Capitulo 04



Capitulo 04


 


Armado com uma segunda xícara de café, Harry se achava à beira de um redemoinho. Era evidente que pegar três meninos da casa para metê-los num ônibus escolar era um acontecimento de proporções gigantescas. Perguntou-se como um trio de adultos poderia manejar esta loucura diária sem perder a sensatez.


- Não gosto desses cereais. – se queixou Bryant. Levantou a colher e, com o cenho franzido, mexeu outra vez a massa na cumbuca - Tem gosto de árvores molhadas.


- Você os escolheu porque traziam uma surpresa no interior da caixa. – recordou Gina enquanto preparava sanduíches de manteiga de amendoim e geléia - Você comerá tudo.


- Poe mais um prato. – sugeriu Draco enquanto tentava recolher o cabelo loiro de Allison em algo parecido a uma trança.


- Ai! Papai, esta puxando o cabelo!


- Desculpe. Qual é a capital de Nebraska?


- Lincoln. – suspirou sua filha - Odeio as provas de geografia. – disse com uma careta enquanto praticava seus passos de dança - Para que quero conhecer os estúpidos estados e suas estúpidas capitais?


- Porque o conhecimento é sagrado. – com a língua entre os dentes, Draco se afanava em arrumar a trança - E quando aprende algo, jamais chega a esquecê-lo.


- Bom, pois não lembro qual é a capital de Virginia.


- É, ah… - quando o conhecimento sagrado o escapou, Draco amaldiçoou baixinho. Que diabos importava? Vivia em Colorado. Para ele, um dos principais problemas de ter filhos era que os pais se viam obrigados a voltar ao colégio - Já se recordará.


- Mamãe, Bry está dando seus cereais ao Bongo. – Allison sorriu para seu irmão com o tipo de sorriso astuto que só uma irmã consegue.


Gina se voltou a tempo de ver a seu filho estender a colher para a boca ansiosa do cachorro.


- Bryant Malfoy, dentro de um minuto vai comer esses cereais todos.


- Olha mamãe, nem sequer Bongo quer comer. São uma porcaria.


- Não diga isso. – repreendeu Gina com cansaço. Mas notou que o cachorro grande e peludo, que pelo geral até bebia água da latrina, tinha afastado o focinho depois de provar o grude em que se tinham convertido os Rocket Crunchies - Come o prato e pegue seu casaco.


- Mamãe! – Keenan, o menor, entrou na cozinha. Estava descalço e sem calças e sustentava um tênis na mão - Não posso encontrar meu outro tênis. Alguém o roubou!


- Chama à polícia. – murmurou Gina ao guardar o último sanduíche na lancheira.


- Eu encontrarei, senhora. – Maria limpou as mãos no avental.


- Bendita seja.


- Os homens maus o levaram, Maria. – a informou Keenan com voz baixa e séria - Vieram a noite e o levaram. Papai vai prendê-los.


- Com certeza que sim. – com expressão igualmente séria, Maria tomou da mão e o levou para as escadas - Agora vamos procurar pistas.


- Guarda chuva. – Gina voltou e passou a mão pelo cabelo curto e castanho - Está chovendo. Temos guarda chuva?


- Costumávamos ter. – acabada sua sessão de penteado, Draco se serviu de outra xícara de café. - Alguém os roubou. Provavelmente o mesmo bando que levou o tênis de Keenan e os deveres de ortografia de Bryant. Já pus uns agentes para trabalhar no caso.


- Bela ajuda que me oferece. – Gina foi à porta da cozinha - Maria! Guarda chuva! – deu a volta, tropeçou no cachorro, soltou uma praga e depois recolheu as três lancheiras – Casacos. – ordenou - Têm cinco minutos para chegar ao ônibus.


Bongo decidiu que esse era o momento perfeito para saltar sobre tudo o que estivesse diante dele.


- Odeia as despedidas. – disse Draco a Harry enquanto punha a coleira no animal.


- O tênis estava no armário. – anunciou Maria ao levar Keenan à cozinha.


- Os ladrões devem ter escondido lá. É diabólico demais. – disse Gina ao oferecer-lhe a lancheira - Um beijo.


Keenan sorriu e plantou um beijo sonoro nos lábios.


- Bry, os cereais vão para o lixo. – ao entregar a lancheira, passou um braço pelo pescoço, provocando risadas enquanto lhe dava um beijo - Allison, a capital de Virginia é Richmond.


