Inocente
O próximo dia encontrou Hermione sem dormir e cheia de trabalhos.
Começara a chover ontem, depois que Hermione deixara a quase deserta sala de aula, apertando o dedo cortado.
Hoje, a chuva combinava perfeitamente com seu humor. Enquanto olhava para a mão, fez uma careta. Todas aquelas horas procurando por poções, os pergaminhos ficaram continuamente encostando no corte e agora seu dedo estava todo vermelho e inchado.
Dando um suspiro, sentiu o peso do livros descansar sobre seus ombros. Realmente, ela precisava descansar. Virar as noites não era um bom modo de melhorar sua educação. Hermione precisava tirar um cochilo, mesmo que só durante o almoço.
Olhando em volta, Hermione andou vagarosamente até uma sala de aula trancada. Puxou a varinha.
- Alohomora - murmurou e a porta clicou, aberta.
Entrando na sala, Hermione quase grunhiu com sua sorte. Deitado com as costas sobre a mesa vazia de um professor estava Malfoy, mãos no peito, olhando diretamente para o teto.
- Então é isso que você faz? Continuamente mata aula? - sua voz, fria, não o comoveu.
Então ela realizou...Ele estava dormindo.
Cuidadosamente, Hermione andou até uma mesa situada próxima a do professor e sentou-se, largando a mochila ao lado da cadeira.
Estava quase na altura dos olhos dele agora. Observou o jeito que o peito de Malfoy subia e descia, o jeito com que ele não parecia tão malvado, enquanto dormia. Notou, com um toque de diversão, uma pequena bandagem azul cobrindo sua palma, amarrada cuidadosamente com um nó sobre a pele pálida. Uma pequena mancha de sangue estava visível no pano, como se tivesse sangrado um pouquinho na gaze antes de amarrar.
Olhando para baixo, ela notou a vermelhidão do próprio corte, sem bandagem e sem cuidados.
Com um suspiro, descansou o queixo nas mãos. Seus olhos pesados olhavam de vez em quando para o sonserino na mesa. Uma mão descansava atrás do cabelo platinado, a outra no peito. No fundo de sua mente, Hermione sabia que ele ainda era perigoso.
Eu preciso ir, pensou. Não posso ficar... se ele acordar...
Mas estava dormindo antes de acabar a própria frase.
Hermione encontrou-se olhando para um longo corredor escuro em seus sonhos. Era um túnel que ficava mais estreito a cada passo.
Não estava sozinha.
Alguns passos à sua frente, estava Malfoy, os braços pendurados ao lado do corpo, olhando para baixo, para longe.
Era como se ele nem ao menos a notasse, mesmo que Hermione estivesse gritando com ele, gritando o mais alto que seus pulmões permitiam, mas ela não ouvia nenhum som. Era como se as mãos de alguém estivesse pressionadas contra seus ouvidos tão apertadas que faziam suas orelhas doerem, suas têmporas latejarem.
Um facho de luz brilhou de alguma forma sobre o casal, brilhando sobre a pele de Malfoy, o cabelo criando uma pequena e irônica auréola prateada.
Vagarosamente, como se a água estivesse correndo por uma janela aberta, o som voltou para Hermione. A pressão foi tirada dela como um vácuo, o barulho agora muito alto que contrastava com o silêncio, fazendo um doloroso som agudo. Agora Hermione podia ouvir a própria voz.
- Importaria, Draco? - ela gritava para ele, os punhos fechados - Importaria se meu sangue derramasse e fosse tão vermelho quanto o seu?! Se você não fosse tão puro! Se eu não fosse tão suja! Importaria?!
Mesmo que as palavras estavam sendo cuspidas de sua própria boca, Hermione sentiu-se intrigada consigo mesma. Do que ela estava falando? Por que ela estava gritando tanto? Por que seu coração parecia queimar dentro do seu peito?
Com um piscar de olhos, Malfoy estava na frente dela. Hermione não sabia se ela havia corrido até ele ou se ele o tinha feito, mas ele estava parado ali, ainda olhando para longer. Ela não o vira se mover.
A boca de Hermione abriu-se, os pulmões enchendo-se de mais palavras sórdidas, mas ela ficou quieta. Quase deu um passo para trás, mas não o fez, quando Malfoy moveu-se de repente. Seus ombros, mais altos que os dela, viraram-se e sua cabeça voltou-se para ela.
Com olhos opacos ele a observou e esticou sua mão. O movimento por si só excluiu a distância entre eles, de tão próximos que estavam. Olhando para baixo, Hermione afastou-se dele rapidamente.
O corte em sua mão direita não tinha mais bandagens; o líquido vermelho escorria por sua mão pálida, pulso e braço antes de pingar para uma pequena poça aos seus pés.
Com uma sensação incomoda, Hermione esfregou seu braço direito. Malfoy olhou para ela e seus olhos arregalaram-se, tornando-se menos mortos. Brilhavam com - bem, Hermione sabia que não era malícia, mas definitivamente não podia dizer o que era.
