Charles Phillip




Lily dormia profundamente. James a observava com um sorrisinho bobo no rosto. Estava quase amanhecendo e ela teria que ir embora, por mais que James quisesse que ela continuasse ali para sempre.


Que clichê. Mas ainda assim, fofinho.


Depois de abrirem os presentes e conversarem por umas duas horas, o Sr. Potter e Liam se despediram de Lily e James e se recolheram. Os dois permaneceram juntos a madrugada inteira e durante um falatório interminável de James, Lily acabou pegando no sono. Ele a deixou dormir, mas estava na hora de levá-la para casa, pois os primeiros raios de sol entravam pela persiana.


James foi até a garagem e abriu a porta traseira do carro; voltou e pegou Lily no colo, com cuidado para não despertá-la. Deitou-a nos bancos traseiros e fez o embrulho do álbum de fotografias de travesseiro. Em minutos, atravessaram as ruas vazias e cobertas de neve e chegaram à mansão. James estacionou e saiu do carro; abriu a porta e fez um carinho na bochecha de Lily, que se remexeu e abriu os olhos sonolentos.


- O que nós...


- Está em casa, Lily. Venha. – ele estendeu a mão e ela a tomou, saindo do carro. Pegou o presente e deu um abraço no namorado.


- Obrigada pela noite, James. Foi o melhor Natal que tive em anos.


- Se você dissesse o contrário, eu ficaria muito magoado, já que foi seu primeiro Natal em treze anos. – ele brincou e ela lhe deu um tapinha no ombro.


- Bobo. – rindo, eles se despediram com um beijo singelo e Lily esperou que ele virasse a esquina para correr para casa. Sabia exatamente a cena que encontraria: Jane Phillip sentada desconfortavelmente numa das poltronas da sala de estar, dormindo e com a boca escancarada.


Abriu a porta devagar e sorriu ao perceber que acertara em cheio. A Sra. Phillip estava adormecida na poltrona do centro com um livro aberto no colo. Lily lhe deu uma sacudidela e a governanta abriu os olhos abruptamente.


- Bom dia, Jane. – Lily sussurrou, mas a Sra. Phillip apenas lhe lançou um olhar gélido e se levantou emburrada, seguindo para a cozinha. Lily riu baixinho pensando se estaria muito encrencada e subiu para o quarto. Pelas suas contas, ela teria ainda três horas de sono e queria aproveitá-las ao máximo. Antes, porém, ela guardou o álbum com cuidado na gaveta da mesa de cabeceira e então trocou de roupas e se deitou embaixo das gordas cobertas. Adormeceu num instante.


Acordou quando suas cobertas foram puxadas com força. A Sra. Phillip olhava para Lily com os lábios apertados e os olhos cerrados. A menina quase riu.


Quase.


- Desfaça essa tromba, Jane. Credo. – brigou Lily, colocando os pés no chão atapetado.


- Não quero conversa com você, Lily Evans. Muito menos quero saber o que você fez ontem à noite. – a governanta falou com rispidez. Ela realmente ficara preocupada com Lily, mas a mocinha não se dera ao trabalho de ligar e avisar onde estava e com quem.


- Relaxe, Jane. – Lily disse e entrou no banheiro. Não viu a expressão indignada que a Sra. Phillip fez.


- Relaxar?! Como?! Você some à noite, passa a madrugada inteira fora, não liga para dar satisfação e chega com o dia nascendo! Você quer que eu relaxe como, Lily? – a Sra. Phillip ouviu a risada abafada de Lily através da porta do banheiro e sentiu suas narinas inflarem de raiva.


Isso que dá deixar sua menina se envolver com pessoas de verdade. Está vendo?


- Certo, Jane. Tem razão, desculpe-me. Eu fui para a casa de James e ceamos junto com a família dele, depois trocamos presentes e ficamos conversando até tarde. Acabei pegando no sono e James me trouxe para casa. – Lily saiu do banheiro depois de fazer sua higiene matinal e buscou uma roupa qualquer no armário. Depois de estar devidamente vestida, ela se virou sorrindo para a Sra. Phillip. – Quer ver o presente que eu ganhei?


- Quero! – mais calma com a explicação de Lily, a Sra. Phillip deixou a curiosidade tomar conta. A menina pegou o álbum na gaveta e passou para a governanta. Ela ficou encantada com as fotos e se sentiu demasiadamente feliz ao ver o brilho que ela julgava apagado nos olhos verdes de Lily. Sabia que fizera a coisa certa ao aceitar levá-la àquela cafeteria e agora sua menina tinha motivos de sobra para sorrir de novo. A Sra. Phillip tocou o rosto de Lily na foto e sorriu emocionada, lembrando que a última vez em que vira um sorriso tão feliz na face de Lily ela era ainda uma criança. – É lindo, querida. Você gostou?


- Amei! Foi o melhor presente que James poderia me dar.


- Você realmente gosta desse menino, não é? – a Sra. Phillip perguntou e Lily sentou ao lado dela na cama, soltando um suspiro.


- Eu o amo, Jane. De verdade. – a Sra. Phillip soltou uma risadinha. – O que? Por acaso você vai dizer que eu sou nova demais para saber o que é o amor?


- Não, querida. O amor não tem idade. E fico feliz que você tenha se apaixonado por uma pessoa como James. Ele parece um bom rapaz.


- Ele é, Jane.


- Eu sei que é. E eu tenho uma dívida eterna com ele. – Lily a olhou num questionamento mudo. – Esse rapaz, James, devolveu o brilho a você. Um brilho que eu julguei apagado há treze anos. Ele lhe devolveu a felicidade que a morte de sua mãe lhe roubou. E por isso eu serei eternamente grata a ele. – a velha governanta sorriu para a sua menina, que descansou a cabeça em seus ombros. - Graças a ele, você sorri o tempo todo, como não vejo há anos. Graças a ele, você agora tem amigos, ora essa!


