CAPÍTULO 19



CAPÍTULO 19


 


O sol estava raiando sobre as margens do East River quando eles passaram voando em direção ao sul, na cidade ainda adormecida. Nuvens encobriam a alvorada, movendo-se preguiçosamente e transformando o céu em um rastilho de pólvora.


Harry preferiu deixar o carro no modo manual e evitou pegar a Broadway, com sua festa eterna e tráfego hostil. A frustração de Gina era tão presente que quase dava para senti-la como uma terceira passageira no carro.


- Não é possível adivinhar os planos de um louco, Gina.


- Ele tem um padrão, mas isto está se desfazendo. Não consigo reunir as pontas. - Pense, pense, pense, ordenou-se ela enquanto voavam baixo pelo tráfego do centro da cidade, que começava a aumentar. - Você conhece o novo dono do Clube das Sereias?


- Pessoalmente, não. Lidei com este clube há muitos anos. Foi uma das minhas primeiras propriedades no centro. Na verdade, eu o ganhei num jogo de dados, mantive-o comigo por uns dois anos e então vendi, com gordos lucros. - Avistando um maxiônibus lotado que se arrastava no cruzamento da Sétima Avenida, desviou para oeste e continuou atravessando a cidade.


- A vítima deve ser o dono do lugar, ou alguém que trabalha lá. - Gina pegou seu palm computer. Mordeu o lábio inferior por causa de um solavanco quando Harry passou por um dos muitos buracos deixados pela Secretaria de Obras da cidade. - Silas Tikinika? Esse nome lhe diz alguma coisa?


- Não.


- Então ele provavelmente está dormindo tranqüilamente em sua cama. Vou pesquisar os empregados.


- Estamos quase lá. - disse Harry. - Vamos descobrir logo, logo...


O luminoso em animação virtual com a imagem de uma sereia nua da cintura para cima, exibindo uma longa cauda verde e cintilante estava apagado, atrás do portão gradeado. Harry estacionou junto ao meio-fio e notou que não havia outros carros na área. Era raro para alguém daquela decadente parte da cidade ter transporte próprio. Harry ligou o sistema de alarme e segurança do veículo antes de saltar, pois sabia que, sem isso, o carro não estaria mais ali quando ele voltasse.


Notou de relance dois fantasmas de rua encostados em um portal dois prédios adiante. Eles mostraram a cara em meio às luzes ainda esmaecidas da alvorada, e então voltaram a se esconder nas sombras ao ouvirem o som de sirenes se aproximando.


- Não vou esperar pelo reforço. - disse Gina a Harry, sacando a arma e seu cartão mestre. Então, abaixou-se e pegou uma pequena pistola de atordoar que usava na bota. - Pegue esta arma aqui e certifique-se de escondê-la quando os policiais chegarem. - Seus olhos se fixaram nos dele por um rápido instante. - Vá pela esquerda.


Luzes frenéticas e música selvagem os recepcionaram com estardalhaço no instante em que entraram pela porta da frente. Gina se lançou para a direita, agachada. De repente, pulou para a frente, dando um grito de advertência para o homem agarrado à escada, ao lado do tanque onde acontecia o show:


- Pare! Mantenha as mãos onde eu possa vê-las!


- Tenho que tirá-lo dali! - respondeu Moody, arranhando os dedos nas bordas de metal enquanto descia mais um degrau. - Ele está se afogando!


- Saia da minha frente! - Gina o puxou para fora da escada e o lançou na direção de Harry, pedindo: - Encontre o controle de drenagem do tanque, pelo amor de Deus. Rápido! - Nesse ponto, deu impulso com o corpo e mergulhou no imenso aquário.


Filetes de sangue nadavam na água como peixes exóticos. O homem preso no piso do tanque já estava com os lábios azuis e seu único olho estava aberto e arregalado. Ela notou que seus dedos e os tornozelos estavam em carne viva de lutar contra as algemas. Agarrando o seu rosto abatido, colocou a boca de encontro à dele e forçou ar para dentro de seu peito.


Com os pulmões ardendo, ela o largou, lutou para voltar à superfície e inspirou mais ar com força. Sem perder tempo com palavras, tornou a mergulhar. Seus olhos piscaram de leve ao notar o rosto da Virgem e seus olhos esculpidos em mármore que observavam a morte sob tortura com absoluta serenidade.


Gina sentiu um calafrio e então lutou para salvar aquela vida.


Em sua terceira volta à tona, o caminho lhe pareceu mais curto; ao tornar a mergulhar, virou a cabeça e viu a imagem de Harry subindo pela escada, pelo lado de fora.


Ele tivera tempo de tirar o paletó e os sapatos. Ao alcançar o fundo do tanque, ele a agarrou pelo braço e sacudiu o polegar para cima, mandando-a subir. Então os dois trabalharam em dupla, um sugando o ar e o outro liberando-o na boca da vítima, enquanto o nível da água baixava lentamente.


Quando conseguiu ficar em pé, com a cabeça fora d’água, Gina começou a tossir violentamente.


- Moody! - conseguiu falar.


- Ele não vai a parte alguma. Pelo amor de Deus, Gina!


- Agora não tenho tempo de discutir sobre isso. Consegue abrir o fecho das algemas?


Pingando, respirando fundo em busca de ar, ele olhou para ela. Então, enfiou a mão no bolso em busca do canivete, avisando:


- Seus colegas estão chegando.


