Adeus Férias
Capítulo 1 -Adeus férias
O primeiro dia de setembro amanhecera subitamente. Antes que eu me desse conta, o dia de meu retorno a Hogwarts havia chegado e o tempo engolia minhas últimas esperanças de férias dignas.
Não me pareceu ter realmente amanhecido quando minha mãe bateu na porta do meu quarto para me acordar e pedir para que eu acordasse meu irmão. Levantei-me da cama ainda de olhos fechados, temendo que a luz forte que vinha do corredor ardesse em meus olhos. A ausência do canto dos pássaros me confirmou que o céu ainda devia estar escuro. Aos poucos os tão desprezíveis traços de minha velha rotina que eu tentava à todo custo evitar estavam se formando novamente. Vesti um robbie vermelho-vinho por cima da camisola branca de babados e deixei meu quarto escuro e aconchegante para invadir uma fortaleza proibida.
O quarto de Hugo ficava num ponto estratégico no fim do corredor, o local mais isolado da casa, e ainda possuía uma placa de "boas-vindas" na porta que dizia: "Acesso somente à pessoas autorizadas". Com um suspiro de tédio, dei duas batidas na superfície fria de madeira, mesmo sabendo que não obteria nenhuma resposta. Resolvi esperar mais um pouco do lado de fora, consciente que eu estava enrolando muito mais por preguiça pelo que viria a seguir do que para ter certeza de que meu irmão responderia. Relutante, girei a maçaneta da porta.
Para um lugar onde uma pessoa ficava enfurnada o dia todo, era um ambiente bastante pequeno e mal-cuidado. Havia roupas esparramadas pelo chão e embalagens de salgadinhos trouxas sobre a escrivaninha junto a mais alguns montinhos de lixo, que eu não consegui identificar o que eram, escondidas na penumbra do quarto.
Os roncos, abafados pelos lençois, de meu irmão denunciavam que ele havia madrugado essa noite conversando e jogando xadrês e Snap Explosivo com Albus em seu quarto. Este era um pequeno segredo que eu tenho guardado comigo desde pequena, quando certa noite saí para os jardins de nossa casa e quase dei um grito quando cruzei com Albus numa vassoura à centímetros de minha cabeça. Resolvi não contar nada à ninguém, mas guardo esse trunfo na manga para as horas em que Hugo me implica.
Aos poucos os pássaros começavam a cantar do lado de fora, então decidi que já era hora de fazer alguma coisa.
- Hugo, acorda... - eu disse suavemente enquanto puxava de leve suas cobertas.
- Só mais cinco minutos, mãe. Já estou indo. - ele tentou, mas essa ladainha não funciona comigo..
- Hugo, acorda... - disse, em meu tom de voz natural, puxando com mais força os lençois que ele relutava em segurar.
- Espera, mãe, já vou! - retorquiu ele, um pouco estressado, virando para o outro lado da cama.
- Eu não sou sua mãe e estou com pressa, acorda Hugo! - eu já estava começando a elevar meu tom de voz. Por que minha mãe simplesmente batia na porta para me acordar e não podia fazer o mesmo com ele? Por que era EU quem tinha que fazer isso todos os dias?
- Ah, Rose, dá um tempo! - respondeu ele, arrancando os lençóis de minha mão com um tranco e cobrindo o rosto. - Por que você não vai se arrumar para ver o Coleman e me deixa quieto aqui?
Não aguentei mais e perdi a paciência. Arranquei lençóis da cama, acendi a luz, puxei as cortinas e abri a janela ao lado de sua cama com um baque.
- HUGO WEASLEY, VOCÊ TEM 10 SEGUNDOS PARA LEVANTAR DESSA CAMA, ESTÁ ME OUVINDO? - meu irmão já tinha 15 anos, mas sempre agia como se tivesse 11.
- Aff... - resmungou ele.
- UM...! - rebati na mesma hora.
- Tá, tá, to indo. - disse ele, enquanto tateava a parede a procura do interruptor para apagar a luz do quarto.
- DOIS..!
- To quase... - respondeu fechando a janela acima de sua cabeça.
- TRÊS..!
- Calma Rose, você já acordou tão estressada essa manhã...
- QUATRO...!
- Não é por nada não, maninha, mas assim você vai ficar com rugas...
- CINCO E TEMPO ACABADO HUGO WEASLEY! - gritei, já sem a menor gota de paciência e saquei a varinha. Ao ver que tinha conseguido realmente me irritar, ele soltou uma risadinha satisfeita e levantou-se num pulo da cama.
