Capítulo II - Flashback



Ele levantou-se, irritado com um barulho que parecia vir da cozinha do pequeno apartamento no subúrbio de Londres que ainda mantinha, pelo prazer egoísta de viver sozinho. E também, embora não admitisse, porque a própria casa lhe causava nojo, repugnância. Assustado com o som repentino, vestiu as calças enquanto procurava a varinha. Nesse movimento, o sutiã pousado na mesinha de cabeceira do outro lado da larga cama o fez lembrar: Marlene. Arrepiou os cabelos compridos e negros e sorriu de leve, esquecendo o mau humor. Sentando-se na beirada da cama, passou a mão levemente pelos lençóis, lembrando de como ela dormira agarrada em seu pescoço, de suas pernas finas e quentes encostando-se às dele. Lembrou-se do modo como ela confiava nele, sem restrições, do jeito como não se envergonhara nem pedira para ele se virar quando quis tirar o sutiã e ficar somente de camiseta para dormir. De como, mesmo com a guerra lá fora, mesmo falhando em suas missões, ela ainda conseguia sorrir, fazer piadas bobas para animá-lo, aproveitando cada dia, acreditando na esperança. Mais memórias vieram à sua retina facilmente: Marlene chutando a água do mar, dois anos antes, nas férias que tiraram com James, Lílian, Emmeline, Remo, Pedro e Dorcas. Marlene sussurrando comentários irônicos para ele, em uma reunião da Ordem da Fênix, ela mostrando-lhe a língua ao servir-se de cerveja amanteigada antes dele, ela com um ar grave e sério que lhe caía tão bem, ao examinar relatórios de colegas aurores. Ela contando junto a ele os segundos que faltavam para o Ano Novo, Marlene dedilhando sem talento o violão surrado dele. Como podia amar tanto alguém que só o via como um irmão, um protetor? Mas a amava, ardentemente, desejosamente. Queria Marlene sempre perto, queria poder dizer-lhe para tomar cuidado todos os dias, queria cuidar dela, abraçá-la e protegê-la, queria seus lábios nos dela sem culpa. Mas, quanto mais se aproximava, mas ela parecia fugir de sua vista. Fora uma grande surpresa que tivesse aceitado o convite dele para dormir por uma noite em seu apartamento. E ali, com as memórias a alimentarem sua esperança, Sirius se dirigiu para a luz tremulante da cozinha.
Marlene estava virada para o fogão, parecendo preparar um café da manhã típico do estilo americano, que insistia em copiar. Vestia apenas a camiseta comprida com a qual dormira, que  não cobria muito abaixo de seus quadris. Os pés descalços estavam afundados no tapete e os cabelos caíam em ondas sobre as costas, afastados do rosto por uma tiara simples e preta, que se confundia com os fios, tão negros quanto.
- Lene! – chamou ele, e ela pulou, uma mão empunhando a varinha enquanto a outra apertava com firmeza a própria cintura.
- Ei, calma! – acalmou-a, rindo – Ainda são... – olhou para o relógio – seis da manhã. Ameaças de morte só são permitidas nesta casa depois das oito.
Ela já guardara a varinha, sorrindo e sacudindo a cabeça para ele, o reprovando.
- Você me assustou bobão. Fez de propósito, eu tava aqui toda concentrada, pensando...
Sirius aproximou-se dela, a imagem de seus seios sob a camiseta ainda perturbando-lhe a mente. Parou atrás dela, pousando as mãos em seus ombros e fazendo movimentos circulares e relaxantes.
- Você ficou tensa – observou, enquanto ela suspirava. - Em que estava pensando?
Deu um passo para trás, largando-a quando ela tirou a frigideira do fogão e depositando-a na pequena mesa, sorrindo. Era uma das coisas que ele admirava nela, e que o deixava extasiado: Marlene estava sempre sorrindo.
- Em você tomando meu café – respondeu ela, estendendo-lhe uma xícara.
Sirius tomou dois goles enormes e barulhentos, antes de umedecer os lábios e responder-lhe:
- Não minta, McKinnon! – ela jogou-lhe a toalha se segurava. Detestava quando a chamavam pelo sobrenome e ele sabia disso. – Isso é uma coisa muito sem graça pra se ficar pensando.
Ela mostrou-lhe a língua, corando levemente.
- Não acho – cruzou os braços. 
- Eu amo você, minha menina – soltou ele, e por um momento só se ouviu a água pingando da torneira.
Minha menina, pensou ela. Sirius sempre a chamara assim, apesar dela ser uns bons meses mais velha que ele. Tinha se esquecido do quanto gostava de ser chamada assim por ele.
Marlene o contemplava, os lábios separados de admiração. Não era comum que Sirius Black expressasse sentimentos em voz alta. Ela sorriu, desejando que o brilho em seu olhar e suas pernas tremendo não estivessem tão evidentes e respondeu-lhe:
- Eu também amo você, Sirius. – lágrimas brilharam em suas íris escuras. – Preciso de um abraço seu.
Sirius jamais teria lhe negado qualquer coisa que ela pedisse, mas o modo como ela lhe pedira foi especial. Dissera “um abraço
seu”, e não somente “um abraço”. Ele envolveu o corpo dela em um abraço quente, puro, aconchegante. Ficaram assim por um bom tempo, e ele achou que aquele era o momento certo.
- Lene... – sussurrou, acariciando os cabelos dela enquanto sorvia uma grande porção de ar, que lhe trazia às narinas o intoxicante perfume dela.
- Hm? - fez ela, o som abafado.
- Eu não só amo você, eu estou apaixonado por você. Sempre estive e sempre estarei. Casa comigo?
Ele não tinha um anel, mas a coragem fora mais importante que algo apenas simbólico. Marlene separou-se dele, a surpresa nos olhos, e ele temeu pela primeira vez. Um silêncio longo se seguiu e ela parecia incapaz de responder.
- Você... você aceita?
As palavras acenderam o rosto dela, e tudo em Marlene sorriu.
- É claro que eu aceito!
Ele não pode mais esperar, e num urro de contentamento, esmagou sua boca contra a dela, num deleite fascinado. Ele era dela, afinal. Marlene separou-se dele lentamente, rindo entre os beijos que ele não parava de colar em todo seu rosto.
- Sirius, você lembra do dia em que nos conhecemos, que fomos procurar vaga-lumes porque achávamos que tinham propriedades mágicas?
Sirius riu com gosto, beijando-lhe o pescoço, e a abraçou mais forte.
- Lembro. Tínhamos seis  anos e mentes terríveis.
- Então. Desde este dia eu planejo secretamente me casar com você.
Ele riu novamente, deliciado com a sua menina.
- Por que não me contou?
- Ora, não ouviu o que eu disse? Era secreto.
- Aah, entendo. – disse, debochando.
Recebeu um tapa no ombro.
- É o que as meninas fazem – contou ela, em tom confidencial – planejam casar-se com os meninos... O menino, e nunca lhe contam.
- Mas você não é mais uma menina, eu poderia ter ficado sabendo antes. Teria sido bem mais fácil. – implicou ele, bufando.
- Sou uma menina sim – teimou ela, mordendo-lhe o maxilar levemente – a sua menina.

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