- Eu cuido deles. Veja o que consegue fazer lá embaixo. - Tirando os cabelos que haviam ficado grudados em seu rosto, viu o momento em que quatro policiais irromperam pela porta. - Sou a tenente Gina Weasley! Tragam alguns para-médicos para cá, depressa, com equipamento para ressuscitação! Temos uma vítima de afogamento. Não sei por quanto tempo ele já estava lá embaixo e não há pulsação. E alguém, por favor, desligue esta música infernal. Coloquem as luvas. Quero a cena do crime tão preservada quanto possível.


A água já estava à altura dos joelhos e o ar-condicionado a fazia tremer dentro das roupas molhadas. Seus músculos doíam devido ao esforço de estar amparando o peso da vítima. Nesse momento, viu Harry abrir a primeira algema e virar-se de lado para trabalhar na outra.


No instante em que a segunda algema se abriu, ela colocou o corpo deitado sobre os poucos centímetros de água que ainda restavam no fundo do tanque e, subindo com as pernas abertas sobre ele, começou a socar-lhe o peito.


- Quero um aparelho de ressuscitação cardio-pulmonar, aqui, e alguns cobertores. - A última palavra ecoou enquanto a música parou de forma abrupta. Seus ouvidos zumbiam. - Vamos lá... vamos lá... volte para nós! - pediu ofegante, tornando a se debruçar sobre a vítima e inflando-lhe os pulmões com mais ar.


- Deixe que eu faço isso. - disse Harry, ajoelhando-se ao lado dela. - Você tem a cena de um crime para proteger.


- Os para-médicos. - disse ela, contando de cabeça, compassadamente, os golpes que dava no peito da vítima. - Eles vão chegar a qualquer momento. Você não pode parar de tentar ressuscitá-lo até eles chegarem aqui.


- Não vou parar.


No instante certo, marcado por um aceno de cabeça, Harry colocou as mãos no lugar das de Gina e continuou golpeando no ritmo dela.


- Quem é ele, Harry?


- Não sei. - Ele olhou de relance para Gina, que já se colocava de pé. - Simplesmente não sei.


Era muito mais difícil subir a escada para sair do tanque do que para entrar, reparou Gina. Sentiu-se tonta no momento em que alcançou a borda. Levou um momento para respirar fundo e encher os pulmões que pareciam queimados e arranhados. Então, lançou a perna por sobre a borda e desceu.


Hermione já estava à sua espera quando atingiu o último degrau e informou:


- Os para-médicos estão bem atrás de mim, Weasley.


- Ele está muito mal. Não sei se vão conseguir trazê-lo de volta. - Olhou pelo vidro e viu Harry trabalhando sem parar. - Organize os policiais em duas equipes e façam uma busca. Não vamos encontrá-lo, mas precisamos olhar mesmo assim. Bloqueie todas as saídas e ligue os gravadores.


Hermione olhou por cima dos ombros de Gina para o lugar onde Moody estava, com as mãos ao longo do corpo, observando Harry do outro lado do tanque.


- O que vai fazer, Weasley?


- O meu trabalho. Você faça o seu. Quero que proteja este local e chame os peritos. Você tem um estojo de serviço com você?


- Bem, não tenho um daqueles kits completos de detetive. Só o meu equipamento de rua e alguns sacos para lacrar provas.


- Vou usá-los. - Pegou um dos sacos que Hermione lhe ofereceu. - Vamos cair dentro! - ordenou, sinalizando para a equipe médica que entrou. - A vítima está dentro do tanque. Caso de afogamento, sem pulsação. Manobras de ressuscitação cardiopulmonar em curso há aproximadamente dez minutos.


Virando-se para o outro lado, Gina sabia que não poderia fazer mais nada ali. Com a água guinchando dentro das botas, deixou os pingos escorrerem por seus cabelos e seu rosto enquanto se aproximava de Moody. Como seu casaco de couro molhado parecia pesar uma tonelada, ela o despiu, jogando-o sobre uma das mesas.


- Droga, Moody... você está preso por suspeita de tentativa de assassinato. Você tem o direito de permanecer...


- Ele ainda estava vivo quando eu cheguei. Tenho quase certeza de que ainda estava vivo. - Sua voz parecia débil e pensativa. Gina reconheceu os sintomas de choque em suas palavras e nos olhos vidrados. - Acho que cheguei a vê-lo se mover.


- Seria mais inteligente esperar até eu acabar de recitar todos os seus direitos e deveres antes de fazer qualquer declaração. - disse ela, baixinho. - Fique frio e não dê uma palavra, nem uma palavrinha, até Harry acionar um daqueles advogados bambambã dele. Seja esperto e fique de bico calado!


 


Moody, porém, recusou os advogados que lhe foram oferecidos. Quando Gina entrou na sala de interrogatório, onde ele estava sendo vigiado por um guarda, Moody continuou sentado, com a coluna ereta e olhando firme para a frente.


- Não vou precisar de você. - avisou ao guarda. Deu a volta na mesa e se sentou diante dele no instante em que o guarda deixou a sala. Ela tivera algum tempo para trocar de roupa e se esquentar por dentro com um pouco de café; verificara junto à equipe da emergência e fora informada que o homem identificado como Patrick Murray voltara à vida, e os médicos estavam lutando para mantê-lo assim.


- Continuamos com um caso de tentativa de assassinato. - disse ela para Moody em tom de conversa. - Conseguiram trazer Murray de volta dos mortos, mas ele está em coma. Se conseguir escapar, talvez fique com danos cerebrais.


- Murray?


