15 a 21 de Outubro
Capítulo 4
de 15 a 21 de Outubro
Dia 17, Quinta
Draco girou as chaves de portais, examinando-as com interesse enquanto Potter conversava com os amigos. Dumbledore tinha lhes dado chaves de portais que levavam tanto para o dormitório deles quanto para os da Sonserina e da Grifinória. Desse jeito podiam se movimentar facilmente de um ponto para o outro sem ter que andar o castelo todo cada vez que esquecessem alguma coisa em um dos três lugares em que passariam a morar.
Examinou o salão comunal da Grifinória com curiosidade. Ele já tinha estado lá uma vez, no dia em que Potter fez sua mudança, mas não havia permanecido tempo suficiente para analisar o lugar. Agora, no entanto, podia notar as poltronas jogadas, a inevitável decoração em dourado e vermelho, o excesso de retratos, que cobriam todas as paredes. Não era tão ruim. Apesar de privilegiar o conforto à elegância, o lugar não era de todo mau. Ele podia se acostumar com aquilo. Aparentemente, ele teria que se acostumar.
Puxou os livros da mochila. Sem se sentir muito animado, optou por ler Poções, que sempre servia para mantê-lo concentrado. Sua cabeça doía só de pensar em estudar Transfiguração. Uma matéria abismalmente difícil, ensinada por uma professora abismalmente mal-humorada. Ele provavelmente apagaria em minutos se tentasse ler qualquer coisa a respeito, e a idéia de cair no sono rodeado de grifinórios não lhe parecia muito agradável.
Estava muito grato a Snape por ter explicado à Sonserina o retorno dele e de Potter aos dormitórios de uma maneira adequada. Em atual seu estado, não queria estar perto dos sonserinos, com seus instintos apurados para detectar fraquezas. Por isso, concordou em voltar para a Grifinória primeiro, sem qualquer dano à sua imagem.
“Bem, não passe todo o seu tempo lá, Draco”, dissera Pansy, “Nós gostaríamos de te ver também, independente de Potter sentir falta dos amiguinhos ou não. Sinceramente, todos estamos revoltados que as necessidades emocionais do pequeno Potty sejam colocadas em primeiro lugar. Tão típico desse lugar!”
“Virei para cá eventualmente”, Draco respondera. “Acho que vou passar todo meu tempo lá estudando. Estou tão atrasado!”
“Mesmo? Você não vai fazer nenhum trabalho de rastreamento para nós — descobrir os planos terríveis dos grifinórios para dominação mundial e esse tipo de coisa?”
“Por favor. Eles são grifinórios. A idéia deles de plano terrível é ‘vamos nos esforçar bastante e arriscar nossas vidas sem nenhum motivo’”.
Olhou de relance para Potter, que conversava animado com uns garotos do 3° ano. Sobre o que, Draco não tinha idéia, pois havia lançado um feitiço de silêncio assim que a cortesia básica permitiu. Era um pouco estranho estar sentado no meio de uma festa de boas-vindas sem ouvir nada, mas com certeza era melhor do que tentar conversar com os amigos de Potter.
Enfiou-se no livro de Poções. Estavam tão atrasados que só pensar em tentar recuperar o tempo perdido era exaustivo. Preferiu folhear a seção de poções energéticas, mesmo sabendo que elas não eram a matéria daquele semestre. Ele e Potter tomariam algumas poções para ajudá-los a ficar acordados nas aulas no dia seguinte, ainda que só fossem comparecer por metade dele. Mas queria entender o que iria ingerir.
Aquela letargia era irritante. Quem poderia adivinhar que resistir à maldição seria tão prejudicial? Já tinham ouvido falar a respeito, é claro, e lido muito sobre o feitiço, mas era bem diferente ler que “o paciente pode sofrer severa perda de energia por muitos dias” e vivenciar a experiência. Levantou a cabeça e desfez o feitiço de silêncio no instante em que Potter tocou seu joelho.
“O que foi?”
“Seamus tem uns chocolates com licor, você quer?”. Ele ofereceu um. Draco sorriu — chocolate com licor, seu doce favorito da Dedosdemel.
“Obrigado”, disse a Finnigan enquanto o chocolate derretia e enchia sua boca com o gosto de licor. Voltou-se para a leitura de Poções novamente, lançando outro feitiço de silêncio. Potter tocou no seu joelho de novo.
“Sim?”
“Também tem fizzbees e-”
“Potter, por favor, me deixe em paz. Certas pessoas se importam mais com suas notas do que com socializar e comer doces”.
Potter deu de ombros. “Está bem. Só não queria que você se sentisse excluído”.
“É muito nobre da sua parte, mas eu sou um sonserino no salão comunal da Grifinória. Excluído é exatamente o que eu quero ser, obrigado”.
“Ok, entendi”, Potter riu e se virou, deixando Draco estudar sem interferir novamente.
É realmente impressionante, pensou Draco enquanto tentava decifrar uma pergunta da lição especialmente complicada, como era fácil se acostumar com algumas coisas. Como, por exemplo, existir em uma bolha de silêncio no meio de uma festa. Tirando os ocasionais toques das pernas e braços de Potter ou as interrupções dos seus próprios pensamentos, não havia coisa alguma para distraí-lo da matéria que estudava.
E, quando essa matéria era tão intrincada e complexa como Poções, era fácil se deixar envolver e não pensar em nada além da interação das várias propriedades e padrões de ingredientes. Por exemplo, a flor Valeriana, usada por suas propriedades sedativas, se transformava em desenibidora quando combinada com girinos. Girinos também transformavam lágrimas cristalizadas de sereias em estimulantes e escamas em pó de dragão em relaxantes leves. Se você conseguisse entender como e por que a Valeriana e essas três substâncias agiam dessa forma, poderia começar a pensar em usá-las para elaborar novas poções. O desafio de verdade em Poções era entender as propriedades e características das substâncias para que você criasse suas próprias poções e não apenas seguisse-- ele levantou a cabeça quando Potter cutucou seu ombro.
“Sim?”
“Preciso ir para cama”, disse Potter, bocejando. “Falta muito aí?”
“Quero acabar esse capítulo-”
“Malfoy, você está lendo há quase duas horas”.
Draco olhou ao redor do salão comunal, um pouco surpreso. A sala trazia sinais de que uma grande comemoração tinha ocorrido — pratos e copos espalhados por quase toda superfície lisa, embalagens de produtos da Dedosdemel no chão, sinais de jogos de Snap Explosivo. As poucas pessoas que sobraram eram na maioria do último ano e estavam conversando em tom baixo.
“Certo”. Ele levantou, marcou a página que tinha parado no livro e se espreguiçou antes de começar a seguir Potter.
“Boa noite, Harry”, Finnigan disse. “… e Malfoy”, ele adicionou depois de uma breve hesitação.