- Mas isso é uma droga. – antes que a Sra. Phillip fizesse cara de espanto, Lily continuou. – Porque agora não sei o que fazer sem eles. Algumas pessoas têm amigos a vida toda, mas eu demorei toda uma vida para encontrar os meus e eu os amo tanto que não sei o que seria de mim se eu os perdesse. Sei que isso parece um clichê de filme romântico, mas é verdade. Eu não sentia falta de amizades porque não as tinhas; não se pode sentir saudades daquilo que você nunca teve. Mas agora eu tenho amigos e é uma droga, porque não posso mais viver sozinha.


- Esses meninos realmente viraram sua vida de pernas para o ar, não é, querida?


- Não. Esses meninos me deram uma vida.


- Conte-me sobre eles. – os olhos verdes de Lily brilharam de contentamento e ela sorriu.


- Os três me completam, eu acho. James é inteligente, atencioso, compreensivo e amoroso; ele me entende apenas com o olhar e consegue me passar segurança num aperto de mãos; e ele cuida de mim e me protege. Marlene é a pessoa mais viva que existe na face da Terra; ela vive tudo intensamente, sem medo do amanhã; tem o sorriso mais bonito que eu já vi e seus olhinhos azuis são vibrantes e alegres; não existe meio termo, ela pode ir de um extremo ao outro; é incrivelmente passional: chora quando está triste, ri quando está feliz e briga quando está com raiva; é capaz de aquecer o coração mais gelado do mundo com um sorriso e trazer esperança a quem precisa. Sirius é um menino no corpo de gente grande, alguém que precisa de cuidado e atenção; é inconseqüente, não leva nada muito a sério e é bastante suscetível a fazer alguma loucura; ele ajuda no equilíbrio porque é a descontração em forma de gente, além de ser terrivelmente sedutor quando quer; ele arranca qualquer sorriso de qualquer pessoa e pode ser um doce ou um enjoado, depende do seu humor. – elas riram e Lily deu de ombros. – São as pessoas mais maravilhosas do mundo. E é isso.


- Esses meninos são mesmo especiais, veja só o sorriso que você coloca no rosto só de pensar neles. Preciso conhecê-los melhor.


- E você vai, prometo! – Lily afirmou, rindo para a Sra. Phillip. De súbito, algo pipocou em sua mente. – E você, Jane? Eu sei que você não é londrina, então onde está sua família?


- Eu sou de Bristol, querida. – começou a senhora, soltando um suspiro. – Era garçonete em um pequeno pub da cidade que pagava tão pouco que mal dava para encher barriga. Eu era casada com um operário, estava grávida e nossa situação era péssima. Bom, meu filho nasceu, mas meu marido e eu passamos a discutir muito por causa de dinheiro; agüentamos por um tempo, mas quando nosso filhinho completou três anos, nós nos divorciamos e eu decidi vir para Londres tentar ganhar dinheiro para sustentar meu filho. Deixei-o em Bristol com meu ex-marido e desde então venho juntando dinheiro para o fundo da faculdade dele. E fim da história.


- Poxa, como eu nunca soube disso? – a Sra. Phillip deu de ombros. - Jane?


- Ah, querida. Eu cheguei a mencionar meu filho quando você era criança, mas é claro que não se lembra.


- Há quanto tempo não o vê? – ela sabia que devia fazer anos, mas estava curiosa para saber ao certo.


- Treze anos. – a Sra. Phillip soltou num suspiro triste e Lily arregalou os olhos. – Eu o visitei algumas vezes em Bristol depois que vim para cá, porém...


- Minha mãe morreu. – completou a menina. - Não acredito que abriu mão da sua vida por mim, Jane!


- Você precisava tanto de mim, querida. – sussurrou e apertou as mãos de Lily. Ela sabia que era verdade, sempre precisara de Jane e sempre precisaria. – E além do mais, eu sempre me comuniquei com ele. Tenho um amontoado de cartas no meu quarto; e tenho fotos também.


- Sua vez, Jane. Conte-me sobre ele.


- Seu nome é Charles e ele agora tem vinte anos. Ele é tão lindo, Lily! E não falo isso só porque sou mãe! – ambas riram e Lily ficou feliz em ver um brilho nos olhos da Sra. Phillip. – Charlie é muito inteligente também, gosta da área de humanas; quer fazer Direito! Ele terminou a escola há três anos e estava trabalhando com o pai na construção civil, mas agora eu consegui juntar dinheiro suficiente para sustentá-lo bastante bem aqui em Londres.


- E isso quer dizer...?


- Que meu filho vem morar comigo! Vou ter meu bebê comigo depois de treze anos! – Lily percebeu os olhos marejados da governanta e a abraçou pelos ombros.


- Jane, que maravilha! Isso é ótimo! Quando ele vem para cá?


- Deve chegar em alguns dias. Ele passou para Cambridge e vai começar no próximo semestre, logo depois do Réveillon. Estou tão orgulhosa dele. – soltou outro suspiro e então olhou o relógio. – Oh, meu Deus, olhe a hora. Você tem que tomar café, Lily!


Rindo, as duas deixaram a suíte de Lily e rumaram para a sala de jantar. A menina sentou-se sozinha à mesa e se lembrou de chofre do que acontecera na noite anterior.


- Jane, meu pai falou alguma coisa? Sobre ontem? – ela tentou ao menos parecer chateada, mas nem isso conseguia. Só sentia raiva pela reação do pai. – Acha que eu estou muito encrencada?


- Não sei, querida. Seu pai estava tão calado quanto sempre esteve e não mencionou o incidente de ontem à noite. – ela olhou para os lados e completou. – Que as paredes não me ouçam, mas eu achei bem feito! – Lily gargalhou e fez uma singela reverência. – Você está meramente triste ou frustrada?


- Não, Jane. Eu cansei dessa vida. – disse Lily e fez um gesto de descaso com a mão.


É isso aí, garota. Finalmente você está aprendendo.


Lily tomou seu café silenciosamente remoendo a conversa que tivera com a Sra. Phillip. Havia sido a primeira vez que conversaram sobre sentimentos e Lily estava feliz por poder dividir aquilo com a governanta a quem amava como uma mãe.