- Patrick Murray, mais um rapaz de Dublin.


- Não me lembro de nenhum Patrick Murray. - Seus dedos ossudos passaram pelo cabelo em desalinho. Os olhos vagavam sem expressão pela sala. - Eu gostaria... gostaria de um pouco d’água.


- Certo, claro. - Gina se levantou para pegar uma jarra. - Por que não deixou Harry convocar seus advogados?


- Isso não é problema dele. E eu não tenho nada a esconder.


- Você é um idiota! - reagiu ela, pousando a jarra com força sobre a mesa. - Você não faz idéia de como a coisa pode ficar feia depois que eu ligar o gravador e começar a forçar a barra. Você foi encontrado na cena de uma tentativa de assassinato, pego em flagrante pela investigadora principal do caso enquanto tentava sair de um tanque onde...


- Entrar! - reagiu ele, em um tom de voz que ajudou a espalhar a névoa que continuava cobrindo sua mente. - Eu tentava entrar no tanque.


- Vai ter que provar isso, e eu sou a primeira que você vai ter que convencer. - Gina passou as duas mãos pelos cabelos, em um gesto de fadiga e frustração que fez Moody franzir o cenho com ar de estranheza. Os olhos dela, ele reparou, ainda estavam vermelhos da água e com grandes olheiras. - Não vou poder aliviar a sua barra dessa vez. - avisou ela.


- Não espero nada da senhora.


- Ótimo! Estamos quites. Ligando o gravador! Interrogatório com o suspeito Alastor Moody, a respeito da tentativa de assassinato de Patrick Murray, na data de hoje. Entrevista realizada pela investigadora principal do caso, tenente Gina Weasley. Início do interrogatório às oito e dezoito da manhã. O suspeito já foi informado de seus direitos e obrigações legais, e abriu mão de representação legal neste momento. Isto está correto?


- Sim, está correto.


- O que fazia no Clube das Sereias às seis e trinta da manhã de hoje?


- Recebi uma ligação por volta de seis e quinze. A pessoa que ligou não se identificou. Orientou-me a ir até lá imediatamente, e sozinho.


- E você costuma ir a clubes de sexo quando algum desconhecido liga ao amanhecer ordenando-lhe isso?


Moody fez um ar murcho, de embaraço, o que a alegrou um pouco; mas ele ainda não estava pronto para ser derrubado.


- O homem que ligou informou-me que uma amiga minha estava presa lá e que ela sairia ferida se eu não obedecesse às instruções.


- Que amiga?


- Audrey Morrell. - Ele se serviu de um pouco d’água e bebeu um gole.


- Sei... aquela que serviu de álibi para você no assassinato de Brennen. Aquela história não funcionou muito bem da última vez. Tem certeza de que quer usá-la novamente?


- Não há necessidade de sarcasmo, tenente. A ligação foi real. Deve estar registrada no sistema.


- E pode ter certeza de que vamos verificar isto. Então o tal sujeito anônimo mandou que você fosse ao Clube das Sereias. Você sabia onde ficava o local?


- Não, não sabia. Não tenho o hábito de freqüentar estabelecimentos deste tipo. - Empertigou-se de tal forma que Gina teve de fazer força para prender o riso. - Ele me forneceu o endereço.


- Tremenda consideração por parte dele. Então ele disse que você deveria ir até lá ou a sua namorada iria se ver em sérios apuros.


- Ele disse... insinuou que ia fazer com ela o que havia sido feito com Marlena.


Uma fisgada de pena, solidariedade e remorso a trespassou, mas Gina não podia demonstrar nada.


- Muito bem... quer dizer, então, que você tem uma policial dentro de casa, mas nem se deu ao trabalho de comunicar a essa policial um caso de possível seqüestro ou ataque.


Seus olhos se tornaram sombrios e frios ao olhar para ela, mas Gina notou que havia um pouco de medo por trás do orgulho quando ele afirmou:


- Não costumo depender do departamento de polícia para nada.


- Se você tivesse a ficha limpa, não estaria sentado aí. - Os olhos dos dois se encontraram e permaneceram fixos um no outro.


- Você sabe muito bem que já aconteceram três assassinatos e que você é suspeito desses crimes. Embora as provas sejam circunstanciais e o resultado dos seus testes psicológicos seja negativo, você não está exatamente em um banco de praça.


Gina sentiu vontade de sacudi-lo com força por ser idiota, por odiá-la com tanta intensidade que não pedira por ajuda nem mesmo em uma condição como aquela, em que ela não teria outra escolha senão socorrê-lo.


- Agora você alega que recebeu uma ligação anônima. - continuou ela. - Acabou sendo encontrado pela polícia na cena de uma tentativa de assassinato.


- Não é uma alegação, é um fato. Não poderia me arriscar a ver alguém de quem gosto ser ferida. - Aquilo era tudo que ele se permitia oferecer, uma leve citação do que acontecera com sua filha. - Jamais me arriscaria a isso. Quando desliguei, agi exatamente de acordo com as instruções.


Teria sido mais fácil, para Gina, se ela não compreendesse a situação dele. Recostando-se novamente na cadeira, disse a Moody:


- A cena e o método utilizado nesta tentativa de assassinato seguem o mesmo padrão dos outros três crimes.


Enfiando a mão na bolsa ela pegou um pequeno frasco de vidro, vedado. Era o olho de Patrick Murray que flutuava no líquido dentro do frasco. Na verdade, não era o órgão verdadeiro, pois os cirurgiões estavam trabalhando naquele momento com o olho real, em uma tentativa de reimplantá-lo, mas a prótese causou o mesmo impacto.