Draco se virou, um pouco surpreso. “Boa noite”, disse automaticamente, a testa franzindo um pouco quando voltou a seguir Potter nas escadas que levariam ao dormitório dos garotos do sétimo ano.
“Você está confuso”, Potter observou enquanto eles subiam.
“O quê? Não, não estou”.
“Surpreso, então”.
“Não. Talvez. Não importa. Pare com esse lance de ler minha mente. É irritante”.
“Desculpe”, Potter liderou o caminho até o banheiro e eles começaram a se aprontar para a cama. Draco torceu o nariz quando viu as pias comunitárias e o armário sujo com a poção de barba de alguém. Essa era uma das coisas que ele gostava em ter um dormitório próprio: não precisar dividir o banheiro com mais ninguém além de Potter. Ele podia não ser a pessoa mais organizada do mundo, mas pelo menos mantinha o lugar limpo.
“Todo mundo ainda está na festa?” Draco perguntou quando eles chegaram no dormitório vazio.
“São apenas onze da noite de quinta-feira, Malfoy. Não me diga que os alunos do sétimo ano da Sonserina já estão na cama”.
“Onze?” Draco percebeu que estava completamente desorientado em relação às horas. Deveria ser por ter passado tanto tempo nos últimos dias dormindo.
“Além do mais, acho que… hmmm, acho que eles quiseram nos dar um pouco de privacidade”, Potter adicionou enquanto eles iam para cama.
Draco riu. “Não há necessidade disso, graças a deus. Não por um tempo, eu espero”.
Potter fez uma careta de desconforto. “Pomfrey e Esposito disseram que não sabiam quando-”
“Não se preocupe com isso, Potter”.
“É fácil para você falar”.
“Por quê?”
“Bem, para você não é um problema, né?”
“Não é um problema querer transar com um maldito virgem que eu particularmente acho repulsivo e que está assustado demais para fazer qualquer coisa?”, Draco cortou. “Não, na verdade é bem agradável. Eu recomendo para qualquer um que esteja querendo uma úlcera”.
“Ah, esquece”, Potter disse, dando as costas para Draco.
“Como é que você pode achar que para mim não é um problema?”
“Não importa. Desculpe por ter começado o assunto”.
Draco considerou a hipótese de perguntar para Potter o que ele quis dizer. Mas decidiu que realmente não se importava. “Está bem. Boa noite”.
“Boa noite”.
ooooooo
Dia 19, Sábado
“Nossa, é bom estar em casa”, Harry comentou no meio do discurso de Ron sobre o último jogo dos Chudley Cannons, e o ruivo sorriu.
“Ainda não acredito que você tenha voltado”, ele disse. Os dois acordaram cedo para um sábado. Ron tinha ido ao Grande Salão e trazido um pouco de comida para o café da manhã, e agora eles estavam lá, tomando chocolate quente e conversando baixo para não atrapalhar os outros quatro garotos que dormiam no quarto.
“É, eu também não!”, disse Harry, sorrindo.
Houve alguns momentos meio estranhos, é claro. Como na manhã do dia anterior, quando um corado Ron o acordara para as aulas tentando com muita vontade fingir não perceber Malfoy ainda dormindo nos braços de Harry. Mas o importante é que ele estava em casa e aquilo era maravilhoso.
‘Isso é do que eu senti mais falta’, pensou Harry. Nada de mais, apenas estar no meio dos amigos, poder conversar sobre nada e sobre tudo.
“Foi muito terrível ter que viver com ele? Ele foi um idiota o tempo todo?”, Ron fez uma pausa. “E você tem certeza de que ele está dormindo?”
“Sim, certeza absoluta”, Harry riu, olhando para a cama, onde apenas o cabelo loiro-platinado era visível debaixo dos cobertores. “Eu consigo… meio que sentir quando ele está acordado. É… estranho. Não dá para explicar. Se eu paro para pensar por um minuto, consigo perceber o que ele está sentindo. E, nesse momento, ele está se sentindo adormecido”.
“Que bom. É, o Bill disse que podia sentir a mesma coisa com a Fleur depois que eles fizeram o elo. Mas ele a conhecia bem mesmo antes do feitiço. Não sei em que parte era o feitiço e em que parte eram só eles mesmos”.
“Um pouco dos dois, provavelmente. Mas, bem, eu conhecia o Malfoy antes mesmo do feitiço… claro, isso não é uma coisa boa”, Harry disse amargamente.
“Não mesmo”.
Houve um silêncio constrangedor.
“Eu estou feliz por você estar de volta. Mesmo que tenha que trazê-lo junto”.
“Sim, eu também”.
“Vai ser difícil quando você tiver que ficar no dormitório dele”.
“É, eu sei. Já é bem ruim ter que sentar com os amigos dele na aula e nas refeições. Concordei só porque é justo, se vamos passar a noite aqui, então durante o dia ficamos com eles. Mas eles são tão idiotas. Todos vocês trataram o Malfoy bem-”
“Que é muito mais do que ele merece-”
“E eles com certeza não vão retribuir o favor”.
“Não, eu acho que não. E ele provavelmente vai encorajá-los, não é?”.
“Não, eu acho que não”, Harry disse, pensando nisso pela primeira vez. Malfoy ainda zoava dele nas aulas, mas bem menos do que antes. E ele nem participava mais dos comentários maldosos dos sonserinos a respeito de Harry. O grifinório fez uma careta enquanto repassava mentalmente as aulas do dia anterior. “Na verdade… eu acho que o incomoda também”.
“Malfoy? Incomodado pelos sonserinos agirem como idiotas com você?”
“Sim.”
“Acha que ele está doente?”
Harry riu alto. “Não, não é por minha causa. Acho que é pelo que ele sente através do elo”.
“Ah, foi isso o que a Hermione disse quando a McGonagall anunciou que vocês voltariam para cá. Ela fez um longo discurso dizendo como nós tínhamos que ser educados com Malfoy, ou pelo menos não tratá-lo mal, porque provavelmente você também seria atingido por isso”.
“Ela estava certa”.
“Sim, eu sabia disso, por causa de pessoas recém-casadas que já conheci. Mas, sinceramente, Harry, não tinha pensado nisso com Malfoy”. Ele deu um gole no chocolate quente, pensando. “Me pergunto por que ele não diz para os sonserinos pararem, se ele também se incomoda”.
“Ele nunca faria isso. Dizer a eles que o melhor jeito de atingi-lo é me perturbar? Eles são sonserinos, vão agarrar qualquer chance de poder se dar bem pisando nos outros. Acho que ele está se esforçando para não demonstrar nenhuma reação; não precisa dar aos outros uma dica de como prejudicá-lo”.
“Essa foi uma ótima explicação sobre como funciona a mente de um sonserino”.
“Fiz um curso intensivo recentemente”, Harry disse de modo ríspido.
“Erm. Desculpe”.
“Engraçado, quanto mais eu os conheço, mais feliz fico por não ser um deles”.