- Alguém nesse mundo por favor me diz por que eu tenho que aguentar esse tipo de coisa? - disse para mim mesma, propositalmente em voz alta enquanto saía do quarto dele. - Merlin, por quê? Por quê?
Bati a porta com um baque enquanto ouvia uma pequena risadinha se transformar numa gargalhada lá dentro. Minhas últimas gotas de paciência haviam se esvaído nessas férias e a pequena porção que eu guardava de reserva estava aos poucos sendo desgastada também.
Minhas férias, ao contrário de um período para relaxar, foram extremamente desgastantes. Acordar Hugo frequentemente, visitar a casa de meus avós maternos e aturar meus primos pentelhos trouxas, receber cartas com fotos de minhas amigas no exterior e ter que ficar trancafiada em casa sem companhia porque até Lily havia viajado não eram coisas que eu realmente me orgulhava de ter como lembrança.
Eu estava contando os dias com remorso para o primeiro de setembro, vendo minhas últimas férias de verão como uma estudante de magia se esvaírem sem que eu ao menos me desse conta disso. No meio de julho, eu recebera uma carta de Hogwarts com um distintivo de monitora-chefe, mas o tratamento mais especial que eu recebera foram parabenizações momentâneas e depois o esquecimento do fato. Acho que é nisso que dá nascer numa família onde a maioria dos títulos já foram conquistados. Acho que o único título que ainda não foi conquistado é o de ministro da magia, porque capitão do time de quadribol, monitor, monitor-chefe, professor, funcionário do ministério, auror, primeiro aluno da classe e tantos outros já caíram até no esquecimento.
Assim, eu, Rose Jane Granger Weasley, tive que aprender a me virar sozinha desde pequena para conseguir algum tipo de status ou reconhecimento, porém nada nunca foi motivo para grandes festas. Espero que algum dia eu possa realmente orgulhar meus pais.
Saí do corredor escuro e passei por meu quarto, mas resolvi descer para tomar café da manhã. Mamãe estava no fogão preparando ovos fritos com salsichas e bacon quando recebi a notícia que a havia motivado a nos acordar tão cedo.
- Rose, querida, coma logo e vá se arrumar. - disse ela com uma voz animada.
- Mas o trem só parte às onze... - perguntei, mesmo sabendo que esse não seria o motivo de sua pressa.
- Eu sei, minha filha, mas seus avós querem te ver e te entregar uma coisa antes que você parta para seu último ano em Hogwarts.
- Vovó Molly e vovô Arthur? - perguntei, na esperança de não precisar rever Anthonieta nem Giullio.
- Não, eu me refiro aos meus pais, Rose. - pronto, lá se foi meu dia, fechando minhas férias de verão com chave de ouro!
- Ah, sim... Tá, tá bom mãe. Eu já estou indo então...
- Mas você não vai comer nada? - perguntou ela, com um ar preocupado.
- Não, mãe, estou sem fome. - "perdi" a fome seria a melhor palavra.
Antes que minha mãe pudesse fazer mais alguma objeção, levantei-me da mesa e subi as escadas quase correndo, trombando com um Hugo de cara amassada e com olheiras, cujo humor que conseguira às minhas custas ao acordar parecia ter se esvaído também.
Bem, se íamos à casa de meus avós, então eu precisava me apressar. Corri para meu quarto e a primeira coisa que fiz foi retirar o malão de dentro do armário e escancarar sua tampa. Aos poucos, com um toque de magia, as roupas iam sendo cuidadosamente arrumadas em seu interior e os livros iam sendo empilhados em uma outra mala, juntamente com meu caldeirão e pergaminhos com tinteiros. Em vinte minutos estava tudo organizado, guardado e lacrado.
Separei minha blusa preferida, a qual eu usava em raras ocasiões, para ver se ao menos ela ajudava a melhorar meu humor. Era de renda azul-clara, bem fresca, com um decote em V e mangas um pouco abaixo dos ombros, perfeita para dias mais quentes como o de hoje.