Depois de que todos se beijaram, Gina levantou uma mão.


- Qualquer um que deixe o guarda chuva na escola será executado de imediato. Podem ir.


Todos saíram correndo. A porta se fechou. Gina fechou os olhos.


- Ah, outra manhã calma na casa dos Malfoy. Harry, que posso oferecer? Bacon, ovos? Whisky?


- Fico com os dois primeiros. Reserva o último. – sorriu e ocupou a cadeira que Bryant tinha deixado livre - Todos os dias são iguais?


- Os sábados começam mais tarde. – passou as mãos pelos cabelos e verificou a hora - Gostaria de ficar com vocês, garotos, mas tenho que preparar-me para o trabalho. Tenho uma reunião dentro de uma hora. Se sentir-se perdido, Harry, passa pela emissora. Mostrarei a cidade a você.


- Pode ser que o faça.


- Maria, precisas que traga algo?


- Não, senhora. – já tinha o bacon na frigideira - Obrigada.


- Voltarei às seis. – se deteve junto à mesa para acariciar o ombro de seu marido - Acho que entendi que terá uma partida de pôquer esta noite.


- Isso são rumores. – atirou-se em direção a sua mulher e Harry viu que sorriam antes de se beijarem - Sabe muito bem.


- Geléia de morango. Nos veremos depois, detetive. – deu um ultimo beijo antes de deixá-lo.


Harry a escutou correr escadas acima.


- Acertou na mosca né, Malfoy?


- Mmm?


- Uma mulher magnífica e crianças maravilhosas. E de primeira.


- É o que parece. Acho que soube que Gina era para mim ao vê-la. – recordar o fez sorrir - Ainda que tenha precisado de um bom tempo para convencê-la de que não poderia viver sem mim.


- Hermione e você eram parceiros quando conheceu Gina, não?


- Sim. Nós trabalhávamos a noite naquela época. Mione foi a primeira mulher que tive de parceira. E também foi a melhor policial com quem trabalhei.


- Tenho que perguntar… será obrigado a negar, mas tenho que fazê-lo. – “Como perguntar?”. Pegou o garfo e o bateu na borda da mesa fazendo soar - Mione e você… antes de Gina… existiu algo pessoal?


- Há muitas coisas pessoais quando se trabalha com outra pessoa, às vezes vinte e quatro horas. – recolheu a xícara de café e sorriu descontraído - Mas não tinha nada romântico, se é isso que você quer saber.


- Não é assunto meu. – encolheu os ombros, incomodado pelo quanto que aliviava a reposta de Draco - Senti apenas curiosidade.


- Por saber por que não tentei nada com uma mulher tão bonita? Com seu cérebro? Seu… qual é a melhor palavra para descrevê-lo? – divertido pelo evidente incomodo de Harry, riu enquanto Maria servia o café da manhã - Obrigado, Maria. O chamaremos estilo, na falta de uma palavra melhor. É simples, Harry. Não vou dizer que não pensei nisso. Mas encaixamos como colegas, como amigos, e isso não nos levou por nenhum dos outros caminhos. – provou os ovos e ergueu uma sobrancelha - Está pensando nisso?


Voltou a encolher os ombros e mexeu com o bacon.


- Não posso dizer que tenhamos encaixado como colegas… ou amigos. Mas imagino que já nos adentramos por um desses caminhos.


Draco não fingiu surpresa. Qualquer que dissesse que o azeite e a água não se misturavam era porque não os tinha agitado o suficiente.


- Há algumas mulheres que se metem sob sua pele, e algumas em sua cabeça. E outras nas duas coisas.


- Sim. Qual é sua história?


- É uma boa policial, uma pessoa que pode confiar. Como todo mundo, tem certa bagagem, mas o leva bem. Se quer saber coisas pessoais, terá que perguntar a ela. – levantou a xícara. - E ela receberá a mesma resposta de mim sobre você.


- Perguntou?


- Não. – bebeu para ocultar seu sorriso - E agora, por que não me conta os progressos no que se refere à Liz?


- Conseguimos uma pista sobre uma cobertura da Segunda Avenida, mas já estava vazia. – era algo que continuava frustrando-o - Pensei em falar com o encarregado do edifício, com os vizinhos. Há uma testemunha que talvez seja capaz de identificar um ou a mais de nossos magnatas do cinema.