“Bom”, disse Ron, agitado. Deixou o chocolate quente de lado e perguntou, hesitante. “Então, comos estão as coisas com ele, de verdade?”
Harry suspirou pesadamente.
“Tão bom assim?”
“Não, está… está tudo bem. Ele não é tão idiota depois que você o conhece. Sim, eu sei”, ele riu da expressão incrédula de Ron. “É só que…”, ele fez um careta. “Você sabe”, murmurou, concentrando-se em olhar para sua caneca de chocolate.
“Sim”, Ron também parecia de repente achar a caneca de chocolate fascinante. Engoliu a seco algumas vezes, começou a falar, mas parou. Então respirou fundo e foi em frente. “Harry… o que aconteceu quando vocês desmaiaram… foi porque você não… você sabe. Por que vocês não foram em frente com o feitiço?”
Harry não desviou o olhar da caneca, o rosto corando intensamente. Limpou a garganta. Não, aquela não era uma conversa que ele queria ter com Ron. Aquilo era muito pessoal, muito vergonhoso, aquilo era-
Mas aquele era Ron. Eles eram amigos há seis anos, passaram por um monte de coisas juntos, conversavam sobre tudo, incluindo suas descobertas com o gênero feminino e o que sentiam a respeito delas — como que ele podia não conseguir falar com Ron sobre qualquer coisa?
“Erm. Parcialmente”, ele limpou a garganta de novo. “Sim, foi muito por causa disso. Nós estávamos irritando um ao outro porque… bem, porque sim”.
Houve uma longa pausa, e então Ron arriscou. “Por que você não quis?”
Harry o encarou. “Ele é o Malfoy, Ron. Você iria querer dormir com ele?”
A expressão de Ron respondeu por ele. “Mas, a ligação não faz, você sabe, a outra pessoa parecer atraente?”
“Sim, faz”
“Sim? Que estranho. Não consigo imaginar isso”.
“Eu gostaria de não conseguir também”, Harry disse.
“Deve ser tão estranho. Você já se sentiu atraído por garotos antes?”
“Não! É claro que não”, Harry respondeu, um pouco chocado pelo tom casual da pergunta.
“Então, o problema é o lance dos trouxas sobre dois garotos ou duas garotas juntas?”
Harry olhou para ele. “Isso não é mesmo nada de mais no mundo bruxo?”
“Depende, eu acho. Algumas pessoas zoam, mas a maioria nasceu trouxa ou é mestiça”. Harry deu um sorriso, refletindo que, enquanto os sonserinos só conseguiam dizer aquelas palavras como insultos, na boca de um Weasley elas nada mais eram do que uma descrição, como ‘loiro’ ou ‘alto’. “Muitos puros-sangues realmente não se importam”, Ron continuou. “Fred escreveu uma redação sobre isso uma vez, para Estudo dos Trouxas”.
“Sobre o quê?”
“A diferença. Não lembro direito, mas acho que era algo sobre como o mundo bruxo já tinha sido tão perseguido que simpatizava com outros perseguidos. E… hmmm, acho que mencionava que um monte de práticas antigas de bruxaria envolvia relações sexuais, muitas vezes com pessoas do mesmo sexo”, Ron sorriu. “Não sei se a pesquisa dele foi boa, acho que ele só escolheu esse tema para poder escrever pornografia no meio da redação e dizer que eram citações”.
Harry gargalhou. Ron deu um sorriso, mas ficou sério novamente. “Não é mesmo nada de mais, Harry”.
“Para mim é”.
“É por isso que-”
“Mas acho que é mais porque ele é o Malfoy do que pelo fato de ser um garoto”.
“Mesmo? Ele não é tão feio… para um cara, sabe?”. Harry engasgou o chocolate quente e Ron, rindo, se inclinou para bater em suas costas, mas conseguiu parar a tempo. “Não é mesmo”.
“Acredite, eu sei disso agora”, Harry disse, sem conseguir parar de rir.
“Eu achava que o negócio da atração não estava funcionando agora”.
“Não é algo que dê para ligar e desligar. Quer dizer, você sabe, eu não quero… hmmm… fazer nada –- agh”, Harry balançou a cabeça e desistiu de explicar. “Eu sei que ele é bonito. Esse não é o problema”.
“É só ele particularmente?”
“Sim”.
Ron concordou com a cabeça. “Mas você vai ter que, você sabe, eventualmente”.
“Eu sei”, Harry voltou a olhar para a caneca. “Acho… acho que parte do problema é que… eu não… hmmm… eu não quero me apegar a ele”.
“Harry, vocês dois estão ligados um ao outro”.
“Eu sei, mas… nós estamos nos dando melhor, e às vezes acho que posso viver com ele, acho que as coisas vão ficar bem. Mas aí eu me lembro… nós dois sabemos para onde ele vai. Para qual lado a família dele vai. Eu não quero me apegar”.
“Você já falou com ele a respeito?”
“É claro que não”.
“É, acho que não seria uma conversa fácil de começar. Mas, Harry, acontece que onde ele vai estar e o que vai acontecer quando — que dizer, se — Você-Sabe-Quem… bom, isso tudo é no futuro. Pode nem acontecer. O lance entre vocês está acontecendo agora. Por que se preocupar tanto com o futuro e deixar essa maldição estúpida te matar agora, no presente?”
Ótimo, pensou Harry. Por mais que Ron estivesse tentando ajudar, ele tinha ouvido a frase não-pronunciada. Que Harry deveria lutar contra Voldemort por todo mundo e derrotá-lo de novo. E, é claro, não poderia lutar se estivesse morto.
Droga, todo mundo, mesmo Ron, continuava a pressioná-lo. E nas horas mais estranhas, como em uma conversa sobre se ele iria ou não consumar seu elo com Malfoy.
“Você conseguiria dormir com ele, se tivesse que?”
“Eu acho que sim”, Ron respondeu depois de refletir por um momento.
“Sério. Ele? Estamos falando sobre Malfoy. Que chama Hermione de sangue-ruim, que queria que o basilisco a matasse quando tinha doze anos. Que zoa você e sua família o tempo todo. Que escreveu uma música sobre você só para te fazer de bobo na frente da escola inteira. E não vou nem mencionar as visões políticas da família dele”.
O rosto de Ron estava com uma expressão de desgosto.
“É exatamente o que eu quero dizer”.
“É, mas eu não sou casado com ele”. Harry desviou o olhar. “Olha, talvez fosse melhor você conversar com alguém-”
“Não”, Harry disse, farto daquele assunto. “Eu já estou falando com Lupin, com a Pomfrey, estou até falando com você. Daqui a pouco a Hermione vai querer-”
“Harry, por favor. Estou tentando ser seu amigo”.
“Então seja meu amigo e esqueça disso”.
“Está bem”, Ron murmurou. Houve um silêncio longo e desconfortável. Ron fechou os olhos por um momento, obviamente tentando ter paciência. Ele limpou a garganta novamente. “Erm”.
