O Último Vagão



A chuva castigava os trilhos do Expresso de Hogwarts. O burburinho distante de centenas de alunos ocupando as cabines do trem provocava uma leve e agradável sonolência.


Alexia Wilde sentia as pálpebras pesadas, embaladas pelo sono, enquanto observava os pais parados na plataforma, cada vez mais distantes, sumindo no horizonte. Era um dia anormalmente frio para setembro e a menina se encolhia no casaco fino que vestia.


Ernest, Basil e Alexia dividiam uma cabine no último vagão do Expresso. As cabines próximas estavam vazias, e os trigêmeos logo entenderam o porquê: o último vagão era o mais antigo e apresentava vários defeitos. A cabine que dividiam, por exemplo, não tinha iluminação. A lâmpada do teto piscara durante vários minutos antes de finalmente parar de funcionar, com um pequeno estalido que causou sobressalto aos três irmãos. Havia um buraco no vidro da janela, suficientemente grande para que o ar gelado do exterior entrasse na cabine, trazendo consigo a água da chuva. Não demorou até que um dos bancos ficasse ensopado, de forma que os três tiveram de se espremer no banco seco que restara.


Apesar das más condições da cabine que ocupavam, os Wilde não se sentiram propensos a procurar outra. Preferiam a solidão e eram demasiado tímidos para dividir com outros alunos.


Basil, o mais inseguro dos três, acidentalmente pisara no pé de uma garota loira quando entraram no trem, muito atrasados, carregando seus malões com pressa. Ela não parecera se importar, mas foi o suficiente para que Basil ficasse rubro como uma beterraba. Não conseguira nem mesmo se desculpar. Parecia estar ainda remoendo o incidente, pois fitava a paisagem chuvosa com um olhar acuado.


- Será que seremos selecionados com os do primeiro ano? - perguntou Ernest, rompendo o silêncio de vários minutos.


Não houve resposta. Os três permaneceram em silêncio, pensando na sua condição pouco usual, receosos do que estaria por vir.


Era o primeiro ano dos Wilde em Hogwarts, embora os trigêmeos já tivessem completado treze anos.


As cartas de Hogwarts chegaram, como previsto, no dia do seu décimo primeiro aniversário, dois anos antes. Na época fora tudo uma grande comoção. Os Wilde pais discutiram durante dias e decidiram não enviar seus filhos à escola, o que causara a revolta de outros membros da família. Alexia ainda se lembrava das palavras de seu tio-avô Hans.


- Vocês não têm o direito de privar Hogwarts da mais nova geração dos Wilde! Dumbledore há de saber! - dissera, antes de sair do flat dos Wilde batendo a porta.


E Dumbledore, de fato, soubera. Alexia nunca vira o Professor pessoalmente, mas sabia que ele fora mais de uma vez até o apartamento da família em Camden Town tarde da noite e que discutira horas a fio com seus pais. Nessas ocasiões, Alexia costumava forçar os ouvidos para tentar escutar uma palavrinha que fosse, deitada em seu quarto escuro. O máximo que conseguia ouvir era o tilintar de copos de vidro a tosse ocasional de seu pai, fumante ávido. 


Alexia, Basil e Ernest não precisavam escutar para saber do que se tratavam as conversas. Sabiam que o Diretor tentava incessantemente convencer os Wilde a enviar seus filhos para Hogwarts. Dumbledore parecia pensar que a educação era um direito de todo jovem bruxo.


Os trigêmeos nunca compreenderam a recusa insistente dos pais, que os educaram como puderam em casa. Já haviam deixado de pensar na escola quando, numa noite, os pais os chamaram na sala.


Diante deles estava uma mulher alta e magra de rosto severo que, no entanto, parecia esboçar um sorriso.


- Basil, Ernest, Alexia - disse-lhes o pai, sem se levantar de sua cadeira à mesa, entre uma baforada e outra do cigarro - essa é a Professora McGonagall.


Em poucas palavras, a professora lhes explicara que os pais finalmente concordaram em enviá-los a Hogwarts. Não era lá muito amigável, mas parecia genuinamente contente com o consentimento dos Wilde. Explicou-lhes os procedimentos e partiu sem delongas, fazendo um ruído alto ao desaparatar.


Estavam, então, a caminho de Hogwarts.


Alexia sentiu borboletas no estômago ao pensar que chegariam logo a Hogwarts. Os trigêmios haviam crescido em Camden Town, um bairro completamente trouxa. Não tinham parentes da sua idade, de forma que mal tinham convivido com outras crianças durante a infância. Suas únicas companhias eram eles mesmos e seus pais, e fora assim desde que nasceram.


Alexia despertou de seu devaneio ao enxergar ao longe o imponente castelo de Hogwarts. A imensa figura escura contra o céu noturno deixou-a ansiosa. Notou nos irmãos o mesmo desconforto.


O castelo ia se aproximando, suas janelas iluminadas ganhando forma. Os Wilde não puderam deixar de pensar se, afinal, não teriam preferido ficar em casa.

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