9 a 14 de Outubro
Capítulo 3
de 9 a 14 de Outubro
Dia 11, Sexta
Draco acordou e gemeu. Esse último tinha sido bem real. Virou-se na cama, automaticamente checando se Potter ainda estava dormindo.
Graças a deus, sim. Draco estava preocupado porque achou que falara durante o sono e, considerando o que estava acontecendo no seu sonho, teria sido meio estranho, para dizer o mínimo.
Aquela era a segunda vez nas últimas duas noites que ele acordava frustrado daquele jeito. Isso porque tinha desistido de contar as vezes em que acordara com os lençóis melados. Ainda bem que conhecia os feitiços de limpeza de Marcus Flint, ou teria de explicar a Potter por que suas roupas de cama tinham que ser lavadas todos os dias. Tentou ignorar o incômodo e voltar a dormir durante exatos dez segundos antes de levantar e caminhar na direção do banheiro.
“Malfoy?”, a voz sonada de Potter o interrompeu. “Você está bem?”
“Hmm, si-sim”, ele murmurou, amaldiçoando o “timing” inapropriado de Potter.
Potter sentou na cama devagar. “Não, não está. O que foi?”
“Er, nada. Eu… eu tenho que ir”, Draco murmurou, fechando a porta e se inclinando contra ela antes de fazer o que precisava fazer, tão rápido e quieto quanto possível, o alívio percorrendo seu corpo quando terminou. Esperou um pouco antes de se limpar e aguardou ainda mais alguns minutos para sair, desejando que Potter tivesse voltado a dormir.
Respirou fundo e abriu a porta devagar. Percebeu que Potter ainda estava sentado na cama, abraçando os joelhos.
“Você está bem?”, ele repetiu quando Draco voltou para cama. O loiro fez que sim com a cabeça.
“Er… não é melhor a gente conversar sobre isso?”, perguntou Potter baixinho.
“Conversar sobre o que?”
“Eu… eu sei o que está acontecendo. Pomfrey disse-”
“Sim, bem, você sabe”, Draco estava contente pelo fato do quarto estar escuro demais para que Potter percebesse a vermelhidão do seu rosto e também aliviado por sua voz soar segura. “O que você quer conversar?”
“Eu só pensei que… Quero dizer, tem… ummm, tem alguma coisa, ummm… ah, esquece”. Potter voltou a deitar e deu as costas para ele.
Draco o observou por alguns instantes, notando a tensão nos ombros de Potter, sentindo seu nervosismo e confusão.
Ele respirou fundo. “Potter”.
“Sim”.
“Você também está tendo esses sonhos?”
Potter suspirou. “Estou”.
“Desde quando?”
“Alguns dias. Não sei, é difícil dizer”.
“São sobre o que?”
“O que você acha? Bem aquilo que a Pomfrey falou”. Ela tinha informado aos dois com um distanciamento clínico que eles poderiam esperar que as fantasias noturnas normais de qualquer adolescente se tornassem cada vez mais e mais específicas e focadas no outro, ao invés de imagens, sensações e pessoas aleatórias.
Houve um silêncio longo e tenso.
“Eu tinha esperanças de que isso não fosse acontecer”, Potter disse baixinho.
“Você também esperava um elo platônico?”
“Sim”.
“Você sabia que era improvável. Quase impossível. Nós não somos irmãos e nem melhores amigos da vida toda”.
“Eu ainda tinha esperanças, mesmo assim”, Potter se virou para deitar de costas na cama, encarando o teto. “E, aparentemente, você também, não é?”
Draco suspirou pesadamente. “Sim”.
“Nós temos que contar para Pomfrey”.
“Não diga”.
Potter fechou os olhos. “Eu acho que…”. Suas sobrancelhas franziram e ele parecia estar procurando a palavra certa. “Eu acho que não consigo fazer isso”.
“Eu não acho que temos escolha”, Draco observou.
“Isso é como… é quase como um estupro. É ser obrigado a fazer sexo quando você não quer-”
“Por Merlin, Potter, por que você acha que elos involuntários são tão ilegais?”, Draco perguntou. ‘Me poupe da sua estupidez’, ele pensou, mas se refreou antes de falar em voz alta. Pomfrey tinha dito que, se ele perturbasse Potter, o garoto não conseguiria relaxar o suficiente para deixar as coisas seguirem seu curso normal. A princípio Draco não tinha se importado nem um pouco, mas agora percebia da pior maneira que aquilo era importante, e muito. Quanto mais constrangido Potter se sentisse, mais tempo levaria para vencer sua resistência. E fazer pressão não era uma boa. Podia sentir o desconforto de Potter; se ele ficasse ainda mais defensivo, acabaria passando a sensação para Draco através do elo.
Ótimo. Lá estava ele, ficando seriamente excitado com cada vez mais freqüência, e a única pessoa que poderia ajudá-lo a resolver seu problema era um idiota patético assustado demais com a idéia de perder a virgindade e com seus próprios sentimentos para conseguir fazer algo a respeito.
E o que mais lhe dava nos nervos era que o mencionado idiota patético também estava ficando seriamente excitado o tempo todo, o que provavelmente afetava o nível de excitação de Draco; o que, por sua vez, acabava fazendo Potter ficar ainda mais excitado. Eles estavam alimentando esse círculo vicioso por causa da proximidade constante e do maldito elo, e não havia nada que Draco pudesse fazer para melhorar. Nada além de tentar conjurar ou fingir uma paciência super-humana para não assustar a criança idiota com quem ele estava casado.
“Eu realmente não quero fazer… isso”, Potter gaguejou. “Quer dizer, eu quero, mas não quero”.
“Você irá fazer, eventualmente. Não é um estupro, Potter. Quando você fizer, é porque terá desejado. Ou a pessoa com quem você está ligado não vai nem tentar fazer nada, porque vai sentir sua objeção através do elo”.
“Você pode sentir isso?”
“É claro que eu posso, seu-”, Draco quase mordeu a língua para impedir que o insulto saísse. “Eu posso sentir. Você está com medo de nós dois agora. De mim, porque você acha que eu vou te agarrar, e de si mesmo, porque parte de você quer que eu te agarre”.
“Como você sabe disso?”, disse Potter após um instante de surpresa.
“Não é como se fosse Aritmancia Avançada, Potter”. Draco esfregou a testa, percebendo que, durante a conversa, acabara ficando excitado de novo. Sentou-se na cama. “Que maravilha. Nós dois estamos nos sentindo do mesmo jeito, mas os seus escrúpulos morais e problemas emocionais vão conspirar para que fiquemos assim por sabe-se lá quanto tempo. Isso é ótimo. Simplesmente… ótimo”. Draco manteve a boca fechada e levantou da cama antes que pudesse dizer mais alguma coisa que aborrecesse Potter.
“Onde você vai?”, disse Potter, surpreso.
“Eu vou tomar um banho gelado, seu imbecil”, Draco disse, irritado. “Volte a dormir”.