De fato, não estava preocupada com a discussão que tivera com o pai. Na verdade, ela se sentia particularmente bem e orgulhosa. Sorriu enquanto mordia um pedaço de pão, imaginando se seus dias de conformismo estavam enfim acabados. Pensar em como havia sido covarde todos aqueles anos quase lhe fazia rir. Covardia era uma palavra forte para ser usada naquele contexto, mas Lily a achou correta, porque ela havia mesmo sido covarde. Covarde por ter colocado um sorriso frio no rosto e se conformado com a sua porcaria de vida, como se ela fosse perfeita. E ela tinha plena consciência de que não teria virado o jogo se os amigos não tivessem aparecido em sua vida; ela sabia que precisara deles, seus anjos da guarda, para sair do buraco. Lily sabia que eles não tinham surgido por acaso, mas agora sabia o motivo.


Eles chegaram para salvá-la, resgatá-la. Pintá-la.


Colorir.


Um sorriso bobo lhe escapou dos lábios antes que pudesse se refrear. Sem conseguir conter um impulso, Lily se levantou e começou a rodopiar pela sala. Cantarolava uma música que sua mãe costumava cantar quando ela era criança. Bailou sozinha pelo cômodo, soltando risadinhas quando esbarrava em algum móvel. Estava tão feliz que mal podia acreditar na própria sorte.


Ah, não é lindo?


Lily passou o resto do dia em casa, cansada por ter passado parte da madrugada acordada. Pensou no que faria e resolveu ir até a biblioteca da mansão. Ela não ia até aquele lugar desde os cinco ou seis anos quando seu pai a proibira veementemente de entrar lá. Girou a maçaneta, mas a porta estava trancada, e uma ruga de curiosidade se formou entre as sobrancelhas dela. Por que uma simples biblioteca estaria trancada? ela pensou. Será que havia algum segredo lá dentro?


Será? Hum, quem sabe...?


Lily mordeu os lábios, a curiosidade formigando dentro dela. Precisava da chave, mas não fazia idéia de onde ela estaria. Foi até o quarto do pai, pensando que também não entrava lá desde antes da morte da mãe, quando pedia para dormir com os pais por causa de pesadelos. Ela ficou parada à porta, pensando se deveria entrar. Ponderou por um segundo e mandou a apreensão às favas; abriu a porta e entrou no quarto. Estava exatamente do jeito que ela se lembrava: as mesmas cortinas cor de creme, as mesmas cobertas claras, os mesmo móveis e o mesmo tapete perolado. Seu pai não mudara absolutamente nada no cômodo. Era meio...


Triste?


Balançou a cabeça e se concentrou em encontrar a chave. Procurou por alguns minutos e a encontrou numa das gavetas da cômoda. Correu para a biblioteca, deu uma olhada no corredor vazio e girou a chave. O que viu a fez tomar o maior susto de sua vida.


Oh, ainda era uma biblioteca, não tenha dúvidas. Tinha estantes e livros e poltronas e luminárias. Mas não era só isso. A biblioteca era algo como um santuário. Um santuário para Elizabeth Mackenzie Evans, um santuário para Lizzie, um santuário para sua mãe. Lily fechou a porta atrás de si mirando embasbacada a sala. Na parede que ficava logo de frente à porta havia uma imensa pintura da matriarca da família: nela, Lizzie estava sentada no jardim da mansão, por entre os lírios plantados, sorrindo abertamente; seus longos cabelos ruivos caíam livres pelos ombros, sobre as mangas do vestido florido que usava. Lily se aproximou do quadro e tocou o rosto da mãe; seus olhos brilharam de saudades. Ela era tão linda.


Lily deixou a mão cair e olhou ao redor. Havia diversas fotos espalhadas por ali: Lizzie preparada para um recital de ballet, andando a cavalo, no primeiro dia na faculdade, num jantar com os pais, de braços dados com John num deslumbrante vestido de noiva em seu casamento, e finalmente, com a pequena filha nos braços. Além das fotos, havia o diploma da faculdade de Relações Internacionais, certificados dos cursos que ela havia feito e medalhas de competições. Havia pastas com todos os artigos que Lizzie publicara, além de um arquivo com histórias que ela escrevera. Lily ia puxar o arquivo de histórias quando uma porta na lateral da biblioteca lhe chamou a atenção; se desse sorte, ela estaria destrancada.


Estava. Yupi.


Lily teve que se apoiar na porta para não cair. Era um closet abarrotado com todas as roupas de Lizzie: vestidos, sais, blusas, casacos, vestidos de festa, collants de ballet, roupas de hipismo, aventais sujos de tinta das antigas aulas de pintura e... o vestido de noiva1. Lily não tinha palavras para descrever a beleza daquela roupa; era absurdamente linda. Ela não pôde deixar de se imaginar dentro daquele vestido...


... De braços dados com James num estonteante smoking?


Balançou a cabeça, tentando espantar a idéia, mas só conseguia suspirar bobamente. Sua mãe era tão linda, tão maravilhosa... Lily quase podia vê-la entrando na nave da Igreja, indo de encontro ao seu futuro marido. Uma pequena lágrima de saudade caiu em sua bochecha, mas ela a enxugou. Resistiu à tentação de vestir uma das roupas e deixou o closet; ao sair, ela reparou num pedaço de papel pardo perto de uma das estantes. Era o embrulho rasgado do presente que ela dera ao pai na noite anterior. O presente era uma foto ampliada da família, numa belíssima moldura dourada, tirada quando Lily tinha três anos, e estava ali no canto da biblioteca esperando para ser pendurado. A menina ficou feliz em saber que no fundo seu pai tinha gostado do presente que ela mandara fazer com tanto carinho. Decidiu deixar a biblioteca, porque tinha muita coisa para absorver e entender ali dentro. Tornou a trancar a porta e guardar a chave no quarto do pai. Quando enfim se refugiou na segurança do próprio quarto, Lily pôs-se a pensar.


