acha? Não é verdade, eu nunca tive o que eu mais queria, eu sempre tive o que nunca precisei. Nós nunca temos tudo, não importa o quão ricas sejamos. Sempre há uma dor ou uma desgraça em nossas vidas.


A morena disse triste


- Diga-me, o que é que o dinheiro não compra? – A ruiva rebateu.


- Ele não compra o amor, este que existe entre você e a sua irmã. E ele também não compra saúde, se comprasse eu daria tudo o que eu tenho pra não deixar a Liz morrer. – Ela falou sem querer.


- Liz?- Gina perguntou por impulso.


Hermione suspirou.


- A Liz é como uma mãe, cuidou de mim, mais do que minha própria mãe, mas agora ela está morrendo de uma doença incurável e eu, mesmo sendo médica, não posso fazer nada.


A morena baixou a cabeça e Gina suspirou.


- Nossa agora eu é que sinto muito.


- A riqueza não é tudo, não traz amigos, amor, sempre fui muito sozinha, Sem amigos, sem namorados, sem a atenção e sem o carinho dos meus pais. Você tem momentos felizes ao lado dos seus amigos e dos seus pais para lembrar não é?


- É verdade. Tenho a Chloe, ela é tudo pra mim.


- E por isso precisa estar bem pra cuidar dela, como vai poder fazer isso, se não consegue nem cuidar de si mesma?


Hermione sorriu e Gina correspondeu.


- Vocês médicos deveriam ser vendedores, nos convencem fácil, fácil.


- Outra coisa – Hermione assumiu um expresso preocupada - você está muito desnutrida, tem algo que queira me contar?


Apesar de apreensiva ela sentia que de alguma forma podia confiar em Hermione. Por alguma razão, ela podia, formou-se em pouco tempo entre elas um caminho seguro, por onde as duas podiam passar, ir e vir sem medo.


- Eu... Não tenho tempo pra comer.


- Como assim, não tem hora de refeição no seu trabalho? E quantas horas por dia você trabalha?


- Tem sim e meu horário é normal, mas na hora do almoço eu tenho que ir buscar a Chloe no colégio, é o único tempo que eu tenho. Quando eu chego não dá mais tempo, além disso, ela fica com muita fome e acaba comendo minha comida, quando chego em casa eu como às vezes, mas tem dias que eu estou tão cansada que durmo sem comer. Hoje eu não prestei atenção no seu carro por que eu estava zonza, não como direito tem dois dias.


- Mas assim você está prejudicando muito sua saúde menina.


- Eu sei, mas o que posso fazer se não dá tempo doutora? Minha vida é radicalmente planejada eu não posso sair da linha.


- Chame-me de Hermione.


- Ok. Hermione.


- Se não se importar, eu quero conversar mais com você sobre isso, precisamos achar uma solução.


- Não me importo, mas não acho que haja uma solução.


- Há sempre uma solução. Quer conversar?


- Pode ser. – ela deu de ombros. -  Ei! O que você quis dizer com quando disse “sem namorados”? – a ruiva pareceu surpresa.


- É uma longa história, quer ouvir?


- Claro, pode contar.


Elas conversaram a noite quase toda, O hospital estava em um de seus dias calmos, não houveram emergências e Hermione estava fora do seu horário, ficou por que queria observar o quadro de Gina. Elas pareciam duas amigas de infância, trocaram segredos que mais ninguém sabia pela primeira vez Hermione falou sobre Rony sem chorar, Gina inspirava muita confiança nela e vice e versa.


No dia seguinte Hermione permitiu que Gina fosse embora sob a promessa de que ela iria pra casa, se alimentaria bem e descansaria. As duas prometeram se ver de novo apesar de não acreditarem nisso, porém o destino havia lhes reservado mais que um simples encontro casual. Mais que isso...


 


Apesar de todas as recomendações Gina voltou ao trabalho assim que saiu do hospital, ela sabia que apesar de Hermione Ter sofrido com a solidão no passado ela tinha escolhas, porém nem ela nem sua irmã podiam se dar a esse luxo. Deixou Chloe na escola, justificou as faltas e foi para o restaurante. O dono já esperava por ela furioso. Ela entrou em sua sala e lhe mostrou o atestado médico. Ele esbravejou:


- Se não fosse por estas malditas leis eu lhe colocaria para fora. Não vejo nada de acidente nenhum, deve ter se machucado um pouco e aproveitou para matar trabalho.


Ela permaneceu calada e esperou que ele terminasse.


- Desta vez vai passar, mas não pense que pode inventar uma doença sempre que tiver vontade. – ele virou de costas e acendeu um cigarro, quando se voltou pra ela gritou: - Ainda está ai? Vá já para o trabalho!