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Dia 13, Domingo
“Harry... você não pode ficar com medo para sempre”, disse Lupin no domingo.
“Não é que eu esteja com medo. É que… é que… eu não confio nele, eu não gosto dele-”
“Mas-”
“É, eu sei. Mas também — nós estamos brigando cada vez mais desde que-”, Harry mordeu o lábio.
Rápido demais. As coisas estavam fora de controle.
Ele queria desesperadamente se livrar dos sonhos, dos sentimentos, da necessidade, do fato de que, ao invés de serem normais, os toques entre eles estavam começando a significar alguma coisa. A mão de Malfoy no ombro de Harry para chamá-lo agora ficava lá por mais tempo do que o necessário. Os empurrões de Harry para tirar Malfoy do caminho agora tinham mais força, porque parte dele queria puxar Malfoy para mais perto.
Eles implicavam um com o outro cada vez mais — as coisas de Harry espalhadas pelo dormitório e a incapacidade de Malfoy de lembrar onde estava sua gravata se tornaram problemas enormes, e mesmo isso tinha um aspecto sexual, porque Harry se distraía pensando em como Malfoy parecia vivo quando estava muito bravo. Os comentários sarcásticos de Malfoy eram irritantes porque mostravam que ele estava no controle. Mas sua explosão furiosa com Harry por ter largado a capa jogada em cima da cadeira, cobrindo a redação que ele tinha passado três horas escrevendo… não havia controle ou desprendimento naquilo. Não havia nada além de uma raiva espetacular por um motivo bobo, que nunca teria deixado Malfoy tão irritado se não houvesse tanta tensão entre eles.
E Harry conseguia sentir o desejo, a raiva e a frustração de Malfoy também. Ele já nem sabia mais quais sentimentos eram dele e quais eram de Malfoy, só sabia que eram todos muito intensos e que estavam deixando os dois malucos.
“Você deveria ficar mais com os seus amigos”, Lupin disse.
“Mas é… é vergonhoso. Na aula, ou na biblioteca, nós começamos a brigar e as outras pessoas ficam ouvindo e… e… eu odeio o jeito que todo mundo fica olhando para a gente. E comentando o que será que está acontecendo e por que estamos brigando. Alguns sonserinos estão até fazendo apostas para saber quanto tempo vai demorar antes que…”. Ele engoliu a seco. “E a Hermione disse que o Profeta e O Pasquim ainda estão falando sobre nós o tempo todo…”
“É, eu vi”. Lupin balançou a cabeça. “Uma idiotice”.
“Eu fico quase contente por a gente não ir mais para o Grande Salão. Ter todo mundo nos encarando o tempo todo é cansativo”.
“Eu imagino”, Lupin falou. “Você chamou seus amigos para irem aí?”
“Não… eu… nós…”
Como explicar? Como explicar o desconforto quando ambos percebiam que estavam olhando um para o outro por tempo demais e que as pessoas ao redor tinham notado? Isso fazia Harry corar e gaguejar; fazia Malfoy desviar o rosto de um jeito frio ou emitir comentários mais maldosos do que o normal sobre Harry. Foi justamente por isso que Malfoy dissera aos amigos que precisava estudar sozinho no dormitório dos dois e a razão pela qual Harry estar evitando seus amigos também, sem querer lidar com os olhares alheios durante as brigas com Malfoy ou com a irritação deles pelo jeito com que o sonserino os tratava.
Era horrível. Se sentir tão isolado, irritado e… assustado tão freqüentemente. E excitado, não dava para esquecer isso, excitado o tempo inteiro. O tempo inteiro. Distraído pelo cabelo de Malfoy, pelos seus olhos, pelo formato do seu rosto… ele fantasiava tanto durante as aulas que já estava ficando acostumado. Mas tornar essas fantasias realidade era terrível demais para sequer considerar. Durante a aula de Aritmancia, ele estava pensando em como seria tocar Malfoy, e, quando percebeu, sua mão já estava em cima da do outro, e ele estava pensando em enlaçar os dedos nos dele e se aproximar mais — e então Malfoy se virou e levantou uma sobrancelha, e ele se sentiu rejeitado, com raiva e com medo.
“Harry?”
“Não dá. Não consigo falar sobre isso”, disse Harry, um nó se formando na garganta. Ele olhou para onde Malfoy estava estudando, só que o loiro não estava estudando. Ele o observava com os olhos escurecidos e famintos. Quando os olhares dos dois se encontraram, Harry sentiu a necessidade de se aproximar dele, de tocá-lo, de gritar com ele e-
“Não dá. Desculpe. Eu… eu falo com você amanhã”, Harry gaguejou e saiu da sala de estar sem esperar a resposta de Lupin.
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Dia 14, Segunda
‘Isso só pode ser algum tipo bizarro de tortura psicológica’, pensou Draco, desconsolado. A aula de Poções nunca fora tão tediosa nos últimos sete anos. Era como se Snape estivesse conspirando com quem tinha jogado a maldição, falando num tom monótono sobre coisas desinteressantes. Não havia nada para o cérebro de Draco fazer além de formular outra fantasia sobre Potter. Sobre tocá-lo, abraçá-lo, despi-lo, trazê-lo para mais perto e…
Ele se sentiu corar, incapaz de se concentrar, enquanto Potter continuava a escrever a seu lado. Ele parecia completamente centrado na aula, sem idéia dos rumos que os pensamentos de Draco tomavam. Draco rapidamente estava se tornando obcecado pela distância entre seus lábios e os de Potter, e Potter continuava a escrever. Nem um pouco afetado pelo elo dos dois. A raiva de Draco emergiu, o que, infelizmente, fez com que outra parte dele emergisse também antes que pudesse impedir, e o sonserino se sentiu aliviado por Potter não estar olhando para ele. Ou eles iriam acabar naquela de mergulhados-no-olhar-um-do-outro novamente, como já acontecera diversas vezes, e a expressão de divertimento nos rostos dos amigos deles por causa daquilo estava começando a cansar.
Então. Potter não estava distraído, o que era bom, porque assim Draco tinha a chance de se livrar da sua distração. Por exemplo, ele poderia começar a anotar a aula, mesmo que suas anotações não fizessem sentido nenhum porque ele só conseguia entender uma ou outra palavra do que Snape dizia. “Reconhecido por da Escandinávia e vai se tornar mais”era a última frase que ele tinha escrito.
Ou… ele podia se aproximar de Potter, só um pouquinho, o que seria suficiente para manter algum contato. Eles estavam fazendo muito isso ultimamente, ajudava a diminuir o desconforto um pouco. Talvez…
Potter largou a pena em cima da mesa para esfregar os olhos, e Draco espiou o pergaminho dele.
Potter não estava fazendo anotações. Ele tinha escrito o alfabeto das Runas Dinarmaquesas Futhark três vezes e o alfabeto grego uma vez, desenhado uma pena, uma mesa, uma cadeira, Hermione Granger e doze cubinhos tridimensionais e havia lançado um feitiço simples para fazê-los dançar pelo papel.