Observou a forma como Moody olhou para o pequeno órgão flutuante e então virou o rosto para o outro lado.


- Você acredita na expressão “olho por olho”?


- Achava que sim. - Sua voz tremeu e então ele esticou as costas. - Já não sei mais no que acredito.


Sem dizer nada, Gina se inclinou para baixo e pegou a imagem da Virgem.


- A Virgem... - exclamou ela. - Marlena era inocente. Era pura.


- Tinha apenas quatorze anos. Quatorze!... - Lágrimas dançaram em seus olhos, causando dor tanto nele quanto em Gina. - Preciso acreditar que ela está em paz. Tenho que acreditar nisso para conseguir sobreviver. Acha que eu seria capaz de fazer o que testemunhei naquele lugar, e fazer tudo aquilo em nome dela? - Fechando os olhos, lutou desesperadamente para manter o controle. - Ela era uma menina boa, sem mácula. Não vou mais responder a pergunta alguma a respeito dela. Não para a senhora...


Gina concordou com a cabeça e se levantou. Antes de ela se virar, porém, Moody notou as sombras e a dor profunda nos olhos dela. Ele abriu a boca sem ter idéia do que ia dizer em seguida, mas ela falou antes:


- Você sabia que os conhecimentos de eletrônica desempenham um papel fundamental nestes crimes e que, diante disso, o registro da ligação que você recebeu em casa não tem valor algum?


Ele abriu a boca, mas tornou a fechá-la sem dar uma palavra. Que tipo de mulher era aquela, ponderou, que conseguia ir da compaixão profunda ao açoite repentino em um piscar de olhos? Dessa vez, bebeu um gole maior, antes de afirmar:


- A ligação foi recebida, exatamente como eu afirmei. - Sentindo-se firme novamente, Gina voltou e tornou a se sentar, afastando com firmeza a imagem de Marlena de sua mente.


- Você tentou entrar em contato com Audrey Morrell para confirmar a informação que recebeu?


- Não, eu...


- Como foi até o Clube das Sereias?


- Fui em meu veículo particular e, de acordo com as instruções recebidas, estacionei o carro junto da entrada lateral do clube, na rua 15.


- Como entrou lá?


- A porta lateral estava destrancada.


- E o que aconteceu?


- Chamei em voz alta. Ninguém respondeu, mas a música estava muito alta. Todas as luzes estavam acesas. Fui até o salão principal. Vi o rapaz de imediato, dentro do tanque. Ele... acho que estava se movendo. Pensei ver seus lábios se mexendo. Seu olho... seu olho desaparecera e seu rosto havia sido espancado. - Começou a perder a cor enquanto continuava o relato, à medida que as imagens voltavam à sua cabeça. - A água continuava a inundar o tanque. Eu não sabia como fechar as torneiras. Comecei a subir a escada, pensando em puxá-lo para fora. Então vocês entraram.


- Como achou que ia conseguir puxá-lo para fora se ele estava preso por algemas ao fundo do tanque?


- Não vi isto. Não reparei. Vi apenas o seu rosto.


- Você conhecia Patrick Murray, em Dublin?


- Conheci muita gente lá. Não me lembro de nenhum Patrick Murray.


- Muito bem. Vamos começar tudo novamente.


 


Gina trabalhou com ele por duas horas, interrogando-o com determinação. A história dele não mudou nada. Quando saiu da sala de interrogatório, fez um sinal para Hermione, pedindo:


- Vá verificar se meu carro novo já chegou e em que vaga posso encontrá-lo. Avise-me e depois vá para o lugar onde ele está. Chegarei lá em cinco minutos.


- Sim, senhora. Ele agüentou firme. - comentou. - Se eu tivesse sido atacada por perguntas daquela forma, sem cessar, em um interrogatório desse tipo, provavelmente confessaria qualquer coisa só para conseguir um pouco de paz.


Sim, ele agüentara firme, pensou ela, mas parecia dez anos mais velho quando ela terminou. Velho, doente e frágil. O estômago de Gina se contorceu de culpa.


- A única coisa que ele conseguiu nesta manhã foi ganhar um prêmio por burrice. - resmungou Gina, enquanto seguia em frente pelo corredor.


Encontrou Harry à sua espera, como já imaginava, sentado em sua sala.


- Vou lhe dar dez minutos para conversar com ele. Tente convencê-lo a arrumar um advogado. Não me importo com os meios que vai usar para conseguir isso.


- O que aconteceu? O que ele estava fazendo lá?


- Não tenho tempo para lhe contar tudo agora. Ele mesmo lhe dirá. Tenho que sair para um trabalho de campo, mas não devo levar mais de uma hora. Depois vou para casa, com Hermione. Temos que fazer uma busca. Tecnicamente, não preciso de um mandado para entrar nos aposentos dele, pois fazem parte da sua casa. Apesar disso, você poderia complicar as coisas, se quisesse.


- Não tenho intenção alguma de complicar as coisas. Quero tudo isso esclarecido de uma vez tanto quanto você.


- Então faça um favor a nós dois: fique longe de casa e certifique-se de que ele também fique longe, depois que seus advogados conseguirem libertá-lo sob fiança. Mantenha-o longe dali pelo menos até as três da tarde.


- Certo. Vocês já conseguiram identificar a vítima?


- Ele está vivo, ou quase vivo, e seu nome é Patrick Murray. Era o faxineiro do clube. Preciso entrar em contato com a sua esposa.