- Bom começo. Posso ajudar em algo?


- Comunicarei. Já a tem em seu poder duas semanas, Malfoy. Vou recuperá-la. – levantou a vista e a fúria contida que tinha neles não deixou lugar a dúvidas - O que me preocupa é o estado que a encontrarei.


- Vai passo a passo.


- Fala como a tenente. – Harry preferia dar saltos em vez de passos - Não posso ficar com ela até última hora da tarde. Está nos tribunais.


- Nos tribunais? – Draco franziu em cenho, depois assentiu - Verdade... o juízo Marsten. Roubo a mão armada e agressão. Quer que envie um agente uniformizado contigo à Segunda Avenida?


- Não. Eu me encarregarei.


 


Harry decidiu que era maravilhoso trabalhar sozinho outra vez. Isso significava que não tinha que se preocupar de pisar nos sapatos de seu colega nem discutir sobre estratégia. E no referente a Hermione, significava que não tinha que se centrar em não pensar nela como mulher.


Primeiro foi ver o encarregado do edifício, Nieman, um homem baixo e meio calvo que evidentemente considerava que seu posto requeria que levasse um traje de três peças, uma gravata torpemente enrolada e um oceano de loção pós-barba.


- Já dei minha declaração à outra oficial. – informou a Harry através da abertura de cinco centímetros que proporcionava a corrente de segurança de sua porta.


- Agora terá que dar a mim. – não viu sentido em declarar que ele não era polícia - Quer que grite minhas perguntas do corredor, senhor Nieman?


- Não. – tirou a corrente, visivelmente irritado - Eu já não tive problemas suficientes? Mal tinha me levantado esta manhã quando vocês bateram na minha porta. Os inquilinos não deixaram de me chamar por telefone, querendo saber por que a polícia está interditando a cobertura. Demorarei semanas em desterrar esta publicidade.


- Tem um trabalho muito duro, senhor Nieman. – estudou o apartamento ao entrar. Não era tão grande como a cobertura vazia, mas não estava mau. Nieman o tinha mobiliado ao estilo rococó francês. Harry pensou que sua mãe teria se encantado.


- Não, imagina. – resignado, o outro lhe indicou um cadeirão talhado - Os inquilinos são como meninos. Precisam que alguém os guie, que alguém de uns tapas na mão quando fogem de alguma regra. Sou encarregado deste edifício há dez anos, três como residente, e as histórias que poderia lhe contar…


Por medo a que o fizesse, cortou-o.


- Por que não me fala dos inquilinos da cobertura?


- Pouco posso dizer. – subiu um pouco as calças antes de sentar-se. Cruzou as pernas pelos tornozelos e mostrou as meias com desenho geométrico - Como expliquei à outra detetive, na verdade jamais cheguei a vê-los. Permaneceram aqui só quatro meses.


- É que não mostra os apartamentos aos possíveis inquilinos, senhor Nieman? Não aceita em pessoa seus formulários?


- Como regra, com certeza. Neste caso em particular, o arrendatário enviou por correio referências e um cheque bancário como depósito pelo primeiro e último aluguel.


- É habitual que alugue um apartamento dessa maneira?


- Não… - depois de clarear a garganta, brincou com o nó de sua gravata - A carta veio acompanhada de um telefonema. O senhor Davis, o inquilino, explicou que era amigo do senhor e a senhora Ellison. Os Ellison tinham alugado a cobertura antes, durante três anos. Um casal encantador, com um gosto elegante. Mudaram-se para Boston. Como os conhecia, não precisava ver a cobertura. Afirmou que tinha assistido a vários jantares e outras festas na casa dos Ellison. Olhe, estava ansioso para alugá-lo, e como suas referências eram impecáveis…


- As verificou?


- Com certeza. – com os lábios franzidos, Nieman se ergueu - Levo muito a sério minhas responsabilidades.


- Como ele ganhava a vida?


- Trabalha como engenheiro numa empresa local. Quando me pus em contato com a empresa, disseram que o tinham na mais alta estima.


- Que empresa?


- Ainda tenho seus dados. – estendeu a mão para a mesinha do centro para recolher uma pasta fina - Foxx Engineering. – começou, depois recitou a direção e o telefone - Também entrei em contato com o encarregado do edifício onde vivia. Nós temos um código ético. Me assegurou que o senhor Davis era um arrendatário ideal, responsável e pontual na hora de pagar. E assim foi.


