Meu Bem-Querer



Capítulo 3 - Meu Bem-Querer


 


Logo Snape desviou o olhar para o resto do lugar. Seu rosto adquirira um assustador tom avermelhado, contrastando com sua palidez habitual. Ela engoliu em seco, involuntariamente segurando a varinha até que os nós de seus dedos ficassem brancos.


Andou devagar até um casal que se encolheu na parede perto da porta. Ele Pegou o copo que estava na mão do garoto e cheirou.


-          Firewhisky.


Sua voz baixa parecia ampliada no silêncio mortal da sala


-     Todos aqui têm um sério problema mental? NÃO SABEM QUE ESSE TIPO DE BEBIDA É PROIBIDO NAS DEPENDÊNCIAS DA ESCOLA?


Ele gritou e jogou o copo no chão, furioso. Ninguém nunca vira o ex-mestre de poções tão descontrolado. A raiva parecia escapar por todos os seus poros. Ele bufava, parecia um touro bravo. A comparação seria até engraçada, se a situação não fosse tão trágica. A loira fechou os olhos.


-      Quem é o responsável por isso?


Silêncio.


-     QUEM É O RESPONSÁVEL POR ISSO?


Novamente ninguém respondeu. Ele parecia um louco. Sarah teve a nítida impressão de ter ouvido alguma garota abafando um soluço.


-      Então é assim, não é? Ótimo. ESTÃO TODOS DE DETENÇÃO!


Finalmente um leve murmúrio foi ouvido.


-       SILÊNCIO!


-          Senhor, a f-festa é da Catherine Backster.


O moreno que a agarrara se manifestou. Ouviu-se um murmúrio de desagrado por parte dos convidados. Aqui e ali ouviam-se: “Que cara idiota!” ou “Quem convidou esse cara pra a festa?”. Catherine, mortalmente pálida, se encolheu num canto.


-         Se queria se livrar da detenção, Sr. Estwood, deveria ter se pronunciado quando teve chance.


Snape lançou um olhar de profundo desprezo para o aluno antes de se virar para Cath, que tentava desesperadamente se esconder nas sombras. Sarah percebeu que Severo claramente evitava encará-la.


-         Srta. Backster?


A garota foi na direção do professor, tremendo. Snape conjurou um bilhete e entregou para Cath.


-    Entregue isso para a diretora de sua casa. E menos 200 pontos da Srta.


A garota saiu, cabisbaixa, sem esperar por uma segunda ordem.


-    E quanto a vocês.


Ele se voltou para os convidados.


-  130 pontos da Lufa-Lufa, mais 150 da Grifinória e 200 da Corvinal. E menos 5 da Sonserina.


-         O quê?!


Sarah não pôde deixar de protestar, mas não foi a única. Várias vozes foram ouvidas dentro da sala, enquanto alguns colegas se entreolhavam incrédulos com a injustiça do professor.


-         Se contestarem, perdem mais!


Todos se calaram se súbito.


-         Receberão suas detenções amanhã de manhã. Agora façam uma fila saiam de forma ordenada!


Todos fizeram a fila e Snape, na porta, anotava num pergaminho o nome de cada aluno. Assim que Sarah passou, eles trocaram um longo olhar e a loira viu nos olhos do marido um brilho perigoso, um brilho que mostrava não só desapontamento e mágoa, como ódio. Sentiu o sangue gelar. Queria falar com ele. Queria tanto falar com ele. Mas sabia que não poderia. Não ali na frente de todos e muito menos naquela noite. Sabia que tinha que esperar até que ele se acalmasse. Frustrada e temendo o que Severo poderia estar pensando, saiu sem esperar por Al e Domi, que estavam no final da fila.


Ela estava ferrada. Sabia muito bem como o marido era. Ele jamais agiria daquela forma normalmente. Ele perdera o controle! Severo nunca perdia o controle! Anos como espião duplo tinham-no ensinado bem a esconder suas emoções. Mas elas estavam bem estampadas em cada linha de seu rosto naquela noite. Ela nunca tinha visto ele tão irado! Ele parecia prestes a matar alguém! E mais de uma vez Sarah achou que ele realmente fosse sacar a varinha e usá-la contra alguém.  


Por uma fração de segundo teve até pena do tal Estwood. Sua detenção seria a horrível, Sarah não conseguia sequer pensar no que o garoto seria obrigado a fazer. Severo estava realmente bravo. Tirara pontos da Sonserina! De sua própria casa! Quando ela já vira-o fazendo isso? Nunca!


Talvez, então, ele tivesse razão. A cena que ele presenciara quando abrira a porta daquela sala não deve ter sido fácil de digerir. E a impressão que ela causou também não deveria ser das melhores, afinal ela estava, literalmente, sendo agarrada por um cara. E Severo era ciumento. Sarah sabia podia se preparar para o pior. Aquele pensamento só irritou-a. Será que era crime ela comparecer à festa de aniversário de uma amiga? Era culpa dela se um sonserino bêbado resolveu a agarrar? Claro que não era! Ela sabia que não era... Mas duvidava que Severo concordasse.


