Tempestades



Eu estava sonhando, isso eu já sabia.
Porém, cada mínima sensação parecia extremamente real. Minha mente estava obscura, como se tivesse estado horas sem foco. Para variar, meu corpo todo doía e minha cabeça ameaçava explodir - mas isso não era nem um terço de minha atual situação.
O frio do lado de fora do castelo era extremamente cortante e alguns trovões ao longe eram o aviso de que uma tempestade estava por vir. Eu cabara de abrir os olhos e não sabia por quanto tempo havia estado dormindo debaixo da enorme árvore perto do lago; meu exemplar dos contos de Shakespeare ainda jazia aberto em meu conto favorito no meu colo.
Aquele frio era estranho demais para o início do outono e fazia meus músculos  se contraírem involuntariamente. Decidi me levantar para sair dali o mais rápido possível e voltar para o calor aconchegante do castelo. Catei meu precioso livro e rumei para lá, me abraçando o máximo que podia - é nessas horas que a gente pergunta pra que ter uma maldita capa que não leva para lugar nenhum.
A escuridão ao longe ia se aproximando do castelo e engolindo tudo o que via pela frente e isso me fez perguntar à mim mesma que horas deviam ser. Para meu horror, constatei, após um clarão em meio às núvens negras, que aquilo não era o anoitecer e sim era a tempestade que estava por vir.
Eu estava no meio do caminho quando um pingo grosso caiu em minha face. A água gelada atingira minha pele como se fosse uma faca; o que anunciava que a tempestade que estava por vir provavelmente seria uma chuva de granizo ou mais pesada que uma chuva torrencial.
Não esperei mais e comecei a correr. Mal eu começara a mover-me mais rápido pelos jardins a chuva já desabara sobre mim com força total, fazendo com que eu perdesse o controle sobre meus músculos e seguisse rumo à escola batendo os dentes e tremendo de frio. A chuva castigava meu rosto e o vento cortante ardia em meus olhos.
Por fim eu fechei os olhos e comecei a correr às cegas pelo gramado. Nos primeiros momentos eu apenas tropecei nos lugares onde a grama não era estática e achei que poderia continuar assim - até eu colidir em algo.
Meu corpo parara de tremer e minha respiração cessara de súbito, fiquei estática. Abri os olhos com dificuldade e mantive a cabeça baixa, ignorando a cachoeira de água que escorreu de meus cabelos até meus olhos, embaçando meu campo de visão.
- Weasley?! Weasley! - perguntou uma voz acima de mim.
Alguma coisa me dizia que eu havia colidido em algo humano.
- Ei, Rose?! - perguntou a voz novamente, e notei que ela era estranhamente familiar.
Tentei responder, mas não consegui, parecia que meus pulmões haviam parado de funcionar e o ar gelado não conseguia penentrar minhas narinas. Ergui meu rosto para tentar descobrir em quem eu trombara, mas minha visão estava embaçada e ainda mais água entrara em meus olhos, fazendo-me desistir de tentar ver alguma coisa ao meu redor.
- Desculpe. - murmurei baixinho com as últimas sobras de ar que restaram em meus pulmões; tão baixo que acho que não foi possível à nenhum ser vivo que estivesse mais distante que 5 centímetros de mim ouvir.
Com um golpe que me custou algumas lágrimas, eu consegui empurrar uma lufada de ar para dentro de meus pulmões, que desceu rasgando minha laringe e meus brônquios. Fiz isso mais duas vezes e consegui fazer minha respiração voltar, extremamente pesada e ofegante. Com o ar frio em meus pulmões, meu músculos ficaram totalmente fora de controle, se contraindo de frio frenéticamente sem que eu pudesse fazer nada. Me vi totalmente desarmada e entregue àquela pessoa; à sua mercê. Meu coração estava acelerado, como se esperasse que alguma atitude viesse de uma das partes, com um mau pressentimento.
Eu sabia que não era uma das garotas mais adoradas de Hogwarts e que minha petulância me trazia uma pá de inimigos. Naquela hora, o último pensamento que poderia me ocorrer era o de sair correndo ou duelar. Quando deixei escapar um gemido frenético de frio e de nervosismo, pensei que fosse ser meu fim, porém, o que aconteceu depois foi algo completamente diferente de minhas premonições.
Num impulso, meu corpo estava envolvido num abraço forte e braços quentes me puxavam para junto de si. Meu rosto, ao entrar em contato com uma superfície um tanto macia e quente, se aqueceu e me acalmou instantaneamente. Meus olhos arregalaram-se de surpresa, contra a minha vontade, em meio à chuva volumosa que despencava acima de nós e um trovão explodiu como uma bomba ao longe.
- Não se preocupe, Rose, vai ficar tudo bem. - disse-me a voz à centímetros de minha orelha esquerda, tentando me confortar. Seu tom era suave, e ao mesmo tempo conseguia transmitir toda a segurança de que eu estava precisando. À julgar pelo som, um palpite que eu tinha estava certo.
Ficamos algum tempo abraçados. À essa altura meus batimentos cardíacos se acalmaram e meu corpo parara de tremer. Arrisquei me separar do abraço, embora fosse contra a minha vontade, e tentei olhar nos olhos de meu salvador; porém os meus ainda estavam empapuçados demais de chuva e lágrimas para entrarem em foco.
O vulto que se formou à minha frente era familiar e confirmou que meu palpite de que era um garoto estava certo. Fiquei observando calmamente, esquecendo-me da chuva e do vento frio ao meu redor, somente observando-o caminhar em minha direção.