Gentilmente, ela levantou sua mão também, como se maravilhada. Do corte em seu dedo, seu sangue derramava vermelho. Suas sobrancelhas arquearam-se e ela olhou Malfoy com surpresa.
A mão dele agora estava coberta de um líquido preto, que escorria devagar, como... como lama.
Sangue-ruim, Hermione murmurou em sua mente. Porém, como o seu sangue era vermelho e o dele não?
Com um movimento rápido, Malfoy agarrou a mão trêmula dela com sua mão escura. Pressionou os cortes juntos. Hermione relembrou de como seus sangues haviam misturado-se na faca, como eles haviam misturado-se nos lábios de Draco.
Os dois sangues tocando-se machucava, porém a dor diminuiu quando o sangue de Draco voltou a correr vermelho de novo.
- Estranho.
A cabeça de Hermione voltou-se para cima para olhar para Malfoy. Era a primeira palavra que ele murmurava durante todo o episódio.
- O que é estranho? - Hermione estava relutante em responder.
- O seu tem gosto de mogno.
Hermione deu um passo para trás, sua mão ainda junto da dele.
- Malfoy? - ela olhou para ele quando ele começou a dissolver, sumindo na escuridão - Draco!
- Draco! - Hermione sobressaltou de seu sono, seus braços cruzados esticados estranhamente em cima da mesa. Alarmada, ela sentou-se ereta na cadeira, suas costas doendo da posição curvada em que estivera dormindo.
O sonho vagarosamente sumiu de sua mente, como areia entre seus dedos.
Quando sua visão tornou-se menos embaçada do sono, ela grunhiu. Malfoy, as pernas esticadas em cima da mesa em frente a dela, observava-a, as mãos segurando a madeira de cada lado, o corpo inclinado em sua direção.
- Ah. Meu. Deus. - Hermione ficou escarlate e jogou-se para trás em sua cadeira - Malfoy, o que você está fazendo?!
Ele pareceu sair de seu transe. Correu os dedos pelos cabelos.
- O que, Granger?
Hermione o olhou estranhamente.
- Você estava me observando.
- Eu estava na verdade ponderando sobre as várias maneiras de matá-la em seu sono - ele olhou para longe finalmente e voltou a deitar sobre a mesa, as mãos debaixo da cabeça, as pernas ainda esticadas.
Hermione, ainda tremendo, relaxou um pouco em sua mesa. Pelo menos ele não estava apontando sua varinha para ela... ainda.
- Que horas são?
- Eu diria que você está aqui faz uma hora, Granger.
Uma sensação horrível caiu sobre Hermione.
- Eu perdi História da Magia.
Malfoy deu de ombros, olhando para o teto.
- Você sempre mata aula para continuar seu sono de beleza? - Hermione queria ofendê-lo, mas a frase saiu como uma piada.
Malfoy sorriu.
- Olha quem fala, Granger, ontem você parecia que ia dormir de pé.
Hermione o ignorou.
- Bem, eu estou indo para Poções. Provavelmente é melhor você ir também, Malfoy - escorregou de sua mesa e abaixou-se para pegar sua mochila. Sentia-se positivamente descansada.
- Snape não liga; ele me favorece, de qualquer jeito.
- Claro, Malfoy. - Hermione deu um suspiro e caminhou até a porta.
Enquanto ela a abria, devagar, percebeu que ele não a chamara de 'sangue-ruim' durante toda a conversa. Com as sobrancelhas arqueadas, ela virou a cabeça suavemente, encarando as costas de Malfoy.
- Ma-Draco? - ela aventurou-se, esperando emitir confiança pela voz.
- O que foi agora, Granger? - ele disse, parecendo mais incomodado, a voz fria.
- Você sabe qual é o gosto de mogno? - Hermione sentiu-se idiota, calor subindo pelas suas bochechas.
Malfoy virou a cabeça para ela, os lábios levemente separados, uma expressão de choque em seu rosto.
- O que? - ele perguntou, num murmuro.
- Nada - Hermione disse rapidamente, saindo para o corredor e fechando a porta com um particularmente alto barulho.
Enquanto andava pelo corredor, Hermione sentiu um pouco de apreensão entre os ombros. Por todo o caminho até Poções, ficara pensando que Malfoy estaria a seguindo, para perguntar porque ela fizera uma pergunta tão estranha.
Ela chegou logo depois da aula anterior ter acabado.
Acho que vou esperar, então. Suspirou, inclinando-se contra a parede ao lado da porta. Quando ela puxou seu livro de Poções da mochila, sentiu algo estranho contra seu dedo raspar na capa de couro do livro.
Virando sua mão, ela notou algo enroscado em seu dedo fino. Uma pequena bandagem azul estava amarrada com um pequeno nó em volta de seu corte. Uma mancha de sangue seco, certamente não de Hermione, estava manchada através da gaze.
Um pequeno e confuso sorriso passou pelos lábios de Hermione.
Talvez Draco não estivera meramente vendo-a dormir.
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