A Barganha
Tradutora: - Lívia
Co-Tradutoras: Cíntia, Marília, Patrícia, Venus, Isa, MC e Thiago
Spoilers: Livros 1 a 4
Capítulo Nove - A Barganha
O corredor era de pedra, com tochas em forma de cobra separadas por intervalos intermináveis. A mulher de olhos azuis não lhes deu nenhuma atenção enquanto andavam pelo corredor, seus pés não fazendo nenhum barulho.
Ela parou em frente a uma porta, batendo uma só vez. A mesma foi aberta por uma mulher ruiva de olhos cansados que se iluminaram com uma luz azul-escura ao ver quem havia batido.
- Rowena. - ela disse - Você veio... ele esteve chamando por você.
- Ele está morrendo, Helga?
- Eu não sei. Uma daquelas cobras com que ele estava "brincando" sem parar, usando em seus experimentos... o mordeu no braço. Eu tentei feitiços antídotos, mas nada parece estar funcionando.
- Eu quero vê-lo.
Helga suspirou.
- Pode entrar.
Dentro do quarto, Rowena ficou por um bom tempo olhando o jovem homem que estava deitado na cama. Seus olhos estavam fechados, olheiras pretas como duas meias-luas sob suas pálpebras, sua cabeça deitada nos travesseiros. A febre o puxava de um lado para o outro da cama. Ela podia ver a marca da mordida em seu braço, preta e parecendo venenosa. Ela não se moveu; não tinha certeza se ele estava dormindo ou não.
Finalmente ele abriu seus olhos e olhou para ela.
- Você pode se aproximar. - ele disse - É veneno de cobra, eu não estou contagioso.
- Eu não sabia se você queria que eu ficasse perto de você. - ela disse e se sentou em uma banqueta perto de sua cama.
Ela olhou para ele do canto do olho. Seus cabelos prateados estavam grudados em seu rosto pelo suor, seus olhos acinzentados brilhando em febre. A doença o fez parecer mais jovem e, de alguma forma, indefeso.
- Quem teria lhe chamado, senão eu? - ele perguntou.
- Ninguém me chamou. Eu ouvi que você estava doente...
- Muito honroso de sua parte sentir compaixão por mim. O que Godric disse sobre isso?
Ela deu um grande suspiro.
- Godric não sabe. Como está a sua mulher?
Ele a olhou.
- Ela não é minha mulher. Eu já lhe disse.
- Não, só mais uma das criaturas que você criou. Qual era o nome dela...?
- Uma veela. - disse impacientemente o homem na cama - Ela não é minha mulher, mas é obediente, é maravilhosa, ela é tudo que você não é. E ela está me dando um herdeiro.
- Sim, e quando você a deixa nervosa, ela cria um bico enorme e tenta lhe tirar os olhos.
- Nenhum experimento é perfeito. - ele disse, sua voz divertida, e tentou se endireitar nos travesseiros. - Estou orgulhoso do que eu fiz com aquele lobisomem.
- Você não acha cruel? Criar essas criaturas que não são homens, nem animais, mas são algo? O que vai acontecer a eles quando você morrer?
- Eu não planejo morrer.
- Ai, Deus, isso de novo não. Você precisa parar com isso, com tudo isso, esses experimentos com Arte das Trevas. Não pode chamar todos os poderes do Inferno e esperar não ter repercussões. Seja racional.
- Se você só veio aqui para me repreender, acho que deveria ir embora.
- Tudo bem. - disse Rowena, colocando sua capa, mas, de repente, a mão dele segurou seu punho, fazendo-a estremecer.
- Não é justo. - ele disse. - Desde que éramos crianças, em quem tivemos que confiar senão em nós mesmo?
- Mas eu não confio mais em você. - ela disse chorosa, e ele soltou seu pulso, entrelaçando seus dedos com os dela, em seguida. Sua pele estava queimando em febre. - O que você quer de mim, Salazar?
- Estou morrendo, - ele disse. - mas se você quiser, eu posso viver. Veneno, doença, a ferida de alguma batalha, nada disso irá me machucar. Me tornarei imortal para você.
Ela desviou o olhar, piscando rapidamente.
- As pessoas não foram feitas para viver eternamente. Por que você não tenta fazer algo bom com todo esse poder que você tem, toda sua sabedoria? Você poderia ser um curandeiro, como Helga, poderia unir as pessoas em vez de transformá-las e fazer experimentos...
Ele se levantou, olhando para ela, seus olhos tão cheios de febre que chegavam a parecer azuis.
- Eu poderia, - ele disse - eu poderia, se você me ajudasse. Fique comigo, Rowena, e eu juro, eu prometo que irei abandonar a Arte das Trevas, vou queimar todos meus livros, destruir meus experimentos... - ele parou, puxando-a para si pelas suas mãos entrelaçadas. Ela se deixou ser puxada para a cama ao lado dele e inclinou-se sobre ele, encostando a cabeça em seu ombro. Com a ligação que os conectava, ela podia sentir que o seu peso contra a pele dele causava-lhe uma dor enorme. Ela também sabia que ele não queria que ela se movesse. O veneno no braço dele estava preto e o queimava. Ela se viu sentindo medo por ele e então, a partir daquele momento, não estava com medo dele. - Vou lhe dizer algo. - ele disse - Eu deixei aquela cobra me morder.
- Por que, Salazar?
- Eu achei que se eu morresse você viria atrás de mim. Não ria, eu estava certo. Você está aqui.
- Eu não ia rir.
- E eu não vou morrer. Não agora que você está aqui. Não me deixe. - ele disse, e ela podia sentir o coração dele bater por baixo de seus pijamas. Ele levantou sua mão direita, tocou a face dela, colocou seu polegar no seu queixo. - Você é a única coisa que me importa, a única coisa de que eu nunca irei desistir.
- Não, você iria. - ela disse, desviando de seus dedos. - Você iria me sacrificar junto com o resto.
- Você não. Nunca.
- Veremos.
***
- Sirius! - gritou Harry. - Sirius, onde você está?
Não houve resposta, mas, naquele momento, ele ouviu o som de alguém correndo, atrás dele, e se virou para ver Rony, ainda em seus pijamas e descalço, mas correndo o mais rápido que suas longas pernas permitiam. Estava segurando sua varinha.
Ele se deixou cair perto de Harry, na margem.
- O que está acontecendo? - ele exigiu, sem fôlego.
- O Malfoy caiu. - disse Harry - Não posso fazer nada. A Hermione me mandou aqui como uma Aparição. Rony, você pode...
Mas Rony já estava se ajoelhando, apontando sua varinha para as pedras.
- Accio! - ele disse firmemente, e a água pareceu ter se partido e virado ao avesso. Harry viu a água virar preta, e depois, prata, e então o corpo de Draco saiu de lá, subiu pelo ar e caiu entre eles na grama, todo enrugado e torto como um brinquedo abandonado.
Rony olhou para Harry. Seu rosto estava muito branco no luar, cada sarda parecendo um ponto.
- Cheque o pulso dele.
- Eu não posso. Não consigo tocar em nada.
Rony xingou e pôs Draco de costas para o chão. O coração de Harry afundou. A pele de Draco estava azulada, uma cor não muito incentivadora, e as pálpebras de seus olhos estavam roxas. Apesar de sua pele pálida, a cicatriz em sua mão direita continuava preta como se tivesse sido pintada lá. Malfoy, pensou Harry, testando, mas ele não conseguiu transmitir esse pensamento, que ecoou em um lugar vazio, como se ele tivesse jogado uma bola e não houvesse ninguém no outro lado para pegar.
Rony pressionou seus dedos na garganta de Draco, olhou para cima e balançou sua cabeça.
- Não tem pulso.
- Não tem pulso? - disse Harry, incrédulo. - Mas ele não ficou lá embaixo tanto tempo...
- Não tem pulso, foi isso que eu disse. - Para a surpresa de Harry, Rony pôs sua varinha no peito de Draco - Suspiro - disse ele.
O peito de Draco pulou, e depois parou.
Rony pareceu preocupado.
- Suspiro! - ele disse novamente, apertando sua varinha no peito de Draco. Desta vez, o corpo de Draco não se moveu de jeito nenhum. Ele continuava deitado ali, seus cabelos molhados com uma boa quantidade de sangue e água, seu peito, imóvel. Harry, de repente, lembrou-se do primeiro cadáver que havia visto - Cedrico. Lembrou-se de olhar para ele e ter a certeza de que ele estava morto, não sabendo como sabia isto, mas simplesmente sabendo. E era a mesma coisa agora.
Apesar de estar num estado não-substancial, ele sentiu a boca do seu estômago contorcer-se. Sentiu algo estranho e assustador, que nunca havia sentido antes. Não - ele havia sentido antes, quando, amarrado na cova do pai de Voldemort, ele viu Rabicho vindo com uma faca, e havia sentido por um curto tempo uma onda de pânico primitivo, dizendo-lhe que ele estava para perder uma parte de si - um braço, uma mão - que nunca poderia ser recolocada, que uma ferida estava para ser infligida nele, uma da qual que ele nunca poderia se recuperar.
- Rony - ele disse - faça alguma coisa...
Desesperado, Rony tentou novamente.
- Suspiro vivicus! - ele disse. - Suspiro vivicus totalus!
Nada aconteceu. Draco estava deitado, parecendo frio e vulnerável e muito, muito morto.
Rony olhou para Harry, e Harry viu um choque em seus olhos azuis.
- Harry... - ele disse, sua voz tremendo, pois ele estremecia com o frio ar noturno. - Ele está morto.
Harry balançou sua cabeça.
- Tente de novo.
- Não tem porquê. Ele está morto. Se não estivesse, ele responderia aos feitiços. O coração dele não está batendo...
- Solte sua varinha, Rony.
- O quê?
- Coloque-a no chão.
Rony o fez.
- Agora, faça exatamente o que eu mandar.
Rony olhava para Harry como se ele fosse louco, e Harry não achava que ele estava totalmente errado. Sentiu como se estivesse segurando firme em algo muito escorregadio. Sentiu, de fato, que poderia ficar histérico a qualquer momento, mas sabia que isso não ajudaria em nada.
- Tudo bem. - ele disse, produzindo cada palavra com grande precisão. - Abra a boca dele.
Rony o fez, olhando de viés para Harry enquanto fazia.
- Ai! Ele está congelando de tão frio.
- Coloque a cabeça dele para trás. Certo. Assim mesmo. Agora ponha sua boca na dele e respire para dentro de seus pulmões.
Rony virou-se rapidamente.
- O QUÊ?!
- VAI LOGO!
- Tá, tá.
***
- Tem que ter algo que eu possa fazer.
- Você pode sair da cela, Sirius. - disse Lupin, que estava deitado com suas mãos cobrindo seu rosto. De vez em quando, ele gemia e se contorcia, abraçando-se. Sirius não podia dizer de onde a dor vinha - de todos os lugares, ele achava.
- Olhe, Aluado, eu irei me transformar, se precisar.
- Não tenho certeza se irá ajudar. Droga. - adicionou Lupin suavemente, tirando as mãos da sua cabeça e olhando para as pontas de seus dedos, de onde surgiram unhas muito afiadas. - O que está acontecendo?
- Parece com a Transformação? - Sirius perguntou.
Lupin balançou a cabeça.
- Parece como se alguém pegasse a Transformação e a alongasse, e alongasse, e alongasse. Nunca demorou tanto assim, você sabe disso. - ele parou, olhando para Sirius. - Sirius... e se eu ficar preso desse jeito? No meio?
- Está tudo bem. - disse Sirius, dando tapinhas no ombro dele. - Ouvi dizer que unhas e dentes grandes estão em moda.
Lupin tentou rir, mas um soluço cortou a risada com outra onda de dor. Ele gemeu e ficou de costas para Sirius, encarando a parede.
- Já chega. - murmurou Sirius, e procurou por sua varinha em seu bolso, lembrando-se dos tempos de Hogwarts; ele esteve com Lupin antes enquanto ele se Transformava, mas normalmente era - embora doloroso - imediato, e feitiços analgésicos nunca haviam sido--
Sirius parou.
Seu bolso estava vazio.
Sirius xingou. Ele era até melhor nisso do que Draco, apesar de o fazer menos freqüentemente. Ele ouviu um barulho, e virou sua cabeça para ver a cara do demônio que estava entre as barras da cela.
- Só um idiota ficaria preso em uma cela com um lobisomem. - ele disse - Mas somente o herdeiro de um reino de idiotas ficaria preso em uma cela com um lobisomem sendo chamado por poderes das Trevas.
Sirius olhou para ele, querendo nada mais que eliminar o espaço entre os dois e enfiar o punho em sua cara.
- Se você não calar a boca, - ele disse, em tons medidos - eu irei terminar o que o Harry começou em você.
O demônio mostrou seus dentes a ele e sibilou.
- Você não sabe de nada. - disse a ele.
- Eu sei que você tentou matar meu afilhado.
Os olhos do demônio rodaram na órbita, círculos concêntricos de preto e vermelho.
- Eu não estava tentando matá-lo. - começou o demônio, indignado, e seus olhos vermelhos se alargaram. Sirius olhou para trás para ver um lobo atrás de si.
***
Draco abriu seus olhos, ou pensou que o fez. Ele não podia ver nada com eles, nem escuridão, nem nada. Harry, ele tentou dizer, mas não tinha como falar - não tinha garganta, nem voz. Era como se estivesse sonhando, e sabendo que estava sonhando, mas não podendo acordar.
- Harry! - ele chamou, e nesse momento ele ouviu sua voz, e pulou. E como se esse salto tivesse rachado esse vidro no qual estava preso, luz e cor vieram ao seu encontro como uma enchente. Ele olhou para uma neblina verde-cinza, e escuridão, e mil sombras que não eram nada familiares.
- Onde estou? - ele disse, mais para ouvir sua própria voz do que para obter uma resposta para sua pergunta.
Não veio nenhuma resposta.
Ele se olhou, e uma luz sem-origem mostrou-lhe sua própria forma, ainda usando as roupas que estava usando antes, apesar de sua espada ter desaparecido e ele estar seco. Ele viu a mancha escura endurecida em toda sua blusa e soube que era o sangue de seu rosto; ele tocou sua bochecha gentilmente e sentiu um corte, mas não sentiu dor.
Estou morto, ele pensou. Ele não sentia nada de anormal nisso, além uma grande surpresa. Acho que eu deveria ter matado Rabicho quando tive a chance, ele pensou, embora sabendo, em seu coração, que ele nunca teria conseguido fazê-lo.
Ele deu um passo para a neblina, e outro, e de repente, ela diminuiu ligeiramente, mostrando-o os contornos do lugar onde estava. Uma planície rochosa e seca esticava-se por trás e pelos lados dele, cinzenta e de aparência estéril. À sua frente havia mais sombras, que, vistas mais de perto, formavam um estreito, porém rápido, rio. A água também era cinza, e no lado oposto do rio havia mais formas cinzentas. Pedras? Árvores? Era difícil dizer. Ele deu um passo em direção ao rio.
Uma voz surgiu do nada.
- Fique onde está.
Draco olhou de relance ao redor e não viu nem sombra do que havia falado com ele. Ele limpou sua garganta.
- Por que?
- Essa água não é para você.
- Onde estou? Isso aqui é o Inferno?
Agora a voz parecia estar se divertindo.
- Isto não é o Inferno. É entre.
- Entre o quê?
- Entre a vida e a morte.
- Por que essa água não é para mim?
- Os vivos a cruzam para tornarem-se mortos. Você não é nenhum dos dois. Existe um contrato para você.
Draco estava pasmo.
- Um contrato?
- Sua vida está por um fio, - disse a voz, parecendo grampeada - Somente o resultado me diz respeito.
- O que - perguntou Draco - aconteceria se eu continuasse e atravessasse o rio?
- Você não pode atravessar com sangue vivo em você. Porém, - disse a voz, parecendo divertida de novo - vá em frente e tente.
Teimosamente, Draco começou a andar em direção ao rio, suas botas não fazendo barulho algum no chão quebradiço. As formas nebulosas do outro lado do rio apareceram enquanto ele se aproximava dos bancos de areia - ele fitou, desconfiado - e naquele momento, as formas entraram em foco, e ele soube o que eram.
Espíritos se aglomeravam no outro lado do rio, agitados e numerosos, parecendo, de alguma forma, extremamente perto e muito longe. Se ele olhasse mais de perto, ele poderia ver o rosto e o corpo de cada um, mas quando ele parava de encará-los, eles pareciam se misturar em uma grande massa cinza. Draco balançou sua cabeça, encarou de novo, e dessa vez viu movimentos - não sem propósito, mas um movimento direto. Muitos daqueles espíritos pareciam estar empurrando e cotovelando o resto da massa cinzenta, como fãs loucos num jogo de Quadribol. Ele teve a sensação, não podia dizer porquê, que eles estavam tentando chegar a ele.