Tomei um banho apressado e nem me dei ao trabalho de secar os cabelos e vesti minha querida blusa com eles molhados mesmo. Sabia que era um erro, pois apesar de meu pai ter cabelos lisos e sedosos, herdei uma boa parte da genética de minha mãe também e meus cabelos, em seus melhores dias, amanheciam lisos descendo em ondas terminadas em pequenos cachos; mas em seus piores lembrava um pouco Sibila Trelawney. Várias vezes minha mãe insistira para eu cortá-los mais curtos, mas após tantos anos usando-os compridos me sinto sem coragem para mudá-los tão radicalmente. Porém, para meu humor negro de hoje, eles de nada me importavam mais, então os prendi em um coque com alguns fios de minha franja (que graças à Merlin e ao meu pai é lisa) caindo sobre as maçãs de meu rosto, dançando na frente de meus olhos castanhos.
Separei as vestes negras da escola num embrulho separado e desci com as malas pronta para despachar tudo com pó de flu. Encontrei minha mãe esperando impaciente em frente à lareira e ouvi o barulho de um malão sendo fechado às pressas no andar de cima.
- Hugo... - deixei escapar, enquanto ele descia as escadas esbaforido com o malão nas costas.
- Pronto, Hugo? - perguntou minha mãe, enquanto pegava uma pitada de pó verde e atirava nas chamas.
- Er, acho que coube tudo aqui. - disse ele, tentando forçar um sorriso para mamãe e logo que ela virou, disse baixinho para mim. - E você bem que podia ter me ajudado a fazer as malas né? Já que você pode usar magia fora de Hogwarts e eu não...
- Se você não tivesse me aborrecido tanto quando fui te acordar, talvez eu até teria te ajudado... - eu disse, com um olhar irônico.
- Rose..! - bufou ele, fazendo com que meus lábios se contraíssem num sorrisinho sarcástico.
- E não esqueça que eu sei que Albus sai toda noite montado numa vassoura da casa dele para virar a noite aqui com você jogando xadrês e Snap Explosivo...
- Como se nós fôssemos tão inocentes... - interrompeu ele com um olhar malicioso, tão baixinho que eu pensei não ter ouvido nada.
- O que disse?
- Nada, Rose, nada. - retorquiu ele, querendo logo encerrar a conversa.
Depois dessa eu podia imaginar o que eles ficavam fazendo ou vendo naquele quarto. Acho que nem posso mais garantir se eles ficam lá sozinhos nem culpar os Snaps Explosivos pelos barulhos e risadas. Realmente Hugo não era mais um garotinho, já era um adolescente mau-humorado e irritante. Pensar nisso me lembrou um certo alguém que eu não gostaria de ter me lembrado, para afastar esses pensamentos peguei logo uma pitada de pó de flu e taquei na lareira, entrando rapidamente nela.
- Londres, Abbey Street, número 12! - disse as palavras quase em uníssono, torcendo para que minha boca não se enchesse de fuligem ao falar.
Logo tudo começou a rodar e pouco depois eu estava na lareira da casa de meus avós. Conectá-los à rede de flu foi uma maneira prática que minha mãe encontrou para visitá-los frequentemente, mas isso implicava certos riscos, como o de que viajantes inexperientes nessa rede acabassem por acidente em na lareira trouxa de meus avós longe de seu mundo. Porém, até hoje, a não ser o rebuliço que meu irmão apronta quando chega, nada de grave aconteceu.
Por um milagre divino meu casal de priminhos pestinhas não se encontrava lá. Ao invés disso, encontrei a casa vazia, apenas com minha avó nos esperando sentada no sofá da sala.
Após a chegada de Hugo, a lareira foi desligada e o aposento foi devidamente iluminado. Minha mãe conversou nos primeiros trinta minutos com minha avó sobre o trabalho do papai e sobre como ele tem estado ausente esses dias por causa de uma crise no ministério e sobre outras coisas do próprio cargo que ela ocupava lá. Mas, após uma notícia de que uma árvorezinha esquisita que minha mãe cultivava quando era jovem, a quem chamaram de bonsai, havia crescidoalguns centímetros, ela correu e arrastou Hugo para o jardim esbaforida, deixando-me com minha avó, que estava às gargalhadas, na sala de estar.
À princípio senti-me desconfortável, pois não tinha uma conversa decente com minha avó desde muito pequena. Porém, ela sempre pareceu me compreender um pouco, e dessa vez não foi diferente.
- Que tal tomarmos uma xícara de chá, querida? - perguntou ela, com um sorriso bondoso. - Sei que está quente, então talvez eu deva servir chá gelado.
- Qualquer um dos dois, vó, eu não me importo. - apressei logo em dizer.
- Ok, então. - disse ela, me conduzindo para a cozinha.
