CAPÍTULO DEZESSETE



CAPÍTULO DEZESSETE


 


Gina se levantou da cadeira de um salto. Não havia espaço para caminhar de um lado para outro, nem para descarregar os resíduos indesejáveis da memória.


- Estou plenamente ciente - começou Gina, com a voz fria - de que você possui o que é chamado pela ciência de Percepção Extra-Sensorial. A PES ainda está sendo estudada. Tenho relatórios a respeito disso sobre a minha mesa, neste exato momento. Portanto, reconheço que você possui um talento especial, Isis. Meus parabéns! Agora, tenha a bondade de permanecer fora da minha mente!


- É claro... - Uma sensação de pena surgiu em seus olhos sob a forma de lágrimas e ela não conseguiu segurá-las. Vira mais do que esperava ou pretendia. - Tudo o que posso fazer é me desculpar mais uma vez. Uma parte de mim desejava magoá-la, e eu não consegui controlar isso.


- Deve ser algo difícil de controlar, quando a pessoa está com raiva. Quando se sente ameaçada. Quando descobre uma fraqueza e sabe que pode explorá-la.


Isis respirou uma vez, profundamente. Seu organismo ainda estava abalado, em desequilíbrio, não apenas pelo que vira, mas pelo que fizera.


- Eu não sou assim. - repetiu. - Isso vai contra os fundamentos da minha fé. Não devo causar mal algum a ninguém. - Levantou as mãos, passando as pontas dos dedos sob os olhos, a fim de secá-los. - Vou responder a todas as suas perguntas. Você quer saber a respeito de Lobar.


- Alguém a viu discutindo com ele na loja, um dia antes de Alice morrer.


- Discutindo?... - Ela conseguiu se recompor e usou a dignidade como um manto em volta de si. - Sim, ele esteve aqui, e trocamos algumas palavras.


- A respeito de...?


- Alice, especificamente. Ele era um rapaz muito mal orientado, e imaginava ter uma importância que não possuía realmente. Ele se auto-valorizava e se julgava poderoso. Não era...


- Alice não estava aqui nesse dia, não estava trabalhando na loja?


- Não. Eu tinha a esperança de que ela estivesse passando algum tempo com a família, juntando-se aos entes queridos depois da morte do avô. Este foi o principal motivo de eu a ter incentivado a se mudar daqui e ir para um lugar só dela. Cheguei a lhe pedir para que não viesse na loja por alguns dias. Lobar esperava encontrá-la aqui. Não acredito que tenha sido enviado, acho que veio por conta própria... talvez para provar algo a si mesmo.


- E vocês brigaram.


- Sim. Ele me disse que eu não conseguiria escondê-la e que Alice jamais escaparia. Afirmou que ela quebrara as regras, as leis que Selina Cross e seus seguidores respeitavam. Disse também que a punição dela seria a tortura, a dor e a morte.


- Ele a ameaçou de morte e você não me contou nada! Estive aqui antes e lhe perguntei sobre isso.


- Não, eu não lhe contei nada. Considerei aquela explosão apenas como um choque de personalidades, um teste... a força dele contra a minha. Ele era apenas um joguete, e não era necessário percepção extra-sensorial para perceber isso. Tudo o que desejava era me aborrecer, para provar sua superioridade. Sua forma de fazer isso foi me descrever, com detalhes, o que fizera com Alice, sexualmente. - Tornou a respirar fundo. - Disse-me também que eu havia sido prometida a ele. Afirmou que quando eu fosse subjugada e tivesse meus poderes destruídos, ele seria o primeiro a colocar as mãos em mim. Descreveu o que pretendia fazer comigo e o quanto eu apreciaria. Chegou a me convidar a experimentar alguns de seus talentos sexuais ali mesmo, naquele momento, para que eu pudesse descobrir como ele era muito mais viril do que Chas. Eu ri na cara dele.


- Ele a atacou?