Draco deu outro passo para frente, mas o rio e os espíritos do outro lado estavam à mesma distância que antes.
- Você não pode atravessar. - disse a voz, novamente.
Parecia ser verdade. Draco parou e esperou na borda do rio vendo espíritos lutando - havia três deles, duas mulheres e um homem, ele podia perceber mais agora - para saírem do resto da multidão e irem para perto da borda do rio, bem à sua frente. A mais alta das mulheres olhou para ele, sua boca fantasmagórica se abriu como um O de surpresa.
- Salazar? - ela disse.
Draco congelou. E encarou. E enquanto ele encarava os três espíritos, eles pareciam ter mais foco, seus traços mais óbvios, suas peles e suas roupas ganhando cor. Um homem alto com cabelo frisado e escuro, uma mulher pequena e redonda com um cabelo vermelho e embaraçado e os olhos escuros de Gina, e a mulher que estava encarando Draco, seus olhos azuis cheios de uma saudade e medo--
Ele conhecia a voz dela, ele percebeu. Foi a voz dela que gritou em sua cabeça quando os dementadores chegaram perto dele, chorando, perguntando-o o que ele havia feito.
- Rowena, - disse ele, sabendo que ela era. - Rowena Ravenclaw?
O homem de cabelos escuros - Godric - se colocou na frente de Rowena e o encarou, seu esboço oscilando, porém distinto.
- Então, finalmente, você está morto. - ele disse - Esperamos mil anos para que alguém o punisse como merece e acabasse com a sua existência roubada e sem valor- Godric parecia querer falar aquilo há muito tempo, por isso Draco o interrompeu.
- Eu não sou quem você pensa que sou. - ele disse - Não sou Salazar Slytherin.
Os espíritos o fitaram, duvidosos.
- Olhem para mim! - insistiu Draco.
Rowena, que tinha colocado sua mão sobre a boca, tirou-a suavemente.
- Godric... ele não pode ser Salazar. Ele é somente uma criança.
Todos o encararam. Draco estava indignado.
- Eu tenho dezesseis anos. Vou fazer dezessete em algumas semanas.
- Eu não apostaria dinheiro nisso. - disse Godric, soando nada amigável.
- Godric! - a mulher ruiva, Helga Hufflepuff, o interrompeu. - Não caçoe. Ele é uma criança, e está mortalmente ferido.
Draco olhou para o sangue em sua blusa, e para eles, novamente.
- Eu não estou mortalmente ferido. - ele disse, irritado. - Morri afogado, e de qualquer forma, ainda tenho um contrato.
- Tem, é? - disse Godric, aparentando estar entediado. - Isso raramente funciona.
Draco o encarou. Ele percebeu que não gostava de Godric. Também percebeu que para se libertar do Trágico e Destrutivo Ciclo da Repetição da História teria que ao menos tentar gostar de Godric.
Mas ele não queria gostar de Godric. Godric, ele pensou, era um chato.
- Você está morto, garoto. - disse Godric, com uma imensa satisfação, confirmando o fato de Draco realmente não gostar dele. - Aceite, você está morto.
Draco sorriu para Godric.
- Eu posso estar morto, mas eu ainda sou bonito. - ele apontou, alegremente. - O que não posso dizer de você.
Godric parecia inchar de raiva, e enquanto isso acontecia, Draco pôde ver seus traços aparecendo e se firmando como se ele estivesse se tornando mais real; as cores de seu rosto, cabelo, olhos e roupas estavam mais vivas. Draco podia ver como Godric lembrava Harry, um Harry já adulto. Um Harry adulto que passava muito tempo trabalhando com pesos pesados. Seus braços eram enormes. Draco ficou feliz que Godric também não podia atravessar o rio. Ele não sabia como era sentir tomar um murro no rosto na pós-vida, e ele realmente não queria descobrir.
Rowena ainda estava olhando para Draco, muitas emoções passando por seu rosto.
- Você fala igual a Salazar. - disse ela - E você se parece muito com ele...
- Eu sou o Herdeiro dele. - disse Draco, vendo que não havia motivo para não dar essa informação.
- Então você é amaldiçoado, - disse Godric - e afortunado por ter morrido.
Draco olhou para ele irritado.
- Você nunca diz algo agradável?
- Godric. - disse Helga, em um tom de aviso. Godric olhou de Rowena para Helga, e fez um tipo de "arrastar de pés".
- Bom, ele está amaldiçoado. - ele resmungou - Se ele é realmente o Herdeiro de Salazar... - ele se virou para Draco. - Como você sabe que é Herdeiro de Slytherin? - ele questionou.
- Porque Slytherin disse. - disse Draco, irritado.
- Ele disse isso? - ofegou Rowena, arregalando os olhos. Como havia acontecido com Godric, uma intensa emoção pareceu fazer seus traços mais distinguíveis. Draco podia ver como ela se parecia com Hermione. Era muito desconcertante. Ele tinha tido fantasias onde ele esbarrava com Hermione em vários lugares. A pós-vida, porém, não era um deles.
- Você quer dizer que ele está vivo, que anda entre vocês, como um homem?
- Ele está vivo. Eu o vi. Mas ele não é tão poderoso. Ele não tem uma Fonte.
O espírito de Rowena tinha começado andar em um pequeno círculo.
- Isso não vai durar. Salazar é esperto. Ele irá encontrar uma Fonte. Ele tentou lhe usar? - ela olhou para cima, e balançou sua cabeça. - Não, ele não faria isso. Não com o seu Herdeiro... ele tentará com outra pessoa. - ela se virou, olhou para Draco. - Ele tem que ser derrotado antes de conseguir todos os seus poderes. - ela disse - Tremo só de pensar na destruição, no desespero que ele pode causar. Por isso nós o prendemos, em primeiro lugar...
- Ele disse a Hermione que se fechou, afastou-se do mundo.--
- Ele mentiu. - disse Rowena, resoluta. - Ele não queria que você pensasse que é fraco, ele não queria que você soubesse que sua derrota foi conquistada. Eu e Helga não podíamos matá-lo, mas nós o privamos de seus poderes. - ela levantou seus olhos, e olhou para Draco. - Como você deve. Se eu lhe disser como derrotá-lo, você o fará?
- Olha, eu adoraria derrotar Slytherin por você, mas tem um pequeno problema nesse plano. - disse Draco, resignado. - Eu estou morto.
- Você não está morto enquanto não atravessar este rio. - disse Rowena, firmemente. - Existe um contrato para você. Isso significa que alguém está tentando lhe manter vivo.
- Provavelmente Harry. - disse Draco, mal-humorado. - E no estado que ele está, ele não poderia manter um peixinho vivo. Não, ainda acho que eu cheguei para ficar.
Rowena parecia que queria bater nele, e ele se lembrou ainda mais de Hermione.
- Agora, você preste atenção -
- Você quer morrer, criança? - perguntou o espírito de Helga Hufflepuff, numa voz muito gentil.
Draco olhou para sua blusa cheia de sangue.
- Eu não sei. Não tenho certeza. - ele olhou em volta. - Ao menos esse lugar é calmo.
- Calmo? - Godric falou, incrédulo - Esse não é o lugar da morte tranqüila. Esta é a terra dos assassinados, das pessoas que morreram antes do tempo, aqueles cujo sangue grita por vingança--
- Godric, por favor. - interrompeu Rowena - Não faça drama sobre isso.
Draco estava curioso.
- Todos vocês foram assassinados?
- Não exatamente. - disse Rowena. - Salazar realmente assassinou Godric. Desculpe-me, Godric, querido, mas você sabe que é verdade- -
- Bastardo. - resmungou Godric - Ele me pegou pelas costas.
Rowena balançou sua cabeça.
- Suponho que Salazar pensou que era defesa própria, em algum jeito estranho. - ela adicionou, na direção de Draco. - Todos nós percebemos que devíamos nos proteger dele. Juntos, nós forjamos uma arma mágica, cada parte feita por um de nós; Salazar deve ter descoberto nosso plano. Primeiro, ele atacou Godric. Depois nos atacou - Helga e eu. Nós estávamos preparadas para ele. Nós lutamos muito bem, mas ele era poderoso demais. Ele golpeou primeiro Helga e ela lutou contra ele, e então ele veio até mim. Finalmente, ele hesitou... - a voz de Rowena tremeu um pouco - E eu pude jogar nosso feitiço nele. Ele ficou sem poderes, mas a drenagem dos meus poderes de Magid foi tão forte que me matou. Logo, nós todos estamos aqui.
- E você o quer morto. - completou Draco. Rowena balançou sua cabeça.
- Se ele puder ser morto, está além da minha sabedoria dizer como. Eu posso lhe dizer como aprisioná-lo e tirar seus poderes. Mas para isso, você precisa dos outros três Herdeiros, e as Chaves. Diga-me, eles ainda vivem, os outros Herdeiros dos Fundadores?
Draco hesitou, olhando para a massa cinzenta de espíritos atrás dela.
- Você não sabe? Certamente deve ter outro... espírito aqui que tenha morrido desde vocês, alguém que poderia lhe dizer.. - Rowena balançou sua cabeça.
- Sem uma pessoa viva para nos olhar, nós ficamos sem forma, quase sem pensamentos. Tempo não possui significado aqui, e a fala ainda menos.
- Vocês não podem falar um com o outro? - perguntou Draco, revoltado. - Aquela voz me disse que aqui não era o Inferno... mas parece o Inferno para mim.
Para sua surpresa, foi Godric que respondeu.
- É aí que está a diferença. - ele disse - O Inferno é para sempre. Nós ficamos aqui até sermos vingados.
- Vingados? - Draco perguntou, virando-se, mas foi interrompido por uma voz que falou de dentro da grande massa de espíritos atrás dos três Fundadores.
- Garoto mortal, - Draco ouviu a voz dizer - seu rosto é familiar. Quem é você?
Draco virou-se, vendo sombras sem formas com olhos brilhantes, nada reconhecível ou familiar. Ele aumentou o volume de sua voz e disse:
- Eu sou Draco Malfoy. E eu estou falando com alguém agora, se você não se importa.
Ele voltou seu olhar a Rowena, que parecia desvanecer-se um bocado sem seu olhar nela. Godric e Helga, atrás dela, estavam quase transparentes agora.
- Desculpe - ele começou, quando a voz chamou novamente.
- Você é filho de Lúcio Malfoy?
- Sim. - Draco respondeu.
- Então eu o peço para falar comigo.
Mal haviam as palavras alcançado os ouvidos de Draco e o espírito de Rowena desvaneceu-se na massa sem forma ou substância, o som das palavras dela saindo chiado do mesmo jeito que acontecia com a Rádio Mágica quando havia tempestades particularmente destrutivas.
- Ei! - Draco chamou, e vendo os lábios de Rowena moverem-se, inclinou-se para frente--
Eles haviam sumido. Outros espíritos empurravam dentro da multidão, tomando os lugares dos espíritos anteriores. Draco virou-se em sua direção. E congelou, sua respiração saindo como se houvesse apanhado.
Mais duas figuras o encaravam do outro lado do rio. Um homem alto com cabelos pretos e óculos, e do seu lado uma mulher cujos olhos verde-escuros eram muito familiares. Mesmo que Draco não tivesse visto as fotos que Sirius tinha em sua mesa, mesmo que ele não tivesse visto seus rostos nos velhos anuários de Hogwarts, ele saberia quem eles eram.
Ele estava olhando para os pais de Harry.
***
- Cruze suas mãos. Ponha-as no peito dele e empurre para baixo, com força.
- Certo.
- Mais forte que isso.
- Eu vou quebrar as costelas dele, fazendo isso...
- Você está tentando fazer o coração dele funcionar, quem se importa se você quebrar suas costelas? Faça de novo.
Outra voz.
- O que está acontecendo?
Harry olhou para cima.
- Oh, inferno. Gina...
- O que há de errado com Draco? - sua voz oscilou. - Ele está morto?
Rony olhou para cima.
- Talvez ela deva fazer isso?
- Não, você é mais forte - disse Harry positivamente. - E não pare, Rony, você deveria estar respirando por ele, vamos...
- Você o perdeu, Harry. Ele está morto.
- Continue! - disseram Harry e Gina juntos, e Rony o fez.
***
Hermione disparou pelos corredores que levavam às masmorras, derrapando no chão de pedras irregulares, dobrando as esquinas com um descuido que ela só percebeu quando, ao chegar a mais uma das esquinas, escorregou num objeto que estava no chão, o que fez com que ela batesse o joelho no solo com força. A dor foi aguda e imediata e ela rolou de lado, agarrando o braço, levantando-se com dificuldade, e olhou para baixo para ver em que havia escorregado...
Uma varinha. Parecia com a varinha de Sirius. Ela se abaixou para pegá-la, e quase caiu novamente quando um uivo horripilante rasgou o ar subterrâneo. Era como ser atingido na cara com uma onda de vento gélido ou água; como noite, frio e solidão feitos audíveis, e aterrorizantes.
Lupin.
Esquecendo a varinha, ela recomeçou a correr, mancando um pouco, em direção ao som do uivo. Ela contornou mais uma esquina, pisou em falso, e veio até o portão que bloqueava as masmorras. Ela as abriu com um puxão violento e correu, chamando por Sirius.
- Estou aqui. - veio uma voz tensa de uma cela no fim do corredor.
Hermione correu em sua direção - e parou repentinamente.
Sirius estava na cela, escorado contra a parede oposta - e entre ele e a porta da cela estava um lobo. Um lobo do tamanho de um pequeno pônei, malhado em cinza e prata, lábios afastados dos dentes, rosnando, orelhas estiradas contra a cabeça.
Não é um bicho, ela lembrou. É Lupin. Você o viu se transformar antes.
Mas certamente, quando ele havia transformado antes, ele não estava tão... grande? Ou tão aparentemente feroz?
- Sirius - ela sibilou - Se transforme em sua forma animal... você disse que ele só representa perigo para humanos!
- Tentei - disse Sirius seriamente - Não funcionou. Hermione...
- Não me mande sair daqui, eu não vou embora e te deixar aqui para ser comido! - ela falou rispidamente.
- Ele não vai me comer - Sirius começou, depois parou quando o lobo emitiu outro ronco de congelar o sangue. - Bem - ele emendou, movendo-se ligeiramente para mais longe do lobo - Se ele me comesse, lamentaria muito, depois.
- Oh, ele irá lhe comer, sim. - o demônio interrompeu - Assim que o Chamado se tornar forte o bastante. Eu diria em... cinco minutos.
Hermione ignorou-o.
- Sirius... deve haver algo...
- O Licanto. - disse Sirius rapidamente. - Aquela coisa prateada do Draco... que era uma Chave de Portal... eu preciso dele. Você pode convocá-lo para mim?
Hermione já estava com sua varinha em mãos.
- Accio Licanto!
Houve um pequeno silêncio. Ela esperou, coração pulsando, o silêncio de Sirius quase tão ruim quanto o rosnado do lobo em seus ouvidos. Uma repentina aparição de Harry surgiu em sua mente, de pé no campo durante a Primeira Tarefa, mão esticada para sua Firebolt, e esperando, esperando...
Clinque.
O Licanto voou na direção dela, ricocheteando entre as barras da cela oposta, e Hermione se esticou para pegá-lo. Seus dedos se fecharam em torno dele; ela se virou para Sirius...
Uma escuridão tão intensa que chegava a ser cegante lampejou atrás de seus olhos. Ela cambaleou, sentiu suas costas atingirem a parede de pedra atrás dela, quase caindo. A escuridão invadiu sua vista.
E depois veio luz.
Numa rápida sucessão, uma série de imagens percorreu o fundo de suas pálpebras. Ela viu um castelo cercado por espinhos, um grande Orbe de vidro cujo brilho tremia, uma mesa na qual estava um cálice, um punhal, uma bainha, e a superfície polida de um espelho que refletia apenas escuridão.
Sua visão clareou, e ela de repente estava de volta às masmorras, encarando Sirius e o lobisomem através das barras da jaula, ainda presos em sua assustadora disputa de quem piscaria primeiro. Seus joelhos pareciam fracos e havia um zumbido em suas orelhas, mas ela sabia o que tinha de fazer.