Ele bateu com o ombro em Potter. “Preste atenção”, murmurou. Potter concordou com a cabeça devagar, engolindo a seco e pegando a pena, sem desviar o olhar de Draco. Draco sentiu o coração pular uma batida. Oh, deus, o rosto de Potter estava vermelho, os lábios levemente separados. O olhar de Draco estava grudado neles, Potter estava tão quente e tão perto, seu peito arfando devagar, e a dor estava piorando. Céus, ele não podia ficar lá sem fazer nada, precisava chegar mais perto.
Ele olhou para baixo e percebeu que não era o único revelando evidências físicas do que acontecia dentro dele. Deslizou a perna para junto da de Potter, pressionando as duas lado a lado, do joelho à cintura. Eles estavam fazendo isso cada vez mais nos últimos tempos, e era enlouquecedor e absurdamente inapropriado. Revirou-se na cadeira, tentando se ajustar discretamente, mas só conseguiu ficar mais excitado. Oh, Potter estava se movendo para mais perto também. Ele deslizou uma mão para debaixo das mesas, tocou a perna de Potter gentilmente e o fez parar de se mexer. “Não, isso não ajuda”, ele sussurrou. Potter deslizou uma mão entre eles e enlaçou os dedos trêmulos dos dois juntos. Draco mordeu os lábios para se impedir de emitir qualquer som.
“Nós estamos no meio da aula, não podemos…”, ele sussurrou, a frustração crescendo segundo a segundo. Isso era intolerável, se ele ao menos pudesse se consolar pensando que ia conseguir algum alívio depois da aula. Mas, não, Potter estava deixando os dois nesse nível insuportável de necessidade-.
Fechou os olhos com força e tentou pensar em outra coisa. Não adiantou. Abriu os olhos de novo, Blaise estava fazendo uma careta, olhando para ele e Potter e erguendo as sobrancelhas. Draco balançou a cabeça e fechou os olhos novamente, mas antes viu os olhos azuis de Weasley se estreitando enquanto ele compreendia o que estava acontecendo.
“Harry?” Weasley se inclinou. “Você está bem?”
Potter balançou a cabeça, largando a mão de Draco debaixo da mesa e cobrindo o rosto.
“Sr. Potter?” Snape disse, e o estômago de Draco se contorceu. “Você pode nos dizer quais propriedades do ginseng são cruciais para essa poção?”
“Não, ele não pode”, Draco disse antes que conseguisse se deter, um pouco surpreso pelo tom instável e rouco da própria voz. “Por favor, pergunte para outra pessoa”.
Houve um silêncio de choque, todos os alunos se voltaram para eles, e Snape pareceu desconcertado.
“Professor, por favor, pergunte para outra pessoa”, Pansy repetiu. Snape limpou a garganta e apontou para outro aluno.
“Obrigado, Pansy”, disse Draco baixinho.
“Vocês precisam sair da sala”, Weasley sussurrou.
“Para fazer o que, exatamente?”, Draco retrucou. “Jogar xadrez?”
Weasley o ignorou. “Olha, você não pode… Harry, pensa bem. Isso é idiotice. Você não pode continuar desse jeito, vocês dois estão enlouquecendo”, ele disse, preocupado. Draco sentiu uma mistura de gratidão e indignação por Weasley estar intervindo em seu favor com Potter. O ruivo ainda estava falando de modo aflito, mas Draco podia sentir as reações de Potter e sabia que Weasley estava perdendo tempo.
“Eu estou indo embora”, ele decidiu de repente, alisou as roupas e começou a levantar a mão.
“Não, não! Malf-”, Potter agarrou seu braço, mas Draco se desvencilhou.
“Professor?”
“Sim, sr. Malfoy?”
“Posso me retirar?”, ele disse tão controlado quanto conseguiu, e o olhar de Snape passou dele para Potter antes que acenasse positivamente. Draco levantou e saiu da sala, seguido por dezenas de olhares curiosos e um furioso Harry Potter.
“Para que você fez isso… Você não tem o menor autocontrole?”
“Muito mais do que você tem! Seu melhor amigo te dizendo para parar com isso e seguir em frente e você é teimoso demais para-”
“Deixe Ron fora disso!”
“Você vai acabar nos deixando loucos!”, gritou para Potter, perdendo a paciência.
“Você é quem está nos deixando malucos! Você insiste que nós fiquemos sozinhos quase o tempo todo, e, quando estamos no meio dos outros, você é impossível! Como é que eu posso querer-”
“A maldição não diz ‘Você terá que socializar com os outros’ ou ‘Você terá que se comportar como um imbecil apaixonado’, Potter! Ela diz, muito especificamente, o que nós temos que fazer. E se você não fosse um mestiço imbecil criado por trouxas, nós já teríamos feito a essa altura!”
“Vai se foder”, Potter gritou.
“Acredite, eu adoraria! Mas, infelizmente, eu estou casado com o garoto ‘Estou-Me-Resguardando-Para-Só-Deus-Sabe-O-Quê’. E eu juro que se você me disser que isso não é um casamento, eu te mato! Isso é exatamente como um casamento funciona: não transar com quem você deveria transar e não conseguir transar com mais ninguém!”
“Eu não CONFIO em você e eu não GOSTO de você, será que isso não entra na sua cabeça!”
“Por que não entra na sua cabeça que confiar e gostar não têm nada a ver com o elo?”
“Você-”
“Está bem!”, Malfoy gritou. “Está bem! Faça como quiser. O almoço é daqui a uma hora, nós vamos para o Grande Salão. E, até lá, se você me dá licença, eu vou tomar outro banho congelante e tentar ficar o mais longe possível de você”.
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Quando chegaram no Grande Salão, a raiva entre eles era tão grande que os dois mal conseguiam enxergar. Potter começou a andar para a mesa da Grifinória e, em um impulso, Draco sentou na mesa da Sonserina. Potter parou, olhando para Draco, surpreso. “O que você está fazendo?”
“Eu disse que nós iríamos almoçar no Grande Salão. Não disse em que lugar”.
“Eu não vou sentar na sua mesa”.
“Ótimo. Bom almoço”, respondeu Draco, pegando um prato e se servindo. Sopa, salada, suco de abóbora, tudo normal, de volta à sua velha mesa com seus velhos amigos. Tudo estaria maravilhoso se sua cabeça não estivesse explodindo e, sua visão, meio embaçada.
Começou a comer mecanicamente, sem participar das conversas ao redor e desejando que o desconforto físico e emocional sumisse. Tentou desesperadamente se concentrar em alguma coisa, qualquer coisa. Como, por exemplo, a maneira interessante que a conversa fluía na mesa da Sonserina, os olhares curiosos dos colegas questionando sua presença e os pontuados silêncios entre eles.