Harry olhou para ele.
“Então, o que você acha dos Chudley Cannons?”
O sorriso de resposta de Harry dissipou a tensão e de repente os dois estavam rindo alto juntos, esquecendo dos colegas de quarto.
“Fiquem quietos, seus idiotas”, o grito irado de Dean foi seguido de um travesseiro arremessado neles com mais força do que precisão.
“Potter, você quer que eu te jogue uma azaração?”, Malfoy perguntou, com voz de sono. “Porque é o que eu farei se você me acordar de novo”.
“Aproveite para azarar o Ron também”, Neville murmurou, se virando na cama e cobrindo a cabeça com um travesseiro.
“Desculpem”, os dois disseram para os outros enquanto um ronco suave vindo da cama de Seamus ecoou pelo quarto.
ooooooo
Dia 21, Segunda
Ah, não, não, por favor, Harry pensou, percebendo de repente que estava olhando para Malfoy há bastante tempo, admirando seus movimentos graciosos e eficientes enquanto ele preparava uma poção. Harry não fazia idéia de que poção que era, pois estava ocupado pensando em como a luz vinda das chamas que aqueciam o caldeirão fazia os olhos de Malfoy ficarem com uma cor de azul-gelo impressionante.
Não, ele pensou desesperado. Não de novo, não ainda, eu não estou pronto — e seu coração pareceu parar de bater quando Malfoy o encarou. Malfoy piscou, surpreso, e derrubou a colher cheia de água gasosa que segurava. Ele resmungou e limpou a sujeira rapidamente antes que o líquido se espalhasse pela bancada, as mãos tremendo um pouco. Então parou, deu um longo suspiro de resignação, olhou de volta para Harry e se inclinou para mais perto.
“Potter”, ele tocou a mão de Harry. “Não entre em pânico. Não vale a pena se aborrecer com isso”.
Harry engoliu a seco, irritado por Malfoy poder ler com tanta precisão seu estado emocional. “É fácil para você dizer isso”.
“Não é, não”, Malfoy respondeu. “Isso também não é nem um pouco divertido para mim. Mas você está entrando em pânico antes de qualquer coisa acontecer”.
“Eu- eu não quero falar sobre isso aqui”, Harry determinou, já se sentindo péssimo.
“Não, é claro”, Malfoy disse, a voz suave. “Nós vamos almoçar no pátio e aí conversamos sobre isso. Potter, relaxe. Não é o fim do mundo”.
A resposta instintiva de Harry morreu em seus lábios quando ele se sentiu estranhamente calmo pela voz de Malfoy e pela mão que ainda tocava a de Harry, acariciando-a de leve.
“O que você está fazendo?”
“A mesma coisa que você fez no hospital outro dia, com o meu pai”, Harry levantou as sobrancelhas. “Eu perguntei para a Pomfrey e li algumas coisas a respeito. Não preciso de você se desesperando do meu lado o tempo todo, ou com medo de que eu vá te agarrar enquanto você dorme. Já tenho bastante com o que me preocupar”.
Harry balançou a cabeça. É claro, fazia sentido. Ele achou que deveria se sentir um pouco chateado por Malfoy manipular suas emoções em benefício próprio, mas… não, Malfoy estava certo. Se projetar calma o ajudava, então era uma coisa boa, independentemente de Malfoy fazê-la por motivos egoístas ou altruístas. Ele voltou ao trabalho.
ooooooo
Estavam sentados no pátio, e Harry quase acabava seu primeiro sanduíche quando finalmente conseguiu falar. “Certo, o que foi?”
“Não quero passar pelo que aconteceu antes”, Malfoy começou.
“Não, é claro que não”.
“Conversei com Madame Pomfrey sobre isso e ela sugeriu algumas coisas que podemos tentar para tudo correr mais fácil dessa vez”.
“Eu não vou-”
“Não estou falando de feitiços ou de afrodisíacos para você, nem nada do gênero”.
“Duvido que vamos precisar de afrodisíacos”, disse Harry melancolicamente.
“Não, ainda mais se nos basearmos pela última vez”. Malfoy terminou o primeiro sanduíche e mordeu uma maçã. “Mas não acho que vai ser como antes”, meditou.
“Por que não?”
“As coisas estão diferentes”.
“Como?”
Malfoy estudou sua maçã por um minuto. Ele fez uma careta, parecendo perceber algo que não lhe agradava muito.
“Malfoy?”
Malfoy deu um pulo, como se tivesse esquecido que Harry estava lá. Para a confusão do grifinório, ele corou um pouco e abaixou a cabeça, evitando o olhar de Harry.
“Malf-”
“Nós não nos sentimos mais do mesmo jeito que antes um com o outro”, ele disse rapidamente e mordeu a maçã.
“O quê?”
“Você não me insulta a cada cinco minutos. E eu sei como eu me sinto”.
“Sério?” Harry disse. “Certo, e como você se sente?”, ele desafiou.
“Eu não te odeio. E nem desgosto tanto de você”, Malfoy jogou sua maçã meio-comida no ar e acenou com a varinha, fazendo-a desaparecer. Limpou a garganta e manteve o olhar firme na varinha, rolando-a entre os dedos. “Potter, nós nunca vamos gostar um do outro. Mas isso não significa que não podemos fazer isso aqui dar certo. Só não tenha medo de mim. Nada vai acontecer sem que você queria; é impossível”.
Harry o encarou ceticamente e Malfoy pôs a mão em seu braço, uma expressão séria no rosto. “Pomfrey disse que seria uma boa idéia estabelecer algumas regras antes que as coisas fiquem intensas demais. Como, por exemplo, talvez você devesse liderar o que acontece. Você me diz o que quer e quando. Eu não vou sugerir nada”.
“Isso… isso não me parece em nada com algo que você diria”, Harry disse depois de um longo momento de surpresa. “Você foi abduzido por alguém?”
“Não, é só uma poção de paciência”.
“Uma o quê?”
“Você não quis nenhum tipo de poção, feitiço e nem nada assim, por suas próprias e trouxas razões. Eu não tenho objeção alguma a eles, especialmente se for a única escolha para não ir parar no hospital de novo”.
“E se elas interferirem no elo?”
“Prefiro arriscar. Estou falando sério, não vou passar por tudo aquilo de novo”.
Harry refletiu um pouco, sustentando o olhar de Malfoy e tentando ver decepção, impaciência ou qualquer outra coisa além de um desejo honesto de passar por aquela situação da maneira mais fácil possível.
“Está bem”, finalmente disse. “Eu irei… eu irei liderar, se isso ajudar. Só não tenha muitas esperanças”.
“Eu não tenho".
“Eu ainda não acho que isso é certo”.
“Você não é o único”.
“Imagino que não”.
“Mais uma coisa: onde você quer dormir?”