Enquanto ela preparava o chá, eu comi algumas fatia de bolo. Até então eu não havia percebido, mas eu estava faminta. Devia ser pelo fato de eu não ter tomado café da manhã.
- Está satisfeita, querida?
- Estou sim, vó, obrigada.
- Tem certeza de que não quer mais? - perguntou ela, gentilmente.
- Tenho sim, obrigada mais uma vez. - respondi. Provavelmente, eu me arrependeria se não tivesse vindo aqui. Vovó sempre fora tão gentil, mas aqueles pirralhinhos sempre me irritam!
- Rose?
- Hum? - respondi, voltando de meus pensamentos.
- Pode vir comigo até meu quarto, por favor? Tem uma coisa que quero lhe mostrar antes que você parta... - disse ela, numa expressão enigmática.
- Ah, sim, estou indo.
Subimos as escadas forradas com carpete e seguimos pelo corredor até um quartinho que costumava ser de minha mãe quando mais nova.
- Mas, vovó...
- Shh! - pediu ela. - Seus primos estão dormindo e acho que você não iria querer acordá-los...
- Desculpa. - respondi baixinho. Parecia que vovó sempre iria me entender, fosse a garotinha para quem ela contava histórias trouxas sobre cinderella e branca de neve ou uma adolescente bruxa prestes a se formar e seguir seu próprio caminho.
- Aqui, venha aqui. - disse ela, me conduzindo à um armário.
Devagar para não fazer barulho, ela abriu a porta velha e pesada de madeira e retirou uma caixa do meio de umas tralhas que haviam lá dentro. Dentro dessa caixa, em meio a um monte de outras coisas, como álbuns de fotografias e recortes de revista havia uma caixinha de veludo comprida e quadrada. Vovó a pegou com cuidado, espanou a fina cama de poeira poeira que a cobria e a abriu.
Lá dentro haviam duas coisas: uma correntinha de prata com um pingente pequeno de anjo e um grande colar de brilhantes. Vovó retirou o colar de brilhantes e rapidamente o passou por meu pescoço antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.
- Mas vovó, esse colar...
- Eu o tenho guardado desde que sua mãe fez 16 anos e planejava dá-lo à você assim que tivesse a mesma idade que ela, no entanto você já está mais velha. Mesmo assim, quero que fique com ele.- pediu ela, enquanto retirava um pequeno espelho de dentro do armário.
- Mas vovó, é um colar tão valioso...
- Não ligue quanto à isso, minha filha. - e colocou um espelho à minha frente. - Olhe como ele ficou bom em você. Deu certinho com seu tom de pele e seus cabelos...
- Mas é algo tão valioso...
- Apenas fique com ele, Rose.
- Se é assim, eu fico. Prometo cuidar dele como se fosse minha alma. - jurei.
- Não se preocupe com isso tanto assim. Olhe - e pegou a pequena correntinha de prata que havia. - isso sim é o que há de mais valioso para mim aqui nesta caixa.
Retirei cuidadosamente o colar de brilhantes e o guardei na caixa, enquanto vovó prendia a correntinha ao redor do meu pescoço.
- Esse colar pertenceu à mãe da minha mãe, a minha mãe, a mim e à Hermione. Está há gerações em nossa família e agora que você está prestes a se formar em Hogwarts, gostaria que ele ficasse com você. - disse ela, sorrindo gentilmente.
- Vovó, eu não sei nem o que dizer. - admiti. Aquela pequena correntinha com seu pingente de cristal rosa-claro em forma de anjo era de certa forma ainda mais fascinante que o grande colar de brilhantes.
- Aceite-o como a continuação de uma corrente, Rose. É o que minha família vem fazendo à gerações.
- Está bem, então vovó. Eu não sei quanto ao fato de ter filhos ainda, mas com certeza passarei esses presentes para alguém muito especial. - assegurei-lhe, com as emoções à flor da pele.
- Não se preocupe tanto assim, querida. Vamos descer, sua mãe deve estar preocupada atrás de nós duas. - respondeu ela, com uma piscadela.
Depois disso apenas almoçamos as três com Hugo e partímos para a estação de trem. Eu não retirara a correntinha prateada do pescoço e agora carregava um peso enorme na consciência que estava esmagando meu peito e minha garganta por ter abominado tanto a idéia de ir visitar meus avós. Decidi não pensar muito naquilo por hora, pois teria uma viajem inteira pela frente na qual deveria me concentrar. E, agora que eu era monitora chefe, teria muito mais tarefas que os demais alunos. Mal podia esperar para patrulhar os corredores ao lado de Kody Coleman...