- Pat Murray. Meu Deus! Eu nem o reconheci.


- Então... você o conhecia.


- Mais em nível profissional do que pessoal. Ele gostava de jogar, e eu fornecia o jogo. - As lembranças de Harry eram vagas e enevoadas. - Ele me deu uma dica, certa vez, de onde eu poderia encontrar Rory McNee. Deve ter se gabado disso com alguém. Eu certamente não contei a ninguém, e nós nem éramos amigos. O fato é que, de vez em quando, ele fazia pequenos trabalhos e servia de anotador para O’Malley e os outros. Jamais pensaria nele como possível vítima. - Levantou a mão, deixando-a cair novamente. - A dica não deu em nada, de modo que eu jamais poderia me lembrar dele.


- Pois alguém lembrou. Não importa se a dica era furada ou não. Ele entregou a você o paradeiro de alguém e isso o torna um traidor... e um alvo. - Seu comunicador apitou. - Aqui fala a tenente Weasley!


- Recebi o seu veículo, tenente. Estou na garagem, setor D, nível três, vaga 101.


- Estou indo... agora tenho que ir embora. - disse a Harry. - Chame os advogados.


- Já fiz isso há uma hora. - Ele conseguiu dar um sorriso. - Neste instante, eles devem estar convencendo o juiz a expedir um mandado de soltura sob fiança para Moody.


Como estava com pressa, Gina pegou a passarela rolante para o setor D, mas só conseguiu ir até o setor C, pois o motor parou. Saltou da passarela e nem se deu ao trabalho de xingar a máquina, seguindo até o nível seguinte quase correndo. Localizou a vaga 101 e encontrou Hermione boquiaberta diante de um Sunsport último tipo, com frente rebaixada, teto solar e abas de deflexão na frente e atrás.


- Achei que você tinha dito vaga 101. - reclamou com Hermione.


- E disse mesmo.


- E onde está o carro que mandaram para substituir o velho?


- É esta vaga mesmo. - confirmou Hermione, com os olhos arregalados. - O carro é esta beleza aqui!


- Ninguém na Divisão de Homicídios consegue um carrão desses. - debochou Gina. - Nem mesmo quem já é capitão.


- Pois a placa confere. Verifique também a senha para abrir a porta. - Entregou a Gina um pequeno sensor metálico que poderia também ser usado no caso de o motorista ter esquecido o código. - Tudo funciona direitinho. Pensei em ligar para o Departamento de Requisição de Veículos para confirmar se o carro era esse mesmo, mas então achei que não valia a pena fazer papel de idiota.


- Bem... - Gina fez um bico com os lábios e assobiou baixinho. A cor podia ser horrível, um verde forte, com tom de ervilha, mas todo o resto era de primeira classe. - Uau! Alguém deve ter liberado o carro errado, mas a gente deve aproveitar para curtir enquanto pode. Entre.


- Nem precisa mandar! - Hermione se agachou para passar sob a porta que se elevou para o alto como uma asa e se remexeu no banco até sentir que o traseiro estava confortavelmente instalado. - Banco legal! E você pode programar o sistema para ligar o motor por comando de voz.


- Vamos brincar com essas coisas mais tarde. - Gina ligou o motor manualmente e levantou uma sobrancelha, aprovando o ronco suave da máquina. - Nenhum soluço nem engasgo. Isso pode significar o início de uma bela parceria. Espero que o escudo de segurança e o equipamento anti-furto sejam de última geração e estejam funcionando bem.


- Algum motivo em particular?


- Sim. - Gina deu ré, fez a curva e começou a se dirigir para os andares inferiores. - Vamos voltar ao Clube das Sereias, a fim de procurar duas aparições que saquei na área hoje de manhã. Um carro como este, com placa da polícia ou não, certamente vai atrair algum ladrão.


- Ele veio equipado com escudos completos, defletores e um desencorajador de ladrões com choques elétricos progressivos.


- Talvez isso funcione. - refletiu Gina. Quando pegou o tele-link para fazer uma ligação, Hermione balançou a cabeça.


- Para ativar esse modelo não precisa usar as mãos. É só apertar o segundo botão na alavanca embaixo do volante.


- Adoro tecnologia. - Após fazer o que Hermione lhe dissera, Gina observou a tela do tele-link ficar azul e ordenou: - Audrey Morrell, Torres do Luxo, Nova York. Buscar o número e fazer a ligação.


 


Pesquisando... O número solicitado não está na lista. Entrando em contato...


 


Dois bipes depois, de forma eficiente, o rosto de Audrey apareceu na tela. Havia uma mancha de tinta a óleo amarela na sua bochecha direita e um ar de distração em seus olhos.


- Aqui é a tenente Weasley, Srta. Morrell.


- Oh, sim... tenente Weasley... - Audrey levantou uma das mãos, que estava toda salpicada de tinta azul-celeste, e ajeitou o cabelo. - Em que posso ajudá-la, tenente?


- Poderia me dizer onde a senhora estava entre cinco e sete horas da manhã de hoje?


- Estava aqui mesmo, em meu apartamento. Só me levantei depois das sete e estou trabalhando desde então. Por que pergunta?


- Questão de rotina. Gostaria de marcar uma conversa com a senhora para amanhã de manhã, em sua casa, se o horário lhe for conveniente.


- Ora, sim, imagino que sim. Poderíamos marcar para as nove horas, se o assunto não levar mais de uma hora. Tenho uma aluna particular com aula marcada para as dez e meia.