Seu pai ainda amava sua mãe. E a amava tanto que não conseguia deixá-la ir, porque ainda se agarrava às lembranças dela para sobreviver. Lily suspirou tristemente. Pela primeira vez, ela sentiu pena do pai.


Ha! Sabia que havia algo por trás daquela impenetrável fortaleza de gelo.


Lily demorou horas para assimilar tudo o que havia visto e ponderou se devia questionar seu pai. Decidiu-se por ficar calada; sua vasta experiência lhe dizia que seu pai não lidaria bem com a questão. E ela não estava disposta a perder o pouco de liberdade recém adquirida - e escondida, vale ressaltar - que tinha por causa dos problemas emocionais do pai.


Essa menina está ficando esperta, vou te dizer.


A noite daquele dia 25 – Natal para as pessoas comuns – caiu e com ela veio um jantar tão silencioso que mal se ouvia o som suave das respirações. Para surpresa de Lily, seu pai não dera um pio sobre o incidente da noite anterior; na realidade, ele sequer lhe dirigira a palavra. Ele estava completamente indiferente e... frio. Tão frio que Lily não se atreveu a abrir a boca para lhe dar boa noite. Comeram num silêncio sepulcral, mas Lily se sentiu grata por isso; ela não queria discutir e correr o risco de cair em prantos novamente. Sem trocar olhares ou palavras, ambos terminaram seu jantar e subiram para seus respectivos aposentos.


Lily não encontrou James, Sirius e Marlene nos dias que se seguiram, então dedicou seu tempo livre a visitas à biblioteca. Ela aproveitou para ler os contos que um dia sua mãe escreveu; gostou particularmente de um sobre um homem que visitara uma cafeteria e se apaixonara pela garçonete anos mais jovem2. Ela achou engraçada a semelhança entre o conto e sua história com James.


Seria isso algum tipo de presságio de sua mãe? Não deixa de ser interessante.


Lily tentou, tentou de verdade, mas não conseguiu resistir à tentação de experimentar as roupas da mãe ao entrar na biblioteca na véspera da Festa Pré-Reveillon.  A maioria serviu perfeitamente e Lily caiu de amores por um longo vestido branco de mangas curtas e decote V. Era um vestido atemporal e jamais sairia de moda, e ela suspirou ao pensar se um dia poderia usá-lo. Mas a roupa que Lily realmente tentou evitar foi o vestido de noiva; ela não poderia macular aquela peça tão linda, tirá-la do invólucro que a guardava há dezoito anos. Ela resistiu o máximo que pôde, mas o vestido parecia lhe exercer algum fascínio. Pediu desculpas à memória da mãe e retirou a roupa da arara; com cuidado, abriu o zíper e entrou no vestido tomara-que-caia de rendas. Por fim, passou o bolerinho que acompanhava a roupa pelos braços e colocou sobre os cabelos ruivos a tiara de princesa. Mirou sua imagem no grande espelho que havia ali e deu um sorriso brilhante; nunca se sentira tão linda e angelical. Sua vontade era aparecer na porta de James e dizer “Oi, amor. Estou pronta, vamos casar e viver felizes para sempre?”.


Como o amor nos deixa idiotas, não?


Depois de matar a vontade de usar o vestido de noiva, Lily o recolocou no lugar, conferindo se estava tudo certo. Ao sair, Lily deu uma última olhadela no vestido e suspirou. Algo naquela roupa lhe dava esperança.


Finalmente o dia da Festa Pré-Reveillon chegou, com a neve mais fofa que nunca. Para a surpresa e animação de Lily, seu pai fez questão de avisar que não jantaria em casa; era só o que ela precisava para sair sem problema. E quando Marlene a convidou para se arrumarem juntas, Lily insistiu que elas passassem o dia na mansão.


- U-A-U! – exclamou a menina ao cruzar o limiar da porta de entrada. Lily a recebeu com um abraço. – Definitivamente, isso parece um palácio!


- Não exagere, Marlene.


- Mas eu não estou exagerando. Sua casa é linda, tão linda. – disse com os olhos brilhando. – Sirius tem que ficar rico logo, para podermos casar e morar numa mansão como essa.


- Marlene! – repreendeu Lily, rindo.


- O que? – com a cara mais lavada do mundo, Marlene sorriu de forma angelical e foi ao encontro da Sra. Phillip. Depois, ambas subiram para o quarto de Lily e Marlene se jogou na cama. – Isso é tão legal! Posso pular na sua cama?


- Ahn, não.


- Ah, qual é? Venha, Lily! – irritantemente animada, Marlene puxou Lily pelo braço com força. Ela relutou por um segundo, mas a amiga podia ser chatíssima quando queria, fitando-a com aqueles grandes, brilhantes e perturbadores olhos azuis. Por fim, ela se rendeu e sorriu para Marlene.


- Ok! Você venceu.


- Eba! – as duas se puseram de pé sobre a cama, bem no meio para não baterem as cabeças na madeira do baldaquino, e começaram a pular com os braços erguidos. Pulavam de mãos dadas, trocavam de lado e davam gritinhos histéricos. Na verdade, as amigas riam mais que pulavam. Quando nenhuma das duas conseguia suportar a dor nas costelas, se jogaram de costas sobre o colchão rindo enquanto faziam força para respirar normalmente.


- Certo, isso foi divertido. – riu Lily, massageando as costelas.


- Eu disse que seria. Você precisa se divertir mais, Li.


- Bom, é para isso que você serve: me divertir. – falou Lily dando de ombros, mas Marlene se fez de ofendida e jogou uma das muitas almofadas no rosto de Lily.


- Sua aproveitadora! Sabe o que você é? – quando Lily fez que não, Marlene concluiu – Lobo em pele de cordeiro! – dessa vez, foi a ruiva que acertou uma almofadada na amiga. Elas começaram uma pequena guerra de travesseiro, correndo pelo quarto. No andar de baixo, a Sra. Phillip sorria imaginando porque as duas riam tanto.


Ah, deixa as meninas se divertirem.


- Trégua! – gritou Lily, quando foi encurralada por Marlene, que lhe encarava com as narinas infladas e o travesseiro erguido, pronto para se abater sobre a cabeça ruiva suplicante. – Baixe essa arma, Lene.