- Mas nunca chegou a vê-lo em pessoa?


- Leste é um edifício grande. Há vários inquilinos que não vejo. Nos encontramos de maneira regular é com os problemáticos, e o senhor Davis jamais causou um problema.


“Nunca causou um problema”, pensou com gesto sombrio enquanto terminava o lento processo de ir de porta em porta. Tinha conseguido uma cópia do contrato, das referências e da carta de Davis. Já passava do meio dia e já tinha entrevistado quase todos os inquilinos que tinham respondido seu telefonema. Só três afirmavam ter visto o misterioso senhor Davis. Nesse momento Harry dispunha de três descrições diferentes para adicionar ao relatório.


O selo da polícia na porta da cobertura tinha impedido a entrada. Poderia ter aberto a fechadura e cortado a fita, mas duvidava que fosse encontrar um pouco de utilidade.


De modo que tinha começado por cima. Nesse momento percorria o terceiro andar, dominado pela frustração e o começo de uma dor de cabeça.


Chamou no apartamento 302 e sentiu que o avaliavam através do olho mágico. Ouviu o ruído e a corrente de segurança e do ferrolho. E se viu avaliado cara a cara por uma mulher grande, com uma mata selvagem de cabelo tingido por uma improvável cor laranja. Tinha os olhos azuis brilhantes que refletiam dúzias de rugas enquanto o estudava. O moletom dos Denver Broncos que usava era do tamanho de uma loja de campanha, e cobria o que Harry deduziu que eram cem quilos de massa corporal. Tinha uma padada dupla e já tinha começado a desenvolver uma tripla.


- Você é atraente demais para vender algo que não quero.


- Não, senhora. – se tivesse usando um chapéu, o teria tirado - Não vendo nada. A polícia está levando a cabo uma investigação. Gostaria de lhe fazer algumas perguntas a respeito de uns vizinhos seus.


- Você é policial? Se fosse, teria uma identificação.


- Não senhora, não sou polícia. – parecia ser mais aguda do que Nieman. - Realizo um trabalho particular.


- É detetive? – os olhos azuis se iluminaram como dois faróis - Como Sam Spade? Juro que Humphrey Bogart foi o homem mais sexy que jamais nasceu. Se eu tivesse sido Mary Astor, não teria pensado nem dois segundos num pássaro de metal quando podia tê-lo.


- Não, senhora. – demorou um momento, mas ao final captou a referência ao Falção Maltes - Minhas preferências eram por Lauren Bacall. Era quem fazia cantar os pássaros no Sonho Eterno.


- Com certeza que sim. – soltou uma gargalhada - Bem, entre. Não faz sentido que fique aí de pé.


Harry entrou de imediato e teve que esquivar de móveis e gatos. O apartamento estava cheio de ambos. Mesas, cadeiras, lustres, algumas boas antiguidades, outros objetos sem valor comprados em alguma loja de usados, disseminados sem ordem por amplo salão. Meia dúzia de gatos de todas as descrições se encontravam deitados em toda a parte.


- Sou colecionadora. – informou a mulher, sentando-se num sofá de duas vagas de estilo Luis XV. Seu corpo ocupou dois terços das almofadas, de modo que Colt elegeu ocupar uma cadeira de estilo colonial - Chamo-me Esther Mavis.


- Harry Potter. – aceitou que um gato cinza saltasse sobre a cadeira e outro sobre o respaldo para olhar o seu cabelo.


- Bem, quem estamos investigando, senhor Potter?


- O inquilino que ocupou a cobertura.


- O que acaba de descobrir? – coçou-se a cabeça. - Ontem vi uns homens uniformizados colocar coisas em um furgão.


“Igual as outras pessoas”, pensou Harry. Ninguém tinha preocupado em fixar-se um furgão que levava o nome de alguma empresa de transportes.


- Prestou atenção ao furgão, senhora Mavis?


- Senhorita. – indicou - Era grande. Não se comportavam como transportadores.


- Como?


- Trabalhavam depressa. Não como pessoas que se paga por hora, sabe. Levaram algumas peças boas. – observou seu próprio salão - Gosto de antiguidades e obras raras. Tinha uma mesa Belker que gostaria de possuir. Não sei onde teria colocado, mas sempre encontro um lugar.


- Poderia descrever alguns dos transportadores?


- Não me fixo nos homens a não ser que tenham algo especial. – lhe deu uma piscada.