Interessante, sim. Mas era difícil se concentrar quando o mundo parecia se resumir à desorientação física, sensações emocionais e comandos. Desejo, tontura, náusea, nervosismo, dor de cabeça, estômago revirado, exaustão. Toque, deite, levante, grite, desista, chore, durma…
Ele se segurou na ponta da mesa quando o mundo começou a girar e as vozes na sua cabeça ficaram mais altas, mais suaves, e silêncio e gritos e…
“Draco? Draco? Você está-”… e então a mesa sumiu da sua frente e o mundo se tornou negro.
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Snape ergueu a cabeça bem a tempo de ver Draco Malfoy repentinamente tombar para frente e Pansy Parkinson segurá-lo, o resto dos alunos da mesa gritando alarmados — e, na mesa da Grifinória, Potter levantou sem muito equilíbrio com direção à mesa da Sonseria e murmurou um “Não-” antes de desmaiar e ser segurado por Weasley. Em um instante, Snape e McGonagall estavam correndo para as mesas, abrindo espaço entre os estudantes da Sonserina e da Grifinória. Snape pegou Draco, aparando o menino trêmulo de olhos semicerrados. Draco gemeu de dor, tentando se afastar do toque, a respiração saindo entrecortada.
“Severus!”, McGonagall chamou, “Traga-o aqui”. Mas Snape já estava no meio do caminho da mesa da Grifinória, depois de ter lançado um feitiço de leveza e pegado Draco nos braços como se ele fosse uma criança. Ele gentilmente colocou Draco perto de Potter, fazendo os ombros dos dois se tocarem. Respirou aliviado quando os garotos parecerem sentir a presença um do outro e relaxaram, as respirações voltando ao normal e os tremores diminuindo.
McGonagall observava preocupada, e Weasley estava dizendo alguma coisa para ela. “Sim, é melhor”, ela falou. “Precisamos da Madame Pomfrey”. Weasley saiu, apressado. Snape afastou uma mecha de cabelo da testa de Draco, notando que sua pele estava quente, e, o pulso, acelerado.
“Poppy nos avisou que isso podia acontecer”, disse McGonagall. “Eu deveria ter insistido que ficassem na mesma mesa, eles não podiam ficar separados… mas os dois estavam tão irritados um com o outro-”
“Me deixem passar!”, a voz brusca de Madame Pomfrey se fez ouvir, “Saiam da frente, agora!”. Ela apareceu, indo para o lado dos dois garotos inconscientes deitados em cima da mesa.
“O que aconteceu?”, perguntou, tocando na testa de ambos e começando a examiná-los.
“Eles estavam comendo-”, McGonagall começou.
“Onde?”
“Potter estava na mesa da Grifinória e Malfoy na da Sonserina-”, McGonagall parou de falar quando Pomfrey se virou para ela com um olhar incrédulo.
“Eles estavam em mesas separadas!”, ela disse. McGonagall e Snape ficaram quietos. Potter deu um gemido e se mexeu; ela murmurou algo baixinho que pareceu confortá-lo antes de olhar para McGonagall e Snape de novo. “Quem permitiu que isso acontecesse?”
“Poppy, eles estavam enlouquecendo, eles-”
“Bem, é claro que eles estavam enlouquecendo, qualquer um enlouqueceria se fosse forçado a passar todos os dias, o tempo todo, com alguém que odiasse. Mas não é essa a questão! Eles não podem ficar longe um do outro por mais de cinco minutos! Que parte dessa recomendação não ficou clara?”
“Eles pareciam estar bem-”, Snape começou.
“Eles parecem estar bem agora? E vocês se dizem adultos responsáveis! Vocês deveriam ter algemado os dois juntos se fosse preciso ao invés de deixá-los fazer algo tão estúpido. Vocês têm noção de que o progresso deles pode regredir em semanas? Era trabalho de vocês dois manter os garotos a salvo da própria estupidez deles, e vocês deixam isso acontecer!”
Os estudantes observavam assustados enquanto Pomfrey dava broncas em dois professores em público, e os dois professores ouviam sem revidar.
“Agora, afastam-se, todos vocês. Saiam da frente! Minerva, Severus, me ajudem a levá-los para o hospital. Francamente, não consigo — está tudo bem, sr. Malfoy”, ela disse suavemente quando Draco abriu os olhos e emitiu um gemido de dor, “Nós estamos indo para o hospital, você vai ficar bem — vai ter pesadelos por uma semana, com certeza— não, está tudo bem, sou eu, sr. Potter”, ela voltou-se para ele. “Você estará bem em alguns minutos…”, e a pequena procissão deixou o Salão Principal, com Pomfrey emitindo exclamações indignadas durante todo o caminho.
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Dia 15, Terça
Draco abriu os olhos e gemeu. A maldita ala hospitalar. E sua cabeça estava explodindo. Na verdade, todo o seu corpo doía imensamente.
“Draco? Você está acordado?”, uma voz suave disse perto de sua orelha, e ele se virou para ver Pansy sentada ao lado da cama.
“Eu estou no hospital de novo?”
“Sim. Do que você se lembra?”
“Não de muita coisa. Estávamos almoçando e eu senti uma tontura-”
“Você ficou praticamente cinza! Então você desmaiou, e Potter também, e Madame Pomfrey trouxe vocês dois para cá”.
Que inferno. Sim, lá estava Potter, ainda inconsciente ao lado dele. Gemeu de novo, esfregando os olhos e tentando esquecer a dor.
“Draco? Está tudo bem?”
“Não”, ele conseguiu falar. “Chame Pomfrey-”, ela saiu correndo.
“Acordado, sr. Malfoy? Bem, você deve ter notado que não está se sentindo cem por cento. Vocês dois causaram muitos problemas com essa brincadeirinha”.
“Eu só queria ficar longe de-”
“Sim, eu entendo, Mas essa dor de cabeça lancinante que você está sentindo agora e todas as outras dores são o pagamento por esse momento de paz de separação”.
“Não me senti nada em paz — oh”, ele engasgou, tentando sufocar os gemidos de dor.
“Aqui”, Pomfrey segurou Potter pelos ombros e o virou, para confusão de Draco. “Estou tentando virá-lo para que vocês possam se tocar o máximo possível”.
“O quê?”
“Vai fazer a dor diminuir. Aqui, finja que ele é um ursinho de pelúcia”.
Corando um pouco por Pansy estar lá para testemunhar aquilo, mas disposto a fazer qualquer coisa para diminuir a dor, Draco abraçou Potter, ajeitando a cabeça dele em seu ombro. Ele suspirou quando a dor diminuiu consideravalmente.
“Melhor?”
“Sim”, murmurou, fechando os olhos. Sim, muito melhor, mas ainda horrível. Ele nunca mais iria querer largar Potter se isso significasse que teria voltaria a ficar daquele jeito.
Uma onda de ressentimento e desânimo o atingiu. Ele não devia ter lidar com tudo isso. Era para ele estar pensando nos NEWTs e na ascensão do Lorde das Trevas, e não se preocupando porque sua cabeça iria explodir de agonia se ele não abraçasse o inimigo mortal da sua família — e, incidentalmente, do Lorde das Trevas — como um maldito ursinho de pelúcia!