- Tudo bem, ruivinha. – Marlene soltou o travesseiro. – Então, o que quer fazer agora?


- Ahn, conversar. – elas se sentaram na cama e se puseram a falar. – Conte-me como foi o aniversário de namoro.


- Foi tão lindo, Lily! Aliás, obrigada por ajudá-lo a arrumar as coisas. – disse ela, com os olhos brilhando. – Nós tomamos vinho e ele me deu uma corrente de ouro branco, veja. – Marlene puxou de dentro da blusa uma fina corrente de ouro branco, onde havia um pingente de safira pendendo.


- É linda! Sirius teve muito bom gosto.


- Pois é! Eu nunca disse para ele que minha pedra preferida é safira, mas ele descobriu mesmo assim. Ele disse que a pedra lembra os meus olhos. – Marlene soltou um suspiro apaixonado.


- Quem diria que Sirius Black é um homem romântico, hã?


- Ah, Lily, ele é. Você sabe da história, não é? – Lily afirmou com a cabeça. – Então, você sabe que debaixo daquela casca está um garotinho. Nós só precisávamos abrir um buraco para que ela se quebrasse e Sirius pudesse mostrar o que é de verdade.


- Sirius disse que você e James têm complexo de super herói. Devo concordar com ele.


- Bom, vocês não podem reclamar.


- E quem disse que estamos reclamando? Devemos tudo a vocês e sei que nunca seremos capazes de agradecer o suficiente.


- Ficar conosco para sempre me parece uma boa recompensa. – elas sorriram uma para outra e Lily se lembrou que precisava entregar seu presente à Marlene. Pulou da cama e foi até o armário. – O que vai fazer? Ainda temos tempo antes de começarmos a nos arrumar.


- Estou pegando seu presente de Natal! – Lily voltou para cama com uma grande caixa amarrada com um laço de fita e entregou para a amiga. – Abra.


- Oba, presente! – Marlene puxou o laço e abriu a tampa. – Oh, meu Deus! Lily, eu amei! Obrigada, obrigada! É tudo o que eu sempre pedi aos meus pais! Você é adivinha?


- Não, eu só presto atenção nas coisas. Fico feliz que tenha gostado.


- Está brincando? É demais! – Marlene pulou no pescoço de Lily e lhe esmagou num abraço. Depois voltou a admirar o seu presente.


No interior da caixa havia um kit para modistas; o sonho de Marlene era ser estilista. Havia cadernos de papel canson para os croquis, vários lápis 6B e coloridos, borrachas especiais, linhas de todas as cores imagináveis, agulhas, moldes, fita métrica, mostruário de tecidos, revistas especializadas e livros sobre a história da moda.


- Só não tive verba suficiente para lhe comprar uma máquina de costura. – Lily falou com certo pesar. Se dependesse dela, daria até um ateliê para Marlene.


- Não se preocupe. Minha mãe comprou uma máquina quando quis aprender a costurar há uns anos, mas ela era um fracasso. Agora finalmente aquele trambolho servirá para alguma coisa. E você, senhorita Lily Evans, será a minha modelo. – ela abriu a boca para protestar, mas Marlene a impediu de falar. – Quieta! Se você não tivesse me dado esse presente, eu não precisaria de uma modelo. Estamos combinadas? – Lily concordou muito a contragosto. Sempre cedia ao que os amigos pediam e pelo visto sempre cederia. – Falando em Natal, eu estou com seu presente aqui também. Ele parece bem bobinho agora, perto do que você me deu.


- Ah, fique quieta, dê-me logo! – Lily esticou as mãos ávidas e Marlene lhe entregou um embrulho quadrado. Ela abriu e viu um caderno grande, de capa estilizada, como uma montagem colorida. Estava em branco e havia um cadeado nas laterais. – É um diário, certo?


- Algo assim. Eu prefiro chamar de livro das lembranças. Você pode escrever o que quiser aí: pode usar como diário, ou escrever uma história. Tem lugar para fotos, cartas, desenhos. E um espaço para as pessoas escreverem depoimentos para você, como num anuário de colégio. Olhe, eu, James e Sirius já escrevemos os nossos. Depois você pode pedir para a Sra. Phillip ou seu pai.


- Duvido que meu pai escreva alguma coisa aqui depois da nossa discussão.


- Você e seu pai brigaram? Estou chocada! O que fizemos com você, meu Deus? – Marlene fingiu abrir a boca de espanto, fazendo Lily rir. – Conte-me o que houve.


E assim como havia contado a James, Lily narrou o acontecido da véspera de Natal. Marlene ouvia a tudo de olhos arregalados, como lhe era peculiar. E com a sinceridade que lhe era ainda mais peculiar, ela mandou na lata:


- Seu pai é tão impossível. E não estou falando em um bom sentido. – Lily deu de ombros, como se não ligasse. – E você foi para casa do James? Sua danadinha, já está freqüentando a casa do namorado de madrugada, é?


- Pare de ver maldade nisso, Marlene! O Sr. Potter e Liam estavam lá, obviamente.


- Como se isso impedisse que vocês fizessem alguma coisa...


- Marlene! – Lily sentia seu rosto vermelho de vergonha.


- Certo, desculpe. Não falo mais nada sobre isso. Então, me diga o que você deu de Natal para James.


- Eu reproduzi aquela foto que tiramos no Hyde Park numa tela e mandei emoldurar. E para Sirius eu comprei uma jaqueta de couro da Harley Davidson que ele viu numa vitrine enquanto preparávamos o seu piquenique. Ele ficou maluco por ela, então, assim que ele se distraiu comprando um vinho, eu entrei na loja e comprei a jaqueta!


- Meu Deus, você é ótima com presentes! Uma pena que meu aniversário seja só em seis meses. – elas riram e ouviram o relógio da sala dar sete badaladas. – Opa! Sete horas, precisamos nos arrumar para a festa.


- Com que roupas nós vamos?