“Não na Sonserina”, Harry começou e Malfoy deu um sorriso cínico.
“Claro, eu sabia. Não duvido que meus colegas de casa se esforçassem ao máximo para quebrar os feitiços de privacidade ou as trancas na minha cama. Se ao menos eu conseguisse descobrir quem recolhe o dinheiro das apostas”, Harry riu, apesar da situação. “Zabini está esperançoso que vai ganhar. Acho que já lhe custamos uns dez galeões. Ele apostou que iríamos transar no dia em que desmaiamos no Grande Salão. Já fez uma nova aposta, mas não quer me dizer para qual dia”.
“Por que não?”
“Ele acha que eu fiz uma aposta também”.
Harry riu alto, inesperadamente. “E você fez?”
“Eu não te diria, não é mesmo? Isso iria acabar com a minha ‘tática’ de paciência”.
Harry riu de novo, notando que sua tensão tinha diminuído dramaticamente e maravilhado que uma mera poção pudesse fazer Malfoy agir como um ser humano decente. Talvez devesse sugerir que Malfoy continuasse a tomar a poção enquanto estivessem juntos.
“Tudo bem, não na Sonserina, então”, disse Malfoy. “Você prefere a Grifinória ou o nosso dormitório?”
“Eu… eu não sei”.
“Você decide, eu realmente não me importo”.
“Certo…” Harry pensou por um momento. “Não sei… estou contente de ter voltado ao meu dormitório, mas eu não quero… quer dizer, se nós ficarmos… você sabe… olhando um… hmm, quer dizer, é, eu-”
“Potter, você não está fazendo o menor sentido”. Harry ficou vermelho e Malfoy riu. “Olha, você não precisa decidir agora. Eu só queria… não sei, me certificar que você não surtasse antes que qualquer coisa acontecesse”.
“Tudo bem”, disse Harry, um pouco incerto. Deu uma mordida no seu segundo sanduíche e eles comeram em um silêncio semi-sociável por alguns minutos.
“Então”, Malfoy checou o relógio. “Dez minutos para a aula de Feitiços. Vamos indo?”
Harry concordou com a cabeça. “Sim”.
ooooooo
Dia 23, Quarta
‘Eu acho que nunca vou poder parar de tomar essa poção de paciência’, Draco pensou desanimado enquanto tentava ignorar os sons e a imagem de Potter sonhando com algo… interessante.
‘Graças a deus que as cortinas estão fechadas’, ele pensou. ‘E graças a deus que estamos na Grifinória e ninguém vai tentar quebrar os feitiços para abri-las’.
‘E eu preciso de mais poção. Ou de alguma outra coisa’.
Ele virou de costas para Potter, que, para falar a verdade, não estava agindo de forma que qualquer um que não estivesse ligado a ele poderia entender como excitado. Infelizmente para Draco, ele conseguia interpretar o rosto avermelhado, a respiração irregular, a mão direita percorrendo os lençóis agarrando-se a nada e outros leves movimentos aqui e ali como sinais de que Potter estava tendo um sonho sexual incrivelmente intenso.
Potter arfou levemente e Draco sentiu seu corpo responder, apesar das tabelas de Aritmancia que repetia mentalmente. Se estivessem no dormitório dos dois, Draco teria ido para o banheiro e lidado com aquela tensão há muito tempo. Infelizmente, eles estavam na Grifinória, perto do horário de levantar, e Seamus Finnigan tinha o mau hábito de acordar abismalmente cedo. E Draco não tinha a menor vontade de encarar ninguém no estado em que estava.
Potter suspirou e virou-se na direção de Draco, encostando no seu ombro e se ajeitando para mais perto. Draco refletiu que, ainda que aquela ação tivesse acontecido inúmeras vezes enquanto eles dormiam, era meio diferente ver Potter se aconchegar para perto e envolvê-lo com o braço enquanto Draco estava acordado e Potter estava… bem, fazendo aquilo.
Nenhuma poção pode ajudar nisso, pensou Draco. Ele queria, precisava virar para o outro lado, trazer Potter para perto, mover-se com ele e deixar o sonho de Potter levar os dois para onde fosse. O pior era que, se ele estivesse dormindo, provavelmente era o que iria acontecer. Os dois iriam acordar meio melados, mas sem lembrar do motivo para tanto e possivelmente com uma barreira a menos entre eles.
Pensando bem… por que ele não podia fazer isso? E fingir que estava dormindo?
Porque Potter iria perceber sua culpa.
Culpa? Por quê? Por aliviar a tensão sexual provocada por um elo que ele não queria e um parceiro com bizarras repressões trouxas tendo um sonho erótico do lado dele na cama? Como dar um jeito naquilo poderia fazê-lo sentir-se culpado?
Porque, conhecendo Potter, o grifinório provavelmente iria achar que tinha sido abusado, que ele tinha usado seu corpo para prazer sexual sem o consentimento dele.
Que droga.
‘Não’, pensou Draco enquanto a respiração de Potter se intensificava e ele gemia baixinho. ‘Tem que haver um limite. Eu disse que não iria pressioná-lo, não que ele poderia fazer o que quisesse sem se importar comigo’.
‘Ele tem 17 anos’, o lado nobre de Draco, reforçado pela poção de paciência, disse numa última tentativa de autodomínio. ‘Isso não vai durar muito. Espere um pouco, não faça com que ele se sinta culpado-’
‘Pro inferno com isso — não, na verdade, foda-se isso’ — o resto dele disse ao seu lado nobre. ‘Eu também tenho 17 anos. E não tenho que agüentar esse tipo de coisa’. Ele virou de lado e começou a chacoalhar Potter.
“Hmmm?”, os olhos de Potter abriram e ele encarou Draco, completamente desorientado, ainda meio dormindo e totalmente excitado.
“Potter, acorde”, Draco disse rudemente. “Você está tendo um sonho erótico e está me matando”.
Os olhos de Potter se arregalaram e ele percebeu a situação. “Oh. Um... oh”, ele suspirou, claramente ainda sentindo os efeitos do sonho. Ele começou a se mover freneticamente contra a cama.
“Pare com isso!”, Draco disse bruscamente.
“Você só pode estar brincando”, Potter respondeu de modo fraco, se virando de bruços e fechando os olhos. “Não posso parar agora. Você não tem idéia de como eu estava perto-”
“Sim, eu tenho uma boa idéia, estive acordado esse tempo todo e, se você não quiser que eu te agarre, você vai parar o que est-mph”, Potter colocou a mão sobre sua boca.
“Fique quieto”, Potter sussurrou. “Não ligo para o que você faz, dê um jeito em você mesmo, eu não posso- oh”, ele mordeu o lábio e sua outra mão desapareceu debaixo dos lençóis.
Aquilo era demais para Draco e ele seguiu o exemplo. Houve alguns minutos de gemidos abafados e de lençóis retorcidos antes de os dois estarem arfando e então ficarem imóveis na cama.