Quando a distância entre nós foi encurtada o suficiente para eu ficar face à face com ele, fechei meus olhos, mesmo sabendo que nada do que estava acontecendo ali fazia sentido. Senti uma mecha de meu cabelo ser posta delicadamente atrás de minha orelha esquerda, tão suavemente que era como se eu fosse partir ao menor toque e uma aproximação involuntária minha fez nossas respirações se misturarem. Porém essa ação repentina fora como um choque, e o vulto se afastara de mimm subitamente; como se eu fosse a fonte de tal descarga elétrica.
Fiquei observando-o desconcertada, sem entender nada, culpando-me pelo meu ato idiota. A chuva ao meu redor bloqueava quase todos os meus sentidos; eu já não podia ouvir ou ver mais nada; mas podia sentir - e eu sabia que ele já se encontrava longe de mim.
E se ele fosse embora? Eu ficaria sozinha novamente. Esse novo pensamento que se formara dentro de mim me fizera entrar em desespero. Eu estava sozinha em uma tempestade que eu própria havia criado em meu sonho e no entanto dependia de suas atitudes. Talvez esse fosse o reflexo de meus desejos mais profundos nos últimos anos.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, abrindo caminho para outras mais que vieram. Mas, no momento, elas deviam estar sendo lavadas pela chuva. Deixei escapar um gemido - um gemido que instantes depois fora calado quando lábios quentes vieram de encontro aos meus repentinamente, separando-se tão rápido de mim quanto foi a velocidade com que me alcançaram. Porém, nossa distância não aumentara novamente.
As coisas seguintes aconteceram num jato. Minha respiração se tornara ofegante novamente e eu deixara escapar seu nome por entre meus lábios. Assim que senti sua respiração junto à minha, meu coração voltou a disparar. Depois disso, tudo começou a rodar disformemente ao meu redor e eu já não conseguia mais sentir o chão. Meu sonho estava mudando.
Achei que eu estivesse desmaiando ou tendo um AVC; mas pouco depois a chuva parara e os campos de Hogwarts na tempoestade foram substituídos por uma paisagem ainda mais escura e sombria que a anterior e dessa vez eu estava sozinha.
As novas sensações e as coisas à minha volta eram reais demais para serem um mero sonho. As árvores da floresta proibida passavam por mim como meros vultos na escuridão cortante anunciando já ser mais de meia noite. A brisa vinha rapidamente de encontro com meu rosto e meinha respiração estava mais ofegante que o normal. Mesmo com o que acabara de acontecer no sonho anterior, aquilo não era normal. E, também, eu estava acometida por uma sensação completamente diferente.
Era uma sensação de medo, desespero. Eu corria pela mata com toda a rapidez existente em meus pés para se locomoverem, mas meus passos pareciam cada vez mais lentos à medida que eu me embrenhava ainda mais na mata. Um urro ensurdecedor ao longe fez o chão tremer, o som de árvores sendo arrancadas e galhos sendo quebrados em massa me alertou que eu devia estar fugindo de algo.
Acima de mim apenas alguns raios prateados da lua cheia conseguiam penetrar na copa densa das árvores. Um uivo não tão distante ecoou pela mata e começou a se aproximar de mim gradativamente - como se eu estivesse atraindo seres mágicos.
 Do jeito que as coisas iam, mesmo se eu conseguisse fugir da enorme criatura que me perseguia, eu iria com certeza pelo menos dar de cara com o lobisomem.
Fiz as contas sarcasticamente em minha cabeça de quantos porcento de chance eu teria se lutasse com a criatura gigante desconhecida ou com um lobisomem. Saquei a varinha e me embrenhei ainda mais pela mata, escolhendo a segunda opção.
Esse trecho da mata estava mais escuro que o anterior e as árvores estavam mais juntas, seus galhos chegando até a entrelaçar-se uns nos outros, uma armadilha que a floresta escondia no meio da noite.
Um urro ainda mais forte me disse que a criatura já havia me alcançado. Desesperei-me a correr pela mata desesbestada e como consequência, prendi meu pé esquerdo em na raiz de uma das árvores e caí estatelada no chão. Quando levantei, meu punho estava trêmulo e apontava minha varinha para um vulto monstruoso à minha frente.
- BOMBARDA MÁXIMA! - berrei com todas as minhas forças. Para meu horror nada aconteceu. - BOMBARDA! BOMBARDA MÁXIMA! - mas minha varinha continuava intacta em minha mão sem que nenhum jato de luz sequer saísse de sua ponta.
Um par de olhos amarelos me observavam na escuridão e um som gutural veio de sua garganta e me avisou que aqueles eram meus instantes finais.
- IMPEDIMENTA! - tentei mais uma vez, mas já sabia que não conseguiria sucesso.
Fechei meus olhos esperando minha hora chegar e apenas deixei que a brisa batesse em meu rosto e acalmasse meu coração. A adrenalina havia se espalhado pelo meu corpo e, ecurralada ali na floresta proibida, eu pude sentir várias coisas ao mesmo tempo em uma fração de segundo.
Um passo bateu no chão à centímetros de mim como se fosse uma bomba e um cheiro de enxôfre invadiu minhas narinas. Embora eu já tivesse aceitado meu destino, meu coração ainda dava seus últimos golpes de desespero em meu peito. Ouvi o barulho de algo muito grande se abrindo e senti um hálido extremamente quente bater em meu rosto. Se eu tivesse sorte seria engolida interia; senão seria completamente despedaçada e retalhada, talvez não sobrasse nem meu sinal para ser enterrado.
Frente a frente com a pior cena de terror de minha vida, não consegui mais manter meu estado racional de serenidade que eu conseguira antes e deixei que o grito que estava entalado em minha garganta saísse, que provavelmente seria o último que eu teria a oportunidade de dar em minha vida.
Puxei a maior quantidade de ar, abri meus olhos para encarar meu destino e despedi-me de meu assassino com um grito que ecoou para a noite.