- Tchau Rose, faça uma boa viajem e aproveite ao máximo seu último ano em Hogwarts. - disse minha mãe com os olhos um pouco mais marejados que o normal, segurando as lágrimas por ter que ficar longe dos filhos por vários meses. - Cuide de seu irmão para que ele não faça nada de errado e certifique-se de que ele esteja nos eixos!
- Entendido, capitã! - e imitei uma pose de soldado, fazendo minha mãe rir em meio à pequenas lágrimas que começaram a escorrer por sua face.
- E pode deixar que eu mando satisfações por seu pai não estar aqui numa hora como essa!
- Não se preocupe, mamãe, está tudo bem. - disse, tentando tranquilizá-la. Mamãe sempre fora uma pessoa cuidadosa demais e super-protetora e agora, que era meu último ano em Hogwarts, sua emoções estavam explodindo. Lembro-me de às vezes tio Harry ou até mesmo o papai comentar o quanto ela havia mudado depois de ter se tornado mãe, mas ela sempre virava uma fera quando eles diziam isso então aos poucos o assunto foi deixado de lado em nossa casa.
- Tchau mãe, se cuida! - despedi-me, enquanto aproveitava a chance de que ninguém estava olhando e atravessava a barreira.
O cenário do outro lado era o mesmo há sete anos. Uma multidão de estudantes com malões imensos se espremiam para entrarem logo no trem, na esperança de conseguirem as melhores cabines. Em outra ocasião eu estaria mais preocupada, porém dessa vez eu teria umna cabine especial junto aos monitores.
- Rose Weasley? - perguntou uma voz conhecida atrás de mim.
- K-k-kody? - perguntei, perplexa.
- Rose, é você mesma! Eu estava te procurando! - disse ele, enquanto eu me virava para encará-lo.
Acho que mesmo em sete anos de convivência eu não me acostumaria com o jeito dele e com sua beleza diferente. Kody Coleman sempre fora o melhor aluno da minha série em Hogwarts e, mesmo eu tendo herdado a inteligência de minha mãe, não conseguia ultrapassá-lo. Apesar de ser inteligente, ele não tinha a aparência de um nerd; muito pelo contrário, ele era alto, esbelto, com cabelos castanhos emoldurando sua face e olhos cor-de-mel. Já fazem sete anos desde que eu me apaixonei por seu jeito sempre misterioso e gentil, seus belos traços e inteligência inigualáveis.
- Kody, você sabe onde fica a cabine na qual deveremos ficar?
- Ah, Rose, acho que não ficaremos na mesma cabine esse ano... - respondeu ele, como se quisesse se desculpar.
- Por que não? - perguntei, surpresa. Afinal, será que haviam mudado as cabines dos monitores-chefes?
- Vamos para o trem antes que as portas se fechem. Lá dentro te explico. - garantiu ele.
- Está bem, então. Mas eu tenho que guardar esse malão primeiro... - disse enquanto abria caminho em meio aos alunos em direção ao bagageiro.
- Estarei te esperando no corredor do terceiro vagão! - gritou ele, enquanto seu rosto se perdia no meio da multidão.
Eu ainda não havia conseguido engolir aquela história. Será que acontecera algo de errado e ele não queria me contar? Eu precisava averiguar isso e era rápido, antes que minha curiosidade me devorasse.
Em minha ansiedade para sair logo dali, acabei apelando para um pouquinho de magia para guardar minha mala logo no bagageiro, tendo derrubado alguns estudantes e os empurrado de minha frente discretamente, jogando o mais rápido possível meu malão lá dentro.
- Menos cinco pontos para a Grifinória por estar usando magia indevidamente. - anunciou uma voz desdenhosa atrás de mim. - Parece que a grifinória já vai começar com seu placar negativo?
- Como se você tivesse algum poder para fazer isso, Malfoy. - retorqui no mesmo tom de desdém. - Agora me dá licença que eu tenho mais o que fazer. - E eu tinha mesmo.
Virei-me rápido para sair dali, mas uma mão apertou meu braço e me parou com um tranco no centro da multidão de estudantes.
- Eu ainda não acabei de falar com você, Weasley. - repetiu ele, embora sua voz fosse séria, sua expressão ainda carregava aquele ar sarcástico que tanto me irritava.