Com esses pensamentos ela chegou ao dormitório, trocou de roupa, limpou o rosto e se deitou bem a tempo de ver Dominique chegar. A ruiva fez menção de falar com a amiga, mas Sarah a interrompeu. Ela não estava com cabeça para papo.


- Domi, agora não. Boa noite.


Nem sequer esperou que a amiga respondesse. Fechou o dossel ao redor da cama e lançou um feitiço imperturbável nele. Essa noite queria passar sozinha.


 


Acordou devagar.


Sabia que tinha dormido demais, pois o corpo estava anormalmente dolorido. Mas não se importou. Permaneceu deitada do mesmo jeito por vários minutos, deixando que os pensamentos se ordenassem bem lentamente, até o corpo pedir desesperadamente por uma mudança de posição. O que se manifestou como uma dor aguda no quadril. Deitou de barriga para cima e contemplou o dossel.


Talvez tudo não passasse de um sonho. Um pesadelo. Efeito do excesso de firewhisky na noite anterior. Mas ela não estava de ressaca, contudo.


Sentou bem devagar, suspirando, rezando para que tudo não passasse de sua imaginação sádica. A decepção veio logo que afastou as cortinas vermelhas e se deparou com a visão de uma carta colocada em seu criado-mudo.  Era um pergaminho de qualidade, com o brasão de Hogwarts brilhando no lacre de cera vermelha.


Suspirou fundo, afastou os cabelos do rosto e levantou.


Não havia ninguém no dormitório além dela. Melhor assim, pensou. A última coisa que queria agora era ter que interagir com as colegas de quarto, como se o maior de seus problemas fosse a detenção anunciada na carta lacrada. Nem sequer dirigiu um segundo olhar ao pedaço de papel.


Preguiçosamente, puxou o roupão que dependurava atrás da cama e se dirigiu ao banheiro. Um banho longo e quente lhe faria bem. Precisava relaxar. Precisava pensar. Ficou muito tempo embaixo d’água repassando a noite anterior, sentindo um frio incômodo na boca do estômago. Uma sensação que não a deixaria em paz durante todo o fim de semana, ela sabia.


Trocou-se devagar e ainda demorou algum tempo escovando os cabelos e terminando sua toalete matinal. Somente depois de devidamente pronta para enfrentar o dia sentou na cama novamente, com a carta em mãos. Rompeu o lacre.


Um muxoxo de decepção veio assim que reconheceu a letra como sendo de seu diretor de casa. No fundo, esperava que Dumbledore tivesse escrito as cartas e as enviado. Se assim fosse, quem sabe ela não receberia algum recado de Severo? Ou mesmo do próprio diretor, lhe enviando notícias a respeito do humor do marido.


Olhou para os lados.


Nenhum bilhete sequer de Severo. Nem mesmo um mero sinal de que ele queria lhe falar. Suspirou derrotada. Bom, ela já deveria esperar por isso. Era de Severo que estava falando, afinal. Finalmente se dedicou a ler o recado que tinha em mãos.


 


Srta. May


 


Devido à confirmação de sua presença em um evento clandestino, (festa não autorizada, com o uso de bebidas alcoólicas e ocorrido após o toque de recolher), a Srta deverá comparecer hoje às 14:00 no saguão de entrada, para receber instruções e ser encaminhada à detenção.


 


Prof. Flitwick


Diretor da Corvinal


 


Nada ali pelo que ela já não esperasse. Jogou a carta de qualquer jeito na cama e encarou a janela.


A sensação ruim continuava ali. Sabia que Severo não cederia e evitaria falar com ela a todo custo. Mas ela não ia conseguir ficar em paz enquanto não tivesse uma chance de se explicar. Obviamente não seria hoje, no entanto. Provavelmente sua detenção tomaria o sábado inteiro. Suspirou. E lá se iam seus planos de adiantar os estudos no fim de semana. Não ia conseguir se concentrar em nada.


Levantou e deu várias voltas pelo quarto, antecipando a enorme discussão que teria com o marido. Toda vez que pensava naquele brutamonte a agarrando, um sentimento enorme de culpa a envolvia. O que era totalmente irracional, ela sabia. Afinal, não era sua culpa se ele a agarrara. Ela certamente não queria nada com ele!


Mas também, Al já tinha lhe alertado a respeito do sonserino. Ela devia ter prestado mais atenção no que estava acontecendo ao seu redor.


Balançou a cabeça com força. Não adiantava ficar se remoendo pelo que já tinha acontecido. O que lhe restava agora era tentar desfazer o mal entendido.


De repente ouviu a porta se abrindo e viu Domi passando por ela.


Mas não seria hoje.


A morena sorriu ao ver a amiga já de pé.


-          Achei que ainda estivesse dormindo, vim te acordar.


Sarah devolveu um sorriso amarelo para a amiga, ainda desanimada pela estúpida sensação de remorso.