- Nove horas está ótimo. Obrigada. Fim da ligação. - Gina se colocou no fim de uma fila de carros que aguardavam o sinal abrir. - Quem quer que tenha ligado para Moody esta madrugada, sabia que ele tem um interesse romântico pela Srta. Audrey Pincel, por mais que seja difícil imaginar aquele graveto ressecado sentindo alguma coisa por alguém.


- Andei pensando a esse respeito.


- E descobriu o quê?


- Tudo isso não pode estar sendo feito por uma pessoa só, pelo menos se continuarmos seguindo a teoria de que Moody é inocente. Não se trata apenas dos assassinatos, mas de arquitetar todos os planos. O assassino deve conhecer a rotina de Moody, e deve saber que ele jamais muda os seus hábitos. Deve haver alguém de tocaia, seguindo-o, enquanto o assassino age. E o assassino, de acordo com o seu perfil psicológico, precisa de elogios, atenção e recompensas. Alguém deve estar por trás, fornecendo tudo isso a ele.


- Muito bem, Hermione!


Hermione ficou calada por um instante e então soltou um suspiro, dizendo:


- Mas você já sabia de tudo isso.


- Não importa, as deduções foram muito boas. Metade do trabalho de um detetive é seguir um raciocínio lógico, e você fez isso.


- Qual é a outra metade?


- Seguir um raciocínio ilógico. - Gina estacionou na porta do Clube das Sereias e reparou que o lacre eletrônico da polícia continuava no local, piscando uma luz vermelha, e as grades das vitrines ainda estavam abaixadas e trancadas.


- Os fantasmas de rua que você mencionou não gostam muito de andar à luz do dia. - comentou Hermione.


- Este carro vai atraí-los. - Gina saltou do veículo pelo lado da rua e esperou até Hermione estar fora do carro, na calçada, antes de ordenar: - Ligar todos os defletores e equipamentos de segurança.


Os trincos mal haviam acabado de ser acionados e Gina percebeu um movimento leve ao lado do portal, do outro lado da rua.


- Tenho cinqüenta fichas de crédito para entregar em troca de informações. - disse, sem se dar ao trabalho de elevar a voz. Sabia que as sombras da rua ouvem tudo o que querem. - Se eu conseguir essa informação, vai ser muito bom, porque então minha auxiliar e eu não vamos precisar dar uma batida para confirmar a denúncia que recebemos de drogas ilegais rolando aqui na área.


- São vinte créditos só para perguntar... mais trinta pela resposta. - informou uma voz.


- Parece justo. - Enfiando a mão no bolso, pegou uma ficha de vinte créditos.


A figura que se aproximou delas era toda cinza. Pele, cabelos, olhos, tudo tinha o mesmo tom de poeira, bem como o casacão comprido que usava, com as pontas arrastando no chão. Sua voz era pouco mais que um sussurro e os dedos que pegaram a ficha na mão de Gina fizeram isso sem sequer encostar nela.


- Você conhece Patrick Murray, o faxineiro?


- Já o vi. Já o ouvi. Não o conheço. Morreu.


- Não, ainda não está exatamente morto. - Como você, pensou, está em uma espécie de limbo. Patrick, no entanto, ainda tinha chance de voltar inteiro. - Você viu alguém entrar no clube de madrugada, depois de fechar?


- Eu o vi... - Os lábios da figura desbotada se abriram sobre os dentes cinzentos, formando um esgar horrível à guisa de sorriso. - Também o ouvi. Não o conheço.


- A que horas ele apareceu?


- A hora não existe, só o dia e a noite. Um veio quando ainda era mais noite do que dia. O outro veio quando já era mais dia do que noite.


- Dois? - Seus olhos se aguçaram. - Você viu duas pessoas diferentes entrarem aqui, em momentos diferentes?


- O primeiro tocou a campainha, o segundo não.


- E como era a aparência do primeiro?


- Uma cabeça, dois braços, duas pernas. Todo mundo parece igual para mim. Casaco legal. Pesado e preto.


- Ele ainda estava lá dentro quando o segundo homem chegou?


- Passaram como fantasmas. - Sorriu. - Um saiu, o outro entrou. Então você chegou.


- Seu caixão fica lá em cima? - perguntou Gina, apontando para o prédio.


- Já devia estar deitado nele. Está claro demais aqui fora.


- Então pode ir e fique por lá. - recomendou ela, entregando-lhe os trinta créditos restantes. - Se eu voltar aqui e precisar conversar novamente com você, trago mais cinqüenta.


- Grana fácil. - disse ele, desaparecendo.


- Descubra o nome dele, Hermione. E pesquise se no prédio há outros moradores.


- Sim, senhora. - Entrou no carro para fazer a busca. - Dois homens. Isso confirma a história de Moody.


- Nosso assassino não conhece essas sombras fantasmagóricas que andam pelas ruas e não cobriu seu rastro. Tudo o que tinha a fazer era lhes dar alguma grana e prometer mais.


- Esses caras me causam arrepios. - Hermione digitou o pedido e esperou enquanto o palm computer pesquisava os dados. - Até parece que eles conseguem atravessar paredes, pelo seu jeito.


- Se você se viciar em Tranquility por alguns anos, vai ficar parecendo igual. Pesquise todos os nomes dos moradores, para o caso de o nosso fantasma levantar acampamento e resolver transferir o caixão para outro cemitério. Depois, entre em contato com Ronald e mande-o se encontrar conosco lá em casa.