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“Draco”.
Ah, que maravilha. Draco manteve os olhos fechados, sentindo dor demais para se importar como deveria. “Pai”.
Houve um pequeno barulho de madeira arrastando quando Lucius Malfoy sentou ao lado da cama de Draco.
E então um longo silêncio.
“Severus me explicou o que aconteceu”, o tom de Lucius era suave. Draco balançou a cabeça de leve. “Você está parecendo terrível”.
Draco balançou a cabeça de novo.
“Você consegue falar?”, o tom suave de Lucius atingiu uma nota de reprovação. Draco abriu os olhos e tentou encará-lo. Suspirou, desviando o rosto.
“Eu gostaria que você explicasse”, Lucius disse, numa voz que ainda era a epítome da razão e da preocupação paterna. “Porque me parece que vocês mesmos causaram isso”.
“Sim”
“Certo”.
Outro longo silêncio.
“Ele já recobrou a consciência?”
Não havia necessidade de perguntar quem era ‘ele’, porque ‘ele’ estava naquele exato momento repousando em paz, a cabeça apoiada no ombro de Draco e o corpo pressionado contra o dele.
“Ainda não. Madame Pomfrey disse que ele está bem, só que foi um pouco mais afetado do que eu”.
“Entendo”.
Aqueles longos silêncios estavam começando a ficar desagradáveis.
“Eu sinto muito, pai”, Draco disse, fechando os olhos de novo.
“Eu imagino que sim”, Lucius disse. “Posso saber por que você resolveu desobedecer a todas as recomendações médicas e ao bom senso e quis ficar longe do seu recém-adquirido marido?”
“Eu não sei”.
“Não me parece muito provável”.
Draco suspirou. “Não o agüentava mais. Ele… ele é impossível-”, e, com um vago horror, o loiro percebeu que sua garganta estava fechando e ele estava prestes a começar a chorar. Prendeu a respiração e concentrou-se em outras coisas — as tabelas de Aritmancia pareciam ideais — para evitar que acabasse chorando na frente de seu pai, de todas as pessoas.
Lucius esperou pacientemente que Draco recobrasse a compostura. “Seus professores me disseram que vocês dois estão bem hostis um com o outro ultimamente. É um pena que sua mãe e eu tivemos que ouvir isso deles, não de você. Eu tinha a impressão que compartilhar informações relevantes sobre esse assunto era um dos motivos de nós estarmos nos falando todas as noites”.
Draco engoliu a seco. “Eu não… Eu não queria… Não parecia ser algo importante, nós brigamos o tempo todo, não queria preocupar vocês-”, ele parou de falar quando Potter se mexeu.
Potter abriu os olhos, piscando repetidas vezes, e levantou a cabeça do ombro de Draco. Ele emitiu um som de susto ao perceber o pai de Draco o encarando a poucos metros. Começou a sentar, mas Draco o puxou para mais perto.
“Não. Você vai se sentir como se sua cabeça fosse explodir. Além disso, nós temos que manter o máximo de contato”. O corpo de Potter ficou tenso de desconforto e resistência. Draco, sem pensar, acariciou os ombros do outro gentilmente, tentando acalmá-lo. Sem desviar o olhar de Lucius, Potter gradualmente relaxou e voltou a deitar com a cabeça no ombro de Draco.
“Que lindo”, disse Lucius com desdém. “Se vocês tivessem agido como adultos responsáveis, essa graciosa demonstração de afeto pública não teria sido necessária, não é mesmo?”
“Nós não temos como saber disso, sr. Malfoy”, disse Pomfrey, que se aproximou da cama ao notar que Potter tinha acordado. “Nós o informamos que Madame Pantere acredita que o feitiço não foi lançado de modo correto. Eles podiam acabar no hospital por algum efeito colateral”.
“Mas isso é uma possibilidade. Não foi o que aconteceu. Eles acabaram aqui porque se comportaram como crianças, não como homens adultos”.
“Mas eles não são homens adultos, senhor”, Pomfrey disse firmemente. “Eles já podem ter atingido a maioridade, mas ainda são dois adolescentes, forçados a enfrentar uma situação que seria difícil para qualquer um, adulto ou não”. Pomfrey o olhou com mais intensidade. “De qualquer modo, é melhor deixar as recriminações para mais tarde, quando os dois estiverem recuperados. Agora, se me der licença eu preciso examinar meus pacientes”. Ela fez uma pausa. “Em particular”.
Lucius Malfoy estreitou os olhos, mas levantou calmamente e saiu da ala hospitalar, sem olhar para Draco ou Potter.
“Então, Potter”, disse Pomfrey. “Vamos ver como você está e depois eu trarei seu jantar”.
“Jantar? Por quanto tempo eu fiquei inconsciente?”
“Quase trinta horas”. Potter ficou pálido. “Sim, foi uma brincadeira perigosa a de vocês”, ela recriminou. “Mas não se preocupem, o que passou, passou. Agora, sente-se, por favor. Malfoy, você também. Não vou demorar muito”.
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Draco suspirou contra o ombro de Potter, desejando poder voltar a dormir e esquecer que tudo aquilo um dia tinha acontecido. Infelizmente, Graciele Esposito, a especialista em Desordens em Feitiços de Ligação do St. Mungus, queria fazer uma reunião com todo o grupinho feliz de pais (e afins), professores e equipe médica que acompanhava aquele ‘caso especial’. E lá estavam eles. Ainda na cama do hospital, finalmente podendo sentar, mas ainda obrigados a manter contato muito próximo para evitar desconforto, com tantas pessoas ao redor que daria para fazer uma sessão espírita.
“Certo, vamos começar”, disse Espósito. “Obviamente, todos nós estamos preocupados com o que aconteceu ontem e queremos garantir que nada do gênero se repita. Garotos, vocês tiveram sorte. Vocês desmaiaram, mas ficaram bem, apesar de algum desconforto. O dano poderia ter sido muito, muito pior. Cada um ou ambos poderiam ter sofrido um ataque do coração ou entrado em um coma permanente”. Ela olhou para os dois de modo sério. “De qualquer modo, o progresso do elo regrediu, o que significa que provavelmente vai demorar ainda mais do que esperávamos para alcançarmos um nível em que vocês possam ficar separados por mais de alguns minutos. Esse é um assunto sério, meninos. Não se deve brincar com feitiços de ligação”.
Draco mordeu o lábio. Não precisava do elo para sentir o ressentimento e medo de Potter, já que o corpo do outro ficou tenso contra o dele e Draco estava se sentindo do mesmo jeito. Potter segurou Draco um pouco mais forte pelo ombro.
“No entanto, eu imagino que o que aconteceu foi o suficiente para assustar vocês dois e fazer com que ambos ajam de um jeito mais responsável no futuro, certo?”
Draco e Potter concordaram rapidamente.