- E que me diz do senhor Davis? O viu alguma vez?


- Não posso assegurar. Não conheço quase ninguém do edifício por seu nome. Meus gatos e eu somos reservados. Que fez?


- Estamos investigando.


- Não quer soltar a descoberta, não é? Bogey teria feito o mesmo. E bem, se mudou?


- Isso parece.


- Suponho que então não poderei entregar seu pacote.


- Pacote?


- Chegou ontem. Um mensageiro o trouxe e o deixou aqui por erro. Davis, Mavis… - moveu a cabeça - Nestes dias as pessoas não prestam muito atendimento aos detalhes.


- Sei a que se refere. – com cuidado tirou um gato do ombro - Que tipo de pacote é, senhorita Mavis?


- Um pacote “pacote”. – com uns rosnados e apitos, pôs-se de pé - Pus no quarto. Ia subir hoje. – se moveu como uma espécie de tanque gracioso pelos espaços estreitos que tinha entre os móveis e regressou com um envelope fechado e acolchoado.


- Senhora, gostaria de levar isto. Se representa algum problema para você, pode chamar o capitão Draco Malfoy, da polícia de Denver.


- Não faz diferença. – entregou o pacote - Quem sabe, quando estiver resolvido o caso, possa vir contar-me o que tinha dentro.


- O farei. – seguindo um impulso, pegou a foto de Liz - Viu esta jovem?


A senhorita Mavis a estudou com o cenho franzido, depois moveu a cabeça.


- Não que eu recorde. Está metida em problemas?


- Sim, senhora.


- Tem algo que ver com a cobertura?


- Creio que sim.


- É uma jovem muito bonita. – devolveu a foto - Espero que a encontre logo.


- Eu também.


 


Não era o seu procedimento habitual de conduta. Harry não saberia dizer por que tinha realizado uma exceção, mas em vez de abrir o pacote e vistoriar de imediato seu conteúdo, deixou-o sem abrir e foi para o fórum. Chegou bem a tempo para presenciar o interrogatório da defesa de Hermione. Estava vestida com um conjunto azul, que poderia ser indiferente se não fosse ela a vesti-lo, com o cabelo preso e um colar de pérolas de uma volta.


Harry se sentou na parte de trás do tribunal e observou enquanto ela respondia as perguntas com paciência ao argumento de defesa. Em nenhum momento levantou a voz, nem gaguejou. Qualquer um que escutasse ou olhasse, incluído o júri, a teria considerado uma profissional perfeita.


“O que ela realmente é!” concluiu Harry enquanto esticava as pernas e esperava. Com certeza, ninguém que a observasse nesse momento imaginaria que se ardia como um foguete nos braços de um homem. Em seus braços.


Ninguém iria supor que essa mulher meticulosa e controlada se arqueava enquanto as mãos de um homem, suas mãos, percorriam-na.


Era impossível esquecer.


E ao estudá-la nesse momento, quando não era consciente de sua presença e estava completamente centrada na tarefa que a ocupava, começou a notar outras coisas, coisas pequenas.


Estava cansada. Podia ver em seus olhos. De vez em quando sua voz refletia um deixe leve de impaciência quando a obrigavam a repetir. Cruzou as pernas. Foi um movimento suave, discreto, como de costume. Mas Harry percebeu algo mais, inquietude, não nervos. Desejava que sua declaração acabasse de uma vez.


Ao terminar o interrogatório, o juiz declarou um descanso de quinze minutos.


Rony Weasley a tomou pelo braço antes de que pudesse passar a seu lado.


- Bom trabalho, Mione.


- Obrigada. Não vai haver nenhum problema para condená-lo.


- Isso não me preocupa. – se moveu o suficiente para bloquear o passo dela - Escuta, lamento que as coisas não foram bem, na outra noite. Por que não voltamos a tentar? Que tal se jantarmos esta noite, só você e eu?


Ela aguardou um instante, não tanto irritada por sua descaração, mas pelo cansaço que ele provocava.


- Rony, as palavras nem no inferno significam algo para você?


Ele riu e apertou o braço dela num gesto íntimo. Durante um momento, ela considerou a idéia de algemá-lo e acusá-lo de agressão.


- Vamos, Hermione. Gostaria de ter a oportunidade de compensar minha atitude da outra noite.