Ela ouviu Sirius gritando seu nome, mas o ignorou. Ao invés disso, ela se transpôs até a porta destrancada da jaula, abriu-a, e adentrou. Ela não sentiu medo de forma alguma, nem mesmo quando o lobo virou-se de Sirius e encarou-a, nem quando ele afastou seus lábios de seus dentes, os olhos afinando, músculos ficando tensos...
- Hermione, saia! - ela ouviu Sirius gritar desesperado, e então ela levantou a mão com o Licanto prateado e mostrou-o na frente do lobisomem.
O lobisomem encolheu-se para trás e soltou um uivo desentoado e lamuriento.
Hermione respirou profundamente, e levantou o Licanto ainda mais.
- Tutamen mali intus - ela rogou, direcionando a luz do Licanto para o lobisomem como se fosse uma varinha. - Cum monstrum colloquor, repulsus! Repulsus!
O lobisomem enrijeceu-se - suas pálpebras caíram, seus membros tremeram - e depois chocou-se contra o chão num amontoado e lá ficou.
Hermione ofegou, e a luz abrasadora no fundo de sua mente desapareceu, como um raio de luz extinguido.
Tremendo, ela deixou seu braço cair ao seu lado e olhou para Sirius.
Ele estava tão branco quanto sua camiseta, olhando-a.
- O que você fez? E como...?
- Eu não sei... - ela suspirou, olhando-o de volta, e depois, lembrando porque estava lá, esticou-se para pegar a mão dele, que estava gelada, e começou a arrastá-lo em direção à porta.
- Sirius... você tem que vir... é sobre Harry e Draco...
***
O coração disparado, Draco virou-se para encarar os pais de Harry, sentindo, de algum modo, que encará-los diretamente era o mínimo que podia fazer. Seus olhos apressaram-se para o pai de Harry - que dificilmente parecia ser o pai de alguém, aparentava ser tão jovem, uma versão adulta de Harry. Claro, ele era apenas cinco anos mais velho que a idade atual de Harry quando morrera.
Draco sentiu um arrepio percorrê-lo.
Tiago Potter levantou seus olhos para os de Draco, e eles não eram verdes como os do Harry, mas pretos. Ele disse:
- Desculpe-me por interromper sua conversa.
- Oh - disse Draco - Oh. Está... está tudo bem.
Cor e vida estavam vindo aos rostos dos Potter quando Draco os olhou, a mulher empertigando-se, suas bochechas corando, seus olhos fixos em Draco. Mas foi o homem quem falou primeiro.
- Você é a segunda pessoa viva que já vimos aqui. - disse Thiago. - E que você é o filho de Lúcio Malfoy - parece uma coincidência muito estranha. Eu suponho que deveria dizê-lo que seu pai e eu somos velhos inimigos.
- Está tudo bem - disse Draco - Meu pai e eu somos velhos inimigos também.
O espírito de Lílian Potter puxou a manga do seu marido. Tiago olhou-a, depois novamente para Draco, e Draco manteve-se em seu lugar, sabendo o que Tiago iria dizer.
- Se você é o filho de Lúcio, deve freqüentar Hogwarts. E se você freqüenta Hogwarts... você conhece nosso filho? O nome dele é...
- Harry. - Draco terminou. - Harry Potter.
Lílian pôs-se na frente. Ela estava na frente de Tiago agora.
- Então você o conhece? - Sua voz era clara e oscilante e muito bonita.
- Sim, eu... ele... todos conhecem Harry Potter. - disse Draco. O que você está fazendo?, disse uma voz no fundo de sua cabeça, Conte-lhes mais; conte-lhes que você o conhece bem, que ele é quase seu irmão, que ele é seu amigo, e mais que isso, que ele é seu inimigo, porque ele também o é.
Eu não posso, ele respondeu. Eu apenas... não posso.
- Todos o conhecem - Draco disse novamente, derrotado. - Ele é famoso.
- Sim - disse Tiago - É o que a última pessoa viva com quem falamos nos disse. Mas ele sabia pouco além. - ele pareceu suspirar - Não há tempo nesse lugar. Uma hora pode ser um minuto, um momento, um ano. Eu não poderia acreditar quando ele nos contou que Harry tinha onze anos. - Ele levantou seus olhos pretos para Draco. - Se ele ainda está na escola, ainda deve ser uma criança... quantos anos ele tem agora?
Draco não conseguia olhá-lo.
- Minha idade. Dezesseis.
- Por favor - Lílian interrompeu. - Você poderia nos dizer mais dele? Só um pouco mais?
Draco olhou para ela, e viu que assim como Godric havia feito, ela parecia estar tomando uma forma mais definida sob seu olhar. Seu rosto entrou num foco mais claro, seus cabelos, vermelho-fogo, quase do mesmo tom amável de Gina, uma mistura de pôr-do-sol com a extremidade externa de uma vela acesa. Os olhos verdes que eram de Harry olharam para ele, suplicando, implorando-o por algo que ele não achava que podia dar.
Ele limpou a garganta.
- O que vocês querem saber?
- Tudo. - ela disse rapidamente. - Ele é feliz? O que ele faz num dia comum? Como ele é?
Draco se viu olhando para o rio transparente e impetuoso, desejando que pudesse desaparecer nele.
- Eu... bem, eu não o conheço assim tão bem, e...
Lílian deu um ecoante, desapontado murmúrio.
- Mas você freqüenta a escola com ele... você deve ao menos saber como ele é?
Ele levantou o olhar para Lílian, e depois para Tiago, o que significava que Tiago entrou num foco mais claro também, parecendo terrivelmente, sinistramente com Harry, e ambos os espíritos estavam olhando-o com uma expectativa esperançosa...
Oh, Deus, isso é horrível , Draco pensou. O que eu posso dizer? Por que eu não podia ser Rony ou Sirius, alguém que realmente o conheça, alguém com quem ele se importe, eu sou a última pessoa que ele desejaria que falasse com seus pais. A ÚLTIMA pessoa.
- Harry é... - ele olhou em outra direção. - Ele joga Quadribol pela Grifinória. - ele disse. - Ele foi seu apanhador mais jovem em cem anos. Ele será o capitão no próximo ano, e...
Draco parou. Ele podia dizer pelo jeito que os espíritos olhavam-no que esse não era o tipo de informação que eles queriam.
Ele se achou sem palavras, o que raramente acontecia. Se fosse eu, ele pensou, o que eu iria querer ouvir? Mas isso o derrubou, nunca tendo sido um pai (felizmente, ele pensou), ele não conseguia imaginar. Então ao invés disso, ele tentou trazer Harry em sua mente - não a forma que ele aparentava, mas o jeito que ele era, a memória do qual estava ligado a pensar do jeito que Harry pensava, ser quase o Harry.
Ele fechou seus olhos.
- Meu pai - ele disse, ouvindo sua própria voz ecoar entre sussurro de água corrente, o impaciente sussurro dos espíritos. - Meu pai costumava falar muito sobre honra, a honra de nossa família, a honra de nossa linhagem de sangue e nosso nome. Mas em minha vida, eu nunca vi meu pai fazer algo honrável. Eu achava que honra fosse apenas um termo, como linhagem ou patrimônio, que significava que você havia estado por perto por um tempo. Mas é algo real, ter honra. E Harry a tem. Harry é a primeira pessoa que você iria querer ao seu lado numa luta, e a última pessoa a quem você faria algo falso ou insincero. Harry tem mais integridade do que qualquer um que eu já conheci.
O espírito de Lílian Potter virou-se e enterrou seu rosto insubstancial no peito insubstancial de seu marido. Sentindo como se ele tivesse dito atrozmente a coisa errada, Draco olhou temeroso para Tiago, que olhou-o de volta, acenando e meio-transparente, e pôs seu braço ao redor de sua esposa que chorava.
- Você é um amigo dele, - disse - não é?
- Algumas vezes. - admitiu Draco - Lamento - ele emendou, não exatamente certo se estava pedindo desculpas ou expressando pesar.
- Não. -disse Tiago - Eu entendo.
E Draco meio que pensou que Thiago entendia.
- Você está sumindo - Tiago continuou, olhando Draco de perto. - Alguém está lhe chamando de volta.
- Lamento - ele disse novamente.
- Não. É algo bom. Você pode levar uma mensagem.
- Eu posso dizer a Harry que vocês...
- Não. Não diga a Harry que nos viu. Isso apenas lhe causará dor. Há um homem chamado Sirius Black, ele é o padrinho de Harry, você deve tê-lo visto indo pegar Harry na plataforma 9 ½ ao fim do ano letivo. Encontre-o. Diga-lhe para ir ao seu cofre em Gringotes e tirar de lá o que eu lhe dei antes de morrer, e entregar a Harry. Eu nunca lhe disse que era para Harry, mas é. Harry é o Herdeiro de Gryffindor, ele logo precisará disso. E diga a Sirius que eu... - e depois o chão deu um solavanco sob os pés de Draco e uma leve implosão fez o mundo voar ao seu rosto em lâminas de cores despedaçadas com vidro quebrado. Ele teria jogado seus braços para cima para proteger-se, mas uma dor lacerante cortou através de seu peito, dobrando-o, e ele estava tossindo, tossindo em grandes arrancos, arfadas, tossindo e cuspindo água sobre toda a grama escura e molhada do quintal dos Weasley.
Draco respirou. Ele podia ouvir seu peito gorgolejar como um radiador furado, e doía respirar, mas caso contrário...
- Você está vivo! - disse Gina, parecendo e soando maravilhada. Ela virou para o seu irmão. - Rony, você conseguiu!
- Mmppph - disse Rony, ainda arregalando os olhos para Draco, como se não pudesse crer em seus olhos.
"O que está acontecendo?", Draco tentou dizer, mas descobriu que tomar o ar que lhe permitiria falar fazia seu peito doer ainda mais. Ele concentrou-se em respirar rasamente, e moveu os olhos na direção de Harry.
Hey, Potter...
Harry inclinou-se tão rápido que uma das suas mãos insubstanciais passaram através do peito de Draco. Draco fitou-o.
Harry pareceu arrependido.
Desculpe.
Deixe pra lá. O que houve?
Você se afogou. Rony o reviveu.
Ele fez o quê? Como?
Harry riu.
Respiração boca-a-boca, Malfoy.
O quê!?
Os olhos de Draco viraram-se para Rony, arregalando-se.
- Oh meu Deus, que nojo! - ele disse, em voz alta, antes que pudesse evitar. Isso o causou outro espasmo de tossidas. Quando ele melhorou, viu Rony fitando-o.
- Bem, não foi nenhum piquenique pra mim, também, seu idiota ingrato. - ele disse. - Ao menos você estava morto na maior parte da experiência. Agora eu apenas desejo que eu estivesse.
Draco tossiu novamente. Ele havia começado a sentir como se ele estivesse tossindo seus próprios pulmões pra fora. Ele pôs uma mão em seu peito e se sentou, o que parecia melhorar a pressão em sua caixa torácica.
- Você pode respirar direito? - perguntou Gina ansiosa, correndo pra perto dele, e pondo uma mão em sua testa. - Você ainda está gelado. - Ela trouxe sua mão de volta, molhada com água e sangue da bochecha cortada dele.
- Eu estou congelando. - Draco disse, e se mexeu pra tirar sua jaqueta, mas seus dedos não o obedeciam. Ele não parecia poder fazê-los funcionar direito; eles estavam desajeitados no couro molhado de dragão, e desistiu.
- Deixe-me... - disse Gina, e ajudou-o a tirar a jaqueta. Ela virou-se para o seu irmão. - Rony, me dê a parte de cima do seu pijama.
Rony fitou-a.
- Tudo bem. - ela disse, ríspida. - Ou isso ou eu darei a ele a parte de cima do meu pijama.
- Eu fico com a opção número dois. - disse Draco, entre dentes que tremiam.
Rony suspirou, e tirou a parte de cima de seu pijama. Ele entregou-a para Gina, que a usou para secar o cabelo de Draco. - Precisamos tirá-lo dessas roupas molhadas - disse.
Nisso, outro espasmo de tosses dobrou Draco, e quando ele se ajeitou, passaram-se vários minutos até ele focalizar seus olhos. Por um momento, ele não podia distinguir Rony de Gina, ambos pareciam com bolhas ondulantes, com Harry sendo um tipo escuro de bolha à direita, o que era angustiante, para dizer o mínimo.
- Droga. - ele disse, e sua voz parecia com um refrigerador de água cheio de bolhas - Eu não consigo enxergar direito.
Ele estava vagamente ciente do Rony-bolha olhando com alarme para Gina-bolha, e depois houve um leve *pop*, como se alguém Aparatasse no quintal.
- Sirius - Draco ouviu Rony murmurar sob a respiração, soando aliviado. - Graças a Deus.
Houve um baque e Sirius desceu seus joelhos na grama, próximo a onde Draco estava sentado, tremendo novamente, e com cada tremor, sua visão escurecia mais. Eu não vou desmaiar, ele pensou, rabugento. Não vou. Ele sentiu os dedos de Sirius em seu pescoço, checando seu pulso, depois uma mão contra a sua testa, lembrando-o de sua mãe checando-o para ver se tinha febre.
- Choque hipotérmico. - ele ouviu Sirius dizer calmamente. - Ele estará bem se o levarmos para dentro. - Draco viu um borrão enquanto se virava. - Harry, estou lhe mandando de volta.
Draco ouviu a voz do Harry à distância.
- Tudo bem. - e depois houve um ofego de Rony. Draco presumiu que isso significava que Harry havia ido embora. Ou isso, ou o feitiço havia saído horrivelmente errado e transformado Harry numa salamandra. Mesmo assim, Draco não tinha certeza se podia divagar mais sobre isso. Tudo parecia filtrado através de um longo caminho. Ele sentiu a mão de Sirius em seu pulso, e depois a voz de Rony dizendo algo sobre danos aos pulmões, e Gina perguntando se ele ficaria bem.
- Ele vai ficar bom. Eu posso curá-lo se formos pra dentro. - Sirius abaixou-se para Draco. - Eu vou te levantar agora. Fique firme, certo?
Draco acenou com a cabeça, e sentiu a mão de Sirius deslizar sob suas costas, a outra sob seus joelhos, levantando-o. Ele não se recordava de ter sido carregado assim antes, não por seu pai, de qualquer forma, e estava surpreso em ver que não ligava muito pra isso. Ele pôs um braço ao redor do pescoço de Sirius, olhou de lado, viu o rosto branco e assustado de Gina, a lua atrás dela, e depois todas as formas do mundo se juntaram como aquarela e Draco fez algo que sempre jurou que nunca faria, e desmaiou.
***
Wham.
Harry abriu seus olhos, sentindo como se o Expresso de Hogwarts houvesse passado por sua cabeça e ele tivesse sido atirado por uns 100 metros num trecho de urtigas. Ele piscou, focalizando os olhos, e viu que estava na poltrona da biblioteca da família Malfoy, fitando o teto, que estava tracejado com um desenho de constelações folheado a ouro.
Levou muitas tentativas, mas ele conseguiu levantar-se e estralar os dedos. Seu corpo inteiro ardia com alfinetadas e agulhadas. Ele ficou ciente de estar sendo observado, e virou a cabeça de lado para ver Hermione ajoelhada ao lado do braço da poltrona, olhando-o com olhos enormes.
- Ei. - ele disse.
- Você está bem. - ela disse, e isso era ao mesmo tempo uma pergunta e uma afirmação.
Ele confirmou com a cabeça.
- Eu nunca deveria tê-lo mandado. - ela disse, pálida. - Eu nunca deveria tê-lo feito. Eu não acredito que fiz algo tão estúpido.
- Hermione...
- Eu continuo a me dizer que não era eu na realidade. - ela continuou com a mesma voz sem tom. - Eu não tenho sido eu pela última semana ou algo assim. Eu nunca teria feito algo idiota. É meu trabalho mantê-lo longe de fazer coisas estúpidas, não me juntar e incitar você. E se algo acontecesse a você, teria sido minha culpa e isso me mataria, Harry, isso me mataria.
Ela ainda estava olhando-o fixamente com os mesmos olhos grandes e ele repentinamente se lembrou do modo com o qual havia olhado para ele depois que ele enfrentou aquele Rabo-Córneo Húngaro no quarto ano, lembrou de como ela havia apertado o rosto temendo tanto por ele que deixou profundas marcas de unhas na pele. Isso havia chocado-o no momento, que alguém pudesse se importar tanto com o que acontecia a ele, e isso ainda o chocava.
- Hermione... não... - ele protestou, meio que incoerente, e aproximou-se dela.
