Enfermeira
Gina não pôde deixar de notar-lhe os músculos bem-definidos do tórax coberto de pêlos negros e dos ombros largos. Seu olhar percorreu-lhe os braços torneados até as mãos fortes, apoiadas sobre o abdome rijo. Diante do inesperado impacto com a absoluta masculinidade dele, desviou o olhar e ocupou-se, providenciando o material que Sirius lhe pediu.
Ela fez um ligeiro protesto quando ele raspou um pequeno trecho de cabelo rente à fronte do paciente com um aparelho de barba, mas o psiquiatra riu, dizendo que logo cresceria de volta. Colocou, então, um anestésico de uso tópico no trecho raspado do couro cabeludo, em torno do corte. Gina contraiu o semblante quando o viu começando a dar os pontos e olhou para o rosto inexpressivo do estranho, seus olhos azuis fixos numa parede da sala.
– Harry vai ficar bem – assegurou-lhe Sirius, notando o ar preocupado dela. – Está em ótima forma física para alguém que acaba de ser atingido por uma árvore, e, portanto, eu diria que é forte o bastante para suportar uns pontos à toa.
– Você o está chamando de Harry... Ele se lembrou de que esse é seu nome? – perguntou ela ansiosamente.
– Ele ainda está confuso quanto a detalhes pessoais, mas me falou sobre o isqueiro – respondeu Sirius, desapontando-a. – Assim... decidimos que Harry é menos melodramático do que Sr. Aquele Que Não Tem Nome.
Gina apenas meneou a cabeça, observando-o terminar a sutura com eficiência.
– Bem, pode relaxar agora e repouse bastante – disse Sirius, enfim, a seu paciente. – Gina cuidará de você, e eu voltarei pela manhã para ver como está se sentindo. Aposto que até lá você será um novo homem.
A expressão fechada de Harry suavizou-se, dando lugar a um ar de serenidade.
– Não tenho dúvida de que você tem razão.
Gina não estava tão otimista e seguiu Sirius de volta à cozinha com suas incertezas.
– Então, você não acredita que ele tenha sofrido uma fratura? – perguntou numa voz baixa.
– Sem uma radiografia, não posso descartar a possibilidade por completo – começou Sirius, cauteloso –, mas não tenho certeza de que não houve fratura. Embora ele esteja apresentando um estado desordenado de consciência que sugere uma concussão, não há nada que indique nenhum dano cerebral mais sério. Harry está zonzo, mas não sente náuseas e, apesar de suas respostas verbais estarem confusas, sua coordenação motora está perfeita. As contusões nos antebraços parecem indicar que tentou se defender, portanto, acho que ele deve ter amortecido boa parte do impacto com os braços. O corte na cabeça é superficial e deverá sarar sem problemas. Não encontrei saliências, nem depressões suspeitas em nenhuma parte do crânio.
– Mas você acha que ele pode ter sofrido uma concussão de menor gravidade?
– Acho que você deve mantê-lo em observação pelas próximas vinte e quatro horas, apenas por precaução. Harry pode dormir se quiser, mas você deve acordá-lo a cada duas horas. Acenda a luz e o faça abrir os olhos, veja se consegue falar com lucidez e obedecer a algumas instruções simples.
– Você não acha que deveria ficar aqui? – perguntou ela com nervosismo.
– Ouça, eu sei que você não tem, telefone aqui... portanto, fique com meu celular. – Ele entregou-lhe o aparelho e deu-lhe uma breve explicação sobre como funcionava. – E aqui está o número do telefone do meu chalé – acrescentou, anotando o número no verso de um de seus cartões de visita. – Se você tiver quaisquer problemas ou perguntas ligue-me, não importando o horário, está bem? E se alguém me telefonar, apenas aconselhe quem estiver do outro lado da linha a tomar uma aspirina e me ligar de volta de manhã!
Ele adquiriu um ar sério ao ver que ela não reagiu ao seu deliberado bom humor.
– O que está realmente preocupando você?
– Bem... Com certeza, você deve estar preocupado quanto à extensão de perda de memória de Harry. Ele vai enlouquecer quando se der conta de que sua vida inteira é um completo vazio.
Sirius estudou-a, seus olhos contendo um ar de compaixão.
– Foi o que aconteceu com você?
Ela sentiu a tensão dominando-a. Era por aquele motivo que sempre evitara um maior contato com Sirius até então. Não quisera ser objeto de nenhuma curiosidade profissional.
Inevitavelmente, sua história acabara se tornando de conhecimento geral em Godric´s Hollow, mas Gina não costumava falar a respeito do assunto com ninguém, preferindo manter sua privacidade.