Gina saiu calada do jeito que entrou com sangue fervendo de ódio, mas ela não podia fazer nada. Nunca poderia.


Hermione viajou naquele mesmo dia para Chelsea para ver Liz. Quando chegou lá, encontrou-a muito debilitada, em cima da cama, nunca a havia visto daquele jeito. Ela não conseguia mais andar, quase não falava, estava magra, abatida, mas o sorriso que tanto lhe confortava quando era pequena, ainda estava lá. A mesma luz, o mesmo carinho.


- Liz, Desculpe não Ter vindo antes. Eu estava com muitas saudades.


- Eu também minha filha, eu também. – ela esforçava-se muito para falar.


Hermione não se conteve e começou a chorar.


- Minha filha, não chore por isso. Nenhum de nós é imortal, eu já vivi o que tinha que viver.


A morena ajoelhou-se ao lado da cama e desatou num choro dolorido.


- Eu devia Ter feito alguma coisa, eu fui inútil... – ela falava entre soluços.


- Nenhum de nós pode fazer nada contra os planos de Deus Hermione. Eu criei você e sei o quanto é especial. Eu tive a sorte de tê-la em meus braços como minha filha e de vê-la se tornar nesta moça maravilhosa que você é hoje. Você me deu mais do que eu sonhava ter.


- Eu quero fazer algo por você.


- Tem duas coisas que pode fazer por mim meu bem. – ela respirava pesadamente - A primeira é ser feliz custe o que custar, e a Segunda é... – ela parou como se precisasse tomar fôlego.


- A Segunda é...? – Hermione perguntou alarmada pela expressão no rosto da mulher.


- Quando chegar à hora, acabe com meu sofrimento, deixe...


- Não! – Ela quase gritou, não quis nem ouvir o que Liz tinha a dizer - De jeito nenhum, vamos tratar você e...


- Não tem mais jeito Mione! Eu sei disso e já aceitei isso, aceite você também – ela foi dura agora – ninguém fará nada sem concordância total, principalmente a sua, não tenho filhos, minha única família são vocês, por favor. Os parentes que eu tinha aqui se foram.


Hermione balançava a cabeça negativamente devido ao desespero.


- Não se renda assim Liz, por favor... – o choro de Hermione parecia não ter fim.


- Meu anjo, eu não estou me rendendo, apenas estou sendo realista, de que me adianta ter falsas esperanças Mione? Eu sei o que é isso, passei pelo mesmo sofrimento que vejo em seus olhos agora, minha mãe morreu assim. – ela pausou um pouco – Não há o que fazer meu amor, apenas aceite isso.


- Eu não posso fazer isso...


- Apenas diga que vai pensar no meu sofrimento antes de tomar uma decisão. Vai antes de tudo pensar no melhor pra mim.


Hermione baixou a cabeça tentando esquecer o que acabara de ouvir.


- Prometa minha filha, por favor... – ela começou a tossir.


- Eu prometo, prometo agora vamos parar de falar disso. – disse ela na esperança de se desviar do assunto - Vou ficar aqui com você mãezinha, eu vou pedir umas férias lá no hospital...


- Não – Liz interrompeu - você vai voltar para Londres, para o seu trabalho que é fantástico. As pessoas lá precisam mais de você do que de mim. – Liz sabia que se Hermione ficasse lá, se destruiria aos poucos, sabia o quanto ela era sensível e que era muito frágil em relação a sentimentos.


- Mas eu...


- Não me desobedeça Hermione.


Ela parou de falar e em seguida completou:


- Então eu venho no próximo fim de semana, custe o que custar.


- Tudo bem minha filha. Assim é melhor. Eu espero agora você tem que ir.


- Eu não preciso ir hoje mãe, acabei de chegar, eu posso ficar ir amanhã.


- Amanhã sem falta você volta para Londres.


- Mãe...


- Por favor, minha filha.


- Tudo bem. Tudo bem. – Ela assentiu para não continuar com a discussão.


Ela permaneceu a noite toda ao lado de Liz e depois partiu. Nos olhos e no beijo de despedida de Elizabeth, havia uma dolorosa expressão de adeus. Ela já sabia que não chegaria ao próximo fim de semana.


Doutor César questionou-a:


- Você se lembra do que conversamos Liz?


- Sim senhor. – ela disse triste


- Então por que pediu que ela fosse embora.


- Por que vai ser menos doloroso pra ela. Eu quero que ela se recupere logo senhor. Ela não merece sofre por nada neste mundo.


O homem a encarou, nos olhos um misto de incredulidade e admiração:


- Liz, eu agradeço muito pelo amor que você tem pela minha filha. Ângela e eu jamais conseguiríamos ter uma filha tão fantástica sem você por perto. Perdoe-me por ter sido relapso.