- Ronald?


- Deixe de implicar com ele! - ordenou Gina, ligando os limpadores de pára-brisa ao ver que uma neve fina e úmida começava a cair. - Preciso que todas as ligações recebidas por Moody sejam rastreadas. - Ligando o tele-link do carro, entrou em contato com o hospital mais uma vez, para saber de Murray.


- Ele vai escapar. - informou confiante, enquanto entrava pelos portões de sua casa. - Já há um pouco mais de atividade cerebral e ele respondeu a estímulos de realidade virtual. A esposa está com ele.


Ela mal estacionara o carro quando reparou que outro veículo vinha entrando pela alameda, atrás dela. O ar de aborrecimento diante da visita inesperada desapareceu ao reconhecer o carro que chegava.


- Neville!


Ele saiu do carro com o rosto rosado devido ao sol mexicano, as roupas amarrotadas e os espetados cabelos ruivos enfeitados por um chapéu de palha incrivelmente ridículo.


- Oi, garota! - Pegando uma caixa no colo e tirando-a para fora do carro, ele quase perdeu o equilíbrio com o peso, mas conseguiu endireitar o corpo e foi caminhando na direção de Gina. - Acabei de chegar de viagem e minha mulher quis que eu lhes trouxesse um pequeno agrado, como agradecimento por vocês terem nos emprestado a casa. E que casa!... Hermione, você precisa conhecer aquele lugar... - continuou ele, girando os olhos. - É um tremendo palácio mexicano encarapitado no alto de um rochedo. Você pode se manter confortavelmente instalada em sua cama, esticar a mão para fora da janela e pegar uma manga direto do pé! Lá tem uma piscina que parece um lago, de tão grande, e um andróide doméstico que faz tudo para você, com exceção de fechar o zíper da calça, de manhã. E então, você vai me deixar entrar em sua casa ou não?... Esse troço pesa quase trinta quilos.


- Claro. Eu pensei que você só ia voltar na... - parou de falar ao chegar à porta e perceber que aquele era o dia marcado para a volta de Neville. - Nossa, perdi a noção dos dias!


- E então, garota, quais são as novidades? - quis saber ele, colocando a caixa no chão do saguão e flexionando os ombros.


- Nada demais. Estou com três homicídios e uma tentativa de assassinato, todos conectados. Mutilações. O cara entrou em contato comigo pessoalmente e armou um jogo com características religiosas. A última vítima está em coma, mas provavelmente vai escapar. Harry conhecia todas as vítimas do tempo em que morava em Dublin, e Moody acaba de voltar para o topo da lista de suspeitos.


- Então está tudo na mesma... - reagiu Neville, balançando a cabeça. - Quer saber? Não liguei o telão para nada nessas duas semanas, exceto para os programas esportivos, e... - Parou de falar e seus olhos de cachorrinho dócil se arregalaram. - Moody?!...


- Vou explicar tudo enquanto fazemos uma busca no apartamento dele. Ronald já deve estar chegando.


- Ronald! - reagiu Neville, parecendo dançar de alegria atrás dela, deixando de lado o chapéu de palha e o clima de férias enquanto caminhavam. - A Divisão de Detecção Eletrônica está trabalhando com você nesse caso?


- O nosso amigo assassino é fera em eletrônica e sistemas de comunicação. Entre os brinquedinhos dele há um misturador de sinais de alta tecnologia. Ronald está cortando um dobrado, tentando decifrar tudo, mas conseguiu rastrear e localizar a fonte das ligações. Só que, até agora, não encontramos o seu esconderijo.


- Ronald... esse garoto é bom! Estou orientando o trabalho dele.


- Vocês vão poder bater altos papos técnicos quando ele chegar. Nesse momento, temos uma busca para realizar e alguns registros de tele-link para verificar. - Gina parou na porta de entrada dos aposentos de Moody. - Vai se juntar a nós ou prefere recuar para ir procurar o seu chapéu de palha que ficou lá atrás?


- Vou só ligar para casa. Preciso avisar a minha mulher de que não vou voltar para jantar.


- Senti saudades, Neville. - Gina sorriu. - Juro que senti!


- Minha mulher gravou mais de seis horas de vídeo. - Sorriu ele, com um jeito perverso. - Ela quer que você e Harry venham jantar conosco um dia da semana que vem, para assistirem a tudo. - Levantando as sobrancelhas, virou-se para Hermione, convidando: - Você também está convidada.


- Puxa... bem, capitão, eu não quero incomodar e...


- Pode parar, Hermione! - interrompeu Gina. - Você vai lá para assistir às gravações. Se eu tenho que aturar, você atura também. Essa é a cadeia de comando.


- Espero que isso sirva de incentivo para uma possível promoção. – decidiu Hermione. - Obrigada, tenente.


- De nada. Gravador ligado! Aqui fala a tenente Gina Weasley. Estão comigo o capitão Neville Longbottom e a policial Hermione Granger, entrando nos aposentos de Alastor Moody, a fim de efetuar uma operação-padrão para busca de provas.


Gina jamais estivera nos domínios particulares de Moody. Teve mais uma surpresa. Esperava um ambiente espartano, sem adornos, bem prático, com móveis em linhas retas e pouco estilo, mas encontrou uma adorável sala de estar em tons suaves de verde e azul, lindos enfeites em mesas de madeira clara, almofadões grandes, convidativos, e um ar de boas-vindas.


- Quem diria, hein?... - Gina balançou a cabeça para os lados.