- Não se preocupe com isso. Entre no banho enquanto eu separo o que usaremos. – Marlene empurrou Lily em direção ao banheiro e começou a vasculhar o armário atrás das roupas que haviam comprado meses antes. Quinze minutos depois, Lily saiu do banheiro enfumaçado enrolada num roupão e Marlene entrou fechando a porta em seguida.


Lily vestiu as roupas que Marlene havia separado para ela: a calça pantalona escura de cintura alta e a blusa justa preta de mangas compridas e decote V. O par de peep toes vermelhos e o lenço estampado também vermelho eram de Marlene, que levara para Lily por via das dúvidas. Ela não sabia como faria para se equilibrar nos saltos dos sapatos e andar no chão molhado de gelo. Tinha certeza que cairia antes de chegar ao carro.


Quando Lily estava penteando os cabelos, Marlene saiu do banheiro envolta num robe atoalhado e começou a se vestir. Ela vestiu meia calça e blusa justa de gola alta e mangas compridas, ambas as peças pretas. Por cima, ela colocou um vestido também preto que, para Lily, mais parecia um curto casaco de detetives.


Só que muito mais bonito, chique e feminino, é claro.


Após abotoar o vestido/casaco, Marlene passou uma faixa preta na cintura e a amarrou. Para completar o visual, ela calçou um par ankle boots cinza.


- O que acha? – ela perguntou quando Lily se virou para ela.


- Eu acho que você está linda.


- Não, não. Nós estamos lindas. – sorrindo, ela tirou o lenço do pescoço de Lily. Pegou o roupão que Lily usou ao sair do banheiro e passou pelos ombros dela, antes de passar seu próprio robe pelos seus. Lily a olhou sem entender. – Ora, você quer sujar suas roupas de comida durante o jantar? Ou você pensou que sairíamos daqui de barriga vazia?


- Bom, na verdade não pensei em nada. Mas pela hora, Jane está pondo à mesa. – Lily disse dando de ombros e puxou Marlene pelo braço.


De fato, a comida estava sendo servida quando elas desceram. Comeram seus pratos de macarronada o mais rápido possível e voltaram para o quarto. Marlene secou e escovou seus cabelos e os de Lily e depois as duas se maquiaram. Pela primeira vez, Lily admirou sua imagem verdadeiramente arrumada no espelho: seus olhos estavam realçados e pareciam dois faróis verde-esmeralda de tão iluminados, e ela estava de batom!


Era de uma cor clara, já que os olhos estavam escuros, mas ainda assim... era um batom!


Segundo Marlene, cuja modéstia fora dar um longo passeio sem prazo de volta, as duas estavam dignas de capa de revista ao ficarem prontas. Em duas horas e meia, ambas ficaram limpas, perfumadas, vestidas, escovadas, maquiadas e sentadas esperando Sirius e James chegarem para buscá-las. Faltavam quinze minutos para as dez horas quando elas ouviram a buzina característica do carro.


- Divirtam-se e juízo! – desejou a Sra. Phillip ao se despedir das meninas. Com cuidado, elas caminharam devagar pelo chão escorregadio e entraram no carro. Os meninos assobiaram para elas, que riram lisonjeadas.


Como se eles não estivessem absolutamente lindos também. Arrã.


James, pelo o que Lily pôde ver, estava de jeans, camiseta branca, blazer preto e All Stars branco. Já Sirius era a perfeita imagem de um bad boy: jeans rasgados e camiseta de banda, jaqueta de couro surrado e tênis pretos.


Eu ouço suspiros. Sinto muito, meninas, eles já têm donas.


Eles podiam ouvir o barulho da boite Gêneses a quadras de distância e quando adentraram o lugar, era quase ensurdecedor. Mas era tão cheio de vida, de gente! Lily riu ao ver como poderia gostar da vida de baladeira. James e Sirius pegaram lugares no balcão enquanto Marlene arrastava Lily para a pista de dança, mesmo após esta ter afirmado que não sabia dançar.


- É só mexer o quadril, Lily! – gritou Marlene, remexendo o corpo. – E você é bailarina, pelo menos tem ritmo! Dança comigo, vamos deixar aqueles dois babando! – aos poucos, Lily foi entrando no ritmo da música. Como a boa bailarina que era, deixou a batida lhe guiar.


Se bem que a batida de uma música eletrônica não é mesmo parecida com a melodia de uma música clássica. Mas deixemos que ela pense isso.


Aos poucos, a pista de dança se encheu e Lily e Marlene ficaram espremidas no meio da multidão. Logo depois, James e Sirius se juntaram a elas com drinques nas mãos. Eles dançavam e suavam tanto que Lily se perguntava por que estava de mangas compridas e Marlene passava a mão pelo pescoço ameaçando abrir o vestido.


Isso é efeito do calor humano na pista de dança ou do álcool na corrente sanguínea? Mistério.


Perto da meia noite, o DJ colocou uma música lenta e convidou os casais a se juntarem na pista. Acalmar os ânimos, ele disse. Num instante a multidão de jovens eufóricos evaporou da pista de dança e sobraram apenas alguns apaixonados.


Ou não.


Por mais que Sirius não quisesse dançar, eles o convenceram a ficar ali. Os quatro se dividiram em dois casais e se puseram a dançar juntinhos. James enlaçou Lily pela cintura e ela passou os braços pelo pescoço dele; Lily não conhecia a música que estava tocando, mas James sim, porque ele colou seu rosto ao dela e passou a cantarolar a letra num sussurro inebriante.


- “Let’s go to the park. I wanna kiss you underneath the stars. Maybe we’ll go too far, we just don’t care…”3


Lily se agarrou mais a ele e fechou os olhos, permitindo que ele a embalasse. Poderia ficar nos braços dele para sempre. James continuou cantarolando e algo dentro dela queria que ele a tirasse da pista e a encurralasse num canto escuro da boite.


- “Let’s make love. Let’s go somewhere they might discover us. Let’s get lost in lust…”4


O “algo” dentro dela explodiu e Lily se agarrou a James num beijo sôfrego. Eles nunca havia se beijado daquela maneira e ele foi pego de surpresa pela ação dela.