“Ótimo. Madame Pomfrey e eu passamos o dia discutindo a situação enquanto vocês estavam inconscientes e decidimos fazer algumas mudanças. A mais importante é sobre seus aposentos”. Ela limpou a garganta. “Depois de falar com seus amigos das duas casas, nós percebemos que parte do problema é que, enquanto incentivamos que vocês recebessem apoio dos adultos, acabamos os isolando de seus amigos quando mais precisavam deles”.
“Acho… acho que nos precipitamos um pouco em querer tratá-los como adultos. Isso, combinado com o fato de que as casas de vocês são geralmente consideradas rivais… bem. Naquele momento, achamos que não havia outra alternativa que não removê-los das casas. Mas agora percebemos que foi um erro. Quando vocês chegaram em Hogwarts, ouviram que suas casas seriam suas famílias aqui, e nós tiramos essas famílias de vocês sem substituí-las por nada equivalente”.
“Mas Malfoy não pode ir comigo na Torre e eu não posso ir com ele para as Masmorras, a gente não pode fazer nada-”, Potter disse, e McGonagall interrompeu.
“Podemos, sim, Potter. Nós não pensamos que seria possível quando isso começou. Mas, por causa dos eventos de ontem, Professor Snape e eu conversamos com os colegas de casa de vocês e explicamos a situação para eles. Nós determinamos que vocês dois terão acesso as duas casas. Vocês serão encorajados a sentar nas mesas um do outro no Grande Salão, usar os dois salões comunais e até mesmo voltar a dormir nos dormitórios, se quiserem. Se escolherem fazer isso, podemos ensinar alguns feitiços de privacidade para colocar nas cortinas que irão separar vocês do resto do quarto, impossibilitando que alguém enxergue, interrompa ou ouça qualquer coisa”.
Draco quase conseguiu rir, apesar da dor que sentia, de como Potter ficou envergonhado ao ouvir aquilo. Grifinórios. Tão cheios de pudor.
“Nós também vamos tentar outros feitiços”, Esposito anunciou. “Feitiços de animar, de paciência, coisas como essas. Nós pensamos a princípio que não seria uma boa opção, já que oelo não foi lançado com muita competência, mas acho que vocês provaram que não fazer nada pode resultar num desastre. Vamos arriscar e monitorá-los para ver se os feitiços que vamos usar não vão interferir negativamente na ligação”.
“Alguma pergunta?” Pomfrey perguntou.
Draco balançou a cabeça em negação, sem querer prolongar a conversa.
“Eu tenho uma pergunta”, Lucius Malfoy disse, e Draco teve que se controlar para não gemer de desânimo — não só porque uma pergunta significava que ele ainda não podia voltar a dormir, mas porque tinha reconhecido o tom ‘Eu vou fazer as coisas do meu jeito, mesmo sabendo que ninguém aqui vai gostar’ do seu pai. E, conhecendo as pessoas que estavam ao redor deles…
“Sim, sr. Malfoy?”
“Se eu estou não estou enganado, esse atual… surto… no elo deles foi, em grande parte, devido à relutância do sr. Potter em aceitar certos aspectos do feitiço de ligação?”
Draco pôde sentir o coração de Potter bater mais rápico enquanto ele respirava fundo.
“Eu não diria que isso é totalmente verda-” Esposito começou, mas Lucius a interrompeu.
“Eu imagino que vocês irão lidar com essa relutância usando magia também?”
“O quê?” Potter sentou na cama, irritado, e Draco cerrou o maxilar em frustração enquanto o quarto inteiro começava a discutir.
Aquilo era algo típico de seu pai e uma completa perda de tempo. Lucius, como sempre, estava convencido de que poderia intimidar qualquer um para conseguir fazer o que quisesse. Mas, julgando pela reação de Potter, era mais fácil que o garoto concordasse em receber uma Cruciatus do que qualquer feitiço ou poção para acabar com sua relutância. Uma breve olhada ao redor do quarto mostrou que ninguém, a não ser provavelmente Snape, achava que a sugestão de Lucius era válida.
E, conhecendo a enorme teimosia de Potter, e sabendo que ele seria completamente apoiado por Dumbledore e McGonagall, sem falar na curandeira de St. Mungus e Madame Pomfrey, Draco sabia que seu pai iria perder.
Esfregou os olhos, cansado, rapidamente perdendo o rumo da discussão. Ele não precisava ouvir. Potter iria dizer que não concordaria com nenhum outro feitiço que interferisse na sua vida pessoal. Seu pai iria responder que não era só a vida pessoal dele que estava sendo afetada, mas a de Draco também, e que as restrições de Potter se deviam à sua mentalidade trouxa e não deveriam ser levadas a sério.
McGonagall iria argumentar que não havia motivo para que eles não tivessem paciência; Pomfrey diria que Lucius não era médico e não fazia idéia sobre o que estava falando. Snape apontaria que Lucius tinha razão e que Potter era teimoso demais; a curandeira falaria algo profundo e Dumbledore provavelmente só ficaria observando. Draco não tinha idéia do que o lobisomem diria, mas não fazia a menor diferença, porque ninguém além de Dumbledore e Potter daria valor para qualquer coisa que Lupin dissesse.
Draco encostou nos travesseiros, completamente desinteressado na troca de argumentos ao redor, e começou a pensar no salão comunal da Sonserina.
A Sonserina… ele já tinha se conformado em nunca mais voltar para lá e dissera a si mesmo que não se importava. Era só um dormitório, afinal. Era mais bem mobiliado que os outros, já que a Sonserina geralmente atraía alunos mais refinados e ricos do que, por exemplo, a Lufa-Lufa, mas mesmo assim era um mero dormitório escolar. Não valia a pena se apegar a ele, especialmente não para o herdeiro da família Malfoy. Ele tinha se dito isso. Que, mesmo diante das lamentáveis circunstâncias e do horror de ter que dividir seu espaço com Potter, era bem prazeiroso ter um quarto só para ele. Muito mais apropriado para seu estilo de vida do que ser jogado em um dormitório com outros 70 alunos.
Mas havia uma pequena parte da sua mente que constantemente o lembrava que ele teria a vida inteira para ter uma casa só dele. Esse era o último ano em que ele teria a oportunidade de viver com um grupo de pessoas da sua idade; de estudar junto, de fazer alianças que iriam influenciar na sua vida adulta, mesmo de se divertir de vez em quando, fazendo as coisas idiotas que os adolescentes fazem.
Essa pequena parte da sua mente tinha lamentado a perda disso tudo da mesma forma que outras partes dele lamentaram a perda do Quadribol, da liberdade, da possibilidade de encontrar uma esposa que beneficiaria os Malfoys, da perda de prestígio da sua família, da provável perda de influência de seu pai entre os seguidores do Lorde das Trevas…
E agora ele podia ter de volta uma parte pequenininha do que tinha perdido.
Ou não?
Ele podia voltar para a Sonserina, sim. Mas o faria com sua nova ‘sombra’. O que isso significava? Será que alguém confiaria nele — tanto quanto qualquer sonserino podia ser confiável? Será que alguém baixaria a guarda o suficiente para falar com ele francamente sobre coisas que Potter não deveria ouvir? Será que alguém acreditaria quando Potter dissesse que tinha lançado um feitiço de silêncio? Aliás, Draco acreditava nele quanto a isso?