- Não tenho o que perdoar senhor, vocês foram muito mais que patrões. Foram minha família, e me deram este presente. Eu não tive filhos e voes me deixaram ter Hermione. Nasci pobre e conheci o mundo. Eu vivi da melhor maneira possível. Eu sou feliz. Morrerei feliz. Por vocês e por ela. Mas não a deixe sofrer. Prometa-me, por favor.


- Eu prometo Liz, eu prometo.


No aeroporto Hermione ligou para o pai:


- Pai eu estou quase embarcando, mas não consigo ficar em paz. Cuide dela e qualquer coisa, por favor, me avise.


- Minha filha fique tranqüila eu cuidarei dela, confie em mim.


- Obrigada pai, tchau.


Hermione tentava seguir com sua vida normalmente, mas uma dor enorme habitava seu peito, um vazio inexplicável.


 


Para Gina, a vida estava mais difícil do que nunca.


Era Sexta-feira, hora do almoço, como era de costume ela foi buscar sua irmã na escola. Ao chegar lá ficou sabendo que Chloe estava na sala da direção. “Droga, o que será que aconteceu”?


A diretora alegava que Chloe desrespeitou a professora e que estava muito agressiva com todos. Há alguns dias a menina havia chegado em casa dizendo que estava sendo descriminada por ser pobre, que alguns amigos zombavam dela por que seu nome fora divulgado na lista dos alunos que participavam do almoço gratis ela já deveria ter ido resolver isso, mas faltava lhe tempo. Foi uma enorme discussão e por isso, ela chegou atrasada no trabalho e foi surpreendida pelo dono entrando no restaurante com Chloe.


- Posso saber o que esta garota está fazendo aqui? E por que se atrasou?


- Sr. Ferreira me desculpe, ela teve uns problemas no colégio e eu tive que resolver.  Minha irmã, bem eu a trouxe por que hoje não tenho com quem deixá-la, ela é pequena...


Qualquer patrão com um mínimo de compaixão não teria se importado, ela nunca se atrasava, era uma funcionaria exemplar e quanto à menina, teria dado apenas um sermão, mas o senhor Carmo Ferreira, não tinha piedade de seus funcionários. Ele explorava as pessoas, por que para ele, não havia humanos ali, apenas uma escória, que ele por ser “muito bondoso” ajudava dando-lhes trabalho. Por isso Gina não ousou ficar em casa após o acidente.


- Isso aqui não é pensão.


- Eu sei senhor, Mas ela só tem a mim, não posso deixá-la só, é só hoje...


- Nem hoje, nem amanhã. Se eu permitir que traga essa garotinha, terei que dar certas liberdades aos outros funcionários e isso está fora de cogitação. Tire-a daqui imediatamente.


- Pra onde vou levá-la senhor? Nós moramos longe daqui o senhor sabe disso, ela não pode ir sozinha, não posso deixá-la sozinha lá, é perigoso... – Gina começava a ficar nervosa.


- Leve-a para os quintos dos infernos se quiser, mas tire-a daqui.


Foi o suficiente para Gina explodir, ela que estava aparentemente nervosa e tinha uma aparência de extrema súplica de repente assumiu uma feição furiosa, seus olhos escureceram, ela ficou completamente fora de si:


- O que? – a ruiva explodiu - Vá você para os quintos dos infernos, quem pensa que é seu bastardo? – Gina começou a gritar e chamar a atenção de todos, o homem que nunca esperou por uma atitude destas recuou assustado e não foi capaz de proferir nenhuma palavra. – E tem mais, enfie seu restaurante onde melhor lhe cabe, seu miserável, sovina e egoísta. E não se dê o trabalho de falar, pois eu mesmo me demito e amanhã, quando eu não estiver mais com vontade de esmagar esta sua cara feia de bode com dor de barriga eu venho para acertar as contas, por Ter lhe servido de escrava dois anos recebendo esta miséria.


 


Ela deu as costas e saiu de lá carregando Julia, a face vermelha de ódio e o coração aos pulos. Os funcionários do restaurante alguns clientes que ouviram a discussão e o dono ficaram completamente estáticos, ninguém acreditava que ela realmente tinha dito aquilo, nem ela mesma. Tinha esquecido a fome e não pensara no que ia fazer depois dali, nem sequer se deu conta de que havia jogado seu emprego fora. Estava em transe numa mistura de raiva e tensão que lhe dominava por completo.


Cruzou a porta do restaurante e seguiu seu caminho, com o coração cego pelo ódio e nos ouvidos apenas o eco dos seus próprios passos pesados e cansados.


 


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Gostaria de pedir desculpas pela demora da postagem.
Disomers, que bom que está gostando de De Volta para o seu coração, eu pretendo fazer a continuação.

Agradeço de coração a todos que estão lendo. bjos.

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