- Rony, nós dois sabemos do que você gostaria. Mas isso não vai acontecer, agora, solte o braço enquanto os dois estamos do mesmo lado da lei.


- Você poderia ser um pouco mais...


- Tenente? – disse Harry, deixado que seu olhar percorresse Rony - Tem um minuto?


- Potter. – a irritou que ele tivesse presenciado aquela cena - Perdoe-me, Rony. Tenho trabalho. – saiu do tribunal, deixando que Harry a seguisse - Se tem algo que ainda valha a pena, me solte. – ordenou - Neste momento os advogados não são do meu agrado.


Tomou-a pelo braço e se crispou quando ela ficou rígida. Contendo-se, conduziu-a para as portas.


- Meu carro está aqui na frente. Por que não damos um passeio enquanto nos colocamos em dia?


- Perfeito. Vim andando da delegacia até aqui. Pode me levar.


- Bem. – encontrou outra multa no parabrisa, o qual não o surpreendeu, já que tinha estacionado numa zona restrita. A guardou e subiu no veículo - Lamento ter interrompido seu ritual de esclarecimento.


- Olhe... por que você não... – Começou enquanto colocava o cinto de segurança.


- Tenente, sonhei em fazer exatamente isso. – estendeu a mão para abrir a porta. Nessa ocasião ela não ficou rígida ante o contato, só pareceu retrair-se - Aspirina.


- Que?


- Para a dor de cabeça.


- Estou bem. – não era do todo uma mentira. O que tinha não podia qualificar-se como dor de cabeça. Parecia mais um trem de ferro correndo a toda velocidade por seu cérebro.


- Odeio mártires.


- Me deixe em paz. – fechou os olhos e conseguiu isolar-se.


Não estava bem em absoluto. Não tinha dormido. Ao longo dos anos se acostumou em dormir duas ou três horas por noite. Mas na anterior não tinha dormido nada e era muito orgulhosa para culpar a quem merecia. Harry.


Tinha pensado nele. Tinha repassado a impossível cena na cobertura, e tinha palpitado. Para voltar a fustigar-se. Tinha tentado de tudo para tirar ele da cabeça, um banho quente, um livro aborrecedor, yoga, conhaque quente. Nada a tinha aliviado.


Tinha dado voltas na cama e ao final tinha terminado por levantar-se para passear inquieta pelo apartamento. E tinha visto o sol nascer.


Desde o amanhecer estava trabalhando. Nesse momento era uma da tarde e já estava no trabalho quase oito horas sem um descanso. E o que piorava tudo, o que o fazia intolerável, era que talvez terminasse passando outras oito horas com Harry.


Abriu os olhos quando ele freou bruscamente. Tinham parado em frente a um supermercado.


- Preciso de uma coisa. – comentou saindo.


“Perfeito, estupendo”, pensou, e voltou a fechar os olhos. “Não se preocupa em perguntar se talvez eu preciso de algo. Como uma serra para cortar-me a cabeça”.


Ouviu-o regressar. Pareceu estranho reconhecer o som de seus passos depois de tão pouco tempo. Com obstinação, manteve os olhos fechados.


- Aspirina. – meteu algo na mão. – Chá. – explicou quando ela abriu os olhos para observar a xícara de papel - Para diminuir a dor de cabeça. – abriu o pote e o colocou entre suas mãos - E agora tome os malditos tabletes, Hermione. - Mostrou um pacote de biscoitos salgados. - E coma isto. Deve que estar sem comer nada o dia todo, se não contarmos as bolachas de chocolate ou os caramelos. Jamais vi a uma mulher acabar com os caramelos como você faz.


- O açúcar tem bastante energia. – mas levou as aspirinas à boca e bebeu o chá. O pacote com bolachas salgadas fez com que franzisse o cenho - Não tinha nada doce?


- Precisa de proteínas.


- Garanto que as tortas têm proteínas. – o chá era demasiado forte e amargo, mas ajudou – Obrigado. – bebeu outro gole, depois abriu a caixa de bolachas. Era importante recordar que era responsável de suas próprias ações, reações e emoções. Se não tinha dormido, era problema seu - Os garotos do laboratório já devem de ter terminado na cobertura.


- Sim. Estive lá.


- Preferiria que não atuasse sozinho.


- Não posso satisfazer todo mundo, de maneira que satisfaço a mim mesmo. Falei com um cara de fuinha encarregado do edifício. Jamais viu o inquilino da cobertura. – enquanto Hermione se concentrava na comida improvisada, pôs a falar.