Sei bem que “algo” era esse. Qualquer dia alguém te conta o que é isso, Lily.


James tratou de se recuperar do choque rapidamente e apertou Lily contra ele. Era um beijo avassalador, daqueles que fazem a cabeça girar loucamente. Lily queria minar qualquer brecha que houvesse entre eles e provavelmente teria feito isso se o DJ não tivesse colocado uma música animada e os gritos das pessoas não a tivesse despertado. Ela soltou James num átimo e ficou fitando o namorado com os olhos arregalados. Mas o que deu nela, meu Deus?


Ha! Sem comentários.


Ela estava pensando seriamente em sair correndo, tamanha era a vergonha que sentia, quando James deu aquele sorriso de covinhas para ela e a puxou para fora da pista de dança. Ficaram parados perto do bar, onde a música não estava tão alta.


- O que deu em você, hã? – perguntou ele, rindo. Não parecia remotamente envergonhado como ela estava.


- Você ficou cantarolando aquela música! – James explodiu numa gargalhada.


- Quer dizer que eu te seduzi? – emburrada, Lily assentiu e ele riu mais ainda. – Você me agarrou daquele jeito como se fosse arrancar minhas roupas só porque eu cantei?


- JAMES! – ela gritou e enterrou o rosto nas mãos. Ele a puxou para um abraço e beijou o topo da cabeça dela.


- Lembre-me de cantar mais vezes. – Lily estapeou as costas dele. – Ai! Você é minha namorada, eu deixo você tirar as minhas roupas a hora que quiser.


- Engraçadinho! – ela disse contra o peito dele. James riu e a beijou.


Bom, James, se ela não quiser, tem quem queira! Ok?


Voltaram a dançar logo depois, mas Lily não se arriscou a agarrá-lo. Só Deus sabia o que havia dado nela.


Só Deus? Tem certeza?


Por volta das três ou quatro da manhã, Marlene já estava trôpega. Lily sabia que não demorariam a ir embora, então deixou James na pista de dança e foi até o banheiro. Ela não queria ir sozinha, mas Marlene estava agarrada ao pescoço de Sirius de tal forma que ela não se atreveu a chamá-la. O banheiro ficava num corredor muito mal iluminado e a música ali era consideravelmente mais baixa. O lugar, diferente de todo o resto da boite, dava-lhe arrepios e uma sensação incômoda. Antes de sair do banheiro, Lily se acercou de que estava com uma aparência razoável; dando-se por satisfeita, ela voltou ao corredor mal iluminado. Estava quase na saída quando uma mão lhe agarrou o pulso. O coração dela martelou contra as costelas.


- Opa! – falou o homem que lhe segurava. Ela tentou se soltar do aperto, mas ele fechou mais a mão em torno do pulso dela. – Calma, ninguém vai te fazer mal. – a voz dele era calma e aveludada. Suave e sedutora, ela percebeu apesar do medo que sentia.


- Solte-me, por favor.


- Por quê? Não quer conversar um pouquinho? Faça-me um pouco de companhia, prometo não fazer nada que você não queira.


Medo, ela sentia o mais puro medo.


- Sinto muito, preciso encontrar meus amigos e meu namorado. – tentando manter a voz firme, ela frisou a palavra “namorado”. Mas não surtiu o efeito esperado.


- Namorado? – o homem a virou de frente para ele. Seu rosto estava encoberto pelas sombras e só o que ela podia ver era o par de brilhantes e zombeteiros olhos azuis. – Por que ele lhe largou sozinha? Verdadeiros cavalheiros devem proteger suas damas de tudo e de todos. – foi a vez dele de frisar a palavra “todos”. Lily sentiu que ficava mais apavorada a cada segundo, mas algo naqueles olhos lhe dizia que ele não a machucaria. Por um momento, ela acreditou que ele só estava...


Brincando?


- Você quer me soltar, por favor?! – Lily pediu, dessa vez com veemência. Ao que o homem fez cara de descaso.


- Não. – respondeu simplesmente e seus olhos brilharam mais ainda naquelas sombras. Eles seriam capazes de hipnotizar qualquer pessoa e Lily acreditava de verdade que mergulharia naquelas íris azuis se não saísse de lá em segundos. Ela se contorceu, mas ele só apertou mais os braços dela. Ele ia beijá-la, ela sabia. E não conseguiria fazer nada, ele era muito mais forte e ninguém parecia sentir uma vontade súbita de fazer xixi e encontrá-la ali. Tentou se soltar mais uma vez e ouviu sua risada macia e desdenhosa. Fechou os olhos e cerrou os lábios antecipando o movimento dele.


Um movimento que não veio.


De repente, o aperto em seus braços afrouxou até soltá-la e ela abriu os olhos. Sirius viera em seu socorro e acabara de acertar um soco na boca do homem, que caíra no chão praguejando.


- Graças a Deus! Pensei que ninguém viria! – falou Lily, abraçando Sirius com força. – Obrigada, Sirius. Você não sabe o medo que eu senti. Ele ia me beijar a força!


- Eu sei, Lily. Eu sei. Vamos sair daqui, os outros estão lá fora nos esperando. – Sirius a abraçou pelos ombros e se dirigiu com ela até a saída. – Você conseguiu ver o rosto dele?


- Não! Estava muito escuro. – ela respondeu frustrada. – Não lhe disse meu nome e nem ele me disse o seu.


- Menos mal. Também não consegui ver o rosto dele direito, apenas o suficiente para lhe acertar um belo soco. – eles riram. – Você quer que eu conte isso ao James?


- Não, é capaz de ele voltar só para esmurrar a cara daquele homem.


- Seria bem merecido. – gritou Sirius; estavam atravessando a multidão dançante.


- Eu sei, mas James não precisa de uma queixa de agressão contra ele. Graças a Deus, você apareceu, Sirius! Obrigada.