– Foi diferente para mim. Eu sempre soube exatamente quem eu era. Quando acordei, depois daquela pancada na cabeça, continuava sendo eu. Não perdi minha completa identidade... apenas dois anos que não foram importantes na minha vida e sem os quais, já provei, posso me arranjar perfeitamente.
Ergueu o queixo com ar um tanto desafiador, mas Sirius não lhe fez a pergunta para a qual estivera preparada: Como sabia que aqueles anos não haviam sido importantes se não se lembrava deles?
– E ainda não se lembrou de nada? Desde que veio morar, aqui, não teve nenhum lampejo de memória em relação aos dois anos anteriores a isso?
– Não. A única coisa é que, às vezes, tenho que me lembrar de que sou dois anos mais velha do que me sinto – respondeu ela num tom corriqueiro, para mostrar que a situação lhe importava bem pouco.
O que era verdade. Gina não gostava de falar sobre as circunstâncias de sua chegada em Godric´s Hollow, mas era apenas porque estava ocupada demais com os empolgantes desafios do presente para perder tempo olhando por sobre o ombro.
Certamente, não precisava se consultar com um psiquiatra.
– A maioria das mulheres invejaria o fato de você poder dizer com sinceridade que não se lembra de alguns aniversários – concordou Sirius no mesmo tom de gracejo, o que a fez ficar menos tensa. – Mas tem razão. A amnésia global de Harry é diferente, embora eu tenha certeza de que é apenas um trauma passageiro. Ele está um tanto chocado, e isso, combinado à concussão, provavelmente confundiu sua memória. É um caso clássico. Depois que ele repousar e o choque tiver passado, sua habilidade de se concentrar voltará e também a sua memória.
Gina teve a impressão de que estava aprendendo mais do que realmente queria saber sobre os mistérios do cérebro. Nunca fizera questão de saber a respeito de detalhes clínicos, e, provavelmente, era por aquela razão que tentava manter médicos e hospitais fora de sua vida.
– Você conseguiu descobrir algo mais sobre ele?
– Bem, apenas que tem algumas velhas cicatrizes. Harry não soube dizer de onde veio, nem para onde estava indo. E não encontramos nenhuma carteira em suas roupas. Talvez a tenha perdido na estrada. Você está mais familiarizada com as pessoas que moram aqui do que eu no momento. Tem certeza de que não o viu antes, nem mesmo de passagem?
– Absoluta. Ele é um completo estranho. Essa foi a primeira coisa que me chamou a atenção. Acredite, se eu soubesse quem ele é, teria prazer em entregá-lo a quem quer que o tenha convidado para uma visita. Não me importo em ajudar numa emergência, mas realmente não estou preparada para ter um hóspede no momento. – Gina dava-se conta de que aquilo poderia parecer egoísmo de sua parte, mas o estranho já causara um pequeno caos em sua tranqüila existência.
– A propósito, você tem algo que ele possa usar, ou devo ir buscar algumas de minhas roupas em casa? Harry precisa ficar aquecido para combater os efeitos do choque.
– Acho que tenho alguma coisa que deverá lhe servir. – Gina virou-se e prendeu a respiração ao perceber que o homem estava parado perto da porta que dava para a cozinha. Por quanto tempo estivera ali ouvindo? E quanto da conversa realmente escutara? Havia uma expressão resguardada e cautelosa em seus olhos verdes, uma espécie de fúria contida que a fez pensar num animal enjaulado.
E, sem a manta de lã, não havia nada para encobrir o vigor quase primitivo de seu corpo. Era de fato atlético e bem proporcional, com destaque para os ombros largos, os pêlos negros que lhe cobriam o peito e desciam até o abdome rijo, os quadris estreitos e coxas fortes delineados apenas pela seda de uma cueca cinza.
Ela sentiu as faces corando. Limpou a garganta.
– Eu só estava dizendo até logo ao doutor.
– Eu preciso usar o banheiro – disse ele sem deixar de fitá-la.
– Oh... – O rubor dela acentuou-se. – Fica ao final do corredor. – Depois que o viu seguindo na direção certa, olhou ansiosamente por sobre o ombro para Sirius.
Ele abriu um sorriso.
– Os rins do nosso amigo estão funcionando. Esse é definitivamente um ótimo sinal.
Ocorreu a Gina que o psiquiatra era um otimista incurável por natureza.
– Ele estará bem sozinho? – perguntou, preocupada.
– Quer que eu vá verificar antes de ir embora?
– Sim, por favor. E, depois, poderia levá-lo até o quarto de hóspedes do outro lado do corredor? Vou fazer a cama de lá. Será bem mais confortável do que o sofá. – Se a tempestade iria mantê-la acordada, Gina não teria que passar a noite inteira velando o sono de seu hóspede inesperado. Olhá-lo brevemente a cada duas horas seria bem menos desgastante para seus nervos!
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