- Sabia de Davis. – afirmou ela quando Hermione concluiu - Tirei Nieman da cama esta manhã. Já chamei às referências. Telefones desconectados em ambos casos. Não há nenhuma Foxx Engineering nessa direção, nem em nenhuma outra em Denver. Liguei para o casal da referência que Davis deu. O senhor e a senhora Ellison, os anteriores inquilinos, jamais ouviram falar dele.


- Tem estado ocupada. – observou e martelou com um dedo sobre o volante - Que era isso de não atuar sozinho?


Ela sorriu um pouco. A dor de cabeça remetia.


- Eu levo um distintivo. – soltou - Você não.


- Seu distintivo não introduziu você no apartamento da senhorita Mavis.


- Descobriu algum fato?


- Creio que sim. – satisfeito de ir adiante dela, levou a mão atrás e lhe mostrou o pacote - O mensageiro o entregou à dama dos gatos por engano.


- Dama dos gatos?


- Teria que ter estado ali. – o apartou quando tentou tirar-se - É minha descoberta, encanto. Estou disposto a compartilhá-la.


Impacientou-se, mas se acalmou ao ver que não tinha aberto.


- Continua fechada.


- Pareceu-me justo. – a olhou aos olhos - Pensei que poderíamos abrir juntos.


- Ao que parece desta vez acertou. Vamos dar uma olhada.


Harry baixou a mão e sacou uma faca da porta. Ao abrir o pacote, Hermione franziu os olhos.


- Não creio que esse brinquedo entre nos limites legais.


- Não. – respondeu de bom humor e voltou a guardá-lo na bota. Meteu a mão no envelope e extraiu uma fita de vídeo e uma folha de papel.


- “Edição final. Está preparado para as dificuldades? No final de semana se espera muita neve. Os víveres não escasseiam. Na vez seguinte envio fitas e cervejas. Os caminhos talvez estejam fechados”.


Hermione sustentou a folha por uma ponta e tirou uma bolsa de plástico da bolsa.


- Procuraremos impressões. Talvez tenhamos sorte. Poderia revelar-nos quem é. Mas não onde está. – guardou a fita de novo no envelope - Quer assistir um vídeo?


- Sim. – Hermione depositou a bolsa no colo e a fechou - Mas acredito que este filme requer uma sessão privada. Tenho um vídeo cassete em casa.


 


Também tinha um sofá cômodo com muitas almofadas. No solo de madeira reluzente ficavam ressaltados os tapetes índios. Os quadros de arte decó da parede deveriam de ter se chocado com os toques decorativos do sudoeste, mas não era assim. Nem as exuberantes plantas sobre o carrinho de ferro forjado, nem os dois peixes dourados que nadavam no aquário com forma de tubo nem o banquinho que parecia um gnomo sorridente.


- Um lugar interessante. – comentou.


- Cumpre com sua função. – se dirigiu para uma prateleira central de cromo e cristal enquanto tirava os sapatos.


Harry decidiu que esse gesto lhe falava bem mais de Hermione Granger do que uns detalhados relatórios pessoais.


Com sua habitual eficácia, meteu a fita no vídeo cassete e ligou o televisor.


Passados cinco segundos de fita em alvo, começou o espetáculo.


Inclusive para um homem com a experiência dele, foi uma surpresa.


Meteu as mãos nos bolsos e se apoiou nos calcanhares. Supôs que era uma tolice, já que ambos eram profissionais e adultos, mas experimentou uma inegável sensação de vergonha.


- Eu, hummm, suponho que não esperam ascender o desejo do público com isto.


Hermione inclinou a cabeça e estudou a tela com um distanciamento clínico. Não era fazer amor. Nem sequer era sexo, segundo sua própria definição. Era pornô direto, mais patético que estimulante.


- Vi coisas mais quentes em despedidas de solteiro.


- Sério? – Harry afastou a vista da tela o tempo suficiente para olhá-la com uma sobrancelha arqueada.


- A fita mostra uma qualidade surpreendente. E a gravação, se pode chamar assim, parece bastante profissional. – escutou os gemidos - O som também. – assentiu quando a câmara passou a um plano general - Não é a cobertura.


- Deve ser a choupana das montanhas. Rústica, mas cara, pela madeira. A cama parece Chippendale.


- Como sabe?