- Eu não lhe devo satisfações do que eu faço ou deixo de fazer, Malfoy. Agora, se me dá licença, eu vou indo porque tenho mais o que fazer do que ficar ouvindo suas baboseiras.
- O que foi, caiu da cama de manhã? - perguntou ele, com um sorrisinho de zombaria. - Ou será que sonhou comigo e não que admitir?
- Pode ter certeza que se tivesse acontecido isso, teria sido algo como eu te lançando uma maldição ou te azarando. Mas, antes de ter sonhos com você, eu prefiro que me internem no St. Mungus. - rebati, secamente.
- Hum Weasley, parece que você não está de bom humor hoje. - concluiu ele, ainda com aquele sorrisinho irritante.
- Que bom que você conseguiu chegar à essa conclusão sozinho. - eu disse, dando meia volta e saindo dali antes que ele pudesse me impedir novamente.
A única coisa que pude ouvir foi um grito seu distante, seguido por uma gargalhada:
- Nos vemos no trem, [i]Rose Weasley[/i].
- Vai sonhando,[i] Scorpius Malfoy[/i]. - respondi para mim mesma, enquanto pulava com pressa os degraus da porta de entrada do vagão.
Corri exasperadamente pelos corredores até que encontrei o par de olhos dourados que eu estava procurando. Ao me ver, seu olhar nublou-se um pouco e eu pude ver que o que ele havia para me contar não seria uma notícia muito boa.
- Pronto, Kody, consegui. - anunciei, ofegando.
- Você foi rápida.
- Acha mesmo?
- Eu demorei meia hora só para conseguir chegar até o bagageiro, e olha que quando eu cheguei tinham bem menos alunos.
- Ah, é que eu dei um jeitinho e consegui chegar até lá. - respondi, ocultando o "jeitinho" que eu dera.
- Ah, sim. - disse ele, sorrindo.
- Er, Kody...
- Sim?
- Você disse que queria me contar uma coisa aquela hora... O que era?
- Ah, aquilo... Bem, na verdade é que...
- Weasley! - chamou uma voz pertencente à um irritante rapaz de cabelos dourados e irritantes olhos fortemente azuis. - Venha logo, não temos muito tempo.
- O quê?! Ir com você aonde Malfoy? Pirou?! - perguntei, sem saber se ria ou se fazia cara de espanto. - Por que eu iria à algum lugar com você, Malfoy? E, ale'm disso, não viu que está interrompendo nossa conversa?
- Tsc, tsc, Weasley. - retorquiu ele, com uma voz falsamente amarga. - Kody, você ainda não contou à ela?
Kody apenas balançou a cabeça num sinal negativo, enquanto observava Scorpius sem expressão.
- Bom, parece então que vai ser eu quem vai ter que dar essa notícia à você, Weasley. - anunciou Malfoy, com o olhar brilhando.
- Notícia? - perguntei, sem entender.
- É, Weasley. Já que o Coleman não te contou, de algum jeito você iria ter que saber.
- Hãm?
- Weasley, eu, Scorpius Todo Perfeito Hyperion Malfoy, fui nomeado monitor chefe. - disse ele, com um sorriso radiante que aumentava à medida que meu queixo caía em sinal de descrença.
Assim que me recuperei, deixei escapar um sonoro berro:
- O QUEEÊ?
- É isso mesmo que você ouviu, Weasley. Não me faça ter que repetir duas vezes. - disse ele, em tom de desdém. A essa altura, metade do corredor olhava para nós, devido ao berro que dei.
Se aquilo era uma brincadeira, eu com certeza havia caído direitinho. Sem saber se ficava com raiva ou se deveria me irritar, comecei a dar risadas nervosas.
- Está rindo do que, Weasley?
- Malfoy... Ah, Malfoy... - tentei começar, em meio ao riso. - Dessa vez você se superou. Eu caí direitinho, eu juro que acreditei por um segundo que era verdade...
- Eu não estou brincando, Weasley. - rebateu ele, sério.
- Rose... - disse uma voz macia atrás de mim, colocando a mão em meu ombro. - Ele está dizendo a verdade.
- C-como assim, Kody? - perguntei, perplexa. - Você não é o monitor-chefe?
- Era para eu ser, mas desisti do cargo e o Scorpius acabou ficando com ele. - respondeu ele, sem graça.
- O quê? Kody, como você pôde? - disparei, sem prestar atenção no que estava dizendo.
