O Cordão e o Expresso



Os dias pareciam ter se arrastado até chegar no tão esperado 1º de Setembro. Não era apenas os pais e irmão quem aguardavam a data com tanta apreensão para se verem livres do rapaz, contudo, o próprio Sirius tornara-se obcecado com aquele dia. Riscava os dias em seu calendário. Todo santo dia verificava sua mala para certificar-se se alguma coisa estava faltando. Pegara pra ler alguns dos livros didáticos e espantou-se com o que viu em “Hogwarts, uma História”; ele era conhecedor da imensidão e soberania daquele castelo, porém, o que leu de início já superava o que esperava. Entretanto, nada mais dentro de todos os materiais didáticos lhe chamou mais atenção que a sua varinha. De fato era idêntica a de seus pais e até mesmo da prima Andrômeda (quem estava na 3ª série aquele ano), mesmo sem saber  - e poder - usá-la direito, Sirius sentia algo diferente quando a empunhava, exalava sobre si uma sensação boa de auto-confiança, algo que parecia transportá-lo para o mundo mágico de Hogwarts ali mesmo dentro do seu quarto.


- Cara, isso vai ser demais!


E foi assim que enfim chegou o dia. Nem precisava ler a carta para saber dos pormenores: “Estação King Cross, Plataforma 9 e ½, às 11 horas”. Sirius conhecia vagamente o caminho até lá, a pé gastaria cerca de trinta minutos, porém esse tempo todo não seria necessário uma vez que seus pais ficaram de levá-lo pelo tradicional método bruxo de Aparatar – o rapaz não fazia a mínima idéia de como se praticava aquilo, mas tinha uma forte noção de que deveria ser incrível, transportar-se de um lugar para o outro num piscar de olhos. Pela pressa que eles alimentavam durante todos esses dias, Sirius já acreditava que seria acordado pela mãe com duas horas de antecedência.


Para sua surpresa, isso não aconteceu.


Quando o relógio pendurado em seu quarto gritou, literalmente, às 9 horas da manhã, o rapaz levantou-se da cama num pulo que o pôs de pé logo em seguida. Seus cabelos estavam todos bagunçados, lembrando vagarosamente os da prima no dia em que o gato mágico caiu sobre eles. Apenas com um movimento conhecido de cabeça Sirius os organizou minuciosamente, talvez fora esse um dos truques que aflorara em si durante a infância, comprovando o que todos já imaginavam: ele era um bruxo. E não um qualquer, mas de puro-sangue – motivo pelo qual seus antecedentes se tornaram tão soberbos.


Arrumou-se num tempo recorde, mesmo sabendo que tinha mais de uma hora de sobra. O coração nunca esteve tão acelerado como agora, nem mesmo no dia do seu primeiro beijo poderia se comparar. Assim que resolveu tudo, desceu as escadas escorregando pelo corremão, ciente do plano que era ou seu pai ou sua mãe ajudá-lo a trazer seus pertences com magia. Porém, assim que chegou no térreo da casa, não encontrou absolutamente ninguém. Nenhum vestígio do Sr. ou Sra. Black, muito menos do pirralho irmãozinho. Sirius não acreditou naquilo, não poderia ser possível. Chamou por eles, verificou cada cômodo três vezes e para mais uma surpresa só o que viu foi sua casa completamente bagunçada. Móveis e apetrechos jogados para todos os lados. Era como se um furacão tivesse passado por ali, um furacão que não era ele, dessa vez. Enfim, o garoto estava sozinho em casa.


- Não pode ser verdade. Não pode mesmo. Ah, eles não fariam isso comigo, sair todos juntos exatamente hoje... – ele murmurava pra si mesmo até que uma gutural voz o interrompeu.


- É melhor que o Sr. Sirius Black se conforme, porque todos os meus outros senhores realmente saíram.


Sirius estava tão distraído que sobressaltou de tal forma a pular pra trás do sofá, escondendo-se de quem quer que fosse. Levantou a cabeça discretamente para espiar, quando viu aquele personagem diante de si, riu de si mesmo por estar assustado.