Como será que as coisas ficariam? Como os outros iriam se sentir, sendo forçados a aceitar a presença de Potter? Especialmente porque eles estariam aceitando isso apenas para ajudar Draco, que estava sendo consumido pelo elo porque se sentia… o que? Sozinho? O herdeiro da família Malfoy, incapaz de lidar com uma pequena inconveniência como um casamento desagradável porque se sentia sozinho?
Oh, droga. Isso não seria nada bom. Os outros sonserinos iriam ter menos respeito ainda por ele, e provavelmente achariam que Draco estava em dívida com eles por ter sido recebido de volta.
Apesar de que tudo dependeria de como Snape tinha ‘determinado’ que Potter deveria ser recebido na Sonserina. Snape era um jogador astuto e sempre tinha apoiado os Malfoys. Draco tinha que perguntar como ele tinha explicado a situação para os alunos. Com sorte, Snape tinha descrito Potter como o crianção assustado que ele era e apontado que, como o Grifinório precisava da casa dele, seria injusto não permitir que Draco tivesse acesso a sua própria casa, independente de ele precisar ou não. Ele tinha que perguntar para Snape-
“...Draco?”
Draco de repente percebeu que todos estavam em silêncio e olhavam para ele. Estremeceu alarmado quando reconheceu que a última voz que tinha ouvido era de seu pai, e ele não tinha idéia do que Lucius havia dito.
“Me desculpe, pai. Você pode repetir?”, pediu, tentando manter o tom casual.
“Eu perguntei o que você achava”, Lucius disse com um ar de impaciente condescendência que sempre atormentava Draco.
“Sobre-”
“Sobre usar meios mágicos para facilitar a parte sexual do elo de vocês”, Pomfrey disse asperamente.
“Não”, Draco respondeu sem pensar, e quase mordeu a língua de horror ao perceber o que tinha feito. Discordado diretamente do seu pai, na frente de todas aquelas pessoas. Sentiu o pânico se espalhar quando viu o olhar incrédulo de Lucius e tentou desesperadamente manter-se controlado enquanto imaginava um jeito de melhorar a situação. Droga, droga, droga, droga, droga, como é que ele tinha dito aquilo, que diabos ele estava pensando, droga, droga, droga-
Relaxe. Respire. Está tudo bem.
Ele quase pôde ouvir aquelas palavras. Sentiu o pânico se esvair e percebeu que não era nenhum caso de emergência. Olhou para a mão de Potter em seu braço. Então, ele tinha discordado. Desde que não mostrasse desrespeito com Lucius, poderia fazê-lo tentar entender.
“Quero dizer, obviamente é uma boa idéia-”, a mão no seu braço o apertou com força, “mas não acho que precisamos recorrer a isso, especialmente por não sabermos como esse tipo de feitiço interferiria no elo”. A mão relaxou. “E, sem querer ofender, mas ser vítima de um feitiço pessoal mal feito não me dá muita vontade de tentar outro feitiço ainda mais pessoal. E se esse der errado também? Não quero nem pensar no que poderia acontecer”, ele fez uma careta exagerada e houve algumas risadas de aprovação entre os adultos.
E, graças a Merlin e a Mordred, o brilho perigoso no olhar de seu pai tinha sumido e havia um pequeno sorriso se formando em seus lábios. E a sensação vinda de Potter era de… aceitação. Interessante.
Draco olhou para a mão de Potter, ainda em seu braço, e desviou o olhar de novo. Potter o observava com curiosidade, a cabeça ligeiramente inclinada para um lado, como se ele tentasse entender alguma coisa.
“De qualquer modo, vocês não terão que se preocupar com esse assunto por pelo menos alguns dias”, a curandeira Esposito disse. “Como eu disse, o elo de vocês foi prejudicado. Vocês estão fracos demais para sentirem qualquer coisa sexual, provavelmente por uma semana. Até lá, quem sabe, vocês terão encontrado um jeito. Milagres às vezes acontecem”.
Houve uma pequena pausa.
“Certo”, Pomfrey disse, olhando para os dois. “Nós ainda temos algumas coisas para discutir, mas quero terminar o mais rápido possível. Tenho dois pacientes aqui que precisam dormir”.
ooooooo
Finalmente. Tudo acabado. Os olhos de Draco estavam fechando enquanto seu pai saía do quarto. Ele deitou, alívio percorrendo seu corpo. Dormir, graças a deus.
Ele murmurou. “Potter, você fez algo comigo durante a reunião? Quando meu pai perguntou o que eu achava de usar feitiços em você?”
“Sim, você sentiu algo diferente?” Potter respondeu, bocejando enquanto se deitava.
“Senti. Você vai ter que me falar o que fez”, Draco bocejou também e se virou de lado, chegando mais perto de Potter e jogando um braço ao redor do peito dele.
“Está bem, amanhã”, Potter se aconchegou no abraço para mais perto de Draco. “Você falou sério quando disse que não queria usar nada daquilo?”
“É claro que sim”, Draco murmurou. “Idéia idiota”.
Potter riu. “Você vai ter que me explicar por que disso”.
“Amanhã”, os dois disseram, e Draco deu um sorriso cansado.
“Boa noite, Potter”.
“Boa noite”.
ooooooo
Dia 16, Quarta
Harry suprimiu um bocejo enquanto tentava se concentrar no livro de Poções. Por deus, como alguém podia gostar ou viver daquilo.
Olhou para Malfoy, ainda dormindo, e considerou se era uma boa pedir ajuda para ele quando acordasse. Achou melhor não. Malfoy podia ser um dos melhores alunos de Poções, mas era um professor horrível — não tinha paciência, não tinha jeito para explicar os conceitos, não tinha vontade de ajudar os outros. Harry já o tinha visto ajudar outros sonserinos, mas essas ajudas sempre pareciam ser compradas por grandes favores.
Além disso, ele não precisava de mais contato social com Malfoy do que o absoluto necessário.
Harry esfregou os olhos, se perguntando se não era melhor voltar a dormir, mas se sentiu meio incomodado. Era só isso o que eles tinham feito o dia inteiro. Além de tomar café da manhã e almoçar, de breves visitas de Pomfrey e de alguns professores e amigos, a maior parte do dia os dois tinham passado inconscientes. Pomfrey explicou que eles estavam se recuperando e deveriam descansar pelos próximos dias, mas Harry estava ficando entediado.
Mesmo assim. Ler sobre Poções não ia ajudá-lo. Colocou o livro de lado e deitou, automaticamente se ajustando contra o corpo adormecido Malfoy. Olhou para o criado mudo, contando os recepientes de remédio vazios, e então para as prateleiras, tentando adivinhar o que Pomfrey guardava lá.
“Potter?” a voz sonada de Malfoy foi seguida de um movimento do loiro se virando para encarar o teto. “Que horas são?”