-          Eu acabei de levantar, na verdade.


Por alguns segundos um silêncio estranho tomou conta do ambiente. Domi queria, obviamente, saber o que deixava a amiga tão para baixo, enquanto Sarah esperava pacientemente que ela se decidisse entre perguntar ou deixar pra lá. Depois de um tempo a morena decidiu.


-          Já são quase duas horas. Nós temos que ir.


A loira suspirou aliviada, internamente. Uma explicação a menos a fazer. Assim era mais fácil continuar com a enorme farsa a que se resumira sua vida. Era uma visão terrivelmente pessimista, ela sabia, mas real.


Por questões de segurança, não só sua e de Severo, como a de seus próprios amigos, Sarah não podia mencionar a ninguém sobre seu matrimônio. Era bem óbvio desde o começo que as coisas seriam assim. Mas ela nunca pensou que seria tão penoso olhar para a cara de seus amigos todos os dias, saber que eles percebiam que alguma coisa estava acontecendo, e ter que mentir, inventar desculpas esfarrapadas e viver se esgueirando como uma fugitiva o tempo todo.


E não era ruim somente por isso. A sua própria relação era abalada por todas aquelas mentiras e todo o stress causado por terem que viver na eminência de serem descobertos a cada momento. No fim das contas, os poucos momentos que tinham juntos eram mal aproveitados pelo simples medo de sua relação vir à tona. No começo até que Sarah considerava... excitante a constante sensação de perigo, de clandestinidade. Mas agora isso já perdia a graça e, muito pelo contrário, começava a irritar.


Não só a ela, como a Severo também. Os dois ultimamente andavam com os nervos à flor da pele e discutiam por motivos bobos. Alem de todo o stress de uma relação às escondidas, havia, de sua parte, o stress do último ano. E, da parte de Severo, pela guerra. Ao que tudo indicava ela chegava cada dia mais depressa a seu auge. Era bem visível que o Ministério não vinha tendo muito sucesso em conter os ataques, muito menos em conter o pânico que começava a se alastrar entre a comunidade bruxa a cada dia que passava. E Severo estava tão diretamente ligado a essa guerra e tinha tantos segredinhos com Alvo e com a Ordem, que obviamente não eram suportados pelo ministro, e tantas preocupações com sua posição no círculo do Lord das Trevas, que não era de se esperar nada menos do que toda aquela tensão.


E enquanto não fosse seguro seu relacionamento sair da clandestinidade, Sarah ia ter que se contentar a ser o enorme poço de mentiras e fingimentos a que fora obrigada, pelas circunstâncias, a se resumir.


Por isso ela tratou de encarar a amiga com um sorriso muito mais aberto e passou a ignorar categoricamente o frio no estômago.        


-          Tudo bem, mas, por favor, diga que você e o Al roubaram alguma coisa do almoço para mim, porque eu estou morta de fome!  


A morena riu alto e mexeu nos bolsos da capa, até achar um minúsculo embrulho. Com um aceno da varinha fez com que ele voltasse a seu tamanho original e entregou à colega.


-      Bom, do almoço não foi possível, mas do café da manhã foi moleza. Não se preocupe, tem um feitiço conservante aí. Ele ainda está crocante e quentinho.


Sarah sorriu agradecida e desembrulhou o enorme pedaço de pão besuntado com manteiga que a morena lhe entregou. Aproveitou a primeira mordida, sentindo a manteiga derreter em sua boca. Não havia nesse mundo comida melhor que a dos elfos de Hogwarts! Depois de se deliciar com alguns pedaços de seu café da manhã, a loira finalmente encarou a morena, que continuava parada no mesmo lugar, se divertindo com a reação da amiga.


-    E aquele filho de chocadeira do Snape, heim? Ele não tinha coisa melhor pra fazer numa sexta a noite do que acabar com a festa dos outros não? Fala sério, todo aquele mau humor deve ser falta de mulher, não é possível!


Domi riu alto, já se dirigindo à escadaria.


-      Ou quem sabe é falta de homem. Vai lá saber!


Sarah tomou fôlego e parou aos pés da escada, com os olhos arregalados. Assim que terminou de engolir o pedaço de pão que tinha na boca, encarou a amiga, que, já no meio da escada, a olhava intrigada.


-      Meu Merlin! O Morcegão preenche perfeitamente o perfil do “mal-comido”!


Domi soltou uma gargalhada que certamente foi ouvida no salão lá embaixo.


-      Como é que é?


-      É sério! Pensa só...


Sarah desceu as escadas correndo e enganchou seu braço com o da amiga, e assim as duas continuaram o caminho até o saguão de entrada: inventando novas teorias estapafúrdias a respeito da vida sexual do mestre em poções e não se sentindo nem um pouco acanhadas em dividi-las com todos os outros alunos que quisessem ouvir, afinal, não havia vingança melhor contra um professor do que espalhar pela escola um boato terrivelmente constrangedor a seu respeito.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.