- Monstro, seu imbecil! Quem te ensinou a chegar assim sem avisar?


- Monstro não é imbecil. Imbecil é uma atribuição própria do Sr. Sirius Black – ele replicou condizente, seus olhos grandes fechados pela metade, as orelhas feias abanando sem intenção.


- Você só pode ter aprendido esse senso de humor com o Régulo, seu traste. Por falar nele, onde foi que ele e meus pais se meteram?


- Monstro não faz idéia, senhor. E mesmo se soubesse, não contaria. O senhor não merece favores do Monstro.


O garoto achou por bem ignorar o elfo doméstico, porque se continuasse mais dois minutos tentando um diálogo com ele, certamente iria acabar numa briga. Com isso, bufou alto e virou-se mencionando a voltar para o seu quarto, até que a criatura mágica falou novamente.


- Se o Sr. Sirius Black já vai se retirar, então creio que Monstro não poderá entregar o que o Sr. Orion Black lhe deixou.


De primeira Sirius achou tratar-se de uma piada, mas aquele elfo idiota não fazia o perfil que contava esses tipos de piadas. Parou entre as escadas e encarou a face horripilante de Monstro, mesmo tentando acreditar, ele não se daria o luxo de descer em vão. Parecendo ler os seus pensamentos, o elfo retirou daquilo que ele chamava de vestes um objeto. Era um magnífico cordão prateado. Imediatamente Sirius voltou até ele e arrancou o utensílio de suas mãos secas, admirando com prazer cada pedrinha de pura prata que havia no cordão.


- Não queira entender, senhor, mas o Sr. Orion Black também deixou uma pequena mensagem a cerca dessa relíquia – Monstro acrescentou expressando agora uma face ilegível, um ar enigmático o qual ninguém naquela casa já havia visto antes. Seus olhos esbugalhados passavam um estranho pesar, como se soubesse de algo bem maior do que estava para contar.


- Mensagem? Como assim?


- “Não importa o que aconteça, mesmo ameaçado pelo mais terrível trovão; todo cuidado é insuficiente, jamais se desfaça desse cordão.”       


- Que? – o rapaz replicou pasmo, notando agora uma pedra em especial entre as outras. Estava milimetricamente no meio, dividindo as outras pedrinhas em duas partes de números iguais. Era um pouco maior e a única no formato de losango. Assim que pôs o acessório no pescoço, Sirius não percebeu que aquela pedra especial havia, num toque de mágica, tomado a forma das outras.


- Monstro avisou, o Sr. Sirius Black nem tente entender.


- “Mesmo ameaçado pelo mais terrível trovão”? – Sirius repetiu rindo agora – Cara, meu pai está ficando velho e caduco da cabeça. Onde foi que ele aprendeu a fazer versinhos de mamãe-me-segura-que-estou-apaixonado? Bom, maluco ou não, bem que o cara me deu um presente espetacular – ele olhou-se no espelho da sala e ficou se contemplando – Fala a verdade, Monstro, não fiquei mais gostoso com esse cordão?


- A resposta de Monstro certamente não seria um “sim”, senhor Sirius – o elfo respondeu parecendo ofendido com alguma coisa.


- Por Merlin! Já são dez horas! – o garoto gritou desesperado assim que passou seu olhar no relógio da sala – Monstro, você que pode usar magia, me ajude aqui rapidamente a descer minhas coisas!


- Monstro já disse. O senhor Sirius não merece os favores de Monstro.


- Pense bem, Monstrinho do meu coração. Quanto mais rápido eu sair de casa hoje, mais rápido você e todos os outros enfim se verão livres de mim.


O elfo ponderou por alguns segundos aquela proposta do rapaz e assim respondeu, imitando uma postura cordial:


 – Não que o Monstro queira vê-lo pelas costas, Sr. Sirius Black, mas elfos domésticos existem para servir seus senhores, não é verdade? Onde estão suas coisas?