- É que eu tenho estado ocupado com meus estudos para os NIEMs e com o time de quadribol, então pensei que mais uma atividade apenas me deixaria mais exausto do que já estou. - quando ele disse isso, me arrependi instantaneamente de ter feito a pergunta anterior. Afinal, era a vida dele. A não ser o fato de que eu gostava dele em segredo, eu nada tinha a ver com ele.
- A-ah, o-ok então. - respondi, desconcertada. Eu precisava sair daquela atmosfera pesada que eu mesma havia criado, com a ajuda do imbecil do Malfoy. - Er, então eu vou patrulhar os outros vagões, ok gente?!
- Weasley, não é isso que está escrito aqui para você fazer... - disse Malfoy, olhando em um pequeno pergaminho em uma prancheta.
- Mesmo que você seja monitor-chefe também agora, não significa que eu vou deixar você me dizendo o que fazer. - e olhei para Kody. - Até o jantar.
- Até o jantar, Rose.
Então passei toda a tarde monitorando corredores e vagões, o mais distante possível da cabine de Kody e de Malfoy. Minha vida já não andava muito boa ultimamente e aquilo havia sido a gota d'água. Eu estava me sentindo num aquário apertado procurando uma válvula de escape para respirar.
Assim que o trem desembarcou na pequena estação em Hogwarts, resolvi deixar o abrigo seguro ao fundo do trem e fui em direção aos primeiros vagões para pegar uma lista com meus afazeres. Esperei até que o trem se esvaziasse e procurei por sinais de gente no vagão dos monitores. Só entrei quando tive a certeza dele estar vazio.
A essa altura do campeonato, a maioria dos estudantes já deveria estar em carruagens, sendo transportados pelos jardins da escola até o portão principal e eu deveria fazer essa travessia, juntamente com a do lago sem o auxílio de ninguém. Porém, no trem não havia nenhum sinal da prancheta que Malfoy estivera segurando naquela hora e eu precisava urgentemente dela.
- Maldita hora em que eu resolvi esperar o trem esvaziar. – ralhei comigo mesma, com raiva, enquanto disparava pelos outros vagões revistando cabines à procura de pertences.
Ao longe eu podia ouvir alguns ruídos que deviam estar vindo do grande salão durante o jantar enquanto sentia meu estômago doer de fome.
- Malfoy, eu vou te matar!
A Lua já estava alta quando o apito do trem foi tocado para a próxima partida e eu fui obrigada a sair a pé com malão e tudo em direção aos barquinhos no lago negro. Molhei meus sapatos e minhas meias ¾ até na altura das canelas no esforço que fiz para colocar o malão dentro de um dos barquinhos e também respinguei água na barra de minha saia preta com preguinhas e da camisete branca. Não preciso nem falar que minha capa das vestes ficou encharcada, né.
Amaldiçoando Scorpius Malfoy do fundo da minha alma, atravessei o lago sozinha com a ajuda de um feitiço e fui obrigada a caminhar pelos vastos jardins com meu malão flutuando ao meu lado, pois as carruagens já não estavam mais paradas onde costumavam estar.
“Que ótima forma de se começar o ano, Rose Weasley”
Quando finalmente cheguei ao castelo, o banquete já havia acabado e havia sobrado apenas alguns alunos no interior do grande salão. Resolvi tomar banho enquanto as massas de estudantes subiam as escadas paras suas salas comunais. Retirei meu robe vermelho-vinho do malão e o despachei direto para a janela do dormitório do sétimo ano. Se eu desse sorte, talvez ele caísse em uma cama boa, mas talvez acertasse alguma estudante desprevenida. Preferi não imaginar os resultados e marchei para o banheiro dos monitores-chefe.
Meu estômago, à essa altura, ardia de fome. Apressei-me em me livrar das roupas e entrar logo no banho, ansiando como nunca pelos sanduíches que minha mãe fizera que me aguardavam quando chegasse ao dormitório.
Enquanto a água fria refrescava minha pele, lembrei-me com remorso de que Lyla devia estar à caminho de Londres agora. Eu prometera enviar uma carta à ela assim que chegasse à Hogwarts com notícias da escola.
Lyla Campbell era minha melhor amiga. Desde que entrei em Hogwarts, ela sempre foi a pessoa com quem eu mais me simpatizei e por quem eu seria capaz de por minha mão no fogo. Ela é uma aluna trouxa, então seus pais nunca entenderam muito bem como são nossos costumes. Quando ela chegou aqui, não conhecia praticamente nada. A maioria dos alunos aqui só se preocupa com coisas fúteis, então ela fora deixada de lado como a novata nascida trouxa.