- A minha mãe gosta de antiguidades. Olha o lustre que há junto à cama. É uma Tiffany, ou uma boa imitação. Ah, o argumento se enriquece…


Observaram a outra mulher entrar no enquadre. Umas poucas linhas de diálogo indicaram que tinha encontrado seu amante e a sua melhor amiga. A confrontação se tornou violenta.


- Não acredito que o sangue seja falso. – observou Hermione com os dentes apertados quando a primeira mulher recebeu um golpe duro na cara - E também não creio que esperasse o golpe.


Harry praguejou baixinho à medida que se desenvolvia a cena. A mistura de sexo e violência, uma violência centrada nas mulheres, tornava toda a cena desagradável. Teve que se segurar para não desligar o televisor.


Já não se tratava de uma questão de sexo bonachão divertido, e sim de repulsão.


- Está bem, Potter? – apoiou uma mão em seu braço. Ambos sabiam o que ele mais temia, que Liz aparecesse na tela.


- Acho que não vou querer pipocas.


Instintivamente, Hermione deixou a mão onde estava e ficou perto dele.


Tinha uma espécie de padrão e começou a segui-lo. Um fim de semana numa choupana num lugar de esquí, dois casais que se misturavam e relacionam de várias maneiras. Observou isso e se centrou nos detalhes. O mobiliário. Harry tinha razão… era de primeira. Os diferentes ângulos da câmara mostraram que a casa tinha dois andares com um espaço diáfano e tetos altos com vigas. Chaminé de pedra, jacuzzi.


Com umas poucas tomadas artísticas, viu que nevava um pouco. Captou cenas de árvores nevadas e cumes brancos. Numa cena no exterior que pareceu ser mais do que incômoda para os atores, notou que não tinha nenhuma casa ou estrutura perto. A fita terminava sem os créditos. E sem Liz. Harry não soube se sentia-se ou não aliviado.


- Não creio que vá ganhar um Oscar. – Hermione manteve a voz calma enquanto rebobinava a fita - Está bem? - Não estava bem. Ardiam-lhe as entranhas e precisava liberar a tensão.


- Foram duros com as mulheres. – disse com cuidado - Violentos para valer.


- A primeira vista, diria que os principais clientes para este tipo de coisas seriam sujeitos que fantasiam com a dominação… física e emocional.


- Não creio que se possa aplicar a palavra fantasia a algo assim.


- Nem todas as fantasias são bonitas. – murmurou pensativa. A qualidade era boa, mas a parte da atuação, do emprego do vocábulo de forma liberal, era patético. Será possível que alguns de seus clientes vivam suas fantasias ao vivo?


- Era o que faltava. – respirou fundo - A carta de Jade mencionava que uma das garotas tinha morrido. Quem sabe não se enganou.


- O sadismo é um instrumento sexual peculiar… que com freqüência pode escapar das mãos. Poderemos localizar a região pelas tomadas exteriores. – foi extrair a fita, mas ele a fez dar a volta.


- Como pode ser tão fria? Não a afetou? Não lhe provocou nada?


- Seja o que seja, enfrento isso. Deixemos as personalidades fora disto.


- Não. Basta saber com quem está trabalhando. Falamos do fato de que alguma garota poderia ter morrido diante da câmara. – o dominava uma fúria que não podia controlar e uma terrível necessidade extravasá-la - Acabamos de ver a duas mulheres sendo esbofeteadas, empurradas, golpeadas e ameaçadas com ameaças de receber algo pior. Quero saber o que sente ao olhar isso.


- Me deixa com muita raiva. – gritou, soltando-se - Me revolta. E se me permitisse, teria me entristecido. Mas a única coisa que importa, importa para valer, é que dispomos de nossa primeira prova. – pegou a fita e a guardou no estojo - E agora, se quer me fazer um favor, me deixará na delegacia para que a possa entregar. Depois poderá me dar um pouco de espaço.


- Claro, tenente. – foi à porta para abrí-la - Te darei todo o espaço que precisa.


 


 


 


N/A: Bem galera, vocês pediram dois capitulo como recompensa pelos dias parados, então dessa vez eu postarei dois capitulo para vocês. Espero que gostem. Abraços a todos que estão acompanhando.


 


gabriela: que bom que você gostou dessa fic, fico feliz pelo fato de você gostar dela e das outras fics que eu adaptei. Beijos.


 


 


 


 

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