Com a ajuda de Monstro rapidamente Sirius desceu todo o seu material, porém, logo que estava ali em baixo com tudo, se viu em outro dilema. Jamais conseguiria carregar tudo em mãos para ir a pé mesmo até a estação, e pelo que já havia escutado seu pai mencionar, elfos domésticos não podem aparatar com humanos a não ser com a autorização do senhor da casa, no caso, Orion Black. Sirius voltava ao zero, e assim, toda a sua ansiedade de antes agora se transformava em terror. Tentava não pensar naquela possibilidade, mas era quase impossível agora afastar de sua mente os pensamentos dele perdendo o trem, jamais chegando em Hogwarts, continuando em casa com a família, o inferno... Ainda não compreendia o porquê de seus pais terem sumido justamente naquele dia, logo eles quem estavam praticamente mais afoitos com a viagem do filho do que o próprio. Ainda estava pensando nisso até que seu olhar apreensivo encontrou algo escondido entre seus próprios pertences. Os olhos claros pareceram brilhar, logo um sorriso conhecido abriu-se em seu rosto. Já eram 10:20 h, não havia outra saída, ou era aquilo... Ou era aquilo.


- Hey – Monstro grunhiu de forma engraçada, assustado quando viu o que o garoto estava prestes a fazer – Espere, Sr. Sirius Black, o senhor não pode fazer isso!


- E quem disse que não? Você? – e assim, acrescentou com uma bufada de risos característica – Acho bom você não tentar me impedir, elfo idiota, ou será pior. Ninguém contraria Sirius Black, é a regra número um desta casa.


- Mas... Mas... O senhor ainda não sabe... Pode se machucar...


- Pelo visto você ainda não me conhece, Monstro.


E assim, tomado pelo espírito da adrenalina novamente, Sirius montou em sua vassoura e ajeitou todas as suas coisas atrás de si. Como já havia visto a mãe fazer, não precisava de feitiço algum, o próprio veículo já vinha encantado necessariamente para segurar carregamentos, os equilibrando no cabo fino como se fosse vinte vezes mais largo. Entretanto, Monstro tinha razão, Sirius não fazia a mínima idéia de como voar de vassoura, mas não poderia ser tão difícil assim, uma vez que para isso seus pais só o que faziam era bater os pés e jogar o corpo para o alto. Lembrando-se disso, seu rosto iluminou-se mais ainda. Pronto. Ele iria voar, de uma forma ou de outra.


Segurou então com firmeza ambas as mãos no cabo a sua frente e inclinou-se na posição conhecida. Bateu os pés e jogou o corpo, imitando perfeitamente o movimento dos Black. No segundo seguinte, já esperava estar nas nuvens, porém não moveu um milímetro sequer do lugar.


- Ah não, o que há de errado, heim?


Monstro por sua vez rolou no chão de tanto rir. Aquilo enfureceu o rapaz que avistou mais uma vez as horas, certificando-se de que agora faltava menos que meia hora para o embarque no Expresso de Hogwarts.


- Vamos lá, Sirius Black, eu sei que você consegue. Você precisa conseguir. Vamos lá, é agora, no um... no dois... e no...


E antes que pudesse pronunciar o “três”, tudo aconteceu muito rápido. A vassoura arrancou com tanta força do chão que ele pensou ter derrubado suas coisas mesmo debaixo do encantamento da mesma. Porém, num vislumbre rápido, viu que tudo permanecia perfeitamente seguro atrás de si. Voltando então sua atenção para o que de fato interessava, o rapaz surpreendeu-se consigo mesmo pelo feito. Ele estava voando, subindo e descendo, ziguezagueando de um lado para o outro... Mas estava nos céus. O vento batia forte em seu peito, seus cabelos esvoaçando para trás, uma sensação tão boa que parecia não haver nada melhor. Tudo e todos abaixo de si eram reles pontinhos, dando-lhe um falso ar de grandeza. Contudo, não demorou muito para que a verdade lhe atingisse. Sirius estava sim voando, porém... Para onde?