Apesar das coisas terem mudado um pouco, ainda hoje o velho preconceito contra os nascidos trouxas é mantido. Como sou mestiça, estou pouco me lixando para títulos ou descendência. Lyla soube conquistar meu carinho e admiração. Meu coração estava apertado de saudade dela quando desliguei o chuveiro.
Enrolei-me em meu robbie vermelho e deixei aquele banheiro, que mais parecia a suíte de um membro da família real inglesa. Os corredores estavam vazios, e mesmo eu sendo monitora-chefe, não seria bom que me pegassem rondando a escola à noite, ainda mais trajando somente um robbie vermelho e com o uniforme molhado nos braços.
Porém, assim que cheguei ao quadro da mulher gorda, lembrei-me de algo crucial que eu havia esquecido.
- Senha, senhorita Weasley. – pediu-me ela, escancarando a boca num bocejo.
- Er, sabe o que é... É que eu me esqueci d eperguntar a nova senha e...
- A senhorita não é monitora-chefe? Você só pode estar brincando comigo...
- Mas é verdade, aconteceram várias coisas e eu não consegui pegar a senha. Deixe-me entrar ao menos por hoje...
- Sem senha não entra. Agora, eu preciso voltar ao meu sono de beleza. Boa-noite.
- Mas... – porém já era tarde demais e o quadro já estava vazio. – MALDIÇÃO! – berrei, incrédula com minha sorte.
Para fechar com chave de ouro minha última noite antes do meu primeiro dia de aula, eu dormiria fora do meu dormitório.
“Grande Rose!”- pensei sarcástica, enquanto caminhava de volta para o banheiro dos monitores-chefe. Ao menos a banheira deveria ser mais confortável que os corredores escuros de Hogwarts.
Enquanto descia as escadas, meu estômago ardeu em chamas pedindo por comida. Desejei veementemente o embrulho com sanduíches que minha mãe havia feio, que descansava em algum lugar em meu dormitório juntamente com meu malão, mas ele nunca veio. Arrependi-me de ter comido tão pouco no café-da-manhã e senti que minhas pernas já estavam começando a fraquejas.
“Pronto, Rose. Só faltava você desabar no meio da escadaria de Hogwarts. Posso até imaginar a primeira página do profeta diário de amanhã...”
Mas eu iria agüentar firme. O banheiro dos monitores não estava tão longe assim mais, depois que eu chegasse lá poderia passar mal o quanto meu corpo quisesse, mas não aqui onde eu me encontrava.
Consegui chegar ao local com alguma dificuldade e senti alívio ao subir o último degrau da escada, porém uma surpresa desagradável me recebeu à porta do banheiro.
- Weasley? O que você está fazendo aqui? – perguntou ele, com uma voz de desdém.
- Vim para o banheiro dos monitores-chefes, que agora posso usar por direito.
- Pois você vai esperar até que eu tome meu banho. – alertou ele, com um sorriso satisfeito no rosto.
Porém, eu não estava na situação propícia para perder tempo com brincadeiras e já estava começando a me sentir realmente mal.
- Scorpius, por favor, eu preciso muito entrar aí. Use o banheiro de sua sala comunal, só por hoje... – não acreditava no que eu estava fazendo, mas EU estava PEDINDO algo para Scorpius Malfoy.
“- Mesmo que você seja monitor-chefe também agora, não significa que eu vou deixar você me dizendo o que fazer.” Não foi isso que você disse, Weasley? – repetiu ele, tal qual eu havia dito. – Pois o mesmo vale para você.
- Por favor Scorpius, eu estou te pedindo. – eu tinha pouco tempo, pois o chão começava a se movimentar disformemente abaixo de mim e o mundo estava começando a girar.
- Direitos iguais, Weasley. Por que você mesma não usa o banheiro de sua sala comunal? – perguntou ele, enquanto girava a maçaneta da porta.
- Scorpius, por favor... – pedi, mas não tenho certeza se minha voz chegou a sair.
Logo depois tudo começou a rodar. Meus joelhos cederam e eu caí com um baque no chão. Minha visão começou a escurecer gradativamente e eu percebi que meus sentidos estavam me abandonando. A última coisa que percebi à minha volta foi um grito de desespero e um par de olhos azuis me encarando. Depois disso, tudo escureceu.
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