‘Graças a deus’, Draco pensou vagamente, o peito ainda pesado, os olhos fechados e a letargia dominando seus sentidos.
Com sorte, Potter não iria ficar todo cheio de dedos pelo que tinha acontecido.
Oh, quem se importava se ele ficasse.
Sério, quem se importava.
Silêncio, quebrado apenas pelas duas respirações que diminuíam gradualmente.
Finalmente Potter limpou a garganta, murmurou um feitiço para se limpar e sentou na cama. Draco esperou alguns momentos e fez o mesmo, sentando e olhando para Potter com curiosidade. O rosto de Potter estava vermelho, sem novidades aí; ele calculadamente evitava os olhos de Draco, sem novidades aí também. E estava completamente envergonhado. Draco cerrou os dentes em frustação — aquilo não era nada, eram apenas duas pessoas se aliviando na mesma cama, não tinham nem tocado um no outro — mas, obviamente, eles haviam ultrapassado alguma inexplicável linha moral trouxa, como Draco suspeitava.
Ele se perguntou como pessoas iguais a Potter conseguiam conviver em um dormitório. Essa não podia ser a primeira vez que ele tinha tido um sonho erótico perto de outro garoto, e Draco também duvidava que os colegas de quarto do grifinório fossem eunucos. Será que eles lançavam Obliviate neles mesmos? Ou será que ele tinha considerado estranho o fato de ele e Draco estarem na mesma cama? Ou seria por que ele deveria estar sonhando com Draco?
Draco inspirou fundo em frustração e chutou os lençóis violentamente.
“O que foi?” disse Potter, a voz rude.
“Nada”, Draco murmurou, prestes a abrir as cortinas. Potter o segurou pelo braço.
“Você está bravo comigo”.
“É claro que sim — por que tudo tem que te deixar tão tenso? Será que você não pode, nem por um minuto — ah, esquece!”, Draco o empurrou para trás.
“O quê? Não posso o que nem por um minuto?” Potter perguntou mais alto.
“Você — o que aconteceu não foi nada, e você está… eu sabia que isso iria acontecer se eu… droga!”, Draco percebeu que estava sendo completamente incoerente em sua frustração.
“Não é que não foi nada”, Potter rebateu. “Eu… eu estava sonhando sobre… sobre… e aí-”, ele se jogou de costas na cama e cobriu o rosto com as mãos. “Não importa! Você nunca entenderia!”
“Entenderia o que? Que você ficou chateado pela coisa mais absurda — eu já perdi a conta de quantas vezes ouvi algum dos meus colegas de quarto ter um sonho erótico ou se masturbar, acontece o tempo todo, e mesmo assim você está agindo como-”
“Ahn?” Potter fez uma careta, genuinamente confuso. Os dois se encararam por um momento. “Você acha que eu estou chateado porque nós dois nos aliviamos ao mesmo tempo?”
Draco sentou, sem entender. “E você não está?”
“Por deus, não”, Potter disse. “Eu sou virgem, não um monge, Malfoy”.
“Então qual é o problema?”
Potter desviou o olhar. “Eu estava sonhando com você”.
“Oh, o horror”, Draco criticou. “Você por acaso prestou atenção sobre que Pomfrey nos disse no primeiro dia?”
“Não é isso. É que esse foi… diferente”.
“Diferente como?”
Potter balançou a cabeça, cerrando os dentes, e Draco sentiu como o outro não estava preparado para admitir o que estava sonhando. O grifinório abriu a boca, só para dar um efeito lastimamente ridículo, e então a fechou.
‘Essa pode ser uma oportunidade muito, muito boa para treinar o lance da paciência’, Draco pensou. ‘Certo, então. Que nunca se diga que um Malfoy teme o desconhecido’.
Embora, pensando bem, Malfoys não eram terrivelmente destemidos. Astutos, perspicazes e engenhosos, sim, mas eles geralmente preferiam deixar a bravura para pessoas descartáveis e menos importantes — como, por exemplo, grifinórios.
Infelizmente, aqui o grifinório em questão não era descartável, pois a vida e o bem-estar de Draco dependiam dele, e a coisa mais astuta, perspicaz e engenhosa a fazer era praticar paciência o que, também infelizmente, era um território desconhecido.
Ele balançou a cabeça, tentando afastar a confusão, a ambivalência, a raiva e o desnorteamento pós-orgasmo para se recompor. Bem, se recompor tanto quanto possível depois do jeito que ele tinha acordado e sabendo que estava cercado por grifinórios do lado fora das cortinas. “Tudo bem, tudo bem. Me desculpe por ter perguntado”, ele disse, e teve o prazer de ver Potter impressionado. Ele sorriu e começou de novo. “Então você não está chateado pelo que aconteceu depois que eu te acordei?”.
“Não”.
“Você quer dizer eu poderia ter… que eu não precisava ter saído da cama todas aquelas vezes antes? Que você não teria ficado chateado?”
“Todas aquelas vezes? Quantas?”
“Cinco, seis, quem sabe”.
Harry riu. “Não, na verdade, pensando bem, eu provavelmente teria ficado chateado… hmmm… antes”.
“Mas você não se importa agora?”
“Não”.
Certo.
Para onde mais levar essa coisa da paciência? Potter parecia relaxado, e eles tinham afastado as possibilidades de catástrofes sobre as atividades daquela manhã e sobre o que Potter estava sonhando com ele. E Potter não ligaria se Draco ficasse na cama com ele quando os dois estivessem excitados. Aquele era um passo na direção certa.
E provavelmente era o suficiente para aquele dia — ou, pelo menos, por enquanto. Draco se parabenizou mentalmente e tentou não pensar muito no fato de que eram só seis da manhã e ele já se sentia exausto.
Aquela maldição idiota.
“Vou tomar banho”. Ele levantou. “Tudo bem se eu tirar o feitiço de privacidade?”
“Sim, sem problemas”.
ooooooo
Aquele dia tinha começado relativamente bem, Draco se lembrou enquanto tentava entender o que dera errado com sua poção. Deveria ter escolhido outra pessoa para ser seu parceiro, porque trabalhar com Goyle era pior do que tentar fazer tudo sozinho. Normalmente, não era um problema; Poções era uma matéria ridiculamente simples, e tudo que Draco esperava de Goyle era que ele seguisse as instruções, fizesse o trabalho serviçal e não ficasse no meio do caminho. Só que, num dia como aquele, em que Draco estava tão distraído pela presença de Potter que não conseguia lembrar sequer de seu próprio nome, a inabilidade de Goyle de pensar por si mesmo estava causando sérios problemas.
Ele desconfiava que parte do problema é que não tinha sido específico o suficiente quando mandou Goyle quebrar as cascas de ovo de dragão, e Goyle as tinha transformado em pó ao invés de meramente quebrá-las. Draco estava distraído demais tentando entender de quanto sangue iria precisar para ver o que Goyle estava fazendo até que fosse tarde demais.