A vassoura o levava ferozmente numa linha direta a leste de Londres, sendo que a estação King Cross ficava mais para o centro. Desesperando-se novamente, ele segurou com mais firmeza o cabo da vassoura e jogou seu corpo na direção certa. Usou tanto impulso que seu corpo perdeu equilíbrio, o jogando para fora da vassoura. Num reflexo impressionante, o rapaz agarrou com apenas uma mão o cabo novamente, pendurando-se e tentando segurar-se com a outra mão. Porém, a vassoura sem direção, desceu num rasante estranho e assim o rapaz passou entre os prédios cortando o vento e quase chocando-se com um deles. Estava prestes para se esparramar com tudo no meio da rodovia até que um movimento da própria vassoura lhe deu impulso para subir, deitando sobre a mesma e jogando o corpo para o alto outra vez. Em geral, mesmo sem querer, Sirius havia acabado de realizar um invejável rasante oblíquo que fez todos os espectadores trouxas locais caírem o queixo. Não passaram mais que dois minutos depois do incidente, e logo o rapaz avistou a estação mais à frente.


- Ráh, eu sabia que conseguiria – disse pra si, mesmo com seu ar confiante abalado.


Era só descer. Descer era fácil, mas como iria fazer para... pousar?


Ainda estava pensando sobre isso enquanto mergulhava diretamente contra o chão, até que concluiu não obter mais o tempo para achar uma resposta, e assim, no dado momento, Sirius preferiu pular a se esparramar com vassoura e tudo. Voou rapidamente para o lado oposto do seu veículo e, por incrível que pareça, caiu em algo macio. Enroscou-se nele o abraçando eufórico e agradecendo a todos os Merlins por aquele “algo” está ali. Após um minuto de sua queda triunfal, o garoto abriu os olhos para saber o que era. Acabava de apalpar um seio saliente quando seus olhos cinza encontraram a face dona do mesmo. A mulher não estava nada feliz com aquilo.


- Heer... Oi? Tudo bom? – ele sussurrou altamente sem graça, esbanjando todo o seu sorriso branquíssimo na tentativa clara de encantar a mulher.


- Ainda estou decidindo isso, e se você não tirar essa mão daí e sair agora de cima de mim, acho que nunca mais alguma coisa estará boa pra você.


Sem perca de tempo Sirius levantou-se num pulo, ajudando a senhora a se levantar também. Olhando agora com mais calma, notava-se que ela não aparentava muita idade, cerca de seus trinta e cinco ainda. Era de fato bonita, com poucas rugas no rosto, os cabelos ondulados de um loiro fortíssimo. Mesmo com o ato cavalheiro do garoto, a mulher não mudou sua cara irritada.


- Olha, por favor, minha senhora, eu juro que não foi por mal. É que eu estava... Eu estava... – bem, era difícil explicar que estava voando de vassoura sem prática pelos céus – enfim, me perdoe.


- Vamos, mãe. Falta apenas quinze minutos – outra voz se ouviu, e esta era a mais feminina, suave e serena que Sirius já ouvira na vida. Seu coração pulou dentro de si apenas com o som da mesma, e isso era algo com que se preocupar, pois Sirius Black jamais ficara nervoso diante de uma garota, ainda mais com apenas o simples tom de sua voz.


Instantaneamente ele virou-se para a dona de tal voz. A menina possuía o seu tamanho, os cabelos idênticos aos da mãe presos num rabo de cavalo, sobre uma face simpática e agradável. Os olhos do castanho-claros vívidos só poderia ter sido herdados do pai ausente, pois a mãe possuía um par de olhos verdes.


- Espere aí – a menina disse repentinamente quando encarou Sirius – Eu acho que te conheço. Você não é aquele garoto do Largo Grimmauld, número 13, se não me engano...?


- Si-sim... Sou eu. Si...


- Sirius Black, não é?


- Isso – ele confirmou com o auge de sua felicidade.


- É, tinha de ser você mesmo. Cair da vassoura em cima da minha mãe, sem dúvidas é algo típico do que se fala sobre Sirius Black. 

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