- Olhando para este ambiente a gente imagina um cara que adora a vida e até tem amigos. Neville, vá verificar o centro de comunicações, sim? Hermione... deve ser Ronald chegando. - disse ao ouvir a campainha soar no monitor de segurança embutido na parede sul. - Deixe-o entrar, Hermione, e depois comece a vasculhar esta sala. Vou inspecionar o quarto.


Quatro aposentos saíam da sala de estar, em ângulos retos, como as pás de um ventilador. O primeiro deles era uma mistura de escritório com centro de controle, e foi ali que Neville mergulhou no trabalho, esfregando as mãos de contentamento. Do lado oposto ficava uma cozinha igualmente equipada e eficiente, que Gina resolveu ignorar, por ora.


Dois quartos ficavam de frente um para o outro, mas um deles funcionava como ateliê de pintura. Gina apertou os lábios e analisou a aquarela inacabada sobre o cavalete. Sabia que ela retratava frutas, porque viu sobre a mesa embaixo da janela uma imensa fruteira transbordando de cachos de uvas e maçãs vermelhas muito brilhantes. Na tela, porém, as frutas pareciam estar sofrendo terríveis condições climáticas.


- Não largue seu emprego diurno, Moody. - murmurou ela, virando-se em direção ao quarto dele.


A cama era grande, com uma cabeceira em bronze trabalhado na forma de parreiras e folhas prateadas. O edredom era pesado e fora colocado com capricho, cobrindo o colchão sem um vinco sequer. O closet exibia duas dúzias de ternos, todos pretos e tão parecidos que pareciam ter sido clonados a partir de uma única peça. Os sapatos, também pretos, estavam guardados em caixas protetoras de acrílico, todos furiosamente engraxados e brilhantes.


Foi por ali que ela começou, verificando os bolsos e buscando qualquer coisa que pudesse indicar uma parede falsa.


Ao sair do closet e voltar para o quarto, quinze minutos depois, ouviu Neville e Ronald tagarelando alegremente no escritório a respeito de sistemas centrais, capacitores e níveis de sinal. Examinou as gavetas da cômoda, uma por uma, e tentou evitar os calafrios assustadores que a assaltaram no momento em que apalpou as cuecas de Moody.


Gina já estava lá dentro há uma hora e pensou em chamar Hermione para ajudá-la a virar o colchão quando reparou na aquarela simples que estava acima de uma mesa enfeitada com rosas colhidas na estufa.


Estranho, pensou. O mordomo tinha quase uma galeria de arte em seu apartamento, mas todos os outros quadros estavam agrupados nas paredes. Aquele ali estava em um local de destaque, sozinho. Devia ser um bom trabalho, supôs, aproximando-se mais para estudar as pinceladas suaves e as cores oníricas. Um menino era a figura retratada, com o rosto angelical aberto em sorrisos e as mãos envolvendo uma braçada de flores. Flores do campo, que transbordavam do ramalhete e se espalhavam pelo chão à sua volta.


O que há de tão familiar nesse menino? Perguntou a si mesma. Era algo em seus olhos. Movendo-se um pouco mais para perto, observou o rosto pintado em tons suaves. Quem é você?, especulou em silêncio. O que faz pendurado na parede do quarto de Moody?


Aquele quadro não poderia ter sido pintado por Moody, não depois da aquarela inacabada que ela vira no estúdio. Não... aquele artista tinha talento e estilo. E conhecia a criança. Gina tinha quase certeza disso.


Para conseguir olhar melhor, tirou a pintura da parede e a levou até a janela. No cantinho da tela, conseguiu ver uma assinatura discreta. Audrey.


A namorada, refletiu. Provavelmente era por isso que ele o colocara em lugar de destaque, complementando-o com rosas recém-colhidas. Nossa, o cara devia estar realmente apaixonado!


Voltou com o quadro para recolocá-lo na parede. Em vez disso, porém, pousou-o sobre a cama. Tem alguma coisa a respeito desse menino, tornou a pensar, e seu coração se acelerou. Onde foi que eu o vi? Por que deveria conhecê-lo? Os olhos, talvez?... Droga!


Sentindo-se frustrada, virou o quadro de costas e começou a apalpar a moldura dourada, por trás.


- Encontrou algo, Weasley? - perguntou Hermione da porta do quarto.


- Não. Quer dizer, não sei... tem alguma coisa nesse quadro aqui. Esse menino. Audrey. Quero ver se há algum título para essa obra, um nome qualquer na parte de trás da tela. Que droga! - Irritada, se preparou para rasgar a fita crepe traseira que protegia a tela.


- Espere um instante, eu tenho um canivete. - Hermione o entregou rapidamente. - Se você soltar a parte de trás com cuidado, vai poder tornar a fechar direitinho depois. Essa tela foi muito bem emoldurada, é um trabalho de profissional. - Enfiando a ponta do canivete sob a fita crepe larga, levantou-a com cuidado. - Eu costumava fazer molduras para a minha prima. Ela sabia pintar, mas não conseguia prender uma tela na moldura nem com a parafusadeira a laser. Posso consertar direitinho depois que...


- Pare! - Gina segurou o pulso de Hermione ao avistar o fino disquinho de metal sob a fita crepe. - Vá chamar Neville e Ronald. Instalaram um grampo nesse quadro.


Sozinha, Gina conseguiu soltar a tela com cuidado e olhou abaixo da assinatura, no canto oculto pela moldura. Embaixo do nome de Audrey havia a figura de um trevo verde.


 


 


 

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