“Quase cinco”.
“Oh”. Malfoy esfregou os olhos, bocejando. “Mm, você ainda não me disse o que fez ontem à noite”.
“Quando?”
“Quando meu pai me fez aquela pergunta”.
“Ah, aquilo”. Harry tentou pensar. “Eu não sei… eu só tentei projetar calma para você”.
“Projetar calma?”
“Você estava… tenso”, Harry se impediu antes de dizer ‘com medo’. “Eu tentei me imaginar neutralizando aquilo. Funcionou?”
“Sim”.
“O que você sentiu?” Malfoy deu de ombros. “Como você sabe que eu fiz alguma coisa?”
“Sei lá”. Malfoy pensou por um minuto. “Foi… foi estranho. Como se houvesse alguém dentro da minha mente sugerindo como eu devia me sentir. Mais ou menos como sentir o que você sente através do elo. Mas… diferente”. Ele fez uma pequena pausa. “O que te deu a idéia de fazer isso?”
“Não sei. Acho que lembrei do que Pomfrey nos disse no primeiro dia, sobre algumas das vantagens do feitiço de ligação, e essa era uma delas — conseguir ajudar a outra pessoa a se sentir melhor”.
Malfoy franziu as sobrancelhas. “Eu não precisava de você para isso”.
Harry pensou rápido. É claro que ele precisava — Harry sentiu o pânico dele pelo elo — mas Malfoy aparentemente não queria admitir. “Nós dois estávamos cansados. Eu queria voltar a dormir e achei que, se você tivesse uma ajuda extra para pensar no que dizer, a discussão poderia acabar mais rápido”.
Malfoy concordou com a cabeça. “É, bem, funcionou”.
“Quem diria”, Harry disse secamente.
“Finalmente um benefício dessa coisa idiota. E só demoramos 16 dias para descobrir”, Malfoy comentou.
“Por que você não concordou com o seu pai sobre o… você sabe, os feitiços?”, Harry perguntou, aproveitando-se da inesperada conversa decente que os dois estavam tendo.
“Eu sabia que você nunca concordaria. Você é teimoso demais. E Dumbledore e McGonagall iriam te apoiar. Perda de tempo falar sobre aquilo”.
Harry concordou. Fazia sentido. Estava um pouco surpreso por Malfoy pensar daquele jeito, mas até Malfoy às vezes podia enxergar o óbvio e reconhecer uma causa perdida.
“Você acha que nós vamos receber alta amanhã?”, ele perguntou.
“Provavelmente não. Pomfrey disse que durante alguns dias a gente ainda teria que ficar dormindo o tempo todo”.
“Mm”. Harry fechou os olhos.
“Droga”, Malfoy disse de repente.
“O que foi?”
“Nós tínhamos que entregar um trabalho de Transfiguração hoje”.
“Acho que conseguimos convencer McGonagall a nos dar um pouco mais de tempo”.
“Eu não gosto de ficar tão atrasado em relação às aulas”.
“Por que você se importa?”, Harry perguntou, curioso.
“Com o quê?”
“Com as suas notas, com as aulas. Não é como se você precisasse ter as melhores notas para conseguir um emprego no Ministério ou algo do gênero”.
“Nossa, Potter, você não sabe de nada”, Malfoy comentou. “Não tem nada a ver com conseguir um emprego, mas com ganhar respeito para poder influenciar as outras pessoas. Só porque você é o herdeiro de uma família de respeito não significa que pode desencanar e deixar que seu nome consiga tudo para você”.
“Não?”
“Não, sua besta. Se você for um idiota, nenhum nome pode te fazer ganhar respeito algum. Meu pai não consegue influenciar pessoas para conseguir o que ele quer porque ele é de uma família tradicional; ele também é muito inteligente e as pessoas sabem disso”.
“Ele também é arrogante e manipulador-”, Harry reprimiu o resto da sua opinião.
“Você fala como se fossem coisas ruins”.
“Mas são”.
“Potter, preciso te lembrar que é sobre o seu sogro que você está falando?”
“Oh, deus, não”, Harry gemeu, e Malfoy riu. Harry sorriu, e então se sentiu chocado ao perceber uma coisa.
Malfoy tinha rido de uma coisa dita por Harry. Sem malícia, sem zombaria, mas com um humor genuíno. Mais do que isso, Malfoy tinha brincado com ele, e também não de um jeito maldoso. Como alguém faria com um amigo. E os dois estavam tendo uma conversa perfeitamente civilizada — e não pela primeira vez. Apenas uma troca de opiniões e idéias, sem nenhuma motivação de machucar um ao outro.
Harry engoliu a seco. As coisas tinham mudado. De novo. Mudaram sem que Harry ao menos notasse. Ele só tinha parado para pensar agora, enquanto os dois deitavam nos braços um do outro, onde estavam pelos últimos dias. O fato de que eles tinham acabado no hospital porque se odiavam a ponto de fazer algo extremamente perigoso só para ficarem separados não parecia importar muito, já que agora eles não estavam se odiando. Fosse pelo contato contínuo forçado ou pela exaustão, a verdade é que os dois estavam deixando para trás todo ódio e ressentimento e isso era um pouco… assustador.
“O que ele acha disso tudo?” Harryy perguntou, querendo dizer algo que o impedisse de pensar demais.
“Meu pai? Ele está deliciado. Sempre imaginou que eu me casaria com alguém abaixo do meu nível e completamente inapropriado em todos os sentidos possíveis. O que aconteceu vai além dos melhores sonhos dele”.
Harry notou o tom irritado e tentou não pensar por que uma parte dele tinha ficado aliviada em ouvi-lo. “Ele te culpa?”
“Por passar por uma porta em que estava o feitiço? Por Merlin, Potter, meu pai sempre teve muitas expectativas sobre mim, mas acho que nem ele poderia pensar que eu tive culpa”.
“Mesmo assim, imagino que o que aconteceu deixou as coisas… complicadas para a sua família”.
“Eu acho que sim”, Malfoy disse de modo seco.
“Ele não te contou?”
“Com você no quarto toda vez em que nós conversamos? Estranhamente, não”.
“Eu uso um feitiço de silêncio”.
“Claro, e sonserinos são famosos por confiar na honestidade dos seus rivais. É parte de como nós encaramos a vida”.
Harry decidiu mudar de assunto. Eles estavam chegando numa área perigosa e, mesmo um pouco aliviado por estar de volta ao território semi-hostil, não queria continuar com aquilo. Considerou perguntar para Malfoy o que ele achava de voltar para os salões comunais quando os dois recebecessem alta, mas percebeu que não se importava e que era melhor não falar sobre mais nada.
“Você pode virar a luz para longe de mim se você for estudar?”, ele perguntou, se ajeitando na cama para voltar a dormir.
xxx
Nota da autora: há uma imagem bobinha dos rabiscos do Harry na aula de poções no link:
( i9.photobucket.com.albums.a71.AnnaFugazzi.BondCh3.gif )
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