- Rose, o que foi? O que está acontecendo?- dizia uma voz frenéticamente ao meu ouvido, em um tom de preocupação.
- Me ajude, por favor! - implorei, agarrando algo à minha frente, que deduzi ser a luz do fim do túnel. O pânico já havia me dominado e lágrimas escorriam pelo meu rosto.
Para minha surpresa, meu gesto de desespero foi retribuído num abraço apertado, protetor.
- Calma, Rose, já passou. - murmurou em meu ouvido doce e serenamente, enquanto seus dedos afagavam meus cabelos.
Sua voz havia conseguido me convencer de que eu estava segura e de que aquilo, por mais real que tenha parecido, fora realmente um sonho. As imagens que passavam em minha mente pareciam reais demais, mas tratei de afastá-las de lá antes que o medo me dominasse novamente.
Eu estava exausta e descobri que estava completamente banhada de suor. Permaneci agarrada à ele num abraço apertado, com medo de que se o soltasse eu fosse voltar para a floresta escura novamente, mas não pude evitar que meus músculos fossem afourxando meu aperto aos poucos, à medida que o sono me alcançava.
- Pode dormir, Rose, eu não vou sair daqui. - garantiu-me ele, adivinhando meus pensamentos.
- Promete? - perguntei, temerosa, e aquilo me soara infantilmente.
- Prometo. - jurou. Sua palavras foram tão penetrantes que não ousei duvidar delas. - Seja lá o que esteja te atormentando, não conseguirá te alcançar novamente essa noite.
Delicadamente ele afrouxou meus braços e os retirou do redor de seu corpo, enquanto deitava-me novamente na cama, como uma criança. Lancei meu último olhar de insegurança, mas ele apenas me retorquiu com palavras sarcásticas que me provocaram um sorriso:
- Durma, Weasley, pois o que quer que tenha acontecido hoje se transformará em meras memórias amanhã; e então nós poderemos voltar a nos odiar em paz.
Eu não sabia se ele também estava sorrindo, mas algo me dizia que sim. Eu não havia compreendido o real significado daquelas palavras senão o que a pequena ironia presente em sua voz quando disse a última palavra quis dizer e adormeci tranquilamente ao som da chuva fina que batia na vidraça, ansiando que o dia que estava por vir pudesse apagar os resquícios das tempestades que haviam restado em minha memória.


 


 


N/A: Hello pessoas do meu coração! Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer os comentários e dizer que eu estou imensamente feliz por eles! Em segundo lugar, peço desculpas pelo atraso para postar, pois minha meta é postar um capítulo por semana, mas essa semana eu realmente estava enrolada com ensaios para uma apresentação de última hora e provas na escola e de música. Para compensar meu atraso, vou voltar ao meu esquema inicial e ver se posto um capítulo amanhã. Para atiçar vocês (sim, sou muito má!), vou deixar a pergunta básica no ar:
"O que será que o Scorpius ficou fazendo enquanto a Rose dormia?"
Beijos e até o próximo cap! ;D

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