- Não há de que. Eu estava exatamente te procurando. James me disse que você estava demorando a voltar do banheiro e que ia atrás de você, mas eu o mandei ficar com a Marlene, porque se ele te encontrasse naquele corredor escuro, vocês iam ficar se agarrando e nós não iríamos embora nunca. – Lily lhe deu um tabefe no ombro. – Por que eu sempre apanho?


- Porque você é sempre tão sincero que chega a dar nos nervos! – os dois riram e finalmente alcançaram a calçada molhada de neve. – Oi, pessoal! – disse para os outros dois. James a olhava meio aliviado e Marlene parecia não enxergar dois palmos à frente do nariz.


- Por que demorou tanto? – ele perguntou. Lily fez sua melhor cara de descaso e respondeu:


- Tinha fila. – para sua felicidade, ele comprou a mentira e ela sorriu aliviada para Sirius. Os quatro entraram no carro e James ligou o aquecedor. Como a boa bêbada que era, Marlene tentou falar alguma coisa, mas as palavras saíram enroladas e ela desistiu, deitando a cabeça no ombro de Lily e fechando os olhos.


  Deixaram Marlene em casa primeiro. Sirius a ajudou a entrar e então voltou para o carro. Depois, Lily foi deixada em sua porta em segurança. A adrenalina do encontro com o estranho já tinha passado e ela só conseguia sentir sono e dor nos dedos dos pés e nos calcanhares. Ela descobriu que não nascera para usar saltos altos. Cuidou para não cair durante o caminho até a porta de entrada. Como na manhã do Natal, a Sra. Phillip estava dormindo desconfortavelmente numa poltrona. Lily a acordou e depois se retirou para seu quarto em silêncio; trocou de roupas, fazendo questão de esconder os sapatos e o lenço, e se enfiou debaixo das cobertas quentes.


Parecia que ela havia dormido por apenas cinco minutos quando despertou de repente ao ter seus cobertores puxados com força. Sentou-se na cama e deu um violento bocejo. Parada em frente à ela estava a Sra. Phillip com a expressão de mais pura felicidade. De alguma forma, o brilho de alegria nos olhos a governanta arrancou um sorriso de Lily.


- Bom dia, Jane! Por que essa felicidade toda?


- Lembra-se do dia em que você chegou da casa daquele rapaz, o James, e nós conversamos? – suas palavras eram pontuadas de euforia. Lily assentiu sorrindo. – Eu comentei que meu filho estava para chegar e...


- Oh, meu Deus! Jane, ele está aqui? Seu filho está aqui?


- Está, querida! Meu filhinho está aqui, finalmente! Está lá embaixo! – Lily deu um pulo da cama e abraçou a Sra. Phillip, genuinamente feliz por ela.


- Espere eu trocar de roupas e escovar os dentes, ok? Estou louca para conhecer seu filho, Jane! Talvez possamos ser amigos, o que acha? – disse ela, tirando o pijama e enfiando as primeiras calças de lã e blusa de manga comprida que viu no armário. Correu para o banheiro, escovou os dentes e ajeitou o cabelo. Ela queria de verdade conhecer o filho de Jane, já que a considerava sua segunda mãe. O que fazia a velha governanta feliz também lhe fazia feliz. – Estou pronta, vamos!


Elas desceram as escadas correndo, quase tropeçando nos próprios pés. A Sra. Phillip foi à frente e já estava na sala quando Lily desceu os últimos degraus.


- Querida, esse é meu filho Charles! – apresentou a Sra. Phillip animada. Lily sorriu antes mesmo de vê-lo.


- Muito prazer, Charles! Eu sou Li... – ela se interrompeu ao mirar o rosto dele. Ele era absurdamente lindo. Mas não foi isso que a obrigou a parar. Lily arfou e levou ambas as mãos à boca.


Reconheceria aqueles zombeteiros olhos azuis em qualquer lugar.

__________________________________________________________

1) Eu tirei a ideia do vestido de noiva da Lizzie desta foto aqui:
 É um Vera Wang e eu fiquei apaixonadíssima por ele. Achei-o perfeito para ser o vestido que a Lizzie usou ao se casar com o John! :)

2) Essa historinha que a Lily leu sobre o homem na cafeteria é minha, na verdade. Foi um pequeno conto que eu escrevi ano passado e na hora só consegui lembrar dele para colocar ali ;)


3) Trecho da música We just don't care do John Legend. A tradução é: "Vamos ao parque. Eu quero te beijar sob as estrelas. Talvez a gente vá mais longe. Simplesmente não nos importamos..."

4) Esse trecho é da mesma música. Tradução: "Vamos fazer amor. Vamos a um lugar onde possam nos descobrir. Vamos nos perder na luxúria...."


N/A: Oii, amiguinhas e amiguinhos! :B Que capítulo grande e cheio de enrolação, hã! Eu gosto dele porque é cheio de diálogos que eu considero importantes. Tem a primeira conversa mãe-e-filha entre a Lily e a Sra. Phillip; a descoberta da biblioteca minsteriosa!; o dia divertido de Lily e Marlene; a dança nada sensual de Lily e James... Eu adoro a parte da dança, inclusive. Depois alguém explica para a Lily o que foi que ela sentiu ali! HAHAHAHA ' Deixei toda a ação do capítulo por conta da Festa Pré-Reveillon. E, tchãtchãtchã, CHARLES PHILLIP apareceu já causando! HAHAHAHA ' O que podemos esperar dele? Huuum, mistério! ;)


Caraca, que N/A enooorme! Antes de partir eu quero agradecer aos novos leitores, aos velhos leitores, a quem comenta, a quem não comenta... HIHI. Espero que gostem do capítulo, gente! E já sabem, comentem muito. Isso faz muito bem! HAHAHA.


É isso, galera! Amo vocês (L) Beijos beijos,


Liv


 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (1)

  • Lana Silva

    Poxa quando ele agarrou ela e depois a Jane falou do filho eu imaginei que fosse ele O.O quero saber como a Lily vai agir agora com ele, nossa Jane cuidou dela a vida toda, será que ela vai falar que o filho dela fez ? O.O amandoooooooooobeijooooooos *-* 

    2012-07-23
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.