Ela se levantou do chão e foi para o colo dele em menos de um segundo, seus braços envolvendo o pescoço dele. Ele enterrou seu rosto contra o dela, onde seu pescoço se curvava em seu ombro. Seus cabelos estavam perfumados como sempre, um cheiro que o lembrava de chá de menta marroquino. Ele sentiu o peito dela dar um puxão, e depois ela estava chorando contra ele, secamente e com um tipo de desespero mudo que o alarmou. O que diabos...?
- Oh, Harry, eu não consigo acreditar, e eu tenho certeza que você fez tudo o que podia. Não é sua culpa.
Harry se afastou e olhou para ela, confuso.
- O que não é minha culpa?
- Draco. Ele está morto, não está?
Harry olhou para ela, profundamente surpreso.
- Como você...
- A poção do amor perdeu seu efeito. - ela disse, simplesmente. - Eu senti ela se esvair. - As lágrimas haviam começado a deslizar por seu rosto, e Harry pensou que ela de algum modo parecia estar tentando se acalmar por causa dele, o que era muito típico de Hermione. - O que aconteceu? - ela irrompeu em lágrimas, sua voz tremendo. - Como foi que ele... não, deixe pra lá, não me conte, eu não quero saber. - Ela esfregou as costas das mãos contra seus olhos. - Harry, eu me sinto tão culpada, nesses últimos dias tudo o que eu desejei foi que esse estúpido encanto passasse, e agora passou, mas eu nunca quis...
- Hermione - disse Harry gentilmente. - Cale a boca por um minuto, certo? Eu tenho que lhe contar algo, e você não vai acreditar...
***
- Rony? Rony salvou a vida dele? Você só pode estar brincando. Eu não acredito. Eu aposto como Rony também não. Ele deve estar louco da vida. Onde está o Pó de Flu? Temos que ir até à Toca. Oh, eu queria poder Aparatar. Onde está o maldito Pó de Flu?
- Hermione, pare de se precipitar. Há cinco minutos você estava chorando histericamente e agora você parece estar imitando uma McGonagall acelerada. Eu estou ficando com dor de cabeça. De qualquer modo, eu acho que o Pó de Flu está lá embaixo, na cozinha.
- Vá pegá-lo, então.
- Não seja doida. Accio Pó de Flu.
- Harry, você não deve fazer magia sem varinha - oooh, funcionou. Bom Feitiço Convocatório.
- Minha especialidade, graças a você.
- Todas as suas especialidades são graças a mim, tonto.
- Que namorada convencida eu tenho!
- Não tente ser espertinho, apenas me dê o Pó de Flu.
- Não.
- Como assim, não?
- Venha pegar.
- Venha pegar? Quantos anos temos, doze?
- Você está com medo da minha força superior.
- Eu não estou com medo da sua força superior. Você está com medo do meu intelecto superior. Não faça caretas pra mim, Harry Potter. OK, chega.
- 'Chega' o quê? Ai! Au! Onde você aprendeu a derrubar assim? Você é como um jogador de futebol americano. Só que, obviamente, bem mais bonita e bem menos robusta.
- Bajulação não vai te ajudar. Eu vou sentar em você até que você me dê o Pó de Flu. O que você fez com ele, á propósito?
- Eu escondi em um lugar do meu corpo. Quer procurar?
- Você está me desafiando?
- Pode ser....
***
- Enervate.
Draco voltou à consciência instantaneamente, seus olhos se abrindo, fixando-se no rosto de Sirius.
- Onde estou?
- No quarto de Percy Weasley. Desculpe por acordá-lo; eu quero que você beba isto. É uma Poção Aquecedora. Você precisa de ajuda para sentar?
Draco hesitou, depois afirmou com a cabeça. Sirius esticou-se e o ajudou a ficar numa posição sentada, estremecendo ligeiramente à frieza da pele de Draco. Ele havia secado as roupas do garoto com um Feitiço Dessicarus e o cobriu com cada coberta que pôde encontrar, mas não pareceu ter elevado muito a sua temperatura gelada.
Draco pegou a caneca de Sirius com os olhos sonolentos e uma aceitação absoluta, vinda da completa exaustão. Ele bebeu, segurando a caneca cuidadosamente com ambas as mãos, e entregou-a de volta a Sirius, que pôs a caneca na mesa-de-cabeceira enquanto Draco se encostava contra os travesseiros, apertando os calcanhares das mãos em suas têmporas. Sirius lembrou-se repentinamente de estar na enfermaria com Harry depois da última tarefa do Torneio Tribruxo; o quão esgotado ele parecia, como ele havia ido além de dos limites da sua força, a qual Sirius não conseguiria chegar, mesmo que ele pensasse que deveria, mesmo que ele quisesse. Ele teve uma urgência repentina de dar uns tapinhas no ombro de Draco, ou bagunçar seus cabelos, mas não o fez.
- Onde está todo mundo? - Draco perguntou, suas pálpebras pendendo com o cansaço.
- Estão todos lá embaixo. Mas você não os verá até amanhã. Eu vou buscar a sua mãe num instante. Eu não posso mandar uma coruja enquanto ela estiver na investigação, mas eu acho que ela não vai ligar se eu aparecer. Não se for algo sobre você.
Draco empurrou, um pouco mal-humorado, o enorme monte de cobertores sobre ele.
- Mas eu quero ver...
- Não - disse Sirius firmemente.
Draco olhou para ele com olhos enormes. Embrulhado em cobertores, tão pálido que cada um de seus cílios salientavam-se como se tivessem sido pintados individualmente, ele parecia ter onze anos.
- Eu estava morto, Sirius. - ele disse. - Eu vi os fundadores, todos com exceção de Slytherin... eu falei com eles, e...
Sirius o pegou firmemente pelos ombros.
- Draco - ele disse. - Você precisa dormir. Seu corpo precisa descansar. Conte-me tudo sobre o que quer que você tenha... visto... amanhã. Certo?
Os olhos de Draco se apertaram.
- Você não acredita em mim.
Sirius suspirou, e o deixou.
- Honestamente? Não, claro que não. Você estava quase morto, Draco. Seu corpo estava sucumbindo. Quem sabe o que sua mente acha que viu? Mas se isso vai te deixar feliz, pode me falar mais sobre isso... amanhã.
Os olhos de Draco haviam se fechado.
- Eu pensei que todos são curiosos sobre o que acontece depois que se morre. - ele disse, suas palavras borradas com cansaço. - Não são?
- Sim, mas ao contrário de você, nós não vamos em missões de reconhecimento para descobrir. Vá dormir, Draco.
Sirius se levantou. Ele estava na metade do caminho através do quarto quando Draco falou novamente:
- Eu vi os pais de Harry, também. - ele disse.
A caneca voou da mão de Sirius e caiu no chão, marcando o assoalho.
- Você quer dizer Lílian e Tiago?
- Sim.
Sirius estava ciente que seu coração estava pulsando desigualmente em seu peito.
- O que você quer dizer com tê-los visto?
- O que eu disse. - respondeu Draco, num tipo vago de voz meio sonolenta. - Eu estava num lugar cheio de fantasmas. Havia milhares deles. E os pais de Harry estavam lá; Tiago pensou que eu fosse meu pai, e veio até mim...
- Você se parece com Lúcio. - sussurrou Sirius, e depois: - O que ele disse? - Ele ouviu a angústia esperançosa em sua própria voz, e estremeceu. - Deixe pra lá. - disse ele asperamente. - Você estava meio-morto, Draco, você estava tendo alucinações.
- Por que eu teria alucinações com os pais do Harry? - Draco perguntou sensatamente.
Sirius apertou as pontas dos dedos contra seus olhos. - Eu não sei, Draco. Por que as pessoas têm os sonhos que têm?
- Eram eles. O pai do Harry se parecia muito com ele, e a mãe...
- Draco, eu sei que você já viu fotos deles antes, isso não significa nada. Pelo amor de Deus, não enlouqueça com isso.
- O pai do Harry disse que havia algo em seu cofre de Gringotes para Harry, algo que ele te deu logo antes de morrer...
- Tiago não me deu nada logo antes de morrer. - disse Sirius monotonamente. - Vá dormir, Draco.
Ele ouviu um suspiro de derrota do garoto na cama, e depois um ruído.
- Boa noite, Sirius.
- Boa noite. E Draco?
- O quê?
- Não diga nada a Harry sobre isso, certo?
Um curto silêncio.
- Certo.
Sirius saiu do quarto, fechou a porta atrás dele, e caiu contra esta, suas mãos sobre os olhos. Por que exatamente ele havia mentido para Draco sobre ter recebido algo de Tiago, ele não saberia dizer. No entanto, de uma coisa ele tinha certeza. Ele iria para Gringotes amanhã.
***
Rony e Gina sentaram com Harry e Hermione (que haviam chegado recentemente via Pó de Flu) à mesa da cozinha quentinha e amarelo-claro dos Weasley, bebendo chá e comendo biscoitos digestivos direto do pacote.
- Ele está realmente bem? - Hermione perguntou pela oitava vez, e pela oitava vez, Rony acenou com a cabeça.
- Ele está bem... infelizmente.
Hermione jogou um biscoito para ele.
- Carma, Rony.
Rony pegou o biscoito e deu-o para Gina, que sorriu para ele.
- Eu não estou preocupado com o meu carma. - disse Rony convencido. - Considerando.
- Verdade. - Harry indicou. - Você salvou a vida do Malfoy. Mesmo que tenha hesitado um pouco, antes...
- Não. Bem, um pouco. É que ele parecia tão morto, parecia fora de propósito.
- Ele estava morto. - disse Hermione, comendo um biscoito. - Clinicamente, de qualquer modo, ele deve ter estado morto. Sem pulso, coração sem bater... sem ondas cerebrais, talvez...
- Malfoy já teve ondas cerebrais? - especulou Rony, mas Hermione o ignorou.
- É interessante, - ela emendou, seus olhos brilhando. - que Draco estando clinicamente morto foi o bastante para desfazer o efeito da poção do amor. É um cruzamento entre magia e ciência que eu não havia considerado antes, e as possíveis implicações...
- Pegue mais um biscoito, Hermione. - disse Harry, firmemente, pondo um na mão dela.
Ela sorriu para ele.
- Estou sendo chata?
Ele beijou a orelha dela.
- Sim, mas de um modo muito interessante.
- Gina está interessada. - disse Hermione, apontando para Gina, que estava com a mão no queixo e sorria.
- Não, não estou. - disse Gina candidamente. - Eu estava apenas pensando que Rony agora, oficialmente, já teve mais ação com Draco do que eu. - Ela se virou e deu um sorriso ofuscante para o seu irmão. - Parabéns, Rony!
Rony empalideceu.
- Eu tenho que escovar os dentes. - ele disse, fazendo como se fosse se levantar, mas Gina agarrou seu braço e o puxou de volta para baixo.
- Você já escovou os dentes doze vezes e isso não ajudou. - ela disse. - Enfrente isso. Você beijou Malfoy e não há nada que você possa fazer a esse respeito.
- Pronto, pronto. - disse Harry, sorrindo como um demônio. - Foi um procedimento médico. Um procedimento médico que apenas se parece muito com agarração.
- Foi você quem ficou todo histérico! - disse Rony, apontando um dedo trêmulo para Harry. - Eu apenas o deixaria morrer!
Harry revirou os olhos.
- Não, você não faria isso, Rony, porque você é um cara legal e caras legais não deixam outras pessoas simplesmente morrerem, mesmo completos inoportunos como Malfoy.
- Argh. - disse Rony, e pôs sua cabeça na mesa.
- Rony está tendo probleminhas. - Gina cantou, levantando-se animada pra pegar leite da porta da geladeira. - Rony está tendo pro-ble-miii-nhas...
- Eu odeio todos vocês. - disse Rony, numa voz abafada.
- Ah, que é isso? Apenas estamos te fazendo medo. Ei, como você sabia todos aqueles feitiços antiafogamento, de qualquer modo? - Harry emendou, curioso. - Não que tenham funcionado, mas ainda assim, foi impressionante.
- Bem, eles teriam funcionando se ele não tivesse afundado há tanto tempo. - disse Rony. Depois ele olhou para Gina, que olhou de volta para ele, e suspirou.
- Nós tínhamos um irmão. - ela disse, olhando para as suas mãos. - Entre Percy e Carlinhos. Ele se afogou na mina quando tinha três anos. Nós nunca o conhecemos, mas mamãe e papai insistiram para que todos nós soubéssemos feitiços antiafogamento, apenas no caso de algo acontecer.
Hermione olhou para Harry, que parecia atônito. Aparentemente nenhum deles sabia desse fato sobre a família de Rony. Ambos podiam, de qualquer modo, dizer que perguntas nesse tópico não seriam bem-vindas, então se contiveram.
- Por que então não tamparam a mina? - inquiriu Hermione.
Rony deu de ombros.
- Não se pode fazê-lo. Tentaram. Há algum tipo de proteção mágica lá. Tampe-a, e ela volta a ser a mesma no dia seguinte. Então puseram proteção ao redor. Só retiraram quando Gina tinha doze anos, imaginamos que fôssemos grandes o bastante para não cair lá, e todos nós sabemos nadar, então... Harry, como você sabia aquela outra coisa?
- Respiração boca-a-boca? - disse Harry, e fez uma careta. - Eu costumava ir com Duda pras aulas de natação, mas eu não podia ter as aulas com ele, porque custava dinheiro. Então eu costumava ficar na aula de respiração boca-a-boca. Eu devo ter feito as mesmas aulas umas quinze vezes.
Hermione sorriu para ele.
- Eu pensei que você havia aprendido ao assistir S.O.S. Malibu.
Harry pareceu indignado.
- Eu nunca assisti S.O.S. Malibu!
- Aposto que sim.
- Sobre o que vocês dois estão falando? - Rony perguntou, levantando a cabeça de seus braços.
- Garotas em biquínis. - disse Hermione.
- Não sei se mesmo isso poderia me tirar do meu desespero. - disse Rony melancolicamente.
- Desespero? - Hermione pulou, andou em volta da mesa, segurou Rony pelos ombros, e beijou-o firmemente em ambas as bochechas. - Você salvou a vida de alguém, Rony Weasley. - ela anunciou. - Eu acho que isso faz de você um herói. E o fato de que você nem ao menos gosta dele, isso o faz ainda mais heróico. Isso, sim.
Rony corou vermelho.
- Está certo! - concordou Gina, precipitando-se para abraçar Rony também. Hermione atirou seus braços ao redor de Rony pelo outro lado.
- Ei, - Rony protestou fracamente, contudo ele parecia estar se divertindo. - Meninas! Vocês estão bagunçando o meu cabelo. - Harry olhou para eles, sorriu, se levantou, e atirou-se ao abraço em grupo com tanto entusiasmo que Rony foi derrubado da sua cadeira e todos os quatro caíram no chão num amontoado de risadas.
- Bem, bem... - disse uma voz divertida da porta. - Estou atrasado para a orgia ou ainda dá tempo?
Gina olhou para cima, corada de tanto rir, e pôs uma mão na boca em surpresa.
- Carlinhos!
O resto deles olhou para cima também. Era certamente Carlinhos Weasley, com os cabelos bagunçados e com o olhar cansado. Ele estava vestindo suas roupas de cuidar de dragões, e havia uma alça de mochila suja que passava através de suas costas.
- Oi todo mundo! - ele disse.
Rony pulou de pé.
- Carlinhos! Como você chegou aqui? Dragão?
Carlinhos revirou os olhos.
- Eu já te disse antes, Rony, pessoas não se locomovem em dragões. É apenas um mito bonito. E Aparatei, o que você acha?
Gina se levantou e deu uma mão para puxar Hermione.
- Você veio por causa de Draco? - ela perguntou a Carlinhos, parecendo curiosa.
Carlinhos olhou inexpressivo.
- Por causa de Draco?
Houve um passo na escada e Sirius entrou na cozinha, parecendo desgrenhado e imensuravelmente cansado. Porém seus olhos se iluminaram ao ver Carlinhos.
- Carlinhos. - ele disse ansiosamente, cruzando a sala para apertar a mão dele. - Você recebeu minha coruja, então? Ótimo, eu realmente preciso voltar à Mansão, e...
Carlinhos estava balançando a cabeça.
- Eu não recebi nenhuma coruja de você. Eu vim porque mamãe escreveu e me disse sobre papai ser eleito Ministro, e como eles teriam que ficar em Londres por uns dias, ela me pediu que... - ele olhou em volta novamente, como se visse Harry e Hermione pela primeira vez. - O que vocês estão fazendo aqui, de qualquer modo?
Houve um breve silêncio. Harry olhou para Rony. Rony olhou para Gina. Gina olhou para Sirius. Sirius olhou para Carlinhos, e suspirou.
- Venha para a sala de estar por um segundo, Carlinhos. - ele disse. - Eu lhe darei os detalhes.
- Certo. - disse Carlinhos devagar, suspendendo sua mochila em suas costas.
Sirius se virou para o resto deles.
- Eu quero um de vocês para sentar ao lado de Draco, no caso de algo acontecer... nada acontecerá, ele está bem, mas é apenas uma precaução.
- Eu vou. - disse Gina imediatamente.
- Obrigado.
Sirius se virou para Carlinhos.
- Vamos.
Enquanto Carlinhos seguia Sirius pra fora da cozinha, Hermione ouviu-o dizer:
- Eu trouxe uma garrafa de Oldgen´s Old Firewhiskey comigo.
Sirius deu tapinhas nas suas costas.
- Deus o abençoe, Carlinhos Weasley.
***
- Aqui está o livro sobre o qual eu estava lhe falando. - disse Rony, entrando na sala de estar onde Hermione estava sentada no sofá estofado, suas mãos em volta de uma caneca de chá. Harry estava deitado sobre suas costas no sofá, sua cabeça no colo de Hermione, um braço jogado sobre seu rosto.
Hermione abaixou sua caneca e pegou o livro mencionado, encadernado em um couro aparentemente mofado com alguma inscrição de ouro na lombada: "Vidas dos Fundadores de Hogwarts"
- Obrigada, Rony.
Rony sentou-se na poltrona próxima a ela.
- Tá dormindo? - perguntou, movendo o queixo na direção de Harry.
- Mmmph... - disse Harry sem se mover.
- Isso quer dizer que não. - disse Hermione, abrindo o livro e começando a examinar as páginas. - Eu acho.
- O que você está procurando no livro? - Rony perguntou curioso.
- Não tenho exatamente certeza. Informações sobre suas vidas... eu quero saber mais sobre a relação entre Slytherin e Rowena.
- Não havia nada no diário de Slytherin?
- Sim, mas ele estava bem louco sobre aquela coisa toda e apenas viajava sobre destino e premonições e muito sobre lagartos. O que era interessante sobre Slytherin... bem, para mim, de qualquer forma, eram os paralelos para Aquele Que Não Deve Ser Nomeado. Quero dizer, Voldemort pegou um monte de idéias de Slytherin, eu acho... a Marca Negra, todo o processo pela qual ele tentou alcançar a imortalidade. Eu não sei o que significa, mas...
- Isso significa que ele é mau, Hermione. - Rony disse, um pouco amargamente. - Em qualquer época que você esteja.
Hermione moveu a cabeça pro lado, mas não conseguia ler a expressão dele.
- Você está bem?
Antes que Rony pudesse responder, a porta da sala de estar se abriu e Sirius e Narcisa entraram. O rosto de Narcisa estava quase escondido pelo capuz de sua capa, mas Hermione podia ver o quão ansiosa ela parecia. Sem aviso, ela desceu até Rony, e o beijou. Pela segunda vez naquela noite, Rony ficou vermelho.
- Sirius me contou o que você fez por Draco. - ela lhe disse.
- Er... - disse Rony, afundando em seu assento. - Não foi nada.
- Não foi nada! Foi tudo. Você é uma pessoa brava, maravilhosa, extraordinária, Ronald Weasley e eu sou grata a você.
Rony, ainda ocupado explorando todos os possíveis tons de vermelho que sua pele poderia ficar, aparentava não ter nada a dizer a isso.
Sirius parecia que, se não estivesse tão cansado, poderia ter sorrido.
- Venha, amor... - ele disse. - Draco está lá em cima com Carlinhos e Gina.
Soltando Rony com um último olhar de gratidão, Narcisa seguiu Sirius até em cima.
Hermione sorriu para Rony.
- Você foi beijado muitas vezes essa noite, não foi?
Rony piscou, sua cor voltando ao normal.
- Certo. - ele disse de má vontade. - Eu ainda não gosto do Malfoy. Mas a mãe dele tudo bem.
Hermione tentou não rir, para não perturbar Harry.
- Você é uma pessoa brava, maravilhosa, extraordinária, Ronald Weasley. - ela disse. Rony lhe fez uma careta. - Talvez ela possa convencer o Ministério a lhe dar uma medalha... oh, ou você poderia ter a sua própria figurinha nos sapos de chocolate.
- Bah. - disse Rony, mas pareceu pensativo. Ele levantou-se de sua cadeira, e beijou Hermione na têmpora. - Eu estou indo para a cama. Vejo você pela manhã.
- Até mais.
- Humpf . - Disse Harry novamente, debilmente ondulando alguns dedos na direção de Rony.
- Isso quer dizer boa noite. - Hermione traduziu para o benefício de Rony. Ele acenou da porta e foi embora, fechando a porta atrás dele.
Distraidamente mexendo no cabelo de Harry, Hermione voltou ao livro. - Hey, Harry, você quer que eu leia em voz alta pra você?
- Hummmmtá...
- Certo, então. O folclore diz que o Licanto foi inventado por ninguém menos que Rowena Ravenclaw - ela leu - para lidar com a peste de lobisomens que estava assolando as ilhas Britânicas. - Isso seria graças a Slytherin, tenho certeza. - E era normalmente feito de prata, um metal temido pelos licantropos. Pode ser facilmente enfeitiçado para virar uma Chave de Portal, purifica a água e... faz as roupas das garotas invisíveis. O que você acha disso, Harry?
Harry não respondeu.
- Você está dormindo, não está? - Hermione suspirou, olhando para o topo da cabeça dele.
Era uma pergunta retórica. Harry estava de fato adormecido, seus olhos bem fechados, sua mão esquerda segurando a bainha do cardigã dela. Ela suspirou e baixou o livro.
- Harry... - ela correu os dedos pelo cabelo dele, se maravilhando que apesar de seu habitual desleixo, era tão macio.
Com cuidado para não incomodá-lo, ela pôs a mão no bolso e tirou a varinha. - Quiesce. - ela murmurou suavemente, gentilmente acariciando a bochecha dele. - Dulce somnolus. - e sentiu que ele relaxava contra ela ainda mais. Ela mesma havia inventado o feitiço, um feitiço para sono descansado e sem problemas, especificamente para Harry. Ela havia visto ele adormecer vezes o bastante, sobre seus livros na biblioteca, no salão comunal da Grifinória, para saber que o sono dele era raramente pacífico. E ela havia usado-o nele freqüentemente antes, embora ele não soubesse. Era porque ele tinha pesadelos: isso ela sabia porque Rony a havia contado. De fato, ele os tinha tanto que Simas Finnigan havia sugerido anteriormente a Rony que eles perguntassem se Harry podia ser removido para outro quarto, ou mesmo ter um só dele, então ele não os incomodaria mais os acordando. Em conseqüência, Rony respondeu que se ele, Simas, alguma outra vez sugerisse algo como isso, ele, Rony, o jogaria no lago.
Hermione suspirou. Ela sabia que ela deveria acordar Harry, mandá-lo dormir no quarto de Rony enquanto ela ia para o de Gina, mas era algo como um privilégio especial, ela pensou, ver o sono de alguém a quem você ama, e ela dificilmente podia ver Harry dormindo em paz. E isso era duplamente precioso porque naqueles momentos em que ele dormia, ela podia ter a certeza de que ele não estava em nenhum perigo, não seria repentinamente posto em risco, machucado ou morto ou horrivelmente mutilado. Ela pousou o livro na mesa próxima ao sofá e se inclinou para frente, pondo seus braços ao redor de Harry, e deixou seu cabelo cair em volta como uma cortina sobre ambos, escondendo o resto do mundo de vista.
***
Draco acordou, mas manteve seus olhos fechados, ainda se recuperando do choque de ter dormido... e não ter sonhado. Virou-se, abriu os olhos e viu um borrão de cores que lentamente transformou-se no papel de parede amarelo berrante do quarto de Percy, um quadrado de céu azul no lado de fora da janela, a cadeira vermelha perto da cama, um borrão preto, branco e verde que oscilou uma vez e virou Harry.
Harry estava sentado na cadeira com o queixo na mão, um de seus pés apoiado na cama. Ele parecia bem acordado e horrivelmente alegre, e em seu colo, brilhando com a luz do sol que entrava da janela, estava a espada de Slytherin.
Draco se sentou tão rápido que sua cabeça girou.
- Potter, o que você acha que está fazendo?
Harry fitou-o, estranhando.
- Estou sentando numa cadeira. Há algo incomum nisso?
- Você está realmente aqui? Tipo, solidamente aqui e só não uma projeção?
Em resposta, Harry chutou o lado da cama.
- Sim.
- Isso é inteligente? Dados os eventos de ontem? Estou surpreso que Sirius o deixe chegar perto de mim.
- Eu não contei a ninguém sobre ontem.
- Você não contou? Como - por que não?
- Duas coisas. - disse Harry, inclinando-se e colocando a espada contra a parede, onde brilhava contra o papel de parede amarelo de Percy. - Um: No estado em que está, você não poderia me atacar nem com um pedaço de espaguete porque seria muito pesado para você. Dois: Você não sonhou ontem à noite, sonhou?
- Não. - disse Draco, olhando desconfiado para Harry. - E daí?
- E daí que a poção do amor não foi o único feitiço quebrado pela sua morte.
- Potter, - disse Draco, em dúvida. - Essa é uma teoria meio fraca...
- Então me deixe perguntar uma coisa.
- O quê?
- Você quer me matar agora?
- Erm. Bem. Não, pra dizer a verdade.
Harry deu de ombros.
- Eis a prova. - ele soltou a espada encostada na parede, esticou-se, pegou um copo d'água da mesa-de-cabeceira e o deu a Draco. - Aqui. Tome isso. E pare de reclamar.
Draco se sentou para tomar a água, e olhou para baixo. Ele parecia estar vestindo pijamas marrons. As coisas de segunda-mão dos Weasley, ele pensou, carrancudo. Marrom era segunda pior cor que lhe caía mal, perdendo para o rosa.
- A propósito, eu dormi por quanto tempo? E quem decidiu que sua aparência horrenda fosse a primeira coisa que eu visse quando acordasse?
- Você quer dizer por enquanto tempo você desmaiou? - respondeu Harry - Umas dezesseis horas. E nós estivemos nos revezando para vigiar você.
Draco fitou-o com profunda suspeita.
- Quem pôs esses pijamas em mim?
- O Rony. Ah, e ele também lhe deu um banho de esponja. Ele ficou muito afim de você. É realmente fofo.
Draco cuspiu toda a água na cama.
- O quêêêê?
- Brincadeira. - disse Harry, alegre. - Não tema, Rony ainda o odeia com fervor. E foi a sua mãe que colocou os pijamas. Ela ficou aqui a noite toda e a manhã inteira, mas teve que voltar pro Ministério essa tarde. Ela mandou muito amor e beijos, que eu me recuso a entregar pessoalmente.
- Bom. - disse Draco, lançando um olhar sombrio para Harry. - Você está repugnantemente feliz essa manhã, Potter. Que é que aconteceu?
Harry encostou-se em sua cadeira e sorriu para Draco. Draco achou que ele não havia visto Harry tão feliz em semanas. Era levemente perturbador. Ele havia se acostumado com Harry com um eterno olhar carrancudo ou preocupado.
- Bem, Malfoy. É sobre aquela poção do amor.
Draco sentiu-se corar levemente. Ele esticou-se e colocou o copo na mesa-de-cabeceira com um estampido.
- Oh. Sim?
- Você sabia que era reversível somente pela morte?
- Não. E?
- Bem. Você morreu.
- Morri mesmo. - Draco piscou em surpresa - Eu morri. - ele disse novamente, tentando saber como se sentia em relação ao fato.
Harry estava quieto. Ele era um pouco como Sirius naquele aspecto, Draco pensou. Ele sabia quando falar e quando se calar.
- Então eu posso falar com ela? - disse Draco, finalmente.
- Hermione? Uh, sim. - disse Harry, com um pouco de hesitação. - Por que não? Oh - ele esticou a mão para trás de si, e levantou um pacote embrulhado com um papel marrom. - Quase esqueci. Você recebeu uma coruja.
- Mesmo? De quem?
- De Snape. - disse Harry, entregando o pacote como se ele fosse uma bomba prestes a explodir. - Malfoy, por que Snape está lhe mandando pacotes como esse?
- Eu estava na casa dele. Longa história. - Draco rasgou o barbante que mantinha o pacote fechado, mas seus dedos ainda não o obedeciam direito.
Aqui.
Draco olhou para cima quando Harry tirou algo de seu bolso e jogou para ele. Ele o pegou por reflexo. Era o canivete de Sirius, o mesmo que havia feito a cicatriz na mão de Draco. E uma igual na mão de Harry.
Valeu.
Ele puxou a lâmina e cortou o pacote. Um frasco cheio de líquido da cor de asfalto e um papel dobrado caíram em seu colo. Ele empurrou o bilhete para dentro do bolso do peito dos pijamas, girou e tirou a tampa do frasco, e bebeu todo o líquido, fazendo uma fraca careta ao gosto agora-familiar da Poção de Força de Vontade.
Harry fitava-o como se esperasse que surgissem besouros gigantes dos seus ouvidos.
- Não acredito que você bebeu isso. Você sabe o que era? Poderia ter sido veneno. Você ficou na casa do Snape?
Draco deixou o canivete na mesa-de-cabeceira e deu de ombros.
- A diferença entre nós, Potter - bem, uma das muitas diferenças entre nós - é que Snape gosta de mim. Ele não me enviaria veneno. E sim, ele me deixou ficar com ele. Mais ou menos. Eu meio que saí sem dizer pra onde eu estava indo.
- Estou chocado! Isso é tão não do seu feitio, Malfoy.
- Pare de tentar fazer-me sentir culpado. Sirius já foi o suficiente. Olhe, eu ainda acho que fiz a coisa certa.
- A coisa certa? Malfoy, você morreu. Eu acho que as palavras "eu te disse" são um pouco redundantes nessa situação.
- Ah, muito engraçado.
- Eu só pensei que fôssemos--
- O quê? Amigos? Nós não somos amigos.
- Eu ia dizer "parceiros", mas bem, seja como quiser.
Draco piscou para Harry. Era a sua imaginação, ou Harry parecia levemente magoado? E daí?, ele pensou para si, e então, mais contrito, bem...
- Nós não podemos ser parceiros. - ele lembrou, levemente menos mal-humorado - No minuto que eu vi você ontem, eu o apunhalei. Eu acho que isso acaba com qualquer relação do tipo Batman e Robin.
- Olhe, Malfoy, meu argumento não era que você deveria ficar mais um tempo e ceder aos ímpetos assassinos que tem em relação a mim. Meu argumento era que você deveria ter nos contado sobre esse seu pequeno plano. Você acha que Sirius o impediria de pedir ajuda ao Snape? Ele teria escrito por você, mexendo uns pauzinhos no Ministério; Lupin poderia ter-lhe dado feitiços encorajadores...
- Ou eles poderiam ter me algemado nas masmorras com os instrumentos de tortura.
Como o meu pai faria.
- Você não sabe em quem confiar, não é?
- Eu não confio em mim mesmo. - disse Draco abruptamente - Esse é o problema.
- Bem, eu confio em você. - disse Harry, fez uma careta, e parecia que queria adicionar "então pronto", mas estava se controlando.
- E essa é uma coisa estúpida a se fazer. - disse Draco, sem emoção.
- Não sou eu quem faz coisas estúpidas. Esse é o seu departamento.
Draco cruzou os braços e encarou Harry.
- Eu não faço coisas estúpidas.
- Oh, eu não sei. Primeiro você insiste em manter um objeto que, você sabe perfeitamente bem, é um Talismã do Mais Puro Mal. Aí, você não conta a ninguém que a espada está te dando pesadelos e mandando-o matar seus amigos. E então, você dispensa o Lupin quando ele está tentando te ajudar, responde ao Sirius, e vai embora no meio da noite com sua espada demoníaca e tenta servir de comida para um grupo de dragões enormes e raivosos. O que você estava planejando fazer para conseguir um "bis"? Ficar no topo de uma colina durante uma tempestade de raios vestindo uma armadura toda molhada e gritando "Todos os deuses são bundões!" no topo de seus pulmões?
Draco caiu na gargalhada e a tensão de raiva entre os dois, que havia decrescido bastante, sumiu.
Harry sorriu de contra-vontade.
- Isso foi, de fato, muito engraçado, Potter. E eu que pensava que você tinha o senso de humor de uma bacia de tapioca molhada.
- Então você admite que pode errar.
Draco olhou para Harry.
Harry olhou de volta com olhos verdes e firmes.
- Tudo bem. - disse Draco - Às vezes, eu erro. É claro, - ele adicionou - isso acontece na mesma freqüência que o céu fica verde e a Terra gira ao contrário, mas, você sabe...
- Eu vou tomar isso como uma completa confissão de culpa, incluindo as desculpas. Agora é a sua vez de fazer algo por mim.
- Ah é? O quê?
- Me diga algo sobre Snape. - disse Harry, meio que inesperadamente. - Algo... comprometedor. Para que quando ele estiver me encarando na aula de Poções com aqueles olhinhos feiosos, eu posso pensar "certo, cara, vá em frente e encare, mas eu sei que você é realmente um jogador amador de sinuca lá no Três Vassouras, onde você faz com que todos lhe chamem de Jimbo".
Draco gaguejava com as risadas.
- Potter! Você soa igualzinho à mim!
- Nem um pouco. Vamos, Malfoy, desembucha. Você esteve na casa dele. Você tem que saber de alguma coisa. Ele tortura animaizinhos? Ele tem fotos da Professora McGonagall debaixo do travesseiro? Ele se veste como uma mulher quando ninguém está por perto?
Draco sorriu.
- Snape? Um travesti? Com aquele nariz?
- Vai lá, Malfoy! Tem que ter alguma coisa!
- Bem - Draco cedeu - Eu bem que ouvi ele cantando "Hooked On A Feeling" no chuveiro.
- Você tá brincando.
- Ele cantou até que bem. Conseguiu as notas altas e tudo o mais.
Harry franziu as sobrancelhas.
- Não é exatamente o que eu tinha em mente.
- Eu não sei se posso fazer melhor.
- Invente alguma coisa. - Harry sugeriu.
Draco encarou-o sombriamente.
- Ah, é. Você não mente. Você sempre foi assim ou isso faz parte de toda essa coisa do Draco Malfoy Novo e Melhorado?
Draco bocejou e pegou um travesseiro extra.
- Não se preocupe, Potter. - ele disse, colocando-o atrás de sua cabeça. - Eu posso não mentir, mas ainda sou um grande fã de todos os outros pecados: cólera, sexo, música alta... você pode ficar com a mentira.
- Por que você fica com os pecados divertidos?
- Porque eu sou um cara divertido?
- Se você pensa--
Harry parou por causa do toque na porta, inclinou sua cabeça para o lado, e sorriu.
- Hermione. - ele anunciou - Deve ser a vez dela de te vigiar.
Draco fitou-o curiosamente.
- Como você sabe que é ela?
Harry levemente deu de ombros.
- Você conhece a batida dela?
As orelhas de Harry ficaram rosa, e ele olhou para Draco, desafiante.
- Não me diga que você não sabe.
Antes que Draco pudesse responder, a porta abriu e Hermione entrou. Ela olhou para Harry, e então para Draco, e sorriu hesitantemente.
- Então você acordou. Como se sente?
Draco sorriu angelicalmente.
- Eu me sinto bem.
Ela está bem bonita, ele pensou agradavelmente para Harry. E aquela saia. Muito curta. Não acredito que você a deixa vestir isso.
Harry fez um som de como se estivesse engasgando. Hermione olhou-o, surpresa.
- Harry, o que foi?
Harry fez um gesto de "deixa pra lá".
- Nada. Inspirei um pouco de poeira.
Retire o que disse, Malfoy.
Hermione ainda estava sorrindo para Draco.
- Quando você acordou?
- Oh, há alguns minutos. - ele disse, com um bocejo exagerado. Olha como ela está sorrindo pra mim. Ela realmente gosta de mim. Ah, não aquele tipo de amor-sem-fim que vocês dois têm, mas daquele tipo de pura atração animal. Olhe, ela está me despindo com os olhos.
Ela não está lhe despindo com os olhos.
Hermione estava preocupada.
- Harry, você está bem? Você parece que está com dor de cabeça.
Draco parecia levemente curioso. Tem usado a velha desculpa da dor de cabeça de novo?
Harry fez outro som de engasgamento. Cale a boca, Malfoy. Ou haverá um acidente.
Que tipo de acidente?
O tipo que eu acidentalmente tiro suas vísceras com o descascador de cenouras.
- Ahem. - interferiu Hermione, parecendo impaciente. - Por que vocês dois estão sentados olhando um pra cara do outro? Eu interrompi alguma coisa?
- Como? - Harry virou-se, e piscou para ela. - Ah. Não. Está tudo bem.
Atrás dele, Draco deu uma risada. Cai fora, Potter, e nos deixe sozinhos um pouco, vai?
De jeito nenhum.
A resposta de Draco tinha um tom choroso. Mas você prometeu...
Harry virou para ele, então parou e olhou, com culpa, para Hermione, que estava encarando os dois com uma expressão irritada.
- Vocês acabaram de ser anti-sociais e estranhos? - ela disse, sua voz medida. - Porque Rony estava dizendo que precisava falar com você, Harry.
Harry levantou-se relutantemente, atravessou o quarto, parou ao lado de Hermione, e então, sem nenhum aviso, a pegou e a beijou. Não foi nem um beijo casual, esse era o tipo de beijo que derreteria metal sólido. Quando ele a soltou, Hermione desequilibrou-se e encostou-se na parede, olhando-o com olhos enormes.
- Harry?
Ele retornou o olhar inocentemente.
- Sim?
Hermione tomou seu braço e o puxou para mais perto, falando suavemente em seu ouvido.
- Você não, er, tem um problema com Draco e eu conversando sozinhos, tem?
Harry olhou de relance para Draco, que havia pegado o copo d'água da mesa-de-cabeceira e estava examinando-o com um grande interesse.
- Oh - disse Harry - Não. Tudo bem. Vocês dois tenham uma boa… conversa.
Hermione o beijou na bochecha.
- Amo você.
Ela a beijou de volta, no seu estado distraído errado a bochecha e beijando o nariz dela.
- E eu amo você. Te vejo depois. - ele adicionou, virando e acenando para Draco. Toque-a só uma vez, Malfoy, e eles estarão recolhendo pedacinhos de Malfoy do carpete por anos.
- Até mais tarde, Potter. - Draco retornou o gesto. E se você não nos achar quando voltar, nós estaremos no banheiro brincando de estudante safadinha e diretor pervertido.
Harry colocou sua cabeça entre a porta enquanto a fechava. Me lembre porquê nós salvamos sua vida?
Porque vocês são os bonzinhos.
Veremos sobre isso.
***
Quem quer que tenha dado o nome de "Rua da Saudade" era um cretino, Sirius pensou, olhando ao seu redor. "Rua da Saudade" conjurava a imagem de uma pequena estrada de interior rodeada de flores, céu azul, pássaros cantando. Talvez fosse assim se você tivesse sorte. No seu caso, no entanto, a imagem era de uma estrada escura seguida por espinhos cruéis, pavimentada com pedras pontiagudas, rodeada pelas tumbas de seus amigos.
Sirius virou-se lentamente. Estava frio no cofre #711 de Gringotes e a sua respiração saía como fumaça. Fazia anos que ele não ia lá; geralmente seus extratos e depósitos era feitos por correio coruja, e não havia necessidade para uma visita pessoal. E nenhum desejo de sua parte de ver os detritos de sua vida anterior.
Em um canto estava a sua motocicleta, brilhando e perfeita graças aos feitiços anti-ferrugem. Havia baús que guardavam suas roupas velhas, seus livros do colégio, álbuns de fotos, seu Certificado de Auror. Havia muito ouro, a indenização que o Ministério havia sido forçado a pagar quando o seu nome havia sido limpado. Mil Galeões para cada ano que ele havia passado na prisão. Era muito dinheiro. Sirius havia tocado em muito pouco dele.
Ele foi até um canto do cofre e se ajoelhou no meio de vários livros e papéis. Demorou algum tempo, mexendo nos papéis, até achar o que estava procurando.
Um livro. Muito largo, capa de couro, uma espinha de prata. Interpretações Dialéticas da Arte e Ciência da Aritmancia, por K. Fraser.
Sirius fechou seus olhos, e ouviu a voz de Tiago, viva e divertida, dizendo que esse era o título mais entediante que ele tinha conseguido inventar.
Ele abriu os olhos, suspirou, e pressionou com força o F em 'Fraser'.
-pop-
A capa do livro abriu, expondo um espaço entalhado dentro. Havia, anteriormente servido como esconderijo para o Mapa do Maroto, antes da confiscação. Agora, escondia outra coisa.
Os olhos de Sirius arregalaram-se.
- Tiago, - ele sussurrou, sua respiração saindo de sua boca em pequenas nuvens brancas. - O que diabos você espera que ele faça com isso?
***
No momento que Harry saiu, fechando a porta atrás de si, um silêncio constrangedor passou-se entre Draco e Hermione. Hermione olhou para o chão. Draco olhou para a janela.
Finalmente, Draco suspirou.
- Olá. - ele disse.
Hermione limpou a garganta.
- E olá pra você também. - ela respondeu, e hesitou.
Ele estava meio-sentado na cama, as cobertas caindo, e apesar de ele estar vestindo pijamas enormes e ridículos, e apesar de seu cabelo estar em pé para todos os lados como se fosse uma versão platinada do de Harry, (inevitavelmente, Hermione teve uma visão repentina de Harry com cabelos loiros, e quase gritou), ainda havia uma certa dignidade emanando dele.
- Você pode chegar mais perto, sabe. - ele disse - Eu me afoguei, não é contagioso.
Ela tentou sorrir para ele.
- Eu não sabia se você queria que eu me aproximasse. - ela disse, e andou até à cadeira anteriormente ocupada por Harry.
Draco balançou a cabeça.
- Eu não estou com raiva de você, se é isso que você quer dizer.
- Pensei que estivesse,- ela começou, e hesitou. Quase inconscientemente, ela procurou e tocou o Licanto prateado, o qual ela havia colocado em uma corrente em volta do pescoço. - porque eu fui completamente horrível com você e eu sinto muito. Eu não sei o que dizer, exceto que eu não era exatamente eu. Eu nunca o teria tratado daquele jeito se estivesse normal. Eu nunca teria pedido para você mentir.
- Bem, eu consegui contornar a situação ao não falar muito. - disse Draco, com um sorriso torto.
- Conhecendo você, isso deve ter sido tão ruim quanto.- Hermione sorriu para ele.
- Está tudo bem. Eu entendo porque você fez isso. - respondeu Draco brevemente, e seu sorriso desapareceu. - De qualquer forma, já acabou.
Hermione sentiu um pouco de inquietação em seu tom.
- Bem, - ela disse, o mais alegre que podia - pelo menos agora nós podemos ser amigos.
- Não - Draco respondeu, não olhando para ela. - Nós não vamos ser amigos, Hermione.
Ela largou o Licanto em surpresa.
- O quê? Por que não?
- Porque eu estou dizendo.
- Isso não é resposta.
Draco suspirou.
- Porque alguém me disse uma vez que existe um equilíbrio natural para todas as coisas. E isso. - ele indicou o espaço entre eles - você e eu, o que quer que somos, atrapalha esse equilíbrio.
- O quê? Não! Isso não faz sentido, Draco. Você sabe que não.
- Faz sentido para mim.
Ela mordeu o lábio.
- Eu amo você. - ela disse, em uma voz que oscilava. - Eu lhe disse isso antes. Talvez não da maneira que eu amo o Harry, mas eu realmente amo você. Você sabe como eu fiquei quando pensei que você tinha morrido? Você sabe como eu me senti?
- Pare. - Draco havia jogado as cobertas e agora estava sentado na beira da cama, olhando para ela. - Você não vê que é isso que eu quero dizer?
Eles alcançaram a mão do outro ao mesmo tempo; suas mãos se encontraram, e ela apertou a dele, tentando não reclamar do quão frias estavam.
- Há algo ligando a gente - Draco disse - como eu estou ligado à espada, como meu pai estava ligado à Marca Negra marcada em seu braço. Você se lembra do que Slytherin disse quando viu nós dois? Ele estava feliz. Ele estava grato. Porque ele sentiu que essa ligação, esses laços, o que quer que tenhamos, estava funcionando.
- O que há de errado em ter uma ligação? Não precisa ser necessariamente má.
Draco hesitou.
- Toda noite eu tenho--
- Pesadelos. Eu sei--
- Sim, pesadelos. Sobre você. Bem, sobre outras coisas também, mas você está sempre nele. E eu sei que eles não são necessariamente meus sonhos, eu sei que talvez eles estejam sendo... mandados pra mim de algum lugar, mas ainda assim. Acontece toda noite, Hermione, toda noite e eu temo... Eu não quero machucar o Harry. E eu não quero dizer numa maneira emocional boba. Quero dizer que tenho medo de realmente machucá-lo. Nos sonhos...
Havia um barulho nos ouvidos de Hermione. Ela o encarou, fitou seus olhos cinzas, o carvão da borda, misturando-se com a prata das pupilas.
- O que eu estou fazendo?
- Como?
- Nos sonhos. O que estou fazendo?
Draco a olhou com óbvia relutância.
- Algumas vezes estamos casados. Ou, pelo menos, nós moramos juntos e é tudo muito comum e agradável. Outras vezes eu estou... machucando você, nós estamos lutando, e isso não é agradável. Uma vez nós estávamos caçando no bosque juntos. Duas noites atrás eu sonhei que estava doente e que você veio me ver...
- E eu lhe disse ninguém havia me mandado. - disse Hermione, lentamente, sua voz diminuindo com uma cadência morna - e você disse que havia deixado uma cobra lhe morder de propósito.
Draco havia ficado muito pálido.
- E eu disse que a amava.
- E eu disse que você me sacrificaria com o resto.
Draco balançou sua cabeça.
- Você não. Nunca.
Houve um momento de total silêncio. Draco olhava-a com uma expressão digna de alguém que observava o céu à procura de estrelas cadentes - surpreso, distraído, esperançoso. Finalmente, ele disse:
- Como...?
Ela pegou sua outra mão, cobrindo ambas as dele com as suas, esperando que talvez o fizesse ficar menos frio.
- Isso foi o que eu sonhei ontem à noite. - ela disse - Pensei que era só porque eu havia lido sobre as vidas dos Fundadores de Hogwarts, e Salazar Slytherin foi mordido por uma cobra, uma vez, e quase morreu. Mas parecia tão real... - ela se inclinou para frente, olhando-o intensamente. O sangue estava começando a voltar ao seu rosto; havia manchas de cores na bochechas, fazendo-o parecer febril. - Draco, você tem que contar tudo. Tudo que tem acontecido com você. Eu posso ajudar a solucionar isso, eu prometo que posso. Você acredita em mim?
Ele hesitou.
- Tudo?
- Tudo. Os sonhos, tudinho.
- Até o que eu tive com o Time Feminino Brasileiro de Quadribol?
- Tá bom, esse aí não.
***
- Ei, Rony. Você viu o Harry?
Rony, que estava olhando impacientemente pela janela, olhou para sua irmã, que havia acabado de entrar na sala de estar, carregando um par de botas. Ele deu de ombros.
- Acho que ele está no jardim com Carlinhos, descarregando sua frustração na desgnomização. Por quê?
Gina deixou-se cair no chão e começou a amarrar os cadarços das botas.
- Eu queria perguntar a ele se ele podia me emprestar o canivete dele, mas esquece. Por que ele está descarregando?
Rony apontou para a escada, indicando o andar de cima.
- Draco. Hermione. Conversando. Ou o que seja. - ele disse sucintamente.
Gina parecia insatisfeita.
- E Harry deixou? Ele não devia ter deixado.
- É, e você é muito direta. Honestamente, há vidas amorosas complexas e entrelaçadas por aqui. Você não pode não deixar as pessoas fazerem coisas, Gina. Você só tem que confiar nelas.
Gina parecia pensar que esse era um pensamento muito suspeito.
- Eu não vejo motivo.
- Relações são baseadas em confiança.
- Elas não podem ser baseadas em interesse em comum e atração física incontrolável?
- Tente me irritar o quanto quiser, eu vou ignorar você. Para que as botas, à propósito?
- Eu vou lá na adega para investigar.
Rony parecia perplexo.
- Investigar o quê?
Gina deu de ombros.
- O que o papai falou. Nossa antecedência Lufa-lufa. Digo, se Hermione realmente disse que, naquela tapeçaria, Helga Hufflepuff se parecia exatamente comigo. E se ela está relacionada a Rowena... bem, faz sentido que se alguma coisa nos ligasse à Hufflepuff, estaria lá na adega. Quero dizer, há quilômetros de túneis e coisas lá embaixo que ninguém se incomodou em vasculhar por centenas de anos. Se lembra quando o Jorge achou aquele troço parecido com um arpão e papai disse que datava de uma das primeiras rebeliões dos duendes?
Rony balançou a cabeça.
- Parece um pouco clichê, mas vai bem com você.
- Por que você não vem comigo? Nós não temos o que fazer aqui mesmo.
Rony tremeu.
- Aranhas. - ele disse brevemente.
A porta abriu com força, e Harry entrou, parecendo desgrenhado. Suas mãos estavam cobertas de terra e havia lama por toda a sua camisa branca. Ele olhou de Gina para Rony.
- O que vocês estão aprontando?
- Gina decidiu ir escavar a adega. - disse Rony, dando de ombros.
- E eu quero que Rony vá comigo, mas ele não vai.
- Ele não pode. - Harry corrigiu, pegando Rony pelas costas da camisa. - Eu preciso dele para uma coisa, agora.
Gina fez uma careta.
- Faça como quiser. - ela disse, abriu a porta da adega, e desceu as escadas em passos altos.
Harry olhou para ela, e depois para Rony, uma expressão curiosa em seu rosto.
- Ela parece... diferente, ultimamente. Você não acha?
- Talvez. - cortou Rony. - Harry, você está sujando a minha roupa.
- Ah. Foi mal. Aqui, vamos lá pra cima.
***
- Eu não acredito que você está anotando o que eu digo.
- Bem, você nunca sabe o que será importante, sabe? - Hermione olhou para Draco e sorriu, colocando uma mecha de seu cabelo atrás da orelha. - Eu não posso acreditar que você falou com os Fundadores. Em pessoa. Você é, tipo, história ambulante agora.
Draco parecia triste.
- Prefiro ser 'apelo sexual' ambulante.
- História é uma matéria muito sexy.
- E é por isso que o professor Binns é o favorito das senhoras do Três Vassouras
- O professor Binns está morto, Draco.
- Eu também estava, ontem.
- Exibido. - O sorriso de Hermione tirou o veneno de suas palavras. Ela mordeu a ponta da pena e olhou para Draco de maneira pensativa. Ele estava sentando na cama, com os joelhos dobrados para cima e suas mãos os envolvendo. Hermione estava se inclinando para frente em sua cadeira, o caderno aberto em suas pernas. - Agora, você tem certeza que a Rowena lhe disse que você precisa dos Herdeiros e as suas Chaves.
- Sim. Isso significa algo para você?
- Não, ainda não. Bem, talvez. Eu não sei o que são as outras Chaves, mas eu suspeito que o Licanto é uma. Eu preciso terminar aquele livro sobre os Fundadores, e eu vou pedir pro Sirius trazer o diário de Slytherin. Em algum canto, existe uma explicação.
Frente à energia e o entusiasmo de Hermione, Draco sentiu-se repentinamente muito cansado. Ele bocejou, voltando para debaixo das cobertas.
- Você vai ficar aqui para me ver dormir, também?
- Eu fico, se você quiser. Embora eu ache que já seja a hora do turno do Rony.
- Rony? Ter salvado a minha vida não o libera do dever de vir me vigiar?
Hermione sorriu.
- Tecnicamente, sim, mas nós achamos que seria uma ótima oportunidade para vocês dois conversarem.
Draco gemeu e colocou as cobertas por cima do rosto.
- Isso é uma armadilha.
- Talvez. - disse Hermione severamente - Mas se formos todos trabalhar juntos, e eu acho que temos, então é melhor que todos se dêem bem.
- Talvez Weasley e eu estejamos perfeitamente felizes em odiarmos um ao outro.
Hermione fitou-o severamente.
- O Rony não é uma pessoa odiável. - ela disse - Ele não quer odiar você, nem a ninguém. Ele é simplesmente a pessoa mais doce que você pode conhecer.
Naquele momento, a voz de Rony no corredor tornou-se audível.
- Por que eu tenho que vigiar o hipocondríaco fingido - ele estava exigindo alto de um acompanhante desconhecido, provavelmente Harry. - Você sabe que eu odeio seu sangue puro e suas fibras miseráveis.
- Ele não é hipocondríaco. - veio outra voz... Harry parecendo divertido.
- Bem, se ele estiver mesmo doente, uma visita minha pode empurrá-lo para o fundo do abismo. Eu suponho que haja pelo que esperar.
- Vamos lá, Rony, você não quer as suas desculpas?
- Ele não vai se desculpar!
- Aposto que vai.
- Aposto que não.
Hermione rolou os olhos em exasperação.
- Nós podemos ouvir tudo o que estão dizendo! - ela gritou, no topo de sua voz.
Houve um curto silêncio. A porta se abriu e uma mão despercebida (a de Harry) empurrou Rony para dentro do quarto, e bateu a porta em seguida. Rony, com o cabelo todo bagunçado, olhou desconfiado para Draco e Hermione com a expressão alerta de um gato que tinha sido solto em um quarto cheio de rodas-de-fiar.
- O que foi? - ele disse, meio de contra-vontade.
Hermione olhou-o calmamente.
- Rony, ninguém disse nada.
- Bom. - disse Rony.
Hermione olhou para Draco.
- Você não tem nada para dizer pro Rony?
Houve um curto silêncio. Draco inspirou profundamente, e disse:
- Vem cá, Weasley.
Rony aproximou-se lentamente, até que ele estava à um passo do fim da cama de Draco.
- Weasley - disse Draco, parecendo como se cada palavra estava sendo-lhe arrancada com um anzol - Eu, er, eu sei que eu não tenho sido o cara mais fácil de lidar. E eu sei que num mundo ideal, você nunca teria me escolhido como um amigo, ou eu a você, para ser sincero. Mas, dado o que você fez por mim, e tudo o que estivemos passando ultimamente, eu só queria dizer que eu o tenho considerado como alguém... como alguém... alguém que eu conheci.
Rony encarou-o.
- Esse é o seu pedido de desculpa?
Draco teve a graça de parecer embaraçado.
- Não consigo evitar. Malfoys não se desculpam. Nos dias antigos, meus ancestrais cortariam um membro e o mandariam para alguém que eles tivessem ofendido, ou cometiam um suicídio ritual.
- Isso soa promissor.
- Não é minha culpa. - disse Draco, soando um pouco magoado - É só a minha personalidade.
- Ah, é? Se isso fosse minha personalidade, eu pediria por um transplante.
- Já CHEGA! - Hermione gritou. Ela se levantou, encarando os dois garotos como alto desgosto. - Vocês são dois idiotas - ela disse firmemente, fechou o caderno e marchou para fora do quarto.
Rony encarou Draco.
-Então, - ele disse - o Garoto Que Morreu.
Draco parecia entediado.
- Eu estava me perguntando o quanto demoraria para que alguém fizesse essa piada idiota.
Rony balançou a cabeça.
- Você é realmente um idiota.
- Que foi? Só porque você salvou a minha vida quer dizer que eu tenho que rir das suas piadas? Isso é pedir um pouco demais, dada a qualidade delas.
Rony jogou as mãos para o ar.
- Sabe, Malfoy? Eu não me importo. Eu não quero nada vindo de você - nem a sua desculpa, nem sua gratidão, nem nada. Eu não lhe salvei porque pensava que sua vida vale a pena ser salva. Você tem que saber disso.
Houve um curto silêncio. Então Draco disse:
- Isso não muda as coisas.
- Que coisas?
- Você salvou a minha vida. Existem regras no Código de Conduta da Família Malfoy sobre esse tipo de coisa. Eu lhe devo a minha vida. Isso significa que eu terei que colar em você e esperar uma chance de salvar a sua vida, ou-
- Eu já disse, eu não quero-
- Isso não importa. O protocolo deve ser observado. - Draco pôs as pernas para fora da cama, testou-as, e se levantou lentamente. Ele era menor que Percy, então teve que ter cuidado para não tropeçar com as calças do pijama. Ele estendeu a mão, pegou o canivete que Harry havia deixado na mesa-de-cabeceira, e o abriu. Ele jogou para Rony. - Weasley. Pegue.
Rony pegou a faca e fitou-o, questionador.
-Malfoy, o que…?
Em resposta, Draco começou a desabotoar a blusa do pijama.
Rony andou para trás tão rápido que ele tropeçou na ponta do tapete e caiu de costas para o chão, de onde ele olhou para Draco com olhos do tamanho de pratos.
- O que você está fazendo?
- Só um segundo. - Draco calmamente terminou de desabotoar os últimos três botões de seu pijama e tirou a gola de seu pescoço. - Levante-se. - ele disse para Rony.
E Rony, com o olhar de alguém que tinha acabado de ver a professora McGonagall tomando banho, obedeceu.
- Tudo bem, mas fique vestido, Malfoy.
Draco sorriu.
- É tudo parte do protocolo. Mas tudo bem. Se você quer. - Ele se elevou à sua altura máxima, os ombros para trás, e olhou diretamente para Rony. - Você salvou a minha vida. - ele disse - A regra n° 613 do Código de Conduta da Família Malfoy diz claramente que agora eu lhe devo um débito em sangue. Isso significa que você pode atirar aquela faca uma vez em mim.
Rony agora parecia ter visto a professora McGonagall tomando banho com Snape.
- Ah, é? Bem, a regra n° 1 do Código de Conduta da Família Weasley também diz claramente 'Sem essa, seu lunático psicótico'.
- Vamos lá. Só uma vez. Meus ancestrais faziam esse tipo de coisa toda hora. Só jogue a faca em mim. Você sabe, só pra ver se entra. Você não precisa mirar nas partes vitais, nem nada. Então todos os débitos entre nós dois estarão quites e eu nunca mais vou perturbar você.
Rony parecia levemente verde.
- Que tal se eu mirar em você com a minha varinha e não com essa faca.
Draco balançou a cabeça.
- Tem que ter sangue.
Rony o encarou. Então o sorriso mais imperceptível surgiu no canto esquerdo de sua boca.
- Eu tenho que jogá-la? Eu não poderia só andar até você e enfiar ela na sua garganta se eu quisesse?
Draco nem piscou.
- Se você quiser. Mas você não entenderá a cortesia do gesto se você o fizer.
- Você é louco. - disse Rony, sem tom - Você sabe disso.
- Eu sou um Malfoy.
Rony olhou para a faca, suspirou, e encaixou o punho em sua mão.
- Bem, - ele disse - se é tradição...
Draco sentiu um leve calafrio de ansiedade. Rony parecia estar segurando a faca com uma certa... intenção. Certamente ele não poderia ter julgado Weasley errado tanto assim.
Parecendo resignado, Rony girou o canivete, pegou-o pela ponta, e o mirou em Draco.
O estômago de Draco deu uma virada lenta. É claro que não...
Rony jogou a faca.
Ela passou pela cabeça de Draco, errando por vários metros, e atingiu a parede atrás dele com a ponta afiada (bem no centro na coleção das velhas medalhas de monitor de Percy, por sinal.)
Draco olhou para Rony.
Rony olhou de volta.
- Parece que eu errei. - Rony disse.
- Bem, - disse Draco, gentilmente - foi uma bela tentativa.
- Hmm... - disse Rony, pensativo, e coçou sua orelha. - Eu poderia tentar outra vez..?
- Não.
- Só por uma--
- Não.
- Eu salvei a sua vida. - lembrou Rony, pelo que Draco suspeitava não iria ser a última vez.
- E então você jogou uma faca em mim! O que há com você, Weasley?
Mas Rony parecia mal tê-lo ouvido.
- Malfoy?
- O quê?
- Existe mesmo uma Regra n° 613 no Código e Conduta da Família Malfoy que diz que eu tenho uma chance de acertar aquela faca em você, ou aquilo foi realmente só pro meu benefício?
Draco olhou-o de volta. E sorriu.
- Pensando nisso, - ele disse - a regra n° 613 na verdade diz que os membros da família Malfoy que têm membros artificiais não deveriam tentar relações sexuais no fosso. Oops.
Rony sacodiu a cabeça.
- Eu sabia.
Draco, ocupando-se em reabotoar seu pijama, ficou surpreso quando olhou para cima e viu Rony fitando-o curiosamente. Rony pausou, inspirou, e disse:
- Ei, Malfoy.
- Quê?
- Você joga xadrez?
- Não.
- Quer aprender?
***
- Eu não tenho certeza se posso ajudá-lo, Sr. Black. - o Dr. Branford olhou para a cela escura, e de volta para Sirius. - Ou o seu cão. - ele adicionou, nervoso.
- Ele não é um cachorro.
- Não, eu suponho que ele seja mais um lobo, não é? Um lobo muito grande e malvado.
- Ele está inconsciente.
- Não é maravilhoso...? Olhe, eu não estou certo se entendo o motivo de você ter me chamado aqui.
- Meu amigo John Walton, do São Mungos, me disse que você era o melhor para tratar de doenças de Artes das Trevas.
- Sim - concordou o médico - Eu sou o melhor para tratar doenças das Artes das Trevas. Em pessoas. Não em animais.
Sirius cerrou os dentes.
- Ele não é um animal. Ele é um lobisomem.
- Ele não pode ser um lobisomem. - disse o Dr. Branford, com admirável dignidade considerando que Sirius estava encarando-o com uma ferocidade reprimida. - Está de dia.
- Eu sei disso. É por isso que eu o chamei. Ele deveria ter mudado de volta, mas não o fez.
- Eu não sou um veterinário, Sr. Black. Eu sou um medibruxo. Um Auror não poderia-
- Sobre Aurores, eu sou um Auror, e eu posso lhe dizer que a Escola de Aurores não poderá ajudar com isso. Tudo o que eles poderão fazer é levá-lo a um de seus laboratórios para estudá-lo.
- Só porque ele é um lobisomem?
- Porque estamos no meio do dia e ele ainda é um lobo. Porque ele está sofrendo de algo que eu nunca vi antes.
- Eu lhe disse, - disse a voz aguda do demônio da outra cela - ele está sendo Chamado. Quando ele acordar, você vai ouvir berros e urros que nunca ouviu antes. Ele irá destruir as barras tentando sair daqui, tentando chegar ao seu Mestre.
Sirius olhou seu rostinho alegre com ódio e desprezo, notando com satisfação que a sua cabeça parecia achatada onde Harry o havia atingindo com o armário.
- Eu lhe disse para se calar, demônio. - ele começou, e parou, vendo pela expressão do Dr. Branford que o médico havia formado a opinião de que Sirius não era nem um pouco estável. O fato de que ele tinha um demônio e um lobisomem trancados em sua masmorra contribuiu indubitavelmente, junto com o fato de que Sirius, que não tinha tido tempo para fazer a barba nem pentear os cabelos nos últimos dois dias, estava começando a parecer muito com o sua foto dos pôsteres de "Procurado" pós-Azkaban .
Sirius virou-se para ele com um suspiro.
- Olhe... ele não é um animal. Se ele fosse, eu teria chamado um veterinário. Você poderia... só dar uma olhada nele?
O médico suspirou. Então, com uma careta ansiosa, ele se ajoelhou no chão molhado da masmorra e passou sua varinha pelas barras, tocando a ponta no pêlo do lobisomem. Quando ele recolheu a varinha, ela estava emitindo um raio instável de luz violeta.
- Bem, parece que é verdade que ele é humano. - disse o doutor, se levantando e virando a varinha em sua mão, examinando o raio de luz. - E ele foi atingindo com um feitiço Atordoante muito poderoso. Força de Magid, eu diria. Se você não acordá-lo, ele ficará desmaiado por pelo menos um dia.
- Ele está em algum perigo? Está morrendo?
- Só inconsciente. Eu não posso dizer com certeza por quanto tempo essa inconsciência vai demorar, mas eu lhe darei alguns encantos para dor caso ele acorde. Mais do que isso, eu realmente não posso fazer.
- Obrigado, doutor. - disse Sirius, aceitando os pacotes de encantos que o Dr. Branford estava tirando de sua maletinha preta, e guardado-os em seu bolso. - Quanto eu lhe devo?
- Nada. - disse o médico, recuando de Sirius. - Eu já vou indo, está bem?
- Eu lhe chamarei se tiver alguma mudança--
- Não, por favor, não. - disse o Dr. Branford, e saiu.
Sirius suspirou, encostando a cabeça contra as barras da jaula, ouvindo os passos do médico morrerem com a distância. Lentamente, ele tirou sua varinha da manga de suas vestes, e tocou a ponta em uma das barras.
- Alter orbis attinge. - ele disse, usando um feitiço que tinha aprendido no treinamento de Aurores, que o alertaria quando Lupin acordasse com um zumbido de sua varinha. Ele olhou para Lupin. - Velho amigo, - ele disse - em que eu lhe meti?
O lobo não respondeu, e na verdade não havia nenhum outro som na caverna, com a exceção da respiração pesada do demônio e a batida culpada do coração de Sirius.
***
- Eu não tenho certeza se olhar para essa coisa como se ela fosse ficar fora de moda lhe dará alguma resposta, Hermione. - disse Harry.
Hermione deixou de examinar o Licanto, e lançou um olhar em sua direção. Os dois estavam sentados na mesa da cozinha, Hermione rodeada de livros e anotações, o Licanto deitado em um prato em sua frente. A Rádio Bruxa chiava baixinho no fundo. O inquérito da morte de Lúcio Malfoy continua na sede do Ministério em Londres... enquanto isso, em mais notícias rurais, um lobisomem foi avistado por bruxos no sul...
- Por outro lado, - Harry adicionou apressadamente - se você está se divertindo, melhor pra você.
Carlinhos olhou-os curiosamente do seu lugar no fogão. Ele tinha um avental amarrado na cintura e estava mexendo uma panela de vegetais com uma longa colher de madeira. Rony estava atazanando-o impiedosamente sobre o seu avental, mas Hermione particularmente achava que ele havia ficado fofo. Algo nele, na verdade, estava fazendo-a se perguntar se Harry sabia cozinhar alguma coisa. Provavelmente não; Harry nunca teve muita oportunidade, pois estava sempre ocupado tentando salvar o mundo e derrotando o mal, para aprender algo como cozinhar um ovo.
- Sobre o que vocês estão falando? - Carlinhos perguntou.
- Isso. - disse Hermione, levemente desanimada, levantando o Licanto. - Eu estive tentando descobrir o que é, o que faz, mas até agora...
- Eu já vi essa forma - disse Carlinhos, enxugando as mãos numa toalhinha e andando até Hermione. - Esculpida nos lados das árvores na floresta. É antigo.
- É um Licanto. - disse Hermione - Protege viajantes de lobisomens. Só que eu acho que faz mais que isso. Quando eu o seguro...
- Eu posso dar uma olhada? - Carlinhos perguntou e estendeu a mão.
Sentindo uma pontada de relutância ao pensar em soltá-lo, Hermione entregou-o. Carlinhos virou-o curiosamente em seus dedos.
- Monitum ex quod audiri nequit. - ele murmurou, e ele soltou um brilho forte repentino, com faíscas. - Ai! - Carlinhos exclamou, e deixou-o cair nas mãos de Hermione, parecendo encabulado. - Eu acho que não funcionou.
Aliviada de tê-lo de volta, Hermione sorriu para ele.
- Tudo bem.
A porta da adega abriu e Gina saiu, parecendo suja e irritada. Hermione a encarou.
- Conseguiu alguma coisa?
Gina balançou a cabeça.
- Achei a coleção de revistas de Fred e Jorge debaixo de uma pedra de calçamento. E quando eu digo coleção, eu realmente quero dizer isso. Parecia um prédio. - ela balançou a cabeça - A adega é enorme. - ela adicionou - E tem todos os tipos de corredores apertados e cheios de curvas levando a várias direções.
Eles ouviram um barulho na madeira, que na verdade era Rony descendo as escadas. Ele entrou na cozinha, abriu a porta da geladeira, tirou uma caixa de leite e bebeu direto da abertura.
- Rony - avisou Carlinhos, abanando seu avental.
- Foi mal. - Rony abaixou a caixa, e virou para Harry, Hermione e Gina que estavam fitando-o com a mesma expressão de curiosidade aguda - Que foi?
- Ele se desculpou? - Harry exigiu.
- Não em muitas palavras. Ele fez um discurso, eu joguei uma faca nele, e comecei a ensinar xadrez pra ele, só que ele dormiu no meio da segunda partida e derrubou todos os peões.
Todos piscaram para ele.
- Vocês está brincando sobre a faca, é claro. - Harry disse, finalmente.
- Talvez. - disse Rony, com um meio-sorriso. Ele enfiou a mão em seu bolso e retirou o canivete, e o jogou para Harry, que o pegou no ar e o fitou com uma expressão perplexa.
- Então, Draco não é mais tão idiota como era, é? - perguntou Hermione triunfantemente.
Rony rolou os olhos.
- Não. Ele ainda é um idiota detestável. Agora, ele é um idiota detestável que me deve trinta galeões.
- Você jogou com ele por dinheiro?
Rony não estava escutando.
- Se você dorme na metade do jogo, isso é uma penalidade?
Carlinhos olhou para cima.
- Ele está dormindo? Alguém não deveria estar com ele?
- Eu não - disse Rony firmemente - vou sentar lá e ver o Malfoy dormir. De qualquer forma, ele acordou por um segundo e disse 'sai daqui, Weasley, seu imbecil'. Eu não acho que ele me queira observando-o também.
Gina olhou para cima.
- Eu vou lá e dar uma olhada nele. Além do mais, ele não comeu nada desde ontem; eu vou ver se ele quer almoçar.
Ela sumiu, tirando a poeira da adega de seus jeans no caminho.
Rony olhou para ela e sacudiu a cabeça.
***
E ele sonhou.
Ele passou por uma ponte estreita e brilhante entre a escuridão e uma escuridão mais escura ainda. Nos dois lados, o caminho caía profundamente, tão profundo que ele não conseguia ver o fundo do vasto abismo que ele atravessava, nem o final da ponte.
No centro da ponte, havia um homem. Quando ele o alcançou, Draco viu sem surpresa que o homem tinha o seu mesmo rosto, talvez um pouco mais velho, mas não mais que um pouco. Ele poderia ter sido seu irmão gêmeo: esguio, com cabelo prateado, seus olhos como jóias pálidas, contendo nem paixão nem compaixão.
Draco gemeu e cobriu seu rosto com as mãos.
- Pensei que tinha me livrado de você.
O outro sorriu para ele.
- Eu quase o perdi, é verdade. Pensei ter que segui-lo até os Lugares Cinzentos, mas você voltou.
Draco achou as palavras que ele queria dizer sem procurá-las.
- Por que tem que ser eu? - ele disse - Existem outros com seu sangue, outros como você.
- Talvez, mas não outros como você.
- Eu não tenho nada de especial.
- Essa é uma atitude de derrotado, garoto. - disse o outro, a boca alargando-se num sorriso sombrio - Não me surpreende, você ecoa a escuridão em sua própria alma.
A voz de Draco veio como um lamento:
- O que eu tenho que fazer para me livrar de você?
- Tente me destruir se quiser. Você não alcançará nada mais que a sua própria destruição.
- Eu não acredito nisso. - Draco levantou a espada em sua mão (nesse outro mundo, ela era leve como uma pena) e girou-a na direção do homem que o encarava, girou-a direto e forte, com a intenção de cortá-lo em dois.
A espada voou, conectada-
Ele ouviu o barulho de vidro quebrando. Draco pulou para trás quando os pedaços de espelho que ele estava olhando caiu sobre ele como neve.
Ele se sentou na cama com um pulo, ouvindo seus ofegos pesados como se eles viessem de outro lugar. Havia uma dor enorme em seu peito e ele pressionou seu punho contra ele, sentindo-a dissipar-se lentamente. Seu pijama estava molhado em suor, grudando em sua pele desconfortavelmente. Ele pôs as pernas para fora da cama, tirando a camisa do pijama, e seus olhos notaram um raio de luz do outro lado do quarto--
A espada, inclinada na parede, como Harry havia deixado-a. A luz refletida na lâmina tinha um tom avermelhado.
Draco fechou os olhos. Aquele sentimento estava de volta, aquela sensação de ter dormido sem ter descansado, acordando mais cansado do que estivera antes de se deitar. Ele se perguntou se deveria ligar para Snape e pedir por mais Poção Despertadora para vir junto com a Poção de Força de Vontade, mas no momento ele não tinha a energia. Ele se sentiu mergulhado em desespero, e mais que isso, em raiva crescente.
E ele ainda estava exausto.
Ele se deitou novamente na cama, puxou as cobertas para cima de sua cabeça e caiu de novo em pesadelos.
***
Gina fechou a porta do quarto de Percy quietamente atrás dela e piscou para ajustar seus olhos. Era quase pôr-do-sol agora, e o quarto estava escuro, iluminado somente por uma lâmpada de cabeceira com franjas. Ela conseguia ver a forma dos móveis, a cama, e a silhueta aconchegada da forma adormecida de Draco debaixo das cobertas.
Silenciosamente, ela andou até a cama.
- Draco - ela disse suavemente - Ei. Acorda.
Draco não respondeu. Ela inclinou a cabeça, observando-o, sua visão agora ajustada à meia-luz. Ele estava dormindo de lado, sem camisa, lençóis desarrumados em sua cintura. Sua mão servia de travesseiro para a cabeça, o outro braço debaixo das cobertas. Ela podia ver onde o levíssimo bronzeado de verão acabava na base de sua garganta, a fina linha da cicatriz debaixo do olho onde os pedaços do tinteiro de Harry o tinham cortado. A maioria das pessoas parecia diferentes quando estavam dormindo, ela pensou, mais jovens, mais gentis, indefesas, mas Draco só parecia o que sempre parecia: contido e precavido.
Ela estendeu a mão e a pôs em seu ombro, pretendendo sacudi-lo até acordar. A reação dele foi imediata. Sua mão apareceu tão rápido que ela nem teve tempo de reagir; ele pegou seu braço, puxou para a cama e rolou para cima dela, seu braço na sua garganta, sua outra mão para trás como se ele fosse esmurrá-la.
- O que você pensa que está fazendo? - ele sibilou, encarando-a.
- Ai! - Gina gritou indignantemente. - Ai! Seu idiota, tire o cotovelo da minha garganta!
Draco congelou, e abaixou seu braço, piscando. Era o mais surpreso que ela já o havia visto.
- Oh.. pensei que era outra pessoa.
- Quem? Voldemort? Sai de mim, seu louco! - Gina disse duramente, começou a se movimentar para sair debaixo dele, percebeu algo, e parou. - Eu, uh...
- Quê?
Gina se encontrou gaguejando.
- Eu, uh, só vim aqui pra saber se você queria comida. É quase hora do chá, sabe. Carlinhos fez comida. É muito boa. E, uh, nós pensamos que você queria algo pra comer. Eu já disse isso? Eu, uh, eu poderia trazer um pouco, ou você poderia descer se você estiver disposto.
Draco parou por um momento, e um leve sorriso surgiu em seu rosto.
- Eu estou disposto. - ele disse, insosso.
- Certo. Bem, então, você devia sair de cima de mim para que eu possa me levantar.
Draco hesitou por um segundo, sorriu, e rolou de cima dela. Gina se levantou, meio que desnecessariamente desamassando sua blusa, e, sem olhar para ele, disse:
- Eu devo ir dizer a eles que você vai descer daqui a alguns minutos?
- Claro. Faça isso.
- Tudo bem. E sobre o negócio da nudez...
- Eu vou vestir algo antes de ir lá pra baixo.
- Seria uma boa idéia.
Houve uma curta pausa. Ele a fitou de maneira questionadora.
- Então tá - ela disse - Eu já vou... indo.
- Até mais - disse Draco alegremente, e Gina correu para a porta, apressou-se para o corredor e bateu a porta atrás de si. Ele está rindo de mim, ela explodiu por dentro. Ele é quem está sem roupas e eu que recebo as risadas. Não é justo. Ela chutou o corrimão quando chegou nas escadas e foi recompensada com a leve tremedeira da madeira sob seus pés. Tome isso, Draco Malfoy, ela pensou, sua... criatura... antipática, maliciosa e pelada!
Ela estava na metade do caminho quando ouviu a porta da frente abrir com um barulho.
***
O pôr-do-sol veio em cores de rosa e safira e tornou o céu acima da Toca um mosaico de cores. Sirius, no entanto, não estava no humor de admirar o céu. Ele tinha arranjado de encontrar Narcisa a alguma distância da casa dos Weasleys para que pudessem conversar em particular por alguns minutos. Quando ele aparatou no meio do arvoredo escuro, Narcisa já estava lá. Ela andou até ele, seu cabelo muito prata na meia-luz, o pôr-do-sol pegando nas dobras de suas vestes vermelho-escuro. Ela inclinou a cabeça para cima; ele a beijou, e disse:
- Tudo bem?
- Não. O inquérito está horrível. Eles não fazem a menor idéia do que fazer com a morte de Lúcio, e todos os seus antigos papéis tiveram que ser retirados e revistados- - ela parou - Esqueça... como está Remo? Você conseguiu que o médico fosse vê-lo?
- Sim - disse Sirius, quando eles começaram a andar pelo caminho para a Toca. - Mas ele não pôde fazer nada. Ele também me olhou como se eu tivesse perdido a cabeça. O que foi um pouco desencorajador.
- Sirius, eu acho que é melhor levarmos Draco para a Mansão. Você não pode ficar indo de um lugar a outro; assim você vai enlouquecer.
- Eu sei, você tem razão. Sabe, eu tive outra idéia. Eu não queria ir para a Escola de Aurores, mas o que você acha de Olho-Tonto Moody? Ele é um pouco iconoclasta, e ele sabe mais sobre História da Magia Negra que ninguém. Eu tenho certeza que ele não se sentiria obrigado a falar para o Ministério sobre Remo.
- Hmm.. Talvez. Você sabe quem também poderia ajudar?
- Quem?
- Severo Snape.
- Não.
- Sirius, não seja teimoso.
- Eu não estou sendo teimoso. Eu só disse que não, só isso. Porque eu odeio aquele rato idiota e eu não vou pedir nada para ele.
Eles já podiam avistar a Toca agora. Narcisa soltou um suspirou exasperado.
- Ele sabe muito sobre ser Chamado--
- Essa é a segunda vez que você sugere Snape; eu estou começando a pensar que você sabe mais sobre ele do que deixa transparecer.
- Bem, teve aquele fim-de-semana inesquecível que passamos juntos em Bora-Bora.
- Eu acabei de ir para um lugar muito ruim e louco e é inteiramente culpa sua.
- Sirius, não seja estúpido. Eu o conheço, porque ele e Lúcio eram praticamente inseparáveis por anos antes dele deixar os Comensais da Morte. Ele realmente sabe sobre--
Ela parou de falar.
Sirius virou-se para olhar para ela. Ele conseguiu um vislumbre de seu rosto, os olhos arregalados em terror fixados atrás dele, antes dela gritar.
- Narcisa?
Ela saiu de seu alcance, sem mesmo olhar para ele, e correu na direção da Toca. Sirius virou em assombro... e congelou.
Não. Não pode ser.
Ele ficou onde estava, estupefato demais para se mover, pelo menos fisicamente. Sua mente já havia ido para quinze anos antes, para outra noite como essa, uma noite que não era mais escura, mas cheia da luz de chamas laranja - a casa com o lado destruído como se tivesse sido chutado por um pé enorme, a nuvem de poeira e gesso sufocante que queimara sua garganta, ardendo em seus olhos enquanto ele engatinhava através dos blocos de entulho em direção do som de bebê chorando - e sobre toda aquela nuvem preto-esverdeada, a sua forma inconfundível, como era inconfundível agora:
Uma caveira com uma serpente saindo de sua boca, as órbitas oculares pretas cheias de estrelas.
A Marca Negra.
***
Oi, pessoal. Eu sei, não tem desculpa a demora... Mas tenho BOAS NOTÍCIAS!!!!!!!! Eu agora faço parte do grupo de traduções Heren Istarion que agora está responsável pela tradução. Até semana que vem o cap 12 estará aqui! Está em fase de betagem. O cap 13 está com mais da metade traduzido e o cap 14 está em fase de betagem também...
Se vc quiser um lugar para comentar, discutir e se divertir dá uma chegada e se cadastra no nosso fórum (sim agora tem até fórum!!!!) é http : // www. herenistarion. invisionplus. net (tudo junto sem os espaços... é que se não for assim não aparece aqui).
Também começamos a publicar no fanfiction. Ontem já coloquei os pas de 1 a 4 e até sábado terá até o 11 lá também.
E pra quem comentou estamos entrando em contato com a Cassandra para traduzir também DV, que ela terminou (até que enfim!!!!).
E pra quem quiser a Crazy montou um blogger que já tem DD e outras fics que a Cassie escreveu e logo, logo terá DS lá, é o www. cassandraclaire. blogger. com. br
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