Ele espiou desanimado a meleca azul e pegajosa cristalizando-se no seu caldeirão, um enorme contraste que o caldeirão de Potter e Granger, que, obviamente, mostrava um líquido borbulhando delicadamente no exato tom de verde-azulado que Snape tinha descrito.
“Você precisará recomeçar”, Granger comentou, olhando para o caldeirão dele.
“Não enche, Granger”, ele respondeu.
“Malfoy, ela só quer ajudar”, disse Potter.
“Eu não preciso da ajuda dela”.
“Eu acho que precisa”, Potter apontou com o rosto para o caldeirão dele. Draco o empurrou impacientemente.
“Malfoy”.
O tom baixo surpreendeu Draco, e ele olhou Potter nos olhos e então desviou o rosto. Que inferno. Ele não conseguia se concentrar. Deveria estar pensando em como salvar aquela maldita poção, mas não conseguia lembrar nem para que ela era usada e tudo que realmente queria era estar de volta àquela manhã, só que dessa vez realmente tocar Potter, trazê-lo para perto, correr as mãos pelo corpo dele-
“Droga!”, ele exclamou quando Potter tocou seu braço, e automaticamente cobriu a mão de Potter com a sua, sentindo-se como se levasse um choque ao perceber que o outro tremia. Ele olhou para Potter, que franzia a testa levemente, os olhos verdes um pouco fora de foco, os lábios entreabertos, e não conseguia desviar o olhar.
“Ahem”. Os dois se assustaram quando Granger educadamente limpou a garganta. “Eu imagino que vocês dois estão distraídos por um motivo, então?”
Draco deu as costas para ela com raiva, largando a mão de Potter ao mesmo tempo. Já era ruim o suficiente que ele tivesse que passar por isso com Potter; o fato de que com Potter vinha de brinde a sangue-ruim só piorava as coisas. Draco precisava se conter consideravelmente para ser civilizado com ela em seus melhores momentos; e aquele não era um dos seus melhores momentos.
“Harry?” ele a ouviu dizer, e Potter fez um som para indicar que tinha escutado. “Você não acha que seria uma boa idéia largar as aulas até que vocês tenham… resolvido isso?”
“Terminar a escola no ano que vem, você quer dizer?”, Draco rebateu. “Não, obrigado”.
“Muitos casais com elo recente param de trabalhar ou pelo menos diminuem suas responsabilidades até-”
“Sim, obrigado pela extensa pesquisa sobre um assunto que você saberia sem ter que perguntar a ninguém se tivesse sido criada por uma família bruxa, Granger. Você leu isso no ‘Guia de Costumes Bruxos para Trouxas’ ou no ‘Como esconder seu sangue-ruim’?”
“Malfoy!” Potter gritou.
“Se ela não quer ouvir esse tipo de coisa, não meta o nariz na minha vida pessoal!”
“Ela está tentando ajudar, você-”
“Eu não preciso da ajuda dela!”
“Sim, porque você está indo muito bem sozinho”, Potter apontou para a poção cristalizada.
“Vai para o inferno”, Draco murmurou.
“Já estou lá, obrigado”.
“Cale a boca”.
Potter gemeu em irritação e Draco lhe deu as costas, mandando Goyle limpar o caldeirão enquanto tentava escrever o que tinha dado errado e por quê. Tentou com todas suas forças ignorar o calor que subia em seu rosto e a raiva pelo fato de que seu corpo inteiro comandava que ele se aproximasse de Potter.
Respirou fundo algumas vezes, balançando a cabeça e tentando entrar no clima para aula. Releu o que tinha escrito e ficou alegremente surpreso ao perceber que, mesmo não alcançando seus padrões comuns, pelo menos estava coerente. Esperou a tinta secar e enrolou o pergaminho.
Agora, recomeçar. Olhou para os ingredientes e gemeu de desânimo. Muitos deles eram coisas em que não dava para confiar em Goyle, porque Goyle não saberia a diferença entre, digamos, garras de morcego lisas e garras de morcego encrespadas — ele mal podia ver a diferença entre morcegos e cobras. Mas, no estado atual, Draco também não conseguia.
Mandando Goyle segui-lo até o armário de ingredientes, tentou ignorar tudo menos a lista de instruções na sua frente.
ooooooo
Draco sentou à mesa da Sonserina no Salão Comunal se perguntando o que mais podia dar errado. Depois de Poções e Transfiguração, tudo que ele queria era voltar para a cama e esquecer aquele dia terrível.
Pelo lado bom, na aula de Transfiguração não havia nenhum grifindório hostil olhando feio para ele, o sonserino grande e feio que causava problemas para o santo Potter. Pelo lado ruim, a aula de Transfiguração estava cheia de sonserinos. Parecia que metade deles não se importava em pensar que, se eles irritassem Potter, Draco iria ser prejudicado também. A outra metade pensava nisso, e achava que era uma excelente idéia. Nott, que o imbecil apodrecesse no inferno, tinha conseguido até esbarrar ‘acidentalmente’ neles, causando o efeito de pele queimando que Draco jurava que ficava pior a cada vez. Sem falar que a sensação de dor fez os dois se afastarem de todo mundo e se aproximarem mais do que nunca, o que, considerando com o que eles estavam lidando naquele momento, não era uma boa idéia.
Depois do almoço, ele ainda teria que encarar Feitiços com os grifinórios. Ótimo.
“Um pouco preocupado hoje na aula de Poções, não é mesmo, Draco?” Millicent Bulstrode disse casualmente quando sentou na frente dele e de Potter no Grande Salão.
Oh, que maravilha.
Eles tinham conseguido ser mais discretos sobre a atração dessa vez, apesar de ter havido alguns olhares especulativos dos grifinórios quando eles começaram a trancar as cortinas. Mas a ausência de brigas, a poção de paciência e o fato de que eles estavam mais confortáveis um com o outro tinham funcionado bem juntos e, por isso, mesmo estando lidando com aquela situação há dois dias, ainda não tinham feito nada óbvio para fazer os rumores crescerem — ainda.
‘Todas as coisas boas têm que acabar’, pensou Draco, notando os sussurros e olhares vindos dos colegas de mesa. Potter, graças a deus, tinha lançado um feitiço de silêncio, como ele sempre fazia na mesa da Sonserina, e estava lendo seu livro de Astronomia enquanto comia, o que era bom porque significava que Draco não teria que sentir as emoções de Potter em relação à conversa ao redor deles.
“Eu ouvi os comentários na aula de Astronomia. Como foi a segunda tentativa de poção?”, Millicent perguntou, sorrindo maldosamente quando Draco corou.
“Boa”, ele murmurou enquanto bebia suco de abóbora.
“Teve um probleminha com a primeira, não é?”
“Sim”.
“Você estava um pouco… distraído?”
Draco colocou o garfo e a faca na mesa e a encarou severamente até que o sorriso desapareceu do seu rosto, substituído por uma expressão de desconforto. Ele sentiu uma pontada de segurança por perceber que ele — ou sua família — ainda tinha o poder de fazer outros sonserinos calarem a boca se estivessem perturbando muito.
Ótimo, ela parecia nervosa o bastante agora. Ele sustentou o olhar por mais alguns momentos, considerando inúmeros comentários de resposta, todos descartados, e optou pela ação sutil e sem riscos: voltou para seu almoço e a ignorou completamente.
“Draco”. Pansy Parkinson sentou ao seu lado e disse em voz baixa, “Por mais que me doa concordar com qualquer coisa que Hermione Granger diz, ela pode ter razão aqui. Você já considerou largar as aulas, só por um tempo?”
“Não”, ele disse bruscamente.
“Draco-”
“Eu disse que não. Não quero ficar atrasado com a matéria. Ou, pior ainda, voltar para mais um ano nessa escola”.
“Mas-”
“Sua opinião não é necessária aqui, Parkinson”, disse friamente e ela rolou os olhos e ficou de pé.
“Vocês vão acabar parando no hospital de novo”, disse. “Francamente. Homens. Vocês são impossíveis”. Ela saiu pisando duro e Potter a encarou.
“O que aconteceu com ela?”, ele perguntou, finalizando o feitiço de silêncio.
“Ela acha que nós deveríamos desistir da escola”, Draco disse curtamente.
“Nunca pensei que fosse ver Pansy Parkinson concordando com Hermione sobre qualquer coisa”.
“Agora você viu. Volte para sua bolha”.
“Qual é o problema com você?”, Potter disse com raiva. “Acabou a poção de paciência?”
“Cai fora”.
“Acabou?”
“O quê?”
“A poção”.
“Não. Mas suportar você e seus amiginhos patéticos-” — e meus patéticos colegas de casa, ele adicionou mentalmente — “-é um pouco demais para qualquer poção. A poção não é uma cura miraculosa para a estupidez dos outros”.
“Talvez você deva pedir para Snape fazer uma poção para curar sua tendência de agir como um completo idiota”.
“Cai fora, eu disse”.
“Certo, então”. Potter levantou e Draco o agarrou pelo braço para fazê-lo sentar de novo.
“Eu não acabei de comer”, disse Draco por entre os dentes cerrados, e sentiu a raiva de Potter explodir.
“Agora você acabou”, Potter empurrou o prato de Draco com o braço, fazendo seu almoço se espalhar pelo chão, e o barulho de vidro quebrando chamou a atenção de toda a mesa da Sonserina. Ele começou a andar e Draco puxou seu braço de novo, desequilibrando-o.
“Me solta!”
“O que foi isso? Sente-se!”
“Eu disse para me SOLTAR”, Potter desvencilhou o braço e começou a andar em direção à porta. Draco, furioso, levantou para segui-lo.
“Volte para a mesa AGORA!”, ele agarrou Potter de novo, mas só conseguiu rasgar sua mochila. Jogou-a no chão, derrubando livros, penas e um pote de tinta, que quebrou em pedacinhos, espalhando seu conteúdo pelo chão.
“Você NÃO manda em mim, seu imbecil!”
“CALE A BOCA!”, ele se moveu para segurar Potter de novo, mas o garoto se desviou e o empurrou, fazendo com que ele recuasse alguns passos. Conseguiu se equilibrar contra a parede.
“VAI PRO INFERNO!”, Potter gritou, seu ódio e ressentimento fluindo pelo elo e alimentando a ira interna de Draco. Houve um súbito silêncio no Grande Salão quando o ar ao redor se tornou mais carregado e, de algum modo, mais sombrio.
“O que você está fazendo?”, Draco perguntou, a pele arrepiando pela mudança na atmosfera, um dedo frio de medo correndo por sua espinha — droga, já ouvira que os ataques de raiva de Potter faziam sua mágica sair do controle quando ele era criança, mas como aquilo poderia estar acontecendo agora, no sétimo ano?
“Eu estou tentando ficar longe de você!”, Potter gritou de volta. Draco podia sentir o próprio medo de Potter sobre o que estava acontecendo com seus poderes, o que não era nada tranqüilizante.
“Acredite, não teria nada que eu gostaria mais do que-” Draco sentiu uma ventania invadir o Grande Salão e engoliu a seco enquanto Potter empaledecia. “Controle-se, seu idiota! Você não é mais criança!”
“CALA A BOCA!”, Potter empurrou Draco para trás. O medo pela explosão de Potter estava apenas fazendo a raiva de Draco aumentar, e ele também empurrou Potter para trás, com muito mais força do que pretendia, fazendo o grifinório bater a cabeça na parede.
A fúria de Potter saiu completamente do controle e ele deu um soco no rosto de Draco. Draco se desequilibrou para trás, sentindo o gosto de sangue em sua boca. Potter tentou socá-lo de novo, Draco o bloqueou enquanto a ventania fez uma janela quebrar acima deles, enchendo o Grande Salão de gritos dos alunos que tentavam desviar dos estilhaços. Draco ouviu vagamente alguém correr para chamar um professor.
“POTTER! PARE COM ISSO!”
Potter tentou segurá-lo de novo, mas Draco o empurrou e deu um soco forte em seu estômago. Potter se dobrou de dor e Draco aproveitou para dar-lhe uma joelhada, seu joelho esmagando o nariz do outro. O sonserino foi tomado por uma satisfação profunda pelo sangue que começou a escorrer do nariz de Potter, mesmo que ele também sentisse a dor.
Draco não percebera que havia decidido puxar sua varinha até que ela estava em sua mão, no mesmo momento em que Potter segurava sua própria varinha — e um grito súbito de “PETRIFICUS TOTALUS!” fez os dois congelarem no mesmo lugar.
“EXPELLIARMUS!”, outra voz cortou o Grande Salão e as duas varinhas voaram de suas mãos.
O silêncio no Grande Salão era ensudercedor.
Draco sentiu uma pontada no estômago, incapaz até de fechar os olhos e não ver o rosto de Potter, tão pálido, o sangue escorrendo até sua camiseta.
Agora os dois tinham passado dos limites. Aquilo era — aquilo era terrível. Podiam acabar sendo expulsos. Tinham atacado um ao outro fisicamente e por meio de magia, destruído propriedade escolar e colocado vários outros alunos em perigo. O que iria acontecer?
Aquela manhã tinha começado relativamente bem, Draco lembrou, desolado. Como é que os dois acabaram quase se azarando antes mesmo do meio dia?
“Finite incantatum. Agora, a não ser que vocês queiram ser explusos imediatamente, me sigam em silêncio até minha sala”, disse Dumbledore, o tom gentil constrastando com as palavras severas. Snape se aproximou com as varinhas deles em mãos, apontando para a porta.
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