- Empurrou-me. Estava muito zangado. Eu deliberadamente o levara àquele ponto de fúria, e então usei um encanto, um antigo feitiço. - explicou ela, balançando a mão de forma casual. - Utilizei o que você poderia chamar de espelho, ou feitiço-bumerangue, de forma que tudo o que ele estava enviando para mim: toda a escuridão, o ódio e a violência, voltasse para ele e, ao refletir, se ampliasse. - Sorriu de leve. - Ele saiu bem depressa, e parecia muito assustado. Não voltou mais.


- E você, ficou assustada?


- Em nível físico, sim.


- E mandou chamar o Sr. Charles...


- Ele é meu companheiro. - afirmou Isis, elevando o queixo. - Não guardo segredos e dependo dele.


- Ele deve ter ficado muito zangado.


- Não... - Com os olhos firmes, balançou a cabeça. - Preocupado ele realmente ficou. Marcou um círculo, executou um ritual de proteção e purificação. Ficamos satisfeitos. Eu devia ter visto... - continuou ela, com um ar de arrependimento tomando-lhe a voz -... devia ter imaginado que Alice era o objetivo deles. O orgulho me fez acreditar que eles se virariam contra mim e que não ousariam tocar nela enquanto a menina estivesse sob a minha proteção. Talvez não tenha sido tão honesta com você como deveria ter sido, Weasley. Se meu orgulho não tivesse me cegado, sei que talvez Alice ainda estivesse viva.


 


A culpa estava estampada ali, decidiu Gina enquanto seguia de carro para pegar Hermione. E a culpa podia levar à represália. Frank e Alice haviam sido mortos por métodos diferentes dos utilizados para eliminar Lobar e Wineburg. As mortes tinham ligação umas com as outras, disso ela estava certa, mas essa conexão não significava que os crimes haviam sido todos cometidos pelas mesmas mãos.


Ela queria ir até a Central de Polícia, a fim de rodar o programa de avaliação de probabilidades. Havia dados suficientes para isso agora. E se tivesse o apoio dos números, poderia ir até Lupin e requisitar uma força-tarefa para ficar de tocaia vinte e quatro horas por dia, vigiando os dois grupos de suspeitos.


As restrições orçamentárias que se danassem! Pensou Gina, enquanto avançava lentamente pelo tráfego pesado. Ela precisava de uma probabilidade alta para justificar as quantidades adicionais de tempo, dinheiro e mão-de-obra. Hermione e Neville não eram suficientes para vigiar todos os envolvidos o dia inteiro e a noite também.


Vigiar todos, inclusive Jamie, lembrou. O garoto andava atrás de encrencas, e Gina sabia que ele era esperto o bastante para consegui-las.


Hermione entrou no carro assim que Gina parou junto ao meio-fio na Sétima Avenida, quase na esquina da rua 47. Do outro lado da calçada, o barulho escandaloso e computadorizado de armas de guerra saía pela porta de uma loja de jogos com realidade virtual. O barulho do estabelecimento estava quase ultrapassando os limites da lei de repressão à poluição sonora, mas Gina imaginava que os proprietários estavam dispostos a correr o risco de receber uma ou duas multas, a fim de atrair os turistas, os entediados e os desocupados.


- Ele está lá dentro?


- Está, senhora. - Hermione olhou esperançosa para o vapor que vinha de uma carrocinha de lanches. Dava para sentir o cheiro de hambúrgueres de soja recém-preparados e batatas fritas. Já estava quase na hora do almoço, seu estômago estava roncando e seu coração se apertou ao lembrar que ia ter de encarar a gororoba servida na lanchonete da central. - Você se incomoda se eu pegar alguma coisa para comer na carrocinha?


- Você não devia comer algo mais saudável, para acabar com o seu resfriado? - Gina lançou um olhar impaciente para o lado de fora, pela janela.


- Eu não consigo fazer isso mesmo. - Respirou fundo, testando o nariz. - De qualquer modo, me sinto ótima. Aquele chazinho funcionou...


- Sei, sei... vá lá então, mas volte logo e coma o sanduíche pelo caminho.


- Você não quer aproveitar para comer alguma coisa? - perguntou Hermione, olhando por cima do ombro ao sair do carro.


- Não, pegue logo esse troço e vamos à luta.


Drogas, sexo, Satã e poder, refletiu Gina. Uma guerra religiosa? Afinal, os homens não lutaram e morreram por suas crenças desde o início dos tempos? Animais brigavam para defender seu território; pessoas lutavam pelo território também. E por ganhos, por paixões, por crenças... pelo prazer de brigar.


E matavam, pensou, exatamente pelas mesmas razões.


- Peguei tudo em dobro, - anunciou Hermione, enquanto colocava a caixinha de papelão fino cheia de comida sobre o banco, entre as duas - só para garantir. Se você não quiser, acho que agüento comer tudo sozinha. É a primeira vez que sinto fome em dois dias.


Deu uma mordida com vontade no hambúrguer incrementado, enquanto Gina esperava uma brecha no fluxo de carros para sair de junto da calçada.


- O garoto me obrigou a dar a maior volta. - comentou Hermione. - Andou por mais de dez quarteirões, pau da vida, resolveu pegar um bonde elétrico indo para o norte, e, quando saltou, rumou para o lado oeste. E tem um apetite de leão! Parou em uma carrocinha como esta, na Sexta Avenida, e devorou dois cachorros-quentes de carne de porco, e era carne de verdade, além de uma megaporção de batatas fritas. No quarteirão seguinte, parou para beber um refrigerante de laranja de uma marca que, por acaso, também é a minha favorita. E antes de entrar na loja de jogos em realidade virtual, parou em um vendedor ambulante e comprou três barras de chocolate.


- O menino está em idade de crescimento. - comentou Gina, de repente dando partida no carro, para aproveitar uma brecha no fluxo. Buzinas soaram em sinal de protesto. - Enquanto ele continuar nessa, comendo porcarias pela rua e jogando videogames, vai conseguir se manter longe de problemas.


 


Dentro da loja, em meio ao barulho e aos assobios agudos do salão de jogos, Jamie fez uma cara de deboche diante da tela. Ouvia todo o diálogo que era travado naquele momento, dentro do carro de Gina, graças ao fone sem fio que usava no ouvido e ao gravador-localizador portátil que instalara no veículo.


Sim, correr aquele risco valera a pena, decidiu, manejando os controles do jogo virtual, enquanto sua mente divagava. Claro que fazer aquilo não representara um desafio tão grande assim. O carro da polícia era não apenas um calhambeque antiquado, como também tinha um sistema de segurança ridículo, especialmente diante de um gênio da eletrônica como ele.


Weasley não lhe contaria nada do que estava rolando mesmo, pensou com ar sombrio, enquanto destruía a imagem holográfica de um grandalhão de gangue que o atacava naquele momento. Ele ia rastrear as coisas ao seu modo, e lidar com elas do seu jeito também.


Quem quer que tivesse assassinado a sua irmã, era melhor se preparar para morrer também.


 


Gina rodou o programa de cálculo de probabilidades e obteve resultados dúbios. O computador concordou e apresentou noventa e seis por cento de chance de os quatro casos estarem interligados. O número baixou em dez pontos percentuais quando o sistema respondeu à possibilidade de eles terem sido cometidos por pessoas diferentes.


Charles Forte conseguiu uma porcentagem alta no índice que ajudava a identificar o autor dos crimes, da mesma forma que Selina Cross. Quanto a Alban, Gina continuava a bater de frente com a barreira da insuficiência de dados.


Frustrada, conectou-se com Neville.


- Escute, - disse ela assim que o viu - estou com alguns dados que quero passar para você e preciso de um fator de probabilidade. Você pode me ajudar com os números?


- Você quer que eles aumentem ou diminuam? - perguntou ele, levantando as sobrancelhas.


- Quero que aumentem, - riu ela, balançando a cabeça - mas quero que seja algo plausível. Talvez eu esteja deixando de perceber alguma coisa importante.


- Pode mandar que eu dou uma olhada.


- Obrigada. E tem mais uma coisinha... é que eu entro em um beco sem saída toda vez que tento acessar os dados desse tal de Alban. O cara tem trinta e tantos anos!... Tem que haver mais registros a respeito dele por aí... não consegui descobrir o seu grau de instrução, dados familiares nem histórico médico. Não há ficha criminal, nem mesmo uma simples multa por estacionamento em local proibido. Meu palpite é que ele conseguiu apagar todos os registros do sistema.


- É preciso muito talento e um bocado de grana para apagar tudo desse jeito. Alguma coisa sempre aparece em algum lugar.


Gina pensou em Harry e nos pouquíssimos dados que havia a seu respeito nos arquivos. A verdade é que ele tinha muito talento, lembrou a si mesma. E um monte de grana.


- Bem Neville, é que eu andei pensando que se existe alguém que seja capaz de encontrar alguma coisa...


- Isso, pode continuar a encher a minha bola, garota. - disse e piscou um olho para ela. - Eu lhe dou retorno assim que conseguir algo.


- Obrigada, Neville.


- Aquele na tela era o Neville? - Luna surgiu na sala aos pulos, literalmente, usando tênis novos, com os solados sustentados por uma camada interna de ar, saltos altos e um tom amarelo néon. - Droga, você desligou? Eu queria falar com ele.


Gina passou a língua sobre os dentes da frente, analisando a amiga, que estava arrumada no clássico estilo Luna. Seus cabelos exibiam a mesma cor dos tênis, e o tom era de deixar qualquer um cego. As pontas encaracoladas desciam em massas espiraladas que pareciam explodir para cima e para baixo. Suas calças eram feitas de tecido sintético brilhante, que moldava seu corpo por inteiro. O cós ficava muito abaixo do umbigo, local onde se via uma pedra brilhante. A blusa, se é que se poderia chamá-la por esse nome, era constituída apenas por dois pedaços do mesmo tecido das calças, que mal lhe cobriam os seios.


Por cima de tudo, usava um manto transparente.


- Alguém tentou prender você na entrada do prédio?


- Não, mas acho que o sargento do balcão da recepção teve um orgasmo quando me viu. - disse Luna, piscando com força os olhos com cílios longos cor de esmeralda e jogando-se sobre uma cadeira. - Grande roupa essa minha, não acha? Acabou de sair da tela de desenho de Leonardo. E aí, você já está pronta?


- Pronta? Para quê?


- Temos hora no salão. Trina conseguiu encaixar você. Deixei um recado no seu tele-link. Dois recados, aliás... - Estreitou os olhos para Gina. - Não me diga que não recebeu os recados, porque eu sei que recebeu. Deve ter apagado as mensagens.


E apagara mesmo, lembrou Gina. Apagara e as ignorara por completo.


- Luna, não estou com tempo para brincar de ir ao cabeleireiro.


- Você ainda não saiu para almoçar. Perguntei ao sargento no balcão da recepção. - disse Luna, toda convencida. - Foi pouco antes de seu orgasmo... Vamos lá... Você pode comer enquanto Trina dá um jeito no seu cabelo.


- Eu não quero que ninguém mexa no meu cabelo.


- Não estaria tão medonho se você não tivesse tesourado tudo por conta própria. - Luna se levantou e pegou o casaco de Gina. - É melhor vir bem pianinho ou vou empentelhar sua vida até você desistir. Desligue-se da tomada durante o intervalo de almoço e tire uma hora para você. Pode estar de volta quando for uma e meia da tarde, linda e pronta para tornar a nossa cidade mais segura.


Como era mais fácil aceitar do que argumentar, Gina pegou o casaco e o vestiu.


- Vou só dar uma aparada no cabelo, hein... não vou deixá-la espalhar aquela coisa gosmenta na minha cara nunca mais.


- Ai, relaxe, Weasley! - exclamou Luna, puxando-a para fora da sala. - Curta um pouco a sua porção mulher.


Gina fechou os seus arquivos, anotou a hora, olhou para a bunda rebolativa de Luna, coberta pelo colante emborrachado, e comentou:


- Acho que curtir ser mulher tem significados diferentes para nós duas.


 


Talvez fossem os vapores, - o cheiro das poções, loções, óleos, tinturas e laquês tão típicos dos salões de beleza - mas a verdade é que Gina sentiu a inspiração chegar assim que recostou a cabeça no apoio da cadeira especial.


Não estava bem certa de como elas haviam conseguido tirar suas roupas e submetê-la à indignação de ter seu corpo massageado, o rosto espetado e cutucado. Ela só conseguiu colocar o pé para baixo - agora descalço e já com as unhas pintadas - no instante em que a conversa desviou para tatuagens temporárias e piercings corporais.


Tirando o controle que ainda exercia sobre o pé, Gina se sentiu como uma refém, cheia de gosma no corpo e com os cabelos cobertos pelo creme parecido com esperma que Trina espalhara generosamente, entre um palavrão e outro. Secretamente, estava profundamente aterrorizada pelas tesouras de Trina, que estalavam junto de seus ouvidos, e pela pasta pegajosa, meio verde. Foi por isso que manteve os olhos fechados durante todo o processo, para não se imaginar levantando-se da cadeira e se vendo no espelho como um clone de Trina, com os cabelos frisados pintados de fúcsia e os peitos empinados, parecendo dois torpedos.


- Você demorou muito a voltar, Weasley. - ralhou Trina. - Eu lhe disse que você precisa de tratamento regular. Já tem o básico, um equipamento muito bom, mas se não fizer nada para turbiná-lo, ele acaba perdendo o pique. Se viesse aqui com mais regularidade, não levaríamos tanto tempo para trazê-la de volta assim, maravilhosa...


Ela não queria parecer maravilhosa, pensou Gina. Queria era ficar em paz. Tentou evitar um tremor ao sentir algo zumbindo em volta dos olhos. Trina estava lhe aparando as sobrancelhas, imaginou Gina, lutando para manter a calma. A esteticista não estava tatuando uma carinha risonha em sua testa, era o que esperava.


- Preciso voltar ao serviço. Tenho um monte de trabalho.


- Não me apresse! Fazer mágica leva tempo.


Mágica, pensou Gina, girando os olhos, o que fez com que Trina fizesse um ruído áspero com os lábios. Todo mundo vivia obcecado com mágica, era o que parecia.


Franziu os olhos, ouvindo Luna tagarelar a respeito de um creme polidor corporal que produzia um brilho dourado ao ser passado sobre a pele.


- O produto é mais que demais, Trina! Qualquer dia desses vou passar no corpo inteiro. Leonardo vai querer lamber tudo...


- Você pode comprar do tipo comestível, sabia? Há seis sabores no mercado agora. Damasco é o mais popular.


Poções e loções, pensou Gina. Fumaça e espelhos. Liturgias e rituais. Abriu os olhos de leve, para ver por entre os cílios, e notou que Trina e Luna estavam entretidas com um frasco de líquido dourado. Luna com seu cabelo néon, pensou, sentindo uma estranha sensação de afeto, e Trina com seu fucsia frisado.


Estranhas irmãs.


Estranhas irmãs, tornou a pensar, e se sentou. Trina bufou novamente, ordenando:


- Volte a se recostar, Weasley. Ainda faltam dois minutos.


- Luna, você me disse que já trabalhou em uma arapuca, fazendo trapaças psíquicas.


- E foi mesmo... - Luna fez trepidar as unhas recém-pintadas de amarelo néon. - Madame Electra vê tudo, sabe tudo... Ou Ariel, o espírito com olhos tristes. - Deixou tombar a cabeça, conseguindo parecer delicada e abandonada ao mesmo tempo. - Acho que tenho umas seis armações com variações sobre o mesmo tema.


- Você acha que conseguiria sacar se visse alguém usando uma dessas variações?


- Qual é, está brincando? Dá para perceber a três quarteirões de distância e de óculos escuros.


- Você devia ser boa naquilo... - lembrou Gina. - Nunca vi você fazendo esses tipos, mas é muito boa nos outros papéis que encarna.


- Mas foi você mesma que acabou com a minha festa de fingir ser médium.


- É que eu era melhor do que você nisso... - Gina lançou-lhe um sorriso e sentiu a gosma escorrer pelo rosto. - Escute só... tem um lugar que você poderia averiguar para mim. - começou a propor, quando Trina chegou cheia de autoridade e a empurrou de volta para a posição horizontal. - Vocês duas, aliás... - acrescentou, olhando para Trina.


- Qual é?... Algum lance de ação policial?


- Talvez.


- Beleza!... - reagiu Trina, e empurrou a cabeça de Gina em direção à bacia para enxaguar os cabelos.


- Vocês podiam ir até lá para descobrir certas coisas. - Gina apertou bem os olhos enquanto a água escorria. - Tentem ver se conseguem fazer a balconista, que se chama Jane, falar. Depois me dêem todo o serviço. Esse pessoal não abre o jogo com policiais.


- Alguém abre? - quis saber Trina.


- Quero impressões sobre o local. - continuou Gina. - Podem dizer que estão interessadas em ervas, expansão da mente, poções de amor, estimulantes sexuais e calmantes.


- Substâncias ilegais? - Luna percebeu logo. - Você acha que eles podem ser traficantes?


- É uma possibilidade que preciso confirmar ou eliminar. Acho que vocês poderiam descobrir isso mais depressa do que algum policial disfarçado. E você conseguiria sacar alguma armação também, Luna... saber se eles estão enrolando os clientes e fazendo teatro para arrancar dinheiro deles. A grana está saindo de algum lugar.


- Vamos detonar, Luna! - Sorriu Trina. - Eu e você, já pensou? Uma dupla de detetives, tipo assim Sherlock e dr. Jekyll.


- Legal, só que eu acho que o companheiro dele era o dr. Holmes.


Gina tornou a fechar os olhos.


Isso só pode ser efeito dos vapores, decidiu.


 


Ao chegar em casa, Luna e Trina estavam na sala, divertindo Harry ao contar suas façanhas. Gina pegou o gato no colo e seguiu o barulho das gargalhadas.


- Eu trouxe uma loção para passar no corpo. - comentava Trina. - Ela faz surgir o animal que existe em cada homem. Tipo feromônios... - Passou o braço comprido por baixo do nariz de Harry. - Em que animal isso transformaria você?


- Se eu não fosse casado com uma mulher que anda armada, poderia... - e parou de falar na mesma hora, sorrindo. - Oi, querida!


- Pode terminar a frase. - disse-lhe Gina, atirando Galahad em seu colo.


- É melhor esperar até você estar desarmada.


- Weasley, foi tudo muito legal, mais que demais! - Luna se levantou com um pulo, balançando o cálice de vinho até o líquido cor de palha respingar pelas bordas. - Mal posso esperar para chegar em casa e contar tudo a Leonardo. O problema é que Trina e eu queríamos comer alguma coisa antes, entende, então viemos direto para cá, para apresentar nosso relatório. Você precisa ver o monte de troços que a gente comprou.


E mergulhou a mão em uma das várias sacolas de compras que estampavam o logotipo da Busca Espiritual. Gina resistiu à vontade de berrar e segurou o braço de Luna, pedindo:


- Fale agora e mostre depois. Não sei onde eu estava com a cabeça para mandar duas malucas como vocês até lá... Quer saber? - perguntou ela, virando-se para Harry. - Esse é o resultado daqueles vapores e cheiros do salão de beleza. É isso o que faz com que pessoas normais se sentem ali e se deixem ser raspadas, pintadas e depois ainda saiam pela rua com um piercing pendurado em algum lugar.


Os olhos dele se turvaram por um segundo.


- Colocaram um piercing em você? Em que lugar, exatamente?


- Ah, ela não quis colocar no mamilo. - reclamou Trina, abanando a mão. - Disse que ia me atingir com a arma de atordoar se eu chegasse perto dela com o aparelho.


- Boa menina. - murmurou Harry. - Sinto-me orgulhoso pela sua firmeza e controle.


Como sua cabeça estava começando a latejar, Gina se serviu de um cálice de vinho e perguntou:


- Vocês duas fizeram mais alguma coisa lá, além de gastar um monte de fichas de crédito?


- Fizemos leitura de aura. - contou-lhe Luna. - Um barato! Eu tenho uma alma aventureira e meu narcisismo é equilibrado por um coração generoso.


Gina não conseguiu evitar e caiu na risada, afirmando:


- Não é preciso ter poderes paranormais para descobrir isso, Luna, basta ter olhos. Vocês foram até lá vestidas exatamente desse jeito, não foram?


- Claro. - Luna balançou o tênis amarelo néon. - Jane, a balconista, foi muito atenciosa, e parecia conhecer tudo sobre ervas. Nós achamos que ela estava sendo honesta, não foi, Trina?


- Sim, totalmente honesta. - concordou Trina, com olhos sérios. - Meio desenxabida a moça... poderia dar um jeito nela em duas sessões. Um realce aqui e ali... um pouco de escultura de corpo. Agora a outra, a deusa... nossa, naquela é difícil de se conseguir melhorar alguma coisa!


- Isis. - Gina se sentou. - Então ela estava lá...


- Surgiu de uma sala nos fundos da loja, quando estávamos escolhendo as ervas. - disse Luna. - Eu estava dizendo o quanto gostaria de algo para melhorar minha performance no palco e aumentar um pouco o meu nível de energia. É que quando você está aprontando algum golpe, atua melhor se acreditar no esquema. Quando a gente consegue transmitir que a coisa é pra valer, fica mais que demais!


- Pois eu estava em busca de produtos sexuais. - sorriu Trina, balançando o corpo sinuoso. - Coisas para atrair os homens e melhorar o desempenho sexual. Contei a ela o quanto o meu trabalho era estressante, e como vivo tensa e ansiosa. Remédios vendidos sem receita já não adiantam nada para mim. Então, disse que estava em busca de alguma coisa mais potente, e não me importava com o preço.


- Eles tinham um monte de misturas. - disse Luna, dando continuidade à história. - Não vi nada de estranho lá, na verdade, ela até chegou a dizer que drogas não eram a resposta para nada disso, e que precisávamos seguir os caminhos naturais, tipo... holísticos.


- Sim, holísticos, foi o termo que ela usou. - concordou Trina. - Nós bem que forçamos a barra, acenamos para ela com grana e fichas de crédito, mas ela não comprou o nosso peixe, ou, melhor dizendo, não vendeu o peixe dela.


- Então a Rainha das Amazonas retirou-se para os fundos da loja - continuou Luna, assumindo a história - e voltou com um mix. - Com os cabelos esvoaçando, Luna enfiou a mão no fundo de uma das sacolas e atirou um pacote pequeno cheio de substâncias claras e sementes para Gina. - Ela me disse que isso era apenas uma amostra, que eu podia experimentar e ela não ia cobrar nada. Tudo o que quer é saber se funcionou para mim. Pode testar, mas acho que esse negócio está limpo.


- E quem fez a leitura de aura?


- Isis. Ela não pareceu muito empolgada na hora em que chegou. - comentou Luna, balançando o copo. - Nós estávamos fazendo nosso papel, entende? Entrei com os olhos esbugalhados, fiz um monte de “ohhs” e “ahhs” o tempo todo.


Gina desviou o olhar para as sacolas.


- Estou vendo que levaram a farsa até o fim.


- Eu gostei do lance. - Sorriu Luna, sem demonstrar arrependimento. - Nesse ponto, a Sra. RA, isto é, a Rainha das Amazonas, começou a ir fundo nas coisas. Dei umas sacadas em uma bola de cristal divinérrima que havia lá, uma verde... Como é que ela chamou aquilo, Trina?


- Turma-de-alguma-coisa.


- Turmalina. - ajudou Harry.


- Sim, foi isso mesmo! Turmalina. Mas ela me levou para longe dali, e disse que aquela era para relaxar e acalmar, e se o que eu estava querendo era adquirir mais energia, devia tentar a bola laranja, para conseguir vitalidade.


- E essa era a mais cara? - foi a conclusão de Gina.


- Não... era mais barata. Muito mais barata! Ela disse que a verde não servia para mim. Disse também que eu tinha uma amiga que poderia fazer bom uso dela, uma pessoa muito próxima que carregava um caminhão de estresse. Mas disse que essa tal amiga ia ter que escolher esse caminho por si mesma, quando estivesse pronta.


Gina soltou um grunhido e franziu o cenho.


- Então ela fez a leitura de nossas auras. Megademais! Disse que estava muito feliz de termos ido até lá, e comentou que estava mesmo precisando da nossa energia positiva. No final, disse que nem ia cobrar pelas leituras. Eu gostei dela, Weasley. Não me pareceu ter olhos de quem está fingindo ou armando alguma coisa.


- Certo, então. Obrigada às duas. Vou mandar examinar o conteúdo do saquinho. - Uma das maneiras mais certas de fazer dinheiro, refletiu Gina, era incentivar o cliente a voltar. E uma forma segura de fazê-los voltar era viciando-os em alguma coisa.


- Vamos nessa, então. - Luna se levantou, recolhendo as sacolas. - Comprei uma vela para incrementar o clima de romance e quero ver se funciona mesmo. A gente se vê na terça à noite.


- Terça?


Luna bateu com os tênis-plataforma no chão, parecendo irritada.


- Nossa festa de Halloween, Weasley! Você prometeu que iria...


- Devia estar bêbada.


- Não, não estava não... Nove da noite, lá em casa. Todo mundo vai. Convidei até Neville. A gente se vê...


- Relaxe!... - aconselhou Trina ao sair. - E não se esqueça da fantasia.


- Nem morta! - murmurou Gina. - Enfim... - Balançou na mão o saquinho de folhas e sementes. - Isso tudo provavelmente foi uma monumental perda de tempo.


- Mas elas se divertiram, e você vai se sentir melhor depois de mandar analisar essa mistura.


- Acho que sim. Não estou chegando a lugar algum. - Gina atirou o saquinho sobre a mesa de centro. - Estou seguindo um monte de caminhos errados. Dá para sentir...


- Você segue um monte de caminhos errados, mas, normalmente, acaba sempre chegando ao lugar certo. - Harry se inclinou na direção dela e colocou as mãos sobre seus ombros, massageando-os. - Quer dizer então que Luna tem uma amiga muito chegada que carrega um caminhão de estresse. - Trabalhou nos nós que sentiu nos músculos retesados de Gina. - Quem será essa amiga?


- Cale a boca!


Ele riu e beijou-lhe a nuca, dizendo:


- Você está com um cheiro maravilhoso.


- Foi aquela gosma que Trina espalhou em mim.


- Ela comentou que fizera isso. Disse que eu ia curtir muito o resto que ela aprontou... - fungou novamente atrás do seu pescoço, fazendo-a rir -... e estou curtindo, mesmo. Ela me contou também que conseguiu segurar você por tempo suficiente para lhe dar um tratamento completo. E avisou que devo prestar uma atenção particular ao olhar para o seu traseiro.


- Bem, ela certamente fez isso. Tentou até me convencer a aplicar uma tatuagem temporária na nádega direita... um botão de rosa... - Começou a suspirar, mas, de repente, deu um pulo, agarrando a nádega direita. - Minha nossa! Ela me manteve em cima da mesa com a bunda pra cima por mais de dez minutos. Será que me aplicou uma tatuagem aqui?


Harry levantou uma sobrancelha e sorriu suavemente enquanto se levantava, dizendo:


- Vou ter que pesquisar bem no local com toda a atenção para descobrir.


 


 


 


Nanny Black: Realmente deu um pouquinho de suspense agora, mas as coisas pegam fogo nos próximos e últimos capítulos. Beijos